Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1561/22.9T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: EXECUÇÃO BASEADA EM INJUNÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA INJUNÇÃO AO EXECUTADO
PRECLUSÃO DO DIREITO À DEFESA POR PARTE DO EXECUTADO
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 20.º DA CRP
ARTIGOS 1.º; 13.º, 1; 14.º, 1 E 14.º-A DO DL 269/98, DE 1/2
ARTIGOS 225.º, 2 A 5; 235.º, 2; 703.º, 1, D); 731.º E 857.º, 1, DO CPC
Sumário: I - O procedimento de injunção tem a particularidade de garantir ao requerido a faculdade de se defender e de por via da dedução de oposição provocar a remessa do procedimento para apreciação jurisdicional, no estrito cumprimento do princípio do contraditório, o que não sucede na formação dos títulos extrajudiciais.

II - Segundo o art.º 13º, nº 1, al. b), do Regime anexo ao DL 269/98, na redacção da citada Lei 117/19, deve constar do conteúdo da notificação do requerido a preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no art.º 14º-A.

III - Para que exista um "processo justo" é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. art.º 235º, nº 2, in fine do NCPC).

IV- Inexistindo a notificação do executado, com tal expressa advertência, é-lhe lícito a dedução de toda a sua defesa nos embargos de executado

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

          Proc.º n.º 1561/22.9T8SRE-A.C1

                                               1.- Relatório

1.1. - A..., Ld.ª, com sede na Rua ..., ... ..., intentou requerimento de injunção contra B..., Ld.ª, com sede na Urb. ..., ..., ... ....

No mesmo o Sr.º secretário Judicial em 07.07.2022colocou-lhe a sigla força executiva.

Com base em tal iniciou-se a execução.

Veio a exequente – B..., L.ª – deduzir embargos de executado, alegando em síntese, que não foi notificada para se por à injunção n.o 40930/22...., pelo que o título executivo é assim inválido e inexistente; alega ainda a prescrição presuntiva inserida no art.o 317.o, al. c), do Código Civil, ou seja, os créditos anteriores a agosto de 2020 estão prescritos. Mais alegou que não deve os valores peticionados, já que após a morte do sócio gerente da executada, em reunião tida em finais de 2015, nas instalações da B..., foram pagos à exequente todas as avenças correspondentes ao trabalho prestado, bem como acordado que a partir daquela data seriam pagos os atos praticados à peça, com valor a acordar, pretendendo os herdeiros serem informados dos mesmos. A exequente limitou-se a emitir as faturas, sem que de alguma vez as comunicasse à executada ou aos herdeiros do gerente falecido; a executada e os representantes legais do falecido nunca reclamaram as faturas, nem podiam, porquanto nunca tiveram acesso às mesmas ou souberam da sua emissão.

Numa reunião tida em finais de 2021, com todos os herdeiros e seus mandatários, a exequente apresentou um valor em dívida, sem que sequer tivesse dado a conhecer qualquer fatura. Os herdeiros do gerente da B..., aqui executada, não podem escrutinar os alegados serviços prestados e se os mesmos estão faturados de acordo com o contratado.

                                                           ***

1.2. - Em 10/2/2023 foi proferido despacho a indeferir liminarmente os embargos de executado deduzidos pela executada “B..., Ld.a,” com base em fundamentos legalmente desajustados no que concerne à prescrição e impugnação do crédito, do teor que se transcreve:

(…)

Os factos relevantes a considerar que resultam da consulta dos autos principais:

1 – O título executivo dado é um requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva.

2 – O requerimento de injunção deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 13.04.2022.

3 – Foi-lhe aposta força executiva em 07.07.2022.

O DL 269/98 foi alterado pela Lei 117/2019, de 13 de setembro, que introduziu o artigo 14.o-A neste diploma legal, com a seguinte redação:

“Efeito cominatório da falta de dedução da oposição

1. Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225. do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. A preclusão prevista no número anterior não abrange:

a. A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;

b. A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729° do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;

c. A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;

d. Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”.

Por seu turno, o artigo 857 do Código de Processo Civil, alterado também pela Lei 117/2019, estabelece que:

“ 1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.o, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.o-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.a Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual

2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos  caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.

3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:

a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção

b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso. ”.

As alterações legislativas supra referenciadas entraram em vigor em 1 de janeiro de 2020, pelo que se aplicam quer ao requerimento de injunção ao qual foi aposta força executiva e que constitui o título executivo da execução a que os presentes autos correm por apenso, como aos embargos de executado deduzidos à mesma.

Posto isto, o alegado pela embargante no que respeita à exceção da prescrição (exceção que não é de conhecimento oficioso) e a impugnação da dívida porque há valores pagos e, ao contrário do combinado, as faturas dos serviços prestados nunca foram enviadas, não podendo ser alvo de apreciação e reclamação, não integram nenhuma das exceções previstas no artigo 14.o-A, do DL 269/98, nem no artigo 857.o, do Código de Processo Civil, para que se possa admitir o presente incidente de embargos de executado quanto a essas matérias, apenas se ressalva a questão da não notificação do requerimento injuntivo.

*

Prescreve o artigo 732.o, n.o 1, que “ Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando:

a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo;

b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729 a 731;

c) Forem manifestamente improcedentes. ”.

Em face do supra exposto, é manifesto que os fundamentos dos presentes embargos de executado, no que concerne à prescrição e impugnação da dívida, não se ajustam ao disposto no artigo 14.o-A, do DL 269/98, nem aos artigos 729.o e 857.o do Código de Processo Civil.

Deste modo, face ao disposto no artigo 732.o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os embargos de executado deduzidos pela executada “B..., Ld.a,” com base em fundamentos legalmente desajustados no que concerne à prescrição e impugnação do crédito.

*

DECISÃO:

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 732, no. 1, al. b), do CPC:

- indefere-se liminar e parcialmente os presentes embargos à execução quanto às matérias acima mencionadas.

*

Custas, nesta parte, a suportar pela executada/embargante (cfr. arto. 527, do CPC).

*

Valor dos embargos: igual ao valor da execução.

*

Notifique e registe.

Comunique à Agente de Execução.

*

Quanto ao fundamento dos embargos respeitante à não notificação do requerimento injuntivo:

Admito a oposição mediante embargos da embargante restrita à matéria ora mencionada, pelo que determino a notificação da exequente para, dentro do prazo de 20 dias, apresentar a sua contestação quanto à matéria invocada, sob pena de se terem por confessados os factos, salvo os que estiverem em oposição com os expressamente alegados no requerimento executivo sobre a mesma questão, devendo logo oferecer os meios de prova – v. artos. 868, 729, 732, nos. 1 a 3, e 733, todos do Código de Processo Civil.

Notifique ainda a exequente para, em igual prazo, se pronunciar, querendo, sobre uma eventual suspensão da execução à luz do n.o 1 al. d) do art. 733o, do citado diploma legal.

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Comunique à Agente de Execução.

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Junte todo o expediente relativo à notificação da Requerida.

Após notificação desse expediente às partes, abra conclusão para o podermos igualmente analisar.

                                                           ***

1.3. - Inconformada com tal decisão dela recorreu o embargante - B..., LDA. – terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. O Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 732, n.o 1, al. b) do CPC:

- indefere-se liminar e parcialmente os presentes embargos à execução quanto às matérias acima mencionadas.”

2. A recorrente deduziu embargos de executado com fundamento na prescrição e impugnação da dívida e na não notificação do requerimento injuntivo.

3. O Tribunal a quo considerou ser “(...) manifesto que os fundamentos dos presentes embargos de executado, no que concerne à prescrição e impugnação da dívida, não se ajustam ao disposto no art. 14.o-A, do DL 269/98, nem aos artigos 729.o e 857.o do Código de Processo Civil.Deste modo, face ao disposto no art. 732o, n.o 1, alínea b), do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente os embargos de executado deduzidos pela executada “B..., Ld.a”, com base em fundamentos legalmente desajustados no que concerne à prescrição e impugnação do crédito.”

4. O mesmo despacho refere ainda que, “o alegado pela embargante no que respeita à exceção da prescrição (exceção que não é de conhecimento oficioso) e a impugnação da dívida porque há valores pagos e, ao contrário do combinado, as facturas dos serviços prestados nunca foram enviadas, não podendo ser alvo de apreciação e reclamação, não integram nenhuma das exceções previstas no artigo 14.o-A, do DL 269/98, nem no artigo 857o, do Código de Processo Civil, para que se possa admitir o presente incidente de embargos de executado quanto a essas matérias (...)”.

5. O despacho proferido pelo Tribunal a quo, com o devido respeito, fez uma errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente no que concerne à aplicação das normas previstas nos artigos 729o, 732o e 857o, todos do CPC e art.14o-A do DL n.o 269/98, de 1 de Setembro.

6. A ora recorrente fundamentou os seus embargos de executados com o que a seguir se transcreve:

(...)

27. A executada não deve os valores peticionados;

28. Após a morte do sócio gerente da executada, em reunião tida em finais de 2015, nas instalações da B..., foram pagos á exequente todas as avenças correspondestes ao trabalho prestado;

29. Bem como acordado que a partir daquela data seriam pagos os atos praticados á peça, com valor a acordar, pretendendo os herdeiros serem informados dos mesmos,

30. Ficando ainda a exequente, naquela data incumbida de elaborar os documentos contabilísticos com vista ao encerramento das sociedades em que o sócio gerente da ora oponente era sócio, C... Lda; D... Lda; E... Lda

31. Acontece que, apesar de diversas vezes solicitados, quer via mail, quer presencialmente a exequente nunca o fez, e durante sete anos desconhecem o que foi feito que actos foram praticados á sua revelia;

32. A Executada impugna, todos os actos, alegadamente praticados nos documentos, leia-se facturas discriminadas no ponto 2. do requerimento injuntivo, porquanto, nunca tiveram acesso às mesmas, fosse porque meio fosse, desconhecendo o seu conteúdo;

I- Questão Prévia

33. A exequente limitou-se a emitir as facturas, sem que de alguma vez as comunicasse á executada ou aos herdeiros do gerente falecido.

34. A executada e os representantes legais do falecido, nunca reclamaram as facturas, nem podiam, porquanto nunca tiveram acesso às mesmas, ou souberam da sua emissão,

35. A exequente sempre ocultou as mesmas aos representantes da executada;

36. Em reunião tida em 6 de Maio de 2021, na presença da exequente, foi mais uma vez solicitado os elementos contabilísticos com vista ao encerramento,

37. Tendo a exequente se comprometido mais uma vez a entregar os documentos, o facto é que nunca o fez

38. Estando a mesma em contacto direto com alguns dos herdeiros e seus mandatários nunca entregou qualquer factura de serviços prestados para que pudesse ser conferida.

39. A exequente, numa reunião tida em finais de 2021, com todos os herdeiros e seus mandatários apresentou um valor em dívida, sem que, sequer tivesse dado a conhecer qualquer fatura.

40. Valor que nunca foi aceite, nem é, sem que os herdeiros do gerente da B... aqui executada possam escrutinar os alegados serviços prestados e se os mesmos estão facturados de acordo com o contratado

41. Pelo que, não sendo devido o capital dado a execução, também não são devidos quaisquer juros de mora,

42. Pelo que desde já se impugnam os montantes peticionados a esse título

7. A recorrente apresentou factos e fundamentos relevantes, que obstam a que a recorrida possa estar a exigir à recorrente um crédito que de facto já foi pago.

8. Fundamentos esses, que o Tribunal a quo erradamente não conheceu, porquanto, erroneamente, indeferiu liminarmente os embargos de executado naquela parte.

9. O que é, com o devido respeito, manifestamente censurável e ilegal.

10. Os embargos de executado foram o único meio que a recorrente teve para poder deduzir a sua oposição, já que a mesma nunca foi notificada do requerimento injuntivo.

11. O indeferimento liminar dos embargos de executado nesta parte faz com que a ora recorrente fique sem possibilidade de se defender.

12. Constituindo assim, uma grave violação do princípio da confiança e do contraditório.

13. O regime estabelecido no actual art. 729o do CPC, quando aplicado ao requerimento injuntivo, à qual foi aposta fórmula executória com o simples argumento de que o requerido/executado dispôs de oportunidade para de defesa em momento anterior à execução viola o princípio da indefesa, consagrado no art. 20o da CRP.

14. Pois, desse regime jurídico resulta, por equiparação do requerimento de injunção a uma sentença judicial, a restrição dos meios de oposição à execução movida com base naquela.

15. A doutrina maioritária tem considerado que a aposição, pelo secretário judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na oposição à execução fundada em sentença, “quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, in JOSÉ LEBRE DE FREITAS (A Ação Executiva – Depois da Reforma).

16. Ainda neste conspecto refira-se Remédio Marques, que (Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998) considera que a atividade conducente à aposição da fórmula executória – o “execute‐se” – pelo secretário judicial não se insere na função administrativa do Estado, visto que não visa a prossecução de interesses gerais da coletividade, “mas também não é um ato jurisdicional – equiparável”, parecendo‐lhe tratar‐se “de um ato meramente instrumental, análogo àqueles que se praticam no exercício de uma função, que tanto pode ocorrer em processos jurisdicionais como em procedimentos administrativos”; de qualquer forma, sempre que “não existe um processo declarativo prévio, o executado, nos embargos, pode impugnar ou excecionar – mas nunca reconvir – a obrigação materializada pelo título extrajudicial”.

17. Portanto, entre o requerimento de injunção e a sentença há uma crassa diferença a qual se prende com o facto de, no primeiro caso ser o Secretário Judicial que apõe a fórmula executória e no segundo caso a mesma é emanada de um Juiz.

18. Enquanto a sentença implica o exercício da função jurisdicional, o mesmo não acontece com a aposição da fórmula executória.

19. Salvador da Costa, em suma, refere que: “A aposição da fórmula executória não se traduz em ato jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal. Assim, a fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito. Em consequência, pode o requerido utilizar, em embargos de executado, a sua defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na ação declarativa (...)”.

20. Tendo por base estes fundamentos, o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 388/2013, de 9 de Junho declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o art.º 729o do CPC, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução com base no requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.

21. Assim, todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.o da CRP, na sua aceção de proibição de “indefesa”.

22. À luz do actual art. 14o-A do DL n.º 269/98, de 1 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, e do art. 857o, n.o 1 do CPC, “não ocorre preclusão quanto à alegação/meio de defesa do uso indevido do procedimento de injunção ou, do mesmo modo, quanto a alguma execepção perentória que fosse invocável na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”- vide: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. 1925/21.5T8VIS.

23. O que a recorrente alegou em sede de embargos de executado foi matéria fáctica, que permitem consubstanciar um uso abusivo do procedimento de injunção.

24. Pois, a recorrida emitiu facturas que a recorrente nunca delas teve conhecimento.

25. Aliás, a recorrida ocultou tais facturas à recorrente, só as apresentando agora em sede de requerimento injuntivo.

26. A matéria fáctica alegada em sede embargos de executado, que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo decidiu indeferir liminarmente, é susceptível de configurar uma excepção perentória de direito material que poderia ter sido invocada em sede de oposição ao requerimento injuntivo.

27. Assim como se trata de matéria de que o Tribunal pode oficiosamente conhecer.

28. O que in casu, lamentavelmente, não fez, agindo e decidindo contra legem!

29. Assim, deve o despacho ora recorrido ser revogado, porquanto fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 729o, 732o e 857o, todos do CPC e art. 14o-A, do DL n.º 269/98 de 1 de Setembro.

Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deve ser julgado procedente o presente recurso, e em consequência ser o despacho recorrido revogado.

Tudo com as legais consequências.

Assim se fazendo a acostumada,

JUSTIÇA!!! “

                                                                       ***

1.4. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu o exequente - A..., Lda. -, que não terminou a sua motivação com conclusões pugnando, no entanto, pela improcedência do recurso.

                                                           ***

            1.5. Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

            “Quanto ao recurso apresentado em 24-10-2022 pela executada/embargante:

Por tempestivo e legal, admito o recurso interposto pela

executada/embargante, sobre o despacho de 10-10-2022, o qual é de apelação, a subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo e em separado (v. artºs. 627, 629, n.º 3, al. c), 631, 637, 638, 639, 644, n.º 1, al. a), 852, 853, todos do Código de Processo Civil).

A decisão sob recurso não faz parte do elenco referido nas als. a) e b), d) a f),

do artº. 629, n.º 3, do CPC, e trata de indeferir uma parte dos embargos porque os

fundamentos invocados são legalmente desajustados no que concerne à prescrição e impugnação do crédito.

Por outro lado, a recorrente também não se ofereceu para prestar caução e

muito menos alegou expressamente que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável e em que medida.

Pelo exposto, por carecer de fundamento legal, não é admissível atribuir ao recurso efeito suspensivo.

Notifique a recorrente para, em 5 dias, indicar as peças do processo de que

pretende certidão para instruir o recurso (v. art.º 646, do CPC).
*

Uma vez que os autos reúnem todos os elementos indispensáveis para

proferir uma decisão de mérito sobre a questão da falta de notificação à Requerida, aqui executada, do requerimento injuntivo, sem necessidade de agendar audiência prévia, ao abrigo do preceituado no art.º 3, n.º 3, do dever de gestão processual e do princípio da adequação formal, previstos nos art.ºs 6 e 547, todos do CPC, determino a notificação das partes para, em 10 (dez) dias, querendo, se pronunciarem.

                                                                                  ***

               1.7. – Em 15/2/2023, no que concerne à falta de notificação invocada pela embargante, foi proferida a decisão a julgar notificada a embargante do requerimento de injunção, do teor, para o que interessa:

            1. Da falta de notificação do Requerimento Injuntivo ao Requerido.

            Factos dados como provados:

            1. Em 21 de julho de 2022, a exequente “A..., Lda.” instaurou a presente execução sumária contra “B..., Ld.ª,

pedindo o pagamento da quantia de € 14.754,59 euros, com base em

requerimento injuntivo com força executória.

2. O requerimento de injunção deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 13.04.2022, tendo-lhe sido aposta força executiva em 07.07.2022.

3. Tal procedimento de injunção foi instaurado pela exequente contra a ora

embargante, tendo por fundamento a celebração de um contrato de fornecimento

de bens ou serviços.

4. A morada indicada pela exequente naquele procedimento como sendo a da embargante foi: Urb. ..., ..., ... ....

5. O Balcão Nacional de Injunções, em 22.04.2022, enviou carta registada com aviso de receção para a morada indicada pela ora exequente em sede de requerimento de injunção, que não foi rececionada por motivo “Devolvido ao Remetente”.

6. Depois de proceder às pesquisas nas bases de dados, a única morada encontrada foi a referida em 4..

7. Em 30.05.2022, o Balcão Nacional de Injunções enviou carta simples com prova de depósito para a morada referida em 4..

8. Que veio a ser depositada no recetáculo para esse efeito em 03-06-2022.

9. A sede da executada mantém-se na morada aludida em 4..

(…)

A embargante aduz que não foi notificada do requerimento de Injunção, não

apresentando nenhuma razão concreta para a sua afirmação.

Prescreve o artigo 12.º, do DL 269/98 que:

“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta

registada com aviso de receção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.

2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.

3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número

anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de

trabalho ou, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade, sobre sede ou local onde

funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção- Geral de Viação.

4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de receção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n. 2 a 4 do artigo seguinte.

5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.

6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.º do Código de

Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.

7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a

secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando,  designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.

8 - Não se aplica o disposto nos n. 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.

9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n. 3 a 7.

10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de

correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de receção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.”

Deste normativo legal extrai-se que, depois de se frustrar a notificação via postal registada com aviso de receção, para se considerar válida a notificação por via postal simples, o Balcão Nacional de Injunções tem de enviar carta simples para todas as moradas que constam nas bases de dados.

E foi assim que o Balcão Nacional de Injunções procedeu.

Tendo-se frustrado a notificação via postal registada com aviso de receção na morada indicada pela exequente, procedeu às pesquisas nas bases de dados por outras moradas da ora embargante só tendo obtido a mesma que havia sido fornecida pela exequente.

Assim, enviou carta por via postal simples com prova de depósito para aquela morada.

É nula a notificação assim realizada?

O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 99/2019, datado de 12.02.2019 e

disponível no sítio do Tribunal Constitucional, julgou inconstitucional com força

obrigatória geral, a norma constante dos n°s 3 e 5 do artigo 12.°do regime  constante do anexo ao Decreto-Lei n.°269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.° do Decreto-Lei n.°32/2003, de 17 de fevereiro), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000 – na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais, nos termos definidos no artigo 3º, alínea a) do referido Decreto-Lei n.°32/2003 -, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.°1 do mesmo artigo 12.°), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respetivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para das as diferentes moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.°3 do artigo 12.º em conformidade com o previsto no n.°5 do mesmo preceito, faz presumir a  notificação do ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição, por violação do artigo 20.º, n.°s 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.°, n.°2, da Constituição da República Portuguesa.

Na fundamentação do Acórdão indicado é feita expressa remissão para a fundamentação do Acórdão do mesmo Tribunal n.º 222/2017, que refere que “(…)

ponderando a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da

medida adotada – notificação por via postal simples para a morada presumida do

requerido, no caso de frustração prévia da notificação por aviso de receção – e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar – permitir ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via de ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida conclui-se que as normas em apreciação e a medida que lhe subjaz violam o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.”

No entanto, a situação dos autos não se integra na jurisprudência fixada neste Acórdão.

Como já referimos, a morada indicada pela exequente é a única morada da executada constante das bases de dados de que dispõe o Balcão Nacional de Injunções. E que se mantém atual.

E sobre estas situações já se pronunciou o Tribunal Constitucional no sentido de considerar que neste caso não se verifica a inconstitucionalidade do artigo 12.º, do DL 269/98.

Deste modo, o Acórdão do Tribunal n.º 108/2019, de 19/02, publicado no DR IIª Série de 05/04, “Não julga inconstitucionais as normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), quando interpretadas no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para, em 15 dias, pagar quantia não superior a EUR15 000,00 ou deduzir oposição), através de carta registada com aviso de receção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção, por não reclamação da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para essa morada, em conformidade com o previsto no n.º 4 do artigo 12.º, faz presumir a notificação do requerido, nos casos em que a morada para onde se remeteram ambas as cartas de notificação coincide com o local obtido junto das bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3 do artigo 12.º.”

Isto é, sendo a morada indicada pela exequente em sede de requerimento de

injunção coincidente com a única morada encontrada na base de dados como pertencendo à sociedade executada, que ainda se mantém atual, há que considerar esta validamente notificada para o procedimento de injunção e, consequentemente, julgar válido o título dado à execução.

Em conclusão, os presentes embargos são julgados improcedentes”

                                                                                  ***

               1.8.- O relator dos presentes autos, em 10/3/2023, proferiu despacho do seguinte teor:

            i)- Atendendo que foi proferida decisão sobre a falta de notificação invocada pela embargante, e por este Tribunal, pode entender, considerar tal decisão, ainda que não transitada em julgado, como um facto, notifique as partes para dizerem o que se lhe oferecer, no prazo de 10 dias, sobre tal questão, afim de evitar que possa vir a ser invocada decisão surpresa.

            ii)- Atendendo ao i), no que concerne ao transito ou não em julgado da decisão proferida em 15/2/2023, ainda assim, solicite, informação se a decisão em causa já transitou ou não em julgado, até porque as partes podem ter prescindido do mesmo.

                                                                       ***

            1.9. – Em 13/3/2023, a recorrida, face ao teor do despacho aludido em 1.8., a recorrida apresentou requerimento do seguinte teor:

“A..., Lda., Recorrida nos

autos à margem melhor identificados, notificada do douto despacho de fls.

datado de 13/03/2023, vem dizer que a douta decisão que julgou a

Embargante/Recorrente notificada é de 27/01/2023, tendo já transitado em

julgado, pelo que deve ser dado como assente que a embargante foi validamente

notificada para o processo de injunção, sendo válido o título dado à execução”.

                                                                       ***

            1.10. – Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                                        ***

                                                           2. Fundamentação

            Os factos assentes para apreciar a questão são os aludidos no relatório supra.

                                                                       ***

    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

No caso em apreço, a questão a decidir, consiste em saber – Se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que receba os embargos, tanto mais, que A matéria fáctica alegada em sede embargos de executado, que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo decidiu indeferir liminarmente, é susceptível de configurar uma excepção perentória de direito material que poderia ter sido invocada em sede de oposição ao requerimento injuntivo.

A recorrente para defender o seu ponto, entre o mais, refere que - a doutrina maioritária tem considerado que a aposição, pelo secretário judicial, da fórmula executória no requerimento de injunção integra um título executivo distinto das sentenças, sendo admissível que, na oposição à execução nele fundada, o executado invoque, para além dos fundamentos invocáveis na oposição à execução fundada em sentença, “quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, in JOSÉ LEBRE DE FREITAS (A Ação Executiva – Depois da Reforma), ainda neste conspecto refira-se Remédio Marques, que (Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998) considera que a atividade conducente à aposição da fórmula executória – o “execute‐se” – pelo secretário judicial não se insere na função administrativa do Estado, visto que não visa a prossecução de interesses gerais da coletividade, “mas também não é um ato jurisdicional – equiparável”, parecendo‐lhe tratar‐se “de um ato meramente instrumental, análogo àqueles que se praticam no exercício de uma função, que tanto pode ocorrer em processos jurisdicionais como em procedimentos administrativos”; de qualquer forma, sempre que “não existe um processo declarativo prévio, o executado, nos embargos, pode impugnar ou excecionar – mas nunca reconvir – a obrigação materializada pelo título extrajudicial”.

Portanto, entre o requerimento de injunção e a sentença há uma crassa diferença a qual se prende com o facto de, no primeiro caso ser o Secretário Judicial que apõe a fórmula executória e no segundo caso a mesma é emanada de um Juiz. Pois, enquanto a sentença implica o exercício da função jurisdicional, o mesmo não acontece com a aposição da fórmula executória.

Salvador da Costa, em suma, refere que: “A aposição da fórmula executória não se traduz em ato jurisdicional de composição do litígio, consubstanciando se a sua especificidade de título executivo extrajudicial no facto de derivar do reconhecimento implícito pelo devedor da existência da sua dívida por via da falta de oposição subsequente à sua notificação pessoal. Assim, a fórmula executória é insuscetível de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode, na ação executiva, controverter a exigibilidade da obrigação exequenda, tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial propriamente dito. Em consequência, pode o requerido utilizar, em embargos de executado, a sua defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na ação declarativa (...)”.

Tendo por base estes fundamentos, o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 388/2013, de 9 de Junho declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, o art.º 729o do CPC, na parte em que limita os fundamentos de oposição à execução com base no requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória.

Assim, todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.o da CRP, na sua aceção de proibição de “indefesa”.

Aliás, à luz do actual art.º 14.º-A do DL n.º 269/98, de 1 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 117/2019, e do art. 857o, n.o 1 do CPC, “não ocorre preclusão quanto à alegação/meio de defesa do uso indevido do procedimento de injunção ou, do mesmo modo, quanto a alguma execepção perentória que fosse invocável na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente”- vide: Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do Proc. 1925/21.5T8VIS.

Opinião oposta tem a recorrida e pugna pela manutenção do decidido.

Vejamos.

No caso, como vimos, foi dada à execução apensa como título executivo um requerimento de injunção ao qual foi conferida força executiva.

Como se sabe, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1º do DL 269/98 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/03, de 17.02- cfr. art.º 7º do Regime anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01.09.

Em conformidade com o disposto no art.º 14º, nº 1 do aludido DL 269/98, notificado o requerido, se este não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a fórmula executória. O documento assim obtido pela exequente integra, assim, um título executivo, conforme decorre do disposto no art.º 703º, nº 1, al. d) do CPC.

A doutrina classifica-o como “título judicial impróprio”, por se tratar de um título de “formação judicial”, mas sem intervenção jurisdicional, logo um título distinto da sentença (cfr., por exemplo, Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5ª ed., p. 64 e Miguel Teixeira de Sousa, A Reforma da Acção Executiva, p. 69). Ou como “título extrajudicial especial atípico” (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª ed., p. 156).

Apesar de se tratar de um título distinto da sentença, é manifesto que apresenta características próprias que o distinguem da generalidade dos títulos extrajudiciais e o aproximam dos títulos judiciais.

Com efeito, trata-se de um título executivo em cuja formação intervém uma secretaria judicial e desenrola-se perante um secretário de justiça a quem é atribuída competência para a recusa do requerimento, para efectivar a notificação do requerido e para opor a fórmula executória ou remeter o procedimento para os termos subsequentes.

Por outro lado, o procedimento de injunção tem a particularidade de garantir ao requerido a faculdade de se defender e de por via da dedução de oposição provocar a remessa do procedimento para apreciação jurisdicional, no estrito cumprimento do princípio do contraditório, o que não sucede na formação dos títulos extrajudiciais.

Atendendo a estas particularidades, importa, pois, decidir da amplitude dos fundamentos que o executado pode opor à execução baseada num requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, por falta de oposição.

No caso, o requerimento injuntivo entrou em 13/4/2022, tendo sido aposta fórmula executória ao mesmo em 7/7/2022, a situação em apreço subsume-se ao disposto no art.º 857º, do NCPC, na redacção introduzida pela Lei nº 117/19, de 12.09.

Com efeito, em 1.1.2020, entrou em vigor a Lei 117/19, de 13.09, a qual tem aplicação aos processos iniciados a partir daquela data, conforme decorre dos art.ºs 11º, nº 1 e 15º da citada Lei).

Com interesse para o que “temos entre mãos”, aquele diploma legal alterou a redacção do art.º 13º, nº 1 do Regime anexo ao DL 269/98 e introduziu no mesmo regime o art.º 14º-A e, em consonância com este último preceito, alterou também a redacção do art.º 857º, nº 1 do CPC.

Segundo o referido art.º 13º, nº 1, al. b), do Regime anexo ao DL 269/98, na redacção da citada Lei 117/19, deve constar do conteúdo da notificação do requerido a preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no art.º 14º-A.

O novo art.º 14º-A, sob a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, tem a seguinte redacção:

1. Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. A preclusão prevista no número anterior não abrange:

a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras excepções dilatórias de conhecimento oficioso;

b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção.

c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;

d) Qualquer excepção peremptória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”.

Por fim, a redacção do nº 1 do art.º 857º, do NCPC, o qual tem por epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção”, passou a ser a seguinte:

Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redacção actual.”.

A recorrente, defende que, ainda assim, todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, afecta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.o da CRP, na sua aceção de proibição de “indefesa, pelo que mal andou a decisão recorrda.

No âmbito do anterior Código do Processo Civil, o art.º 814º, nº 2 só permitia que a oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tivesse sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admitisse oposição pelo requerido, tivesse por fundamento um daqueles que o nº 1 admitia para a oposição à execução fundada em sentença.

O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 388/13, de 09.07, publicado no DR, I Série de 24.09.2013, declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição.”.

Continuou, todavia, a persistir, no art.º 857º do actual CPC, na sua redacção inicial, a regra da equiparação deste título executivo baseado em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória a título executivo judicial.

Dizia o nº 1 do art.º 857º, na sua redacção inicial, que se a execução se fundasse em requerimento de injunção ao qual tivesse sido aposta fórmula executória, apenas podiam ser alegados os fundamentos de embargos previstos no art.º 729º (para as execuções baseadas em sentenças), com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

O nº 2 do art.º 857º reporta-se à situação da verificação de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no art.º 140º; situação em que podem ser invocados os fundamentos de oposição previstos no art.º 731º (para as execuções baseadas noutros títulos).

O nº 3 previa dois fundamentos de oposição à execução, que podiam ser invocados fora da situação de justo impedimento: a) Questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; b) Ocorrência de forma evidente, no procedimento de injunção, de excepções dilatórias de conhecimento oficioso.

Entretanto, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/15, de 12.05, publicado no DR 1ª série, de 08.06.15, veio declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma do art.º 857º, nº 1 do actual CPC, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 20º, nº 1 da CRP.

Argumenta-se neste aresto que a equiparação entre a sentença judicial e o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução, traduzia uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo de forma célere e simplificada.

E que a ampliação dos meios de defesa produzida pelos nºs 2 e 3 do aludido art.º 857º e a consequente atenuação, por essa via, do efeito preclusivo da defesa perante a execução não constituía uma modificação suficientemente relevante para dar resposta aos fundamentos do juízo positivo de inconstitucionalidade relativo ao regime anterior.

De modo que a persistência da regra de equiparação do requerimento de injunção objecto da aposição de fórmula executória ao título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado, fazia permanecer inalterados os aspectos relativos ao regime específico da injunção com fundamento nos quais o Tribunal Constitucional concluíra, no passado, pela inconstitucionalidade de solução legal semelhante.

Mais se refere, no citado aresto que para que exista um "processo justo" é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. art.º 235º, nº 2, in fine do NCPC).

Refere-se que a ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que carateriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual.

Por outro lado, enfatiza-se aí que o juízo de inconstitucionalidade que incide sobre a norma contida no art.º 857º, nº 1, do NCPC, na redacção original, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», funda-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 20º, nº 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos, convergentes na solução impugnada: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.

Nesta senda, com as alterações legislativas efectuadas pela Lei nº 117/19 no Código de Processo Civil e no DL 269/98 – que vieram precisamente consagrar a obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título – considera-se que foi ultrapassada a inconstitucionalidade da norma do art.º 857º, nº 1, deixando de ter razão de ser a anterior jurisprudência constitucional com força obrigatória geral acima citada (cfr. neste sentido, o ac. da Relação do Porto de 18.11.2021, relatora Deolinda Varão, disponível in www.dgsi.pt).

Aplicando os ensinamentos supra, ao caso em apreço, temos para nós, não resultar dos autos, ter ficado demonstrado que a notificação do procedimento de injunção à aqui recorrente foi efetuada, com a cominação prevista no art.º 14º-A, nº 1 do Decreto-Lei nº 269/98.

Na verdade, não resulta que a notificação foi pessoal, por algumas das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do art.º 225.º, do C.P.C., por um lado e por outro, que a recorrente tenha sido devidamente advertida do efeito cominatório estabelecido no citado art.º 14-A, n.º 1, de que se não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte (cfr. decisão proferida em 15/2/2023, aludida no ponto 1.7, já transitada (cfr. ponto 1.8).

 Assim, temos para nós, não ficar precludido invocar nos presentes autos a sua defesa.

Pelo exposto, julga-se procedente a pretensão da recorrente, e por consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a, por acórdão, que receba os embargos.

Dado o exposto, as demais questões, levantadas no recurso ficam precludidas.

                                                           ***

                                                   4. Decisão

Face ao exposto, decide-se, por acórdão, revogar a decisão recorrida e decide-se, que os embargos devem ser recebidos, continuando os ulteriores termos.

Não conhecer das demais questões por precludidas.

Custas pela recorrida.

Coimbra, 30/5/2023

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto).