Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
944/08.1TAFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: AUDIÊNCIA NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 4.º, 107.º, N.º 2, 113º N.º 10, 333.º, N.ºS 2, 3 E 5, 334.º, N.ºS 2 E 6, E 373.º, N.º 3, 400.º E SS., TODOS DO CPP; 140.º, N.º 1, DO CPC
Sumário: I - A articulação dos preceitos contidos nos artigos 333.º, n.ºs 2, 3 e 5, 334.º, n.ºs 2 e 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP, determina conclusão no sentido de a última das referidas disposições legais configurar uma norma especial relativamente à regra geral contida no art. 113.º, n.º 10, do mesmo diploma, e abranger quer os casos em que o arguido está presente em alguma ou em todas as sessões do julgamento, mas falta à leitura da sentença, quer outros em que a audiência decorre na ausência do arguido, por sua iniciativa ou com o seu consentimento, não estando também presente no acto da leitura da decisão final.

II - Nas duas situações, a lei considera o arguido como processualmente presente (embora fisicamente ausente) desde que representado por defensor, considerando-se, por isso, suficiente a leitura da sentença perante o defensor nomeado ou constituído.

III - Consequentemente, no rito processual verificado nos autos, porque não se trata de julgamento realizado na ausência do arguido (conforme prevê o artigo 333º do CPP), mas sim de audiência em que o mesmo interveio na primeira das diversas sessões e, entretanto, faltou às demais, tendo até requerido o seu prosseguimento na sua ausência, jamais se impunha a sua notificação da sentença.

IV - O conceito normativo de justo impedimento exige a reunião dos seguintes elementos:

a) Ocorrência de um evento não imputável ao agente a título de culpa ou negligência, no sentido de não se poder fazer incidir sobre o agente qualquer espécie de censura ético-jurídica por o acontecido ter ocorrido ou não ter sido evitado;

b) que esse evento haja gerado um obstáculo à prática do acto dentro do prazo legal e, nas concretas circunstâncias do caso, não fosse adequado e razoável exigir do agente que ainda assim praticasse o acto no respectivo prazo.

V - A quem invoca o justo impedimento cabe o ónus de demonstrar o preenchimento dos respectivos pressupostos, não funcionando neste particular qualquer presunção legal que dispense o arguente da sua demonstração.

VI - Não desprezando que ao arguido foi diagnosticado um tumor na tiróide e que, após a realização de diversos exames, foi operado e sujeito a tirodectomia total, esses factos não podem, só por si, conduzir à verificação do justo impedimento, se: como está também demonstrado, antes disso, já haviam decorrido quase dois meses sobre a data em que o mesmo foi chamado pelo seu mandatário a decidir sobre a interposição do recurso; não foi concretizada a data daquele diagnóstico; não se apurou que o arguido esteve impedido ou, sequer, que foi aconselhado medicamente a não usar o telefone e o computador e/ou a comunicar, por qualquer forma, com terceiros, no sentido da solicitação de contacto com o seu mandatário, visando a prestação a este de indicações para a impugnação, pela via acima indicada, da sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Comum (Singular) nº 944/08.1TAFIG, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, entre outros arguidos, foi julgado também o arguido, ora recorrente, A... (melhor identificado nos autos).

2. Na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, sessão essa que teve lugar no dia 23.04.2014, o recorrente esteve presente, identificou-se e, após lhe ter sido lida a acusação e sido informado que não era obrigado a prestar declarações, declarou não pretender prestar declarações.

3. Na segunda sessão de julgamento, realizada no dia 26.04.2014, o ora recorrente faltou, tendo o seu ilustre mandatário requerido para a acta o seguinte: “ Na qualidade de mandatário do arguido A... vem, nos termos do art.º 334°, nº 2 do Código de Processo Penal e uma vez que o arguido padece de doença oncológica, requerer a V.ª Ex.ª que a audiência prossiga na sua ausência, protestando juntar documento comprovativo do alegado, no prazo de cinco dias úteis.”

4. Por despacho datado de 16.05.2013 a Sra Juíza decidiu do seguinte modo: “Atento o teor de fls. 1421 e ss. e a posição assumida pelo M.P., o julgamento prosseguirá na ausência do arguido A... o qual ficará representado pelo seu ilustre Mandatário – cfr. art. 334° n.º 2 e 4 do Código de Processo Penal.

Notifique

5. Com a realização de várias outras sessões de produção de prova, nas quais o recorrente não esteve presente, foi continuando a audiência de julgamento.

6. Depois de finda que foi a fase de produção de prova, no dia 25.07.2013, com a presença do ilustre mandatário do recorrente, teve lugar a leitura sentença cujo respectivo depósito foi efectuado nesse mesmo dia. O recorrente não esteve presente em tal acto de leitura de sentença nem esta lhe foi posteriormente notificada.

7. Por requerimento enviado através de correio registado no dia 10.10.2013, que deu entrada naquele tribunal no dia 11.10.2013, veio o arguido/recorrente arguir a irregularidade por falta de notificação da sentença na sua própria pessoa.

8. Por requerimento também enviado através de correio registado no dia 10.10.2013, que deu entrada naquele tribunal no dia 11.10.2013 veio o arguido interpor recurso da sentença, invocando o justo impedimento para a prática, fora do prazo legal, de tal acto processual.

9. Na vista que lhe foi aberta em 08.11.2013, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de inexistir qualquer vício de notificação da sentença pelo facto do arguido, por ter requerido o seu julgamento na ausência nos termos do artigo 334º do Código de Processo Penal, ter estado representado pelo seu defensor. Relativamente ao alegado justo impedimento, pronunciou-se no sentido de que os argumentos invocados não demonstram a sua existência, uma vez que o arguido tinha obrigação de se informar sobre a sua situação processual.

10. Debruçando-se sobre aquele primeiro requerimento, a Sra Juíza, em 13.12.2013, antes de designar data para inquirição das testemunhas que haviam sido indicadas pelo arguido com vista à apreciação alegado do justo impedimento, proferiu despacho a julgar improcedente a arguida irregularidade de notificação.

11. Inconformado com este despacho, em 04.02.2014, o arguido interpôs recurso finalizando a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª O arguido esteve presente na primeira sessão de julgamento, realizada em 23-04-2013, sendo que na segunda requereu, ao abrigo do artigo 334.° n.° 2 do Cód. Proc. Penal que por padecer de doença oncológica, a audiência prosseguisse na sua ausência. Tal requerimento veio a ser deferido por despacho transitado em julgado, aí se consignando que o arguido ficaria representado pelo seu mandatário. O arguido não compareceu nas sessões seguintes de julgamento nem nas datas porque foram duas - agendadas para a leitura da sentença a qual foi lida na segunda vez que foi agendada presença do signatário.

O arguido foi notificado por carta expedida com prova de depósito da segunda data designada para a leitura da sentença, não tendo comparecido.

O arguido não foi notificado da sentença, nem pessoalmente nem por carta expedida por prova de depósito.

2.ª - O artigo 113.° nº 10 do Cód. Proc. Penal, estabelece a obrigatoriedade de notificação da sentença na pessoa do arguido e do seu mandatário desde que respeitante à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, sendo que neste caso o prazo para a prática de qualquer ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação feita em último lugar, o chamado melhor prazo. Os carateres são nossos.

3.ª PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, na sua obra citada, pág 198, estabelece uma distinção em anotação ao artigo 63° do Cód Proc Penal, dos direitos reservados ao arguido.

Assim, “a lei processual admite que o defensor exerça todos o direitos do arguido com excepção de certos direitos que ela reserva pessoalmente a este. Os direitos reservados ao arguido incluem o direito a um processo penal de estrutura acusatória e o direito ao recurso”.

4.ª - Se os direitos reservados ao arguido incluem o direito ao recurso ele não pode ser exercido se o arguido não for notificado da decisão, ainda que esteja dispensado ou não de estar presente na data da leitura de decisão. Por isso o legislador que aqui andou bem estabeleceu que não comparecendo na audiência para ouvir a leitura da decisão, nesse caso, a fim de efectivar o direito ao recurso que o arguido tem, direito esse reservado ao arguido, tem de lhe ser feita a notificação prevista no artigo 113.º nº 10, que pode ser por prova de depósito simples em harmonia com o disposto no artigo 196.° nº 3 c) e d) ambos do Cod. Proc. Penal.

5ª  GERMANO MARQUES DA SILVA, Ob. e loc. cits, ensina: “Em regra, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis são feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se desta regra as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação do dia para julgamento, à sentença e as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, em todos esses caos exige-se a notificação pessoal do interessado além da notificação do defensor”, sic, sendo os caracteres nossos.

6.ª - O arguido suscitou a irregularidade pela falta da sua notificação por prova de depósito da sentença em violação do artigo 113.° n.° 10 do Cód Proc Penal, sendo que sobre essa arguição de irregularidade veio a ser proferido despacho - do qual se recorre - que decidiu a inexistência da irregularidade por força da decisão ter sido notificada na pessoa do seu mandatário e que por força dessa notificação feita na pessoa do seu mandatário assegura todas as garantias de defesa incluindo o direito ao recurso. O arguido foi representado, quando não esteve presente em audiência de julgamento pelo seu mandatário.

Não se concorda, com esta decisão.

7.ª- O aplicador da lei conhece-a, sabe raciocinar sobre ela e conhece a respetiva teleologia.

O disposto no artigo 113.° n.° 10 do Cód. Proc. Penal, tem de ser devidamente articulado com o disposto no artigo 32º nº 1 da  CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Este preceito tem, de resto, de ser interpretado de acordo com o direito ao recurso consagrado ao arguido. Só o arguido pode decidir - e não o seu mandatário - se quer ou não recorrer. Trata-se de tirar todas as consequências do princípio da primazia da norma constitucional, devendo os tribunais « preferir » a norma da lei fundamental, devendo para o efeito deixar de aplicar as normas infraconstitucionais incompatíveis com aquela.

8.ª - O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido , salvo os que ela reservar pessoalmente a este, artigo 63.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

9.ª- No caso, a lei no artigo 113.°n.° 10 do Cód. Proc. Penal reserva pessoalmente ao arguido, a notificação por prova de depósito da sentença. Só arguido pode ou não recorrer da decisão contra ele proferida Só assim se assegura o direito ao recurso, sendo um direito do arguido e só dele recorrer da decisão.

10.ª - Neste sentido encontra-se o artigo 333º do Cód. Proc. Penal que estabelece a obrigatoriedade de notificação da decisão a arguido julgado na ausência e só a partir dessa notificação se conta o prazo de recurso. Não faz sentido o legislador proteger os direitos de um arguido relapso no que à presença em julgamento tange e não o fazer no que ao arguido que compareceu mas que tem motivo e que foi julgado atendível para não comparecer. No mínimo este arguido tem que ter os mesmos direitos do arguido relapso, que são, entre outros, de ser notificado da decisão por prova de depósito. O princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei consagrado no artigo 13.º da norma normarum, é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e  Social. Impõe a igualdade na aplicação do direito “fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjetivas”, J. J. Gomes CANOTILHO, VlTAL MOREIRA, Ob. e loc. cits

11ª  Não tendo o tribunal mandado comparecer o arguido tem de lhe assegurar mesmo direito que o arguido que é julgado na ausência.

Não o mandou comparecer em audiência mas mandou-o comparecer na data da leitura da decisão o que co-honesta este entendimento do arguido.

12ª  E de facto a lei assegura esses direitos aos arguidos em ordem a poderem recorrer, o que de resto é uma exteriorização do princípio do acusatório que impera no nosso processo penal. De facto a interpretação do artigo 113º n º 10 só pode ser a que é, de que o arguido tem de ser notificado da sentença quando não está presente na audiência de discussão e julgamento, pois só assim se assegura o direito ao recurso, bem como, só assim se cumpre o principio do acusatório, ou seja, aquele no qual o Código de Processo Penal, de resto em obediência ao comando constante da CRP se reconhece num modelo de estrutura acusatória baseado numa ideia de participação construtiva dos sujeitos processuais na definição do direito a aplicar ao caso concreto. A estrutura acusatória do processo penal português “significa, antes de mais, que cabe aos sujeitos processuais a definição das questões que devem ser submetidas a juízo, assim como fornecer os critérios de resolução dessas questões”, DAMIÃO DA CUNHA, Ob. e loc. cits.

13ª. - Só que os Tribunais têm um entendimento diferente e justificam-no pondo a inação à frente dos direitos do arguido. Não cabe na cabeça de ninguém, passe e perdoe-se a expressão, que se o Tribunal entende que deve notificar o arguido da segunda data (!!!) da leitura da sentença (por na primeira data por facto só imputável ao Tribunal não ter sido possível a realização de tal diligencia) possa ter entendimento diferente quanto à sentença: notifico da data mas não notifico da decisão.

14ª- O direito ao recurso que a norma da Constituição da República Portuguesa assegura tem de ser efetivado nestes casos em que o arguido não está  presente na audiência de julgamento e na leitura da decisão, por força da notificação, neste caso prevista na lei por prova de depósito. É este o sentido da lei quando lidas as disposições constantes dos artigos 32.º da CRP e dos artigos 63º, 64º ,113.º,  333.º e 334.º todos do Código de Processo Penal.

Estar presente em julgamento constituiu um direito e não um dever.

15ª Foram violados os artigos 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os artigos 13.º, 32.° n.º 1 e 5, os artigos 63.º, 64.º 113º, 333.º e 334.º todos do Código de Processo Penal.

16.ª - A interpretação feita na decisão em recurso de que os artigos 113.º n.° 10 e 334.° do Código de Processo Penal pemitem não notificar o arguido da sentença proferida nos autos é inconstitucional violando o direito ao recurso, artigo 32.° n.° 1 da CRP, pois se não se notifica o arguido não se assegura que o mesmo tenha o direito a recorrer atento o facto do seu mandatário não ter essa obrigação e esse direito e o princípio do acusatório, artigo 32.º n.° 5 na medida em que ao proceder assim se deva a possibilidade do arguido tomar posição sobre a posição que o afecta.

Pelo exposto e pelo muito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo procedente por provado como de inteira JUSTIÇA!”

12. Por despacho proferido em 19.02.2014, este recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

13. Não consta destes autos de recurso em separado que o Ministério Público tenha respondido ao recurso.

14. Depois de ter procedido à inquirição das testemunhas que haviam sido indicadas pelo arguido no âmbito da apreciação do suscitado incidente do justo impedimento, em 15.01.2014 a Sra Juíza proferiu despacho a julgar improcedente o incidente do justo impedimento invocado e, consequentemente, a não admitir, por extemporâneo, o recurso que havia sido interposto da sentença.

15. Inconformado também com tal decisão, da mesma o arguido interpôs recurso finalizando a respectiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1.ª - O arguido recorreu da sentença que o condenou e que foi proferida nos autos e, em conformidade com o estatuído nos artigos 107.°, 4.° do Cód, Proc. Penal e o artigo 140.° do Cód. Proc. Civil (nova redação já aplicável) suscitou / arguiu o justo impedimento.

2.ª- O· Ministério Público deduziu  oposição sustentando que o arguido apesar da sua situação de saúde, "tinha a obrigação de se informar sobre a sua situação processual"; apesar da sua doença.

3.ª - O arguido suscitou o justo impedimento de um modo que não foi levado em conta pela Mma, Juiz, ou seja, o arguido não é só mais uma pessoa vítima de cancro. Trata-se de muito mais que isso.

4.ª - O arguido teve um cancro que levou à amputação do pénis. Além das consequências que tal maleita tem com as correspectivas sequelas que deixa a pessoa ainda relativamente, nova sem vida sexual e com uma qualidade de vida muito, diminuída, o problema canceroso do arguido, voltou com um cancro na tiróide. É o segundo obstáculo na vida do arguido que exigiu que ele preparasse para o poder ultrapassar e continuar a viver.

Para a Mma. Juiz, apesar da alegação feita pelo arguido, a situação resume-se a "problemas de saúde (cancro)", tendo ignorado que se trata de um segundo cancro na mesma pessoa com as consequências e sequelas que o primeiro já tinha deixado no arguido levando, inclusivamente, à amputação do pénis. Tal informação (do primeiro cancro) consta dos autos pelo que  a Juiz é sabedora de tal (quando o arguido veio pedir a dispensa da presença na audiência de discussão e julgamento e junto o comprovativo médico).

5.ª - Além dos factos assentes dever-se-ia ter dado por provado que:

Além dos factos assentes dever-se-ia ter dado por provado que:

a) O arguido teve um cancro que levou à amputação do pénis, o que deve ser dado por assente por força do documento junto pelo arguido aquando do pedido da dispensa de comparência no julgamento;

b) O arguido foi submetido a diversos exames antes da operação.

Para dar por assente este facto, deve ser levado em conta o depoimento prestado pela testemunha Dr.ª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 04.20 a 04.45;

c) O arguido viu o email referido em 3. Para dar por assente este facto, deve· ser levado em conta o depoimento prestado pela testemunha Dr.ª B... que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 01.30 a 01.50 e 05.50 a 06:20.

 d) O arguido tinha o telefone desligado por ordem médica. Para dar por assente este facto, deve ser levado em conta o depoimento prestado como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 02.00 a 02.14 e 02.20 a 04.45;

e) O arguido foi internado a 25.09.2013. Para dar por assente este facto, deve ser levado em conta o documento do internamento que foi pura e simplesmente omitido pela Mma. Juiz, documento esse junto com as alegações do recurso interposto da sentença e com a invocação do justo impedimento. Ademais, a omissão deste documento e de qualquer referência a ele demonstra que nem sequer se reparou nele, no seu conteúdo.

f) Eram 20 os agrafes referidos em 7, ou pelo menos eram muitos os agrafes que o Eng.º A... tinha. Para dar por assente este facto, deve ser levado em conta o documento do internamento junto com as alegações interpostas do recurso da sentença e com a invocação do justo impedimento. Ademais, a omissão deste documento e de qualquer referência a ele demonstra que nem sequer se reparou nele e no seu conteúdo o depoimento prestado pela testemunha Dr.ª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática, Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 01.30 a 01.50 e 05.50 a 06.20.

g) Só no dia 10.10.2013 encontrava-se o arguido capaz de entrar em contacto com o seu Mandatário. Para dar por assente este facto, o depoimento prestado, pela testemunha Dr.ª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 03.00 a 04.17.

h) O arguido estava proibido de usar telefone e computador na preparação da operação. Para dar por assente este facto, o depoimento prestado pela testemunha Drª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media Studio, indicando-se a passagem de 03.00 a 03.46.

i) O arguido, até ao dia 10.10.2013, não conseguia falar. Para dar por assente este facto, o depoimento prestado pela testemunha Drª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática Citius Plus Media, Studio, indicando-se a passagem de 03.00 a 04.17.

j) Só no dia 10.10.2013 pode o arguido usar o telefone e o computador. Para dar por assente este facto, o depoimento prestado pela testemunha Drª B..., que prestou depoimento como testemunha que ficou registado no formato digital da aplicação informática  Citius Plus Media Siudio, indicando-se a passagem de 05.00 a 06:20.

6.ª - Ao contrário do decidido e no que à resposta à matéria de facto tange, a testemunha B... ouviu o arguido e o que este afirmou ao mandatário. Não se limitou a dizer o que o mandatário lhe disse, mas afirmou o que tinha presenciado pessoalmente, ainda que por telefone.

Explicou onde estava, como ouviu e o que ouviu.

7ª - Sem prescindir, por mera hipótese académica que a cautela de patrocínio impõe, sempre se dirá que, independentemente de ser ou não alterada a matéria de facto, a verdade é que ainda assim o sentido da decisão no que ao justo impedimento tange, deveria ter sido a contrária e deveria ter sido admitido o recurso.

As normas do n.º 2 e 4 do artigo 107.° do CPP, respeitam ao justo impedimento, que uma vez verificado permite a prática do acto fora do prazo fixado, funcionando como limitação ao efeito peremptório do prazo.

8ª - A noção de justo impedimento comporta alguns elementos de indeterminação, impondo um conceito de juízo prudencial perante as circunstâncias de cada caso. Considera-se justo impedimento "O evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática adequada do acto", conforme estabelece o artigo 140.° do CPC.

9.ª "À luz do novo conceito", de justo impedimento, "para que estejamos  perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao seu mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade ....

10.ª - Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao seu mandatário (ou a um auxiliar deste: cfr. artigo. 800-1CC). Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-1 CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos", JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA,RUI PINTO, ob. e loco cits .

11.ª- De entre as várias causas de justo impedimento que têm sido invocadas, parecidas ou com parecenças com as destes autos, encontram-se as "as situações de doença súbita da parte ou do mandatário constituem justo impedimento quando configurem um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa. Veja-se os acs. do STJ de 21.2.01 (SIMÕES REDINHA) www.dgsi.pt. proc. 00S3847 (sindroma febril grave e dispensa de advogado, mesmo que outro não notificado para o acto haja sido constituído), de 31.5.05 (LUCAS COELHO) www.dgsi.pt, proc. 03B3937 (doença de advogado que o impossibilita de sair de casa, tendo-se apresentado a praticar o acto e alegar o justo impedimento no dia seguinte à sua alta); bem como o ac. do TRP de 31-10-00 (FERNANDO BEÇA), dgsi.pt proc. 0020653 (doença súbita em último dia de prazo; da empregada que encarrega outrem da entrega porém não realizada, não obstante ter comunicado a substituição ao advogado)", JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO, Ob. cit., pág. 275.

12.ª- Neste sentido também o Ac. RC de 30-03-2004 in www.dgsi.pt, JAIME FERREIRA, processo n.º 212/04, o Ac. do STJ proferido no processo nº 4615/06 - 4.ª Secção, em que foi relator MÁRIO PEREIRA, "I - O que releva para a verificação do justo impedimento, para além da demonstração  da ocorrência  de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto, é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário na ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deve ser valorada de acordo com o art. 487.º do CC. II - É de considerar verificado o justo impedimento numa situação em que o autor, advogado em causa própria, apresentou atestado médico - cuja veracidade não foi posta em causa - e invocou justo impedimento por doença, para a interposição de recurso no prazo legal. III - Não impede a existência do justo impedimento o facto de a doença do autor se ter verificado quando já haviam decorrido alguns dias do prazo para a interposição do recurso".

13ª Por outro lado, foi decidido no Ac de 10.03.2013, RE em que foi relator PROENÇA DA COSTA, que:

I - No conceito de justo impedimento deve integrar-se todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários.

 2 - O núcleo do conceito de justo impedimento passa da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário.

3- Como se vem entendendo a doença de advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato".

O mesmo se dirá, mutatis mutandis para a doença súbita e grave como a do arguido nestes autos, que impediu o arguido de decidir sobre recorrer ou não da decisão.

14.ª - Não se compreende, pois, como é que não se dá por provado a existência de evento não imputável ao sujeito processual que tenha obstado à prática atempada do acto. O mandatário, sem saber que o arguido estava doente de novo, avisou o arguido da decisão destes autos, quando o arguido estava a fazer exames e tratamentos para ser operado. O arguido que padece do mal que tem, não está doente por que quer, nem a doença constitui algo que lhe seja imputável. Mal o arguido pôde - até porque sobreviveu aos tratamentos, operações, etc - falou com o mandatário no dia em que falou narrou o que se tinha passado e mandou-o recorrer como foi feito.

Verificado está pois o justo impedimento que deve ser declarado e admitida a prática do acto, da interposição de recurso com as alegações.

15ª - Qualquer outra interpretação que se faça deste artigo 107º do Cód. Proc. Penal e do artigo 140.° do Cód. Proc. Civil que não a de permitir o recurso e por verificado o justo impedimento é violar o princípio do processo equitativo e justo.

16ª - O artigo 20.° n.º 4 da CRP consagra ainda o direito a um processo equitativo .

A densificação do conceito de processo equitativo deve ser feita também com a ajuda da jurisprudência das Comunidades. A referência à dimensão equitativa do processo prende-se com um conjunto de garantias processuais onde se destaca a igualdade de armas, o princípio do contraditório, a fundamentação das decisões do tribunal, as condições em que as provas apresentadas foram obtidas (cita-se a título de exemplo uma condenação do Estado Português por violação deste princípio, caso Lobo Machado v. Portugal, n.º 21/1994/468/549, § 31. Citando o Professor Canotilho, ob. cit., pág. 495, a propósito deste caso diz o seguinte:

… Haveria violação do princípio da imparcialidade porque mesmo não perturbando, de facto, a imparcialidade dos juízes, era preciso dar a aparência (''teoria da aparência") de que o julgamento era verdadeiramente imparcial. Não basta fazer-se justiça; deve parecer que ela é feita ("justice must not only be done; it must be seen to be done".)

17.ª - O direito ao processo equitativo está positivado no artigo 20.º da CRP, no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no artigo 14.º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigos esses que foram violados na decisão em recurso.

Com o prof. GOMES, CANOTILHO, Ob. e loc. cits, "A protecção alargada através da exigência de um processo equitativo significará também que o controlo dos tribunais relativamente ao carácter "justo" ou "equitativo" do processo se estenderá, segundo as condições particulares de cada caso, às dimensões materiais e processuais do processo no seu conjunto. O parâmetro do controlo será sob o ponto de vista intrínseco, o catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e os direitos de natureza análoga constantes de leis ou de convenções internacionais (CRP, art. 16.°). Mas o controlo pautar-se-á ainda pela observância de outras dimensões processuais materialmente relevantes", que se verão de seguida .

18.ª -"Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos, reconhecem hoje, um direito de acesso aos tribunais esse direito concebe-se como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa antes os tribunais e contra atos dos poderes públicos; -(2) o, direito de proteção do particular através dos tribunais do estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros ...

As normas - constitucionais, internacionais e legais - garantidoras da abertura da via judiciária devem assegurar a eficácia da proteção jurisdicional. ... O direito de acesso aos tribunais implica o direito ao processo, ... no qual se inclui o direito de obter uma decisão fundada no direito ....

A proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz e temporalmente adequada.

19ª - Perante o conceito de juízo prudencial perante as circunstâncias deste caso, atento o direito ser como é conforme se explanou em sede de recurso, deve e tem de ser admitido o justo impedimento e e assim sendo deve ser admitido o recurso interposto. Ademais, a leitura da norma constitucional e da convenção europeia impõe que a interpretação a fazer daquela norma só possa ser esta.

20.ª - Foram assim violados na decisão recorrida os artigos 107.º do Código de Processo Penal e o artigo 140.º do Código de Processo Civil, bem como o artigo 20.º da CRP, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 14.º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos e o artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Pelo exposto e pelo muito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, julgando-se o mesmo procedente por provado como é de inteira JUSTIÇA!"

16. Este segundo recurso foi, em 11.03.2014, admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, conjuntamente com o primeiro supra mencionado recurso.

17. O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu a este segundo recurso, concluindo no sentido de que o mesmo deve improceder e manter-se o despacho recorrido.

18. Depois de instruídos com as peças processuais e suporte digital indicadas no despacho judicial proferido em 23.04.2014, subiram os autos (como apenso em separado) a esta Relação.

19. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto, a fls. 146 a 149, emitiu parecer no sentido que ambos os recursos não merecem provimento.

                                                       

20. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o recorrente respondeu, reforçando a posição já evidenciada nos recursos e concluindo no sentido que ambos os recursos devem proceder.

21. Por não constarem do apenso subido a esta Relação, foram entretanto solicitados ao processo principal elementos necessários para o julgamento dos recursos.

Após exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

Cumpre, pois, apreciar e decidir

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.

No caso vertente e vistas as conclusões de cada um dos recursos, as questões a decidir são as seguintes:

A) Quanto ao primeiro recurso:

- Saber se o próprio arguido/recorrente deveria ter sido ter sido notificado do sentença e se, por não o ter sido, ocorreu alguma irregularidade.

B) Quanto ao segundo recurso (referente à invocada situação de justo impedimento):

- Saber se erradamente foram dados como não provados factos que, no entender do recorrente seriam susceptíveis de configurar uma situação de justo impedimento para a apresentação do recurso fora do prazo.

Apreciando.

A) Quanto ao primeiro recurso:

A questão que neste é colocada consiste em saber se o próprio arguido/recorrente deveria ter sido ter sido notificado do sentença e se, por não o ter sido, ocorreu alguma irregularidade.

Vejamos, desde já, o teor do despacho recorrido:

“Veio o arguido A... arguir a irregularidade por falta de notificação da sentença proferida nos autos, ao abrigo do disposto no art. 113º n.º 10, 20º n.º 4 e 32 n.º 2 da CRP e 6º da C.E.D.H.

O M.P. pronunciou-se no sentido do indeferimento, nos termos que constam da promoção de fls. 1974.

Cumpre apreciar.

Importa atentar aos seguintes factos:

- O arguido A... esteve presente na 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento, realizada em 23/04/2013.

- Na 2ª sessão, realizada em 26/04/2013, foi requerido, nos termos do art.º 334º, nº 2 do CPP e uma vez que o arguido padece de doença oncológica, que a audiência prosseguisse na ausência do arguido A..., o que foi deferido por despacho refª 4752681, aí se consignado que o ficaria representado pelo seu ilustre Mandatário – cfr. art. 334º n.º 2 e 4 do CPP, despacho que foi notificado ao arguido.

- O arguido não compareceu nas demais sessões de audiência de discussão de julgamento, nem na data agendada para a leitura da sentença, a qual foi lida na presença do seu ilustre Mandatário e depositada na mesma data.

- O arguido não foi notificado pessoalmente da sentença proferida.

Vistos os factos, atentemos ao direito.

Dispõe o art. 113º n.º 10 do CPP que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.”

Esta é a regra geral.

Contudo, esta regra é expressamente afastada nestas duas situações: a prevista no art. 332º n.º 5 do CPP (quando o arguido, comparecendo em julgamento, se afasta da sala de audiência e/ou falta às sessões seguintes) e 334º n.ºs 2 e 4 do CPP (quando o arguido é julgado na ausência a seu pedido).

Prevê o primeiro normativo que se, não obstante o disposto no número anterior, o arguido se afastar da sala de audiência, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor.

Já o segundo refere que sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência, sendo este representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.

Ora, no caso em apreciação, têm aplicação estes dois normativos, pelo que não há qualquer irregularidade na não notificação ao arguido da sentença proferida nos autos, considerando-se o mesmo notificado na pessoa do seu ilustre Mandatário.

Neste sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3858/08.1TDPRT.P1, in www.dgsi.pt, que “I - Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 334º do CPP, em que a audiência tem lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.

II - Consequentemente, o arguido é notificado da sentença condenatória na pessoa do defensor oficioso, iniciando-se, a partir daí, o prazo para a interposição de recurso.”

Veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-02-2011, Proc. 2367/07.0TDLSB.L1-3, in www.dgsi.pt, onde se refere que:

“I – A nossa lei penal adjectiva estabelece como regra a presença obrigatória do arguido na audiência de discussão e julgamento, e institui depois excepções a que atribui regimes diversos: (i) a excepção decorrente do art. 333.º, n.º 1 e 2 em que o arguido, regularmente notificado, foi julgado na sua ausência; (ii) as excepções decorrentes dos nºs 1 e 2 do art. 334.º em que o arguido consente que a audiência tenha lugar na sua ausência.

II – No caso do julgamento na ausência consentida pelo arguido, a sentença não deixa de lhe ser notificada depois de lida, através do seu defensor que o representou para todos os efeitos possíveis como determina o art. 344.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

III – A sentença penal não deve ser notificada pessoalmente ao arguido que, nos termos do n.º 2, do art. 334.º, do CPP, consentiu na realização da audiência na sua ausência.”

Mais aí se aduz que “Nos demais casos opera a regra geral, em que o arguido fica notificado da sentença depois de lida perante o seu defensor. São as situações em que o arguido esteve presente na audiência, e mesmo faltando á leitura, considera-se notificado da sentença depois de ter sido lida perante o seu defensor (cfr. artº 373º, nº 3, do CPP), e nas situações de ausência consentida, ressalvada, como vimos, da exigência de notificação pessoal nos termos do nº 6 do citado artº 334º.

Ora, no caso dos autos, em que está em causa o julgamento na ausência consentida pelo arguido, a sentença não deixou de lhe ser notificada depois de lida, através do seu defensor que o representou para todos os efeitos possíveis como determina o artº 344º, nº 4, do CPP, e nos termos expressamente previstos na lei.

E neste regime de notificação da sentença no caso de ausência consentida não se vê que os direitos do arguido fiquem afectados pois a audiência na sua ausência emerge da sua vontade e o risco não é desproporcionado porque está representado para todos os efeitos pelo seu defensor.”

O mesmo Tribunal da Relação, em acórdão de 18-06-2013, proferido no âmbito do processo 355/04.8TABNV.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, esclarece que: “

I - Há que distinguir os casos em que o arguido está física e processualmente ausente da audiência, daqueles em que esteve presente, mas entretanto ausentou-se, só no primeiro caso sendo exigível a notificação pessoal da sentença, entendimento conforme à nossa constituição;

II - A aceitar-se a orientação de exigir a notificação pessoal da sentença ao arguido, em caso em que ele esteve presente ao julgamento, mas que falta à leitura da sentença, tendo o seu mandatário sido notificado da data da leitura e faltando também, estaria a abrir-se caminho ao uso abusivo deste expediente como forma de alargamento do prazo de recurso, quando a salvaguarda das garantia de defesa não o justificam, em nítido beneficio injustificado do infractor.

III - O facto da leitura não ter ocorrido perante o mandatário constituído pelo arguido, em nada altera, uma vez que o art.373, n°3, CPP, expressamente refere que se considera o arguido notificado com a leitura da sentença perante o "defensor nomeado ou constituído".

Para fundamentar tal decisão, refere o citado arresto o seguinte:

“ Com efeito, a presença do arguido na sessão da audiência em que foi produzida parte da prova e do seu ilustre mandatário na sessão em que foi designada data para leitura da sentença, constituem garantia suficiente da salvaguarda dos seus direitos de defesa.

A Constituição consagra que o processo criminal assegura todos os direitos de defesa (art.32), mas não impõe a notificação pessoal da sentença ao arguido, o que apenas se terá de considerar como obrigatório quando tal notificação for necessária à garantia desses direitos.

(…)

O garantismo do processo penal, não pode chegar ao ponto de dar cobertura a atitudes de manifesto alheamento e recusa voluntária do exercício de direitos de defesa.

Se o arguido compareceu a uma sessão da audiência de discussão e julgamento, o seu ilustre mandatário às duas sessões em que foi produzida prova e foi notificado da data de leitura da sentença, a esta leitura não comparecendo ambos e não procurando saber o resultado do julgamento, na secretaria ou junto do defensor nomeado para a leitura da sentença, sibi impute!.”

Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-07-2013, Proc. 430/08.0JACBR.C1, in www.dgsi.pt, se refere que “tendo o julgamento decorrido com a presença da arguida e sua defensora e tendo sido designada data para a leitura do acórdão, a que compareceu apenas a defensora, deve considerar-se que a sentença foi notificada à arguida no dia da sua leitura, na pessoa da mandatária”.

No mesmo acórdão faz-se referência aos Acórdãos n.°s 109/99, 545/03 e 483/2010 do Tribunal Constitucional, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt, onde se decidiu no sentido de “não julgar inconstitucional a norma do artigo 373°, n.° 3, conjugada com a do artigo 113°, n.° 9 do CPP, por entender que apesar de o arguido não ter estado presente na leitura da sentença, como tinha estado presente no julgamento, tinha tido conhecimento pessoal da data da leitura da sentença, nessa sessão estivera presente o seu defensor e a sentença fora depositada nesse dia, ele dispusera de todas as condições para conhecer o teor da sentença e o seu exacto conteúdo”.

Cita-se, ainda, aí Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, que entende que “a decisão de interposição do recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (art. 64º, nº 1, al. d)…pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor mas o arguido esteve na audiência de julgamento (art. 373º, nº3 ) e, mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma sua conduta voluntária (artigos 325º, nºs 4 e 5 e 332 nºs 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (artigo 334º, nºs 2 e 4). Nestes casos, o arguido é representado para todos os efeitos legais pelo seu defensor, incluindo para os efeitos da notificação da sentença penal, fixando-se o início do prazo legal para o recurso na data da notificação do defensor. O conjunto normativo fixado nos artigos 373º, nº 3, 332 nºs 5 e 6 e 334º, nºs 2 e 4 do CPP interpretado neste sentido, não viola, pois, a Constituição da República”.

Assim, ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-11-2012, Proc. 40/09.4GFELV.E1, de 27-01-2011, Proc. 359/97.5TBLLE.E1 e de 22-02-2006, Proc. 506/06-1, todos in www.dgsi.pt.

Concordando-se com o que se citou, é, pois, manifesta a improcedência da arguida irregularidade, não se vislumbrando que, com tal entendimento, haja violação do disposto nos arts. 20º n.º 4 e 32 n.º 2 da CRP e 6º da C.E.D.H., conforme apreciado nos acórdãos supra citados.

Notifique.”

Desde já adiantando a nossa posição, concordamos com tudo o que - e de modo muito bem explícito e fundamentado doutrinal e jurisprudencialmente - foi dito pelo tribunal recorrido, pelo que pouco mais nos restaria acrescentar em apoio deste despacho recorrido.

Argumenta o recorrente que deveria ter sido notificado (na sua própria pessoa ou através de carta com prova de depósito) da sentença proferida nos autos.

Não lhe assistente razão, tal como foi dito pelo tribunal recorrido.

Vejamos, então.

Sob a epígrafe “Regras gerais sobre notificações” dispõe o art. 113º nº 10 do Código de Processo Penal[1] que «as notificações do arguido, … podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença […] as quais porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar».

Por outro lado, especificamente em relação à leitura da sentença, preceitua o art. 373º nº 3 que «o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído».

Importa ainda ter presente que o art. 333º nº 5 dispõe que «no caso previsto nos nºs 2 e 3, havendo lugar à audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença».

Assim, no que respeita à notificação da sentença ao arguido, dos normativos processuais acabados de referir resulta, em traços gerais, a distinção que pode ter lugar em três tipos de situações:

- numa delas, a da notificação ao arguido julgado na ausência, que não esteve presente desde o início do julgamento e relativamente a quem nem se sequer se tem a certeza que saiba estar a ser julgado, em que se exige a notificação pessoal da sentença ao próprio arguido quando se apresentar ou for detido (cfr. artigo 333º, nº 5). Nas situações a que aludem os arts. 333º nºs 2, 3 e 5 e 334º nº 6, neste nº depois de ressalvados os casos dos nºs 1 e 2 como mencionado naquele preceito, o arguido está física e processualmente ausente e, por isso, o legislador não prescindiu da comunicação da sentença ao arguido através da sua notificação pessoal. Esta situação enquadra-se, pois, no regime regra das notificações a que alude o nº 10 do artigo 113º.

- uma outra situação referente à notificação do arguido faltoso, ou seja, aquele arguido que esteve presente no julgamento (mormente em alguma das suas sessões) e como tal sabe que está a ser julgado, mas que entretanto se ausentou (justificada ou injustificadamente) e não assistiu à leitura da sentença, em que se considera o arguido notificado com a leitura da sentença feita perante o seu defensor, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 373º do Código de Processo Penal, preceito em que é estabelecido  que “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”. Esta situação enquadra-se no âmbito do que estabelecem os nºs 4 e 5 do artigo 332º, segundo os quais resulta que “o arguido que tiver comparecido à audiência não pode afastar-se dela” (cfr. nº 4), sendo que do nº 5 de tal artigo decorre que “se (…) o arguido se afastar da sala de audiências, pode esta prosseguir até final se o arguido já tiver sido interrogado e se o tribunal não considerar indispensável a sua presença, sendo para todos os efeitos representado pelo defensor”;

- e ainda uma terceira situação referente à notificação do arguido faltoso naqueles casos em que, por se verificar algumas das situações a que alude o nº 2 do artigo 334º, o mesmo requereu ou consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (ou seja, apesar de não estar presente em julgamento sabe que está a ser julgado) e não assistiu à leitura da sentença, em que também se considera o arguido notificado com a leitura da sentença feita perante o seu defensor, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 373º do Código de Processo Penal: “o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”, sendo que a segunda parte do primeiro período do nº 6 do artigo 334º apenas está prevista para os casos em que o arguido não requereu nem consentiu que o julgamento tivesse lugar na sua ausência com a expressão “Fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2,“ (o nº 2 reporta-se à impossibilidade de comparecer na audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro).

Da articulação dos preceitos legais transcritos pode extrair-se a conclusão de que a disposição legal contida no art. 373º nº 3 é uma norma especial relativamente à regra geral contida no art. 113º nº 10 e abrange quer as situações em que o arguido esteve presente em alguma ou em todas as sessões do julgamento mas faltou à leitura da sentença, quer as situações em que a audiência decorre na ausência do arguido, por sua iniciativa ou com o seu consentimento, e em que também não esteve presente no acto da leitura da sentença. Em qualquer destas situações a lei considera o arguido como processualmente presente (embora fisicamente ausente) desde que representado por defensor, considerando-se por isso suficiente a leitura da sentença perante o defensor nomeado ou constituído. Aliás, o nº 4 do artigo 372 (já) estabelece que “a leitura de sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência.”

Ora, retomando o caso dos autos, tal bem transparece do despacho recorrido, a situação do recorrente encaixa nas segunda e terceira situações atrás referidas, pois: a) por um lado esteve presente na primeira sessão da audiência (em que, depois de se identificar, exerceu o seu direito de não prestar declarações quanto aos factos de que vinha acusado – conforme resulta da acta da audiência do dia 23.04.2013) e faltou às demais sessões; b) por outro lado, na segunda sessão da audiência de julgamento, realizada no dia 26.04.2013, pela voz do seu mandatário judicial, alegando padecer de doença oncológica e invocando o art.º 334º nº 2 do CPP, requereu “que a audiência prossiga na sua ausência”, sendo que, tomando posição sobre tal pedido (e não sem antes ter sido, pela Mma Juiz, determinado que aquela sessão prosseguisse na ausência do arguido) após a junção dos documentos de fls. 1422 e 1423 (documentos esses juntos com o requerimento de fls. 1421), em 16.05.2013 foi proferido despacho a autorizar que “Atento o teor de fls. 1421 e ss. e a posição assumida pelo Ministério Público, o julgamento prosseguirá na ausência do arguido A..., o qual ficará representado pelo seu ilustre Mandatário – cfr. art. 334º nº 2 e 4 do CCP.

Nessa decorrência, porque propriamente não se trata de um julgamento que tivesse sido realizado na ausência do arguido (conforme prevê o artigo 333º), mas sim de um julgamento em que o mesmo interveio na primeira das suas sessões e que, entretanto, faltou às demais e até veio requerer que a audiência prosseguisse na sua ausência, jamais se impunha a sua notificação da sentença que veio a ser proferida porque inexiste normativo legal determinativo/impositivo dessa notificação.

Apesar dessa sua não presença no acto, público, da leitura de sentença, o certo é que em tal leitura esteve representado pelo seu defensor. Nessa medida, considerando-se notificado da sentença por força do que estabelece o nº 3 do artigo 373º, jamais se imporia a realização que qualquer outro acto ou diligência destinada a dar conhecimento ao próprio recorrente da referida sentença.

Perante tais específicas circunstâncias que suplantam e afastam a regra geral da notificação da sentença ao próprio arguido (regra geral essa decorrente do nº 10 do artigo 113º), tendo-se o recorrente por notificado da sentença na pessoa do seu ilustre mandatário, inexiste a aponta falta de notificação da sentença e, consequentemente, não se verifica a suscitada irregularidade, como bem entendeu o tribunal a quo.

E tal entendimento em nada colide com o disposto nos  artigos 13º e  32º da Constituição da República Portuguesa, mormente com o nºs 1, 5 e 6 deste último normativo, nem com o estabelecido no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Aliás, o pretendido pelo recorrente, a concretizar-se constituiria, sim, uma clara violação do princípio da igualdade em relação a outros co-arguidos que estiveram presentes em todas as sessões da audiência, que não requereram que esta tivesse lugar na ausência e que estiveram presentes na leitura de sentença. Com efeito, após a realização do acto público da leitura da sentença perante quem representa o arguido não presente, exigir-se posteriormente uma nova notificação da mesma sentença a um arguido que, bem sabendo estar a ser objecto de julgamento, propositadamente ou não (ao caso não interessa), faltou a alguma (ou algumas) das sessões desse julgamento ou que requereu ou consentiu que tal julgamento tivesse lugar na sua ausência, constituiria um infundado e/ou injustificado prémio para esse arguido que, porventura entretanto sabedor, por interposta pessoa (designadamente por parte do seu defensor ou por parte de outros co-arguidos ou até por algum qualquer cidadão que tivesse assistido à leitura de sentença) de que tinha sido condenado, certamente tudo faria para obstar à concretização dessa sua própria notificação.

E como se referiu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 81/2012 de 09.02.2012 “o sistema pode, em tais circunstâncias, no funcionamento normal das coisas que não foi ilidido, repousar na presunção de que o arguido se interesse pelo que se passa nesse decisivo transe do processo penal contra si dirigido e que o advogado cumpra o dever deontológico de acertar com ele a opção fundamental quanto à impugnação ou não da decisão”.

Por outro lado, como salienta Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edª. Abril de 2011, pág. 961 e 962), «a decisão de interposição do recurso é, com efeito, uma decisão jurídica, que não só não está reservada pessoalmente ao arguido, como compete obrigatoriamente ao defensor (…), pelo que todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, estão asseguradas quando se procede à notificação da sentença apenas ao defensor, mas o arguido esteve na audiência de julgamento (artigo 373º nº 3) e, mesmo que ele não tenha estado na audiência de julgamento, quando dela se ausentou voluntariamente ou foi afastado devido a uma sua conduta voluntária (artigos 325º nº 4 e 5 e 332º nº 5 e 6) ou quando pediu que a audiência tivesse lugar na sua ausência (artigo 334º nºs 2 e 4). Nestes casos o arguido é representado para todos os efeitos legais pelo seu defensor, incluindo para os efeitos da notificação da sentença penal, fixando-se o início do prazo legal para o recurso na data da notificação do defensor».

E a propósito de uma situação com algumas semelhanças à dos presentes autos, mas em que nem sequer tinha sido requerido que a audiência prosseguisse na ausência do arguido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 489/2008, de 07.10.2008 (Publicado no DR IIª Série, de 11.11.2008), tendo decidido nos seguintes termos: “Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 373.°, n.° 3, e 113.°, n.° 9[2], do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que tendo estado o arguido presente na primeira audiência de julgamento, onde tomou conhecimento da data da realização da segunda, na qual, na sua ausência e na presença do primitivo defensor, foi designado dia para a leitura da sentença, deve considerar-se que a sentença foi notificada ao arguido no dia da sua leitura, na pessoa do defensor então nomeado”.

Por isso, e também com este entendimento expresso pelo próprio Tribunal Constitucional, consideramos que o despacho recorrido não enferma de qualquer interpretação desconforme a qualquer preceito constitucional, designadamente aos invocados pelo recorrente.

Assim, tendo em conta todos estes argumentos que apenas servem de acrescento aos que já haviam ficado expressos no despacho recorrido, tendo-se o recorrente por notificado da sentença na pessoa do seu defensor, inexiste a aponta falta de notificação da sentença e, consequentemente, não se verifica a suscitada irregularidade, como bem entendeu o tribunal a quo.

Improcede, pois, este primeiro recurso, pelo que é de manter a primeira decisão recorrida.

B) Quanto ao segundo recurso:

A questão colocada neste segundo recurso consiste em saber se erradamente foram dados como não provados factos que no entender do recorrente seriam susceptíveis de configurar uma situação de justo impedimento para a apresentação do recurso fora do prazo.

Invoca, assim, o recorrente, a existência de erro de julgamento, ou melhor erro na apreciação da prova por parte do tribunal a quo, quando deu como não provados determinados factos, factos esses que, na sua perspectiva (do recorrente) se provaram e, assim, permitem a configuração de uma situação de justo impedimento para a apresentação, fora do prazo legal, do recurso da sentença condenatória proferida nos autos.

Vejamos desde já o teor do despacho recorrido:

“Em 10 de Outubro de 2013 (cfr. fls. 1930), veio o arguido A... interpor recurso da sentença proferida nos autos, depositada e notificada em 25.07.2013 (cfr. fls. 1871 a 1909, 1910 a 1911, 1912 e 1975 a 1980), invocando justo impedimento.

Alegou, em suma, que o arguido, em virtude dos seus problemas de saúde (cancro), teve de ser sujeito a intervenção cirúrgica em 26 de Setembro de 2013, tendo tido alta a 30 de Setembro de 2013.

Em virtude da sua doença, da operação e das sequelas pós-operatórias, apenas a 10 de Outubro de 2013 logrou o arguido contactar o seu Mandatário para lhe dar instruções para recorrer, o que este fez de imediato.

Juntou um documento e arrolou testemunhas, que foram inquiridas.

Cumprido o contraditório, apenas o Ministério Público se pronunciou, no sentido do indeferimento do incidente.

Cumpre decidir.

Produzida a prova, com interesse para a decisão do presente incidente, ficou provado que:

1. O arguido padece de cancro, tendo-lhe sido diagnosticado um carcinoma papilar/tumor na tiróide.

2. O arguido foi operado a 26.09.2013, tendo sido sujeito a tirodectomia total.

3. O Mandatário do arguido expediu, no início de Agosto de 2013, email a comunicar ao arguido o teor da sentença proferida nos autos e que ficava a aguardar instruções se devia recorrer.

4. O arguido não respondeu ao email referido em 3.

5. O Mandatário do arguido tentou contactá-lo telefonicamente, nunca tendo conseguido falar com o arguido, o qual tinha, por vezes, o telefone desligado.

6. O arguido foi internado a 26.09.2013 e teve alta a 30.09.2013.

7. O arguido foi para casa com agrafes na zona da tiróide, os quais foram retirados a 05.10.2013.

8. Após a alta, o arguido sentiu-se combalido, debilitado e com dores.

9. Apenas no dia 10.10.2013, o arguido entrou em contacto com o seu Mandatário, informando-o do seu estado de saúde e dando-lhe instruções para recorrer.

*

Não ficou provado que:

a) O diagnóstico referido em 1. tivesse ocorrido no início de Agosto de 2013.

b) O arguido foi submetido a diversos exames antes da operação.

c) O arguido ficou deprimido.

d) O arguido viu o email referido em 3.

e) O arguido tinha o telefone desligado por ordem médica.

f) O arguido foi internado a 25.09.2013.

g) Eram 20 os agrafes referidos em 7.

h) Após a alta, o arguido sentiu-se confuso.

i) Só no dia 10.10.2013 encontrava-se o arguido capaz de entrar em contacto com o seu Mandatário.

j) O arguido estava proibido de usar telefone e computador na preparação da operação.

k) O arguido, até ao dia 10.10.2013, não conseguia falar.

l) Só no dia 10.10.2013 pode o arguido usar o telefone e o computador.

*

A convicção do Tribunal quanto à factualidade assente em 1., 2., 6., 7. e 8, fundou-se no teor do documento junto a fls. 1964, conjugado com as regras da experiência comum (quanto ao 8.).

O provado em 3., 4., 5. e 9. resultou do depoimento das testemunhas inquiridas, que, de forma circunstanciada, isenta e credível, confirmaram tais factos.

O documento de fls. 1964 e o depoimento das testemunhas inquiridas são manifestamente insuficientes para se dar como provada a demais factualidade (als. a) a l)).

De facto, tais factos não resultam do documento, sendo certo que as testemunhas não tinham conhecimento directo sobre os mesmos, limitando-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelo ilustre Mandatário do arguido e pelo arguido (este último claramente interessado na procedência do presente incidente).

Por outro lado, é manifestamente inverosímil que o arguido estivesse proibido de contactar com o seu Mandatário desde 25.07.2013 até 10.10.2013, mais a mais sabendo que estava a decorrer julgamento em processo-crime no qual assumia a posição de arguido.

Acresce que o arguido apenas foi internado a 26.09.2013 e teve alta a 30.09.2013 (não se provando que aí estivesse privado de contactar com terceiros), tendo decorrido 10 dias até que contactasse o seu Mandatário.

Não se tendo provado que o arguido não pudesse falar, ainda que o tivesse sido, sempre o poderia fazer por escrito, nomeadamente por email.

*

Cumpre, agora, aferir se se verificam ou não os pressupostos do justo impedimento.

O art. 140º n.º 1 do Código de Processo Civil (anterior 146º), aplicável ex vi art. 4º do Código de Processo Penal, dispõe que “considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.

São, assim, requisitos do justo impedimento a existência de um evento não imputável à parte (nem a título de negligência), determinador da impossibilidade do acto ser praticado pela parte ou mandatário.

Com a reforma processual civil operada pelos Decretos-Lei n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro e 180/96, de 25 de Setembro, o conceito de justo impedimento alargou-se face ao consagrado na anterior redacção do Código de Processo Civil.

Na redacção anterior, o justo impedimento era considerado “o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário.”

Deixou, portanto, a lei de fazer qualquer exigência a respeito da normal imprevisibilidade do evento, estranho à vontade da parte, para se centrar apenas na não imputabilidade à parte nem aos seus representantes ou mandatários pela ocorrência do obstáculo que impediu a prática do acto.

Como refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, flexibilizou-se “ definição conceitual de “justo impedimento”, em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva regidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”

Refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Setembro de 2000, que “para a existência de justo impedimento nos termos do n.º 1 do art. 146.º do CPC (na redacção do art. 18.º-4 do DL n.º 329-A/95, de 12/12) basta que o facto que obsta à prática do acto não seja imputável, a título de culpa, à parte ou seu mandatário”.

O novo conceito de justo impedimento faz apelo, em derradeira análise, ao «meio-termo» de que falava Vaz Serra : “deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais”.

Finalmente, em anotação ao art. 146º, defende Lopes do Rego que “o nº1 pretende operar alguma flexibilização no conceito de “justo impedimento”, colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório…O que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do Código Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas”.

Analisada a factualidade dada como provada e não provada, não se vislumbra a existência de evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que tenha obstado à prática atempada do acto (interposição do recurso).

De facto, lamentando-se a situação de saúde do arguido A..., não ficou demonstrado que este estivesse, desde 25.07.2013 a 10.10.2013, impossibilitado de contactar com o seu Mandatário, a fim de lhe dar instruções para recorrer da sentença proferida nos autos, sendo certo que sempre o poderia fazer por intermédio de terceiros.

Pelo exposto, decide-se indeferir ao requerido, julgando-se improcedente o incidente de justo impedimento invocado e, consequentemente, não se admite, por extemporâneo, o recurso interposto a fls. 1931 e ss.

Custas do incidente pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C.´s – cfr. art. 7º n.º 4 e Tabela II do R.C.P

Notifique.”


A questão primordial suscitada no presente recurso está relacionada impugnação da matéria de facto que foi dada como não provada após a produção de prova no incidente de justo impedimento.
Vejamos.
Dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão as demais disposições legais citadas sem menção de origem) que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da denominada “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que aludem as alíneas o nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3.

Na primeira situação (ou seja âmbito da “revista alargada”) decorre do artigo 410.º n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº 2 artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., pag. 74). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

Ora, lendo e relendo toda a decisão recorrida, em lado algum da mesma se descortina a existência de um qualquer dos atrás enunciados vícios, sendo ainda certo que também nenhum deles tinha sido, sequer, invocado pelo recorrente.

Na segunda situação (ou seja no âmbito da impugnação ampla) a apreciação da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar os concretos pontos de facto (ou os factos individualizados ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Conforme vem sendo repetidamente afirmado, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constituiu apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância.
Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o ac. do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.” (sublinhado e sombreado nossos)
Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol., Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.

Neste âmbito da sua peça recursória, à primeira vista, o recorrente lança argumentos no sentido de pôr em causa a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos que considerou não provados em contraposição com a que sobre os mesmos ele próprio adquiriu com a diligência de produção de prova.

Todavia, ainda neste âmbito importa não esquecer a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127º do Código de Processo Penal.

De acordo com o disposto no art. 127º a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

O art. 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.

A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).

Tal como diz o Prof Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, Vol II, pag 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.

Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos, sendo por demais relevante que essa prova decorra em plena observância dos princípios da imediação e da oralidade.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, pois só esse imediação e oralidade permitem avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.


Depois de tecidas estas considerações que devem ser tidas em conta quando é impugnada a matéria de facto sob a perspectiva da invocação de erro de julgamento e entrando na apreciação da questão em apreço, decorre das conclusões de recurso que o recorrente impugna os factos dados como não provados sob as alíneas b), d), e), f), g), i), j) k) e l), considerando que os mesmos deveriam ser dados como provados. Mais refere ainda que também deveria ser dado como provado que “O arguido teve um cancro que levou à amputação do pénis”.
Antes de tecermos considerações acerca deste último facto que o recorrente também pretende que seja dado como provado, recordemos os postos em causa factos não provados a que se reportam as supra mencionadas alíneas. Após a diligência de produção de prova, o tribunal a quo fez consignar:
Não ficou provado que:
(…)

b) O arguido foi submetido a diversos exames antes da operação.

(…)

d) O arguido viu o email referido em 3.

e) O arguido tinha o telefone desligado por ordem médica.

f) O arguido foi internado a 25.09.2013.

g) Eram 20 os agrafes referidos em 7.

(…)

i) Só no dia 10.10.2013 encontrava-se o arguido capaz de entrar em contacto com o seu Mandatário.

j) O arguido estava proibido de usar telefone e computador na preparação da operação.

k) O arguido, até ao dia 10.10.2013, não conseguia falar.

l) Só no dia 10.10.2013 pode o arguido usar o telefone e o computador.”

E na fundamentação da matéria de facto, depois de expor os motivos por que deu positivamente como provados os factos elencados sob os pontos 1 a 9 (factos esses que o recorrente não questiona), quanto aos factos dados como não provados (nos quais se incluem os constantes das alíneas sindicadas pelo recorrente) o tribunal a quo justificou essa não prova com os seguintes argumentos:

O documento de fls. 1964 e o depoimento das testemunhas inquiridas são manifestamente insuficientes para se dar como provada a demais factualidade (als. a) a l)).

De facto, tais factos não resultam do documento, sendo certo que as testemunhas não tinham conhecimento directo sobre os mesmos, limitando-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelo ilustre Mandatário do arguido e pelo arguido (este último claramente interessado na procedência do presente incidente).

Por outro lado, é manifestamente inverosímil que o arguido estivesse proibido de contactar com o seu Mandatário desde 25.07.2013 até 10.10.2013, mais a mais sabendo que estava a decorrer julgamento em processo-crime no qual assumia a posição de arguido.

Acresce que o arguido apenas foi internado a 26.09.2013 e teve alta a 30.09.2013 (não se provando que aí estivesse privado de contactar com terceiros), tendo decorrido 10 dias até que contactasse o seu Mandatário.

Não se tendo provado que o arguido não pudesse falar, ainda que o tivesse sido, sempre o poderia fazer por escrito, nomeadamente por email.”

Entrando agora mais detalhadamente no cerne da questão, constatamos que os meios de prova produzidos pelo arguido para demonstração do justo impedimento - e que, alegadamente, foram mal avaliados pelo tribunal a quo - são os depoimentos de duas testemunhas, uma advogada (Maria Duarte) e outra advogada-estagiária ( B...) cujo patrono é o mandatário do arguido; os documentos médicos juntos a folhas 1422 e 1423 (atinentes à então requerida dispensa da presença do arguido na audiência de julgamento); e, bem assim, o documento junto a fls. 1964 com o requerimento de arguição do justo impedimento.

Ouvida a gravação dos depoimentos das referidas testemunhas é evidente que os mesmos nunca poderiam ser tidos como bastantes para prova dos factos referidos pelo recorrente e relativos ao seu estado de saúde e clínico. Com efeito, para além das tentativas de contacto telefónico do ilustre mandatário do arguido com este e do insucesso dessas tentativas que a testemunha B... diz ter presenciado, sem que nos ocorram razões para duvidar dessa afirmação, o mais que ambas as testemunhas relataram foi que estavam presentes quando o ilustre mandatário recebeu um telefonema do arguido e presenciaram a conversa telefónica ouvindo a parte perceptível da mesma. Significa isso que, em rigor, as testemunhas apenas sabem o que foi dito pelo telefone pelo mandatário do arguido e que apenas podem ter ouvido uma pequena parte do que foi dito pelo arguido e/ou deduzido o que o arguido terá referido ao seu mandatário ou ainda, quando muito, terem ficado a conhecer o conteúdo da conversa através do relato que posteriormente o mandatário do arguido lhes fez.  É certo que a testemunha B... chegou a afirmar que ouviu o que o arguido disse pelo telefone, o que além de parecer pouco provável, uma vez que ninguém mencionou que o telefone estivesse em alta voz (e não seria conveniente nem adequado que estivesse dado que se tratava de uma conversa entre advogado e constituinte), ouvindo a gravação constata-se facilmente que a testemunha não logrou sequer convencer o mandatário do arguido (que a estava a inquirir) da correcção dessa afirmação.

Ora, a verdade é que mesmo aceitando sem dificuldade que tal tenha ocorrido precisamente como o afirmaram as testemunhas, os seus depoimentos não podem ser aceites como prova bastante da veracidade das afirmações do arguido que é afinal aquilo que estava em discussão.

O que se pretendia apurar - e os meios de prova a produzir deveriam demonstrar - não era que o arguido afirmou ter tido determinados problemas de saúde e que os mesmos lhe provocaram certas condicionantes pessoais, que é afinal o máximo que se pode extrair dos depoimentos produzidos.

O que caberia demonstrar era que essas afirmações eram verdadeiras, correspondiam à verdade, e isso, naturalmente, não se pode considerar demonstrado só porque o arguido assim o declarou, tal como declarou por escrito no requerimento que apresentou nos autos subscrito pelo respectivo mandatário, sem que este requerimento (que igualmente documenta as suas afirmações) também possa ser aceite como meio de prova.

Ora os depoimentos das testemunhas em causa não acrescentam absolutamente nada à afirmação do próprio arguido, interessado em demonstrar esses factos, já que não possuem qualquer conhecimento para além do que ouviram do próprio arguido – nas condições já referidas que inclusivamente atenuam fortemente o valor probatório dos depoimentos – não constituindo, portanto, qualquer fonte específica de registo e comprovação (logo, de prova) dos factos exteriores à afirmação do arguido, ou seja, dos factos afirmados, que era o que carecia provar.

Tratando-se de matéria do foro médico, os factos referidos teriam de ser demonstrados através dos competentes relatórios ou declarações médicas e/ou documentos clínicos e hospitalares, sendo certo que a situação descrita é compatível não apenas com a existência de diversos documentos passíveis de demonstrar os factos em apreço, como também com a facilidade de acesso aos mesmos uma vez que o arguido continua a ser acompanhado clinicamente e, portanto, a ter contactos com médicos e instituições hospitalares onde poderia obter tais documentos.

Acresce que estando em causa em parte um comportamento que à partida, de acordo com a experiência comum, parece contrário àquilo que normalmente acontece, era exigível, por maioria de razão, documentação médica explicativa da necessidade ou conveniência desse comportamento. Estamos a referirmo-nos à afirmação de que por razões médicas o arguido foi impedido de usar o computador e o telefone e de comunicar ou se relacionar com outras pessoas.

É da experiência de qualquer pessoa que já se confrontou com um familiar a padecer de cancro que esta doença tem sobre o doente um enorme impacto psicológico e que, para o atenuar, os doentes são aconselhados a não se isolarem e a procurarem prosseguir com a sua vida normal apesar dos tratamentos, pelo que é particularmente difícil de compreender que tenha havido motivos clínicos para no caso do arguido lhe impor o isolamento do resto do mundo e a privação de contactos com o exterior e embora, por desconhecimento, não se exclua a possibilidade de esses motivos clínicos existirem é, no mínimo, avisado e adequado exigir relatórios médicos que os atestem.

Por conseguinte, ou se encontram nos autos documentos médicos que permitam julgar provados os factos que o arguido refere no seu recurso ou não há como evitar concluir pela não prova dos mesmos em concordância com a decisão da 1.ª instância. Vejamos pois o que nos revelam os referidos documentos.

A primeira observação a fazer é que os primeiros documentos juntos a fls. 1422 e 1423 (dos autos principais) são datados de Junho e Agosto de 2012, pelo que são de escassa importância para a demonstração de factos ocorridos apenas um ano depois (em Agosto e Setembro de 2013).

A segunda observação é que a situação clínica naqueles relatada é de cancro na bexiga diagnosticado em 2006 e que levou à realização de uma cistectomia com construção de conduto ileal (isto é, extracção da bexiga com construção de outro reservatório para a urina) em Março de 2010, com posterior tratamento de quimioterapia até Dezembro de 2010, a partir do qual o doente passou a regime de acompanhamento sem evidência de recidivas, com qualidade de via aceitável.

Como é fácil de ver não existe qualquer prova de que o arguido teve um cancro que levou à amputação do pénis, não se vislumbrando sequer como se pretendeu demonstrar esse facto com estes relatórios médicos, pelo que o primeiro dos factos que se requer que seja julgado provado não pode obter decisão nesse sentido.

Quanto ao segundo facto (se o arguido foi submetido a diversos exames antes da operação), sendo certo que o mesmo se reporta à intervenção cirúrgica realizada em 26 de Setembro de 2013 e que segundo o documento médico de folhas 1964 (dos autos principais) consistiu na extracção total da tiróide, constitui um facto notório que num sistema de saúde que disponibiliza os conhecimentos médicos, os meios de diagnóstico e os recursos clínicos como o nosso, uma intervenção dessa natureza implica a realização prévia de diversos exames, pelo que apenas com base no aludido documento é possível dar como provado o facto em apreço, sobretudo porque nele não se determinam nem a quantidade, nem a espécie, nem as implicações dos concretos exames realizados ou da sua realização.

No que respeita ao terceiro facto (se o arguido viu o mail que lhe foi enviado pelo seu mandatário no início de Agosto de 2013 a informar o teor da sentença proferida e que ficava a aguardar instruções se devia recorrer), uma vez que estamos perante um facto pessoal do arguido (se ele viu o mail) que no contexto da questão que nos ocupa lhe é desfavorável, pode aceitar-se como prova bastante deste facto, sobretudo quando o facto em questão não situa a data em que o mail terá sido visto, o depoimento da testemunha B... segundo a qual que na conversa telefónica com o seu mandatário o arguido afirmou que efectivamente viu o mail.

Os demais factos cuja demonstração o recorrente defende ter sido feita prova prendem-se com o novo problema de saúde sofrido pelo arguido e que motivou a submissão a uma tiroidectomia total em 26 de Setembro de 2013.

Como já referimos, o documento junto a folhas 1422 e 1423 não possui qualquer informação relevante relativamente a este acontecimento que à data do documento não estava diagnosticado. O único documento de natureza clínica com relevo é o documento a folhas 1964 que todavia apenas descreve a natureza do problema de saúde (carcinoma papilar), o tipo de intervenção realizada (tiroidectomia total – extracção total da tiróide), as datas do internamento e da realização da intervenção cirúrgica (o mesmo dia: 26.09.2013) e que essa intervenção teve um pós-operatório sem intercorrências e o doente ficou com agrafos (não refere quantos) para tirar a partir de 5.10.2013.

Pelas razões já aduzidas, os depoimentos produzidos para prova do incidente não acrescentam absolutamente nada ao que o próprio arguido terá declarado, pelo que não podem ser aceites como prova suficiente de quaisquer factos que teriam de ser demonstrados com recurso a documentação médica ou clínica.

Nessa medida, uma vez que, como já referido, o alegado isolamento total do arguido não é comum ou normal numa situação de cancro, sendo, pelo contrário, aconselhável que o doente procure manter rotinas e contacto com o exterior para se libertar do stress psicológico despoletado pela gravidade da doença, face à ausência de qualquer outro documento e estritamente com base no teor do aludido documento, não se pode, de forma alguma, considerar demonstrado que o arguido tinha o telefone desligado por ordem médica, que até 10.10.2013 esteve proibido, impedido ou aconselhado a não usar o telefone e o computador ou de contactar com o seu mandatário por qualquer meio, que até 10.10.2013 não conseguia falar ou contactar com o seu mandatário, que ficou com “20” ou “muitos” agrafos colocados, que o seu internamento ocorreu em 25 e não em 26.09.2013.

Pelo exposto, improcede o recurso no tocante à alteração da matéria de facto com a única ressalva dos seguintes factos que aqui se julgam provados e assim se aditam à matéria de facto provada:

10. O arguido foi submetido a diversos exames antes da operação referida em 1.

11. O arguido viu o email referido em 3.

        

Em virtude desta alteração, julga-se oportuno recapitular na íntegra a matéria de facto julgada provada para efeitos do incidente:

1. O arguido padece de cancro, tendo-lhe sido diagnosticado um carcinoma papilar/tumor na tiróide.

2. O arguido foi operado a 26.09.2013, tendo sido sujeito a tirodectomia total.

3. O Mandatário do arguido expediu, no início de Agosto de 2013, email a comunicar ao arguido o teor da sentença proferida nos autos e que ficava a aguardar instruções se devia recorrer.

4. O arguido não respondeu ao email referido em 3.

5. O Mandatário do arguido tentou contactá-lo telefonicamente, nunca tendo conseguido falar com o arguido, o qual tinha, por vezes, o telefone desligado.

6. O arguido foi internado a 26.09.2013 e teve alta a 30.09.2013.

7. O arguido foi para casa com agrafes na zona da tiróide, os quais foram retirados a 05.10.2013.

8. Após a alta, o arguido sentiu-se combalido, debilitado e com dores.

9. Apenas no dia 10.10.2013, o arguido entrou em contacto com o seu Mandatário, informando-o do seu estado de saúde e dando-lhe instruções para recorrer.

10. O arguido foi submetido a diversos exames antes da operação referida em 1.

11. O arguido viu o email referido em 3.

Defende o recorrente que a matéria de facto revela uma situação de justo impedimento à prática do acto de interposição de recurso no prazo legal.

Abrindo aqui um parêntesis, e na sequência do que se concluiu em relação ao primeiro recurso, apesar da leitura de sentença e respectivo depósito ter ocorrido no dia 25.07.2013, no período que mediou entre tal data e o dia 31.08.2013 decorreram as férias judiciais de Verão.

Por isso mesmo, e porque os autos não respeitavam a processo urgente, o prazo de interposição de recurso da sentença iniciou-se apenas no dia 01.09.2013.

Sendo de 30 dias o prazo de interposição de recurso (cfr. artigo 411º nº 1), tal prazo – iniciado em 01.09.2013 – terminou no dia 30.09.2013 ou, quanto muito, nos três primeiros dias úteis subsequentes (dias 1, 2 e 3 de Outubro de 2013), por força do que dispõe o artigo 139º nº 5 do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 107º nº 5 do Código de Processo Penal) e com a sanção a que alude o artigo 107º-A do Código de Processo Penal.

Como deixámos consignado no ponto 8 do “Relatório” deste acórdão, o recurso foi enviado por correio registado no dia 10.10.2013, ou seja muito para além daquele prazo de 30 dias e dos três dias úteis posteriores a esse prazo.

Resulta assim que o recurso foi apresentado fora do prazo, como aliás o próprio recorrente reconhece e aceita, servindo a invocação do justo impedimento para justificar a admissão da prática do acto na data em que o mesmo acabou por ser praticado.

Fechando este parêntesis, como vínhamos dizendo, importa agora indagar se perante toda a matéria de facto dada como provada devemos considerar ter efectivamente ocorrido uma situação de justo impedimento à prática do acto de interposição de recurso no prazo legal.

Vejamos se assim é.

Segundo o n.º 2 do artigo 107.º do CPP “os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento” (sublinhado nosso).

O Código de Processo Penal não nos oferece uma noção de justo impedimento, pelo que a noção deste conceito deve procura-se no Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º daquele diploma legal.

O nº 1 do artigo 140º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, define aquele conceito nos seguintes termos: “Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato”.

Convém referir, por ter interesse para a interpretação da norma e a concretização do respectivo conceito normativo, que antes das alterações introduzidas no antigo Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, só era considerado justo impedimento o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte que a impossibilitasse de praticar o acto por si ou por mandatário (artigo 146.º).

O propósito deliberado do legislador, segundo consta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, foi o de flexibilizar a definição conceptual de «justo impedimento» em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia da culpa, que se afastou da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam”.

O núcleo essencial do conceito de justo impedimento deixou de ser a natureza imprevista ou surpreendente do evento gerador do impedimento, isto é, o tratar-se de um evento extraordinário com que em circunstâncias normais a parte ou o seu mandatário não devesse contar. E passou a ser a não imputabilidade do evento à parte ou ao seu mandatário, sendo certo que esta imputabilidade não é um conceito puramente naturalístico – facto que deriva em termos causais de uma actuação ou omissão da própria parte – mas antes um conceito normativo que pressupõe, portanto, a possibilidade da imputação subjectiva do facto ao domínio da actuação consciente da pessoa.

O que releva para o preenchimento do justo impedimento é a possibilidade de emitir o juízo de que no caso concreto era exigível outro procedimento, ou seja, que a não prática do acto sobreveio de uma atitude da pessoa, no mínimo, negligente por lhe ser exigível do ponto de vista ético-jurídico que se relacionasse com o evento exterior à sua vontade de outro modo. Por outras palavras, não releva se o evento é imprevisto ou extraordinário, mas sim se perante o evento a não prática do acto no prazo legal é ou não uma atitude censurável a título de culpa ou mera culpa.

Também quanto ao outro elemento do justo impedimento (o impedimento propriamente dito) a alteração é significativa. Enquanto antes era necessário que o evento gerasse a impossibilidade de praticar o acto, presentemente basta que o evento obste à prática do acto. Deu-se, portanto, uma atenuação do grau de exigência que igualmente reposiciona o conceito no sentido da sua normatividade: não é mais necessário que o evento impossibilite em absoluto a prática do acto, basta que do ponto de vista da actuação normalmente diligente exigível da pessoa o evento haja, em termos razoáveis, adequados, obstado à prática do acto.

Podemos assim sintetizar o conceito normativo de justo impedimento dizendo que ele pressupõe a reunião dos seguintes elementos:

a) a ocorrência de um evento não imputável ao agente a título de culpa ou negligência, no sentido de não se poder fazer incidir sobre o agente qualquer espécie de censura ético-jurídica por o evento ter ocorrido ou não ter sido evitado;

b) que esse evento haja gerado um obstáculo à prática do acto dentro do prazo legal e, nas concretas circunstâncias do caso, não fosse adequado e razoável exigir do agente que ainda assim praticasse o acto no respectivo prazo.

Vejamos se estes elementos estão reunidos no nosso caso concreto.

Antes, porém, convém acentuar que está em causa apenas a actuação do próprio arguido de comunicar ao seu ilustre mandatário a decisão de interpor recurso. Por outras palavras, a actuação que obstou à prática do acto foi a abstenção da comunicação ao mandatário da decisão de interpor recurso. Não se tratou, portanto, de qualquer impedimento à elaboração e apresentação do recurso, actos que o mandatário praticou com especial celeridade assim que aquela decisão lhe foi transmitida, mas tão somente da formação da decisão de interpor recurso e sua comunicação ao ilustre mandatário.

Este aspecto é relevante para efeitos de averiguar se houve ou não justo impedimento porque o grau de censura inerente ao juízo de imputação à parte não dispensa a avaliação do evento e da actuação omitida. Não se pode, com efeito, fazer o mesmo juízo se o impedimento recai sobre o mandatário a quem incumbe o esforço e a perícia de elaborar o recurso, o que requer tempo e disponibilidade, ou recai apenas sobre o arguido a que incumbe apenas a decidir pela sua apresentação.

Convém também sublinhar que não cabe aqui fazer qualquer juízo sobre a necessidade dessa comunicação, ou seja, não cabe no âmbito da decisão sobre se houve ou não justo impedimento fazer qualquer juízo sobre a possibilidade de o mandatário face ao silêncio do seu constituinte tomar a iniciativa de interpor recurso. Independentemente de saber se o mandato que lhe foi conferido pelo seu constituinte de lutar pela absolvição do crime que lhe era imputado compreendia a interposição de recurso, sobretudo num caso, como aqui parece acontecer, em que o conteúdo do recurso é puramente jurídico e em que, portanto, a decisão de o interpor é essencialmente técnica e não depende de qualquer colaboração do próprio arguido, a partir do momento em que o ilustre mandatário entendeu remeter para o constituinte a decisão de interpor recurso e sendo certo que o direito ao recurso é um direito do próprio arguido, cabia ao arguido o ónus de comunicar a sua decisão a esse respeito e essa comunicação passou a constituir um dos pressupostos da prática do acto de interposição do recurso.

Finalmente importa salientar que é a quem invoca o justo impedimento que cabe o ónus de demonstrar o preenchimento dos respectivos pressupostos, não funcionando neste particular qualquer presunção legal que dispense o arguente da demonstração desses pressupostos.

Pois bem, parece inquestionável que no caso o arguido se confrontou com um evento exterior que não lhe é, de forma alguma, imputável. Referimo-nos à doença cancerígena e à necessidade de fazer uma tiroidectomia total que são obviamente eventos não desejados, não procurados e totalmente contrários à vontade de qualquer pessoa.

Todavia, já se nos afigura que não se pode concluir que esse evento gerou efectivamente um obstáculo à prática do acto dentro do prazo legal e que, nas concretas circunstâncias do caso, não fosse adequado e razoável exigir do arguido que fizesse a comunicação ao seu mandatário.

Com efeito, não resultou demonstrado qualquer facto donde se possa extrair que ao longo dos meses de Agosto e Setembro de 2013 o arguido esteve impedido de decidir que queria interpor recurso e de comunicar essa sua decisão ao mandatário. Não estamos sequer a referirmo-nos a um impedimento total ou absoluto, pelo contrário, temos em mente qualquer situação que pudesse representar um obstáculo desproporcionado ou excessivo e cuja superação exigisse esforços desmesurados, um grau de diligência extrema.

Repare-se que o arguido teve cerca de dois meses para contactar o seu mandatário já que este lhe deu conta da sentença no início de Agosto de 2013, altura em que lhe pediu para o informar se desejava recorrer. Qualquer pessoa que se confronta com o aparelho de justiça e com um processo judicial no qual tem participação activa sabe que existem prazos para cumprir. E sabe que o mandatário necessita de tempo para elaborar correctamente as suas peças e aumentar a possibilidade de sucesso, pelo que não pode descuidar-se quanto a essa decisão e deixar para o último dia a tomada de decisão, sendo certo que a existência de um prazo tem por justificação e objectivo não a tomada de decisão sobre recorrer, mas a exigência técnica inerente à elaboração e motivação deste, sobretudo quando está em causa o recurso da matéria de facto.

Tendo visto o email do seu mandatário o arguido tinha a obrigação estrita, para defesa dos seus próprios interesses, de decidir o que fazer em relação ao eventual recurso e comunicar prontamente a sua decisão ao seu mandatário. O que significa que no caso lhe era absolutamente exigível e nada desproporcionado um grau de diligência e empenho na defesa dos seus interesses que teriam evitado, por certo, a situação em que incorreu por culpa sua.

Afinal, bastava que num prazo razoável que podemos situar entre 10/15 dias tivesse tomado a decisão e informado o mandatário da mesma. Se assim tivesse feito, como devia, face ao período de férias judiciais em que decorreu esse prazo, teria permitido ao seu mandatário dispor da totalidade do prazo de 30 dias para a interposição e motivação do recurso.

Não desprezamos que ao arguido foi diagnosticado um tumor na tiróide e que após a realização de diversos exames, foi operado e sujeito a tirodectomia total. Mas esse facto não pode, sugestionado pela complacência inerente a uma doença dessa gravidade, escamotear que antes disso já estavam decorridos quase dois meses sobre a data em que o arguido foi chamado pelo seu mandatário a decidir sobre a interposição do recurso, que essa decisão era muito fácil de tomar e de comunicar (bastava uma mensagem de correio electrónico ou um mail dizendo apenas: recorra), que não ficou demonstrado em que data foi feito esse diagnóstico, que não resultou provado que o arguido esteve impedido ou sequer que foi aconselhado medicamente a não usar o telefone e o computador e/ou a comunicar com terceiros por qualquer forma, designadamente através de um familiar ou amigo a quem pedisse que contactasse o mandatário em seu nome para lhe dar indicações no sentido de recorrer da sentença.

Também não ignoramos que o arguido foi internado a 26.09.2013 (conforme resulta do documento de folhas 1964, contrariando a afirmação do arguido de que o internamento ocorreu no dia anterior) e só teve alta a 30.09.2013, tendo ido para casa, combalido, debilitado e com dores e com agrafes que só foram retirados a 05.10.2013. Contudo, como é bom de ver, o internamento não foi uma coisa súbita, inesperada e totalmente imprevista pois se o arguido fez diversos exames antes, teve de colocar a hipótese de os exames virem a demonstrar a inevitabilidade da operação e do internamento. O que significa que o arguido teve perfeitamente tempo, antes de ser internado, para responder ao seu mandatário e informá-lo que pretendia que o recurso fosse interposto. Se o não fez foi por ter omitido o grau de zelo, diligência e esforço que lhe era perfeitamente exigível e não representava qualquer excesso ou desproporção mesmo na situação em que o arguido se encontrava.

Poder-se-ia colocar a questão na perspectiva puramente mental da reacção psicológica face à descoberta do tumor e ao risco de vida que isso encerra, argumentando que o arguido caiu num estado psicológico de isolamento e negação que o levou a afastar-se de tudo o mais. Sucede que não foi nessa perspectiva que o justo impedimento foi suscitado, nem resultaram provados factos que permitam fazer essa leitura de uma forma não especulativa.

O que foi alegado é que por razões de saúde o arguido esteve impedido de falar e de comunicar com o exterior, por telefone ou computador, sendo em função desses factos que se deve decidir se houve ou não justo impedimento. Esses factos, como vimos, resultaram não provados, de nada servindo especular que o justo impedimento poderia ter outro fundamento factual.

Em suma, pese embora a doença de que o arguido foi acometido e o seu internamento hospitalar para tratamento dessa doença, atentos os factos provados a esse respeito, o lapso de tempo já decorrido desde que ele sabia da necessidade de dar informação ao seu mandatário, a simplicidade e facilidade com que essa informação podia ser transmitida, a obrigação de saber que a informação tinha de ser transmitida com tempo para permitir ao mandatário elaborar convenientemente o recurso, devemos concluir que na prática o que estorvou a apresentação do recurso não foram a doença e o internamento do arguido mas o seu alheamento do processo, já que lhe era perfeitamente exigível um empenho e uma diligência geradores de um comportamento que teria permitido a apresentação tempestiva do recurso.

Questiona o recorrente que esta leitura corresponda ao respeito devido pelo direito ao recurso e pela natureza equitativa do processo.

O Tribunal Constitucional tem repetido sistematicamente que o direito do arguido ao recurso é compatível com a existência de prazos para a prática dos actos, com a necessidade de arguição de irregularidades processuais, com a consequência preclusiva dos direitos da ultrapassagem do prazo, com a imposição ao arguido de deveres de colaboração e diligência em ordem à defesa dos seus interesses, com a existência de decisões irrecorríveis, com a existência de ónus de instrução e fundamentação do recurso.

O direito ao recurso não é pois uma panaceia jurídica que tudo consente ao arguido ou que o iliba de qualquer responsabilidade pelo zelo com que actua no processo. O direito ao recurso é um direito essencial do cidadão colocado na posição de arguido num processo penal, mas o seu cabal exercício pressupõe a interacção responsável entre o tribunal e o arguido.

Ao arguido não podem ser opostas exigências irrazoáveis, desproporcionadas, excessivas, susceptíveis de, com apoio na formalidade estrita, retirarem materialidade ao seu direito ao recurso, ao confrontarem o arguido com algo que ele não possa realizar sem um esforço desmesurado e desproporcionado ou não possa realizar de todo. Mas podem ser-lhes feitas exigências de colaboração e cooperação que, sem colocar em causa o direito a que o tribunal julgue convenientemente o seu processo, contribuam para a justa e equitativa ordenação do processo enquanto encadeado de actos que visam chegar a um fim útil: julgar, julgar bem, julgar em tempo.

Como se viu, o conceito de justo impedimento absorve precisamente toda essa dialéctica entre direitos e deveres processuais, ao trazer para o seu seio os conceitos jurídicos de imputabilidade, censurabilidade ético-jurídica, razoabilidade e adequação da exigência de outro comportamento. Nessa medida, ou a solução final está errada, caso em que não se coloca a questão da violação do direito ao recurso porque o reconhecimento do justo impedimento acabará por conduzir à aceitação do recurso, ou está certa, e nesse caso, respeitada a razoabilidade da exigência com que o arguido é confrontado, não se vê como sustentar que essa leitura viole o direito ao recurso.

Como se afirmou logo no Acórdão do Tribunal Constitucional de 20.11.1996, in DR – IIª Série de 05.03.1997, as exigências que se colocam para ser reconhecido o justo impedimento à interposição de um recurso – estava em causa a mencionada anterior redacção do preceito do Código de Processo Civil - são compatíveis com a Constituição da Republica Portuguesa porquanto não se traduzem em qualquer limitação inadequada e desproporcionada ao direito do recorrente, em termos de lhe ser impedido ou ao menos dificultado significativamente o exercício judicial do seu direito ao recurso.

Podemos assim concluir que nas circunstâncias concretamente demonstradas nos autos não houve efectivamente um justo impedimento à apresentação do recurso no respectivo prazo legal, pelo que bem andou a Mma. Juíza a quo ao recusar a alegação desse impedimento e ao rejeitar subsequentemente o acto praticado fora do respectivo prazo legal, decisão que aqui deve ser mantida, sendo certo que a mesma não infringiu quaisquer preceitos legais ordinários, constitucionais ou supra-constitucionais, designadamente os invocados pelo recorrente.

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando também aqui a questão suscitada pelo recorrente, terá também este recurso que improceder, pelo que a decisão recorrida é de manter.

                                                        *

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos e, consequentemente, confirmar as decisões recorridas.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.

                                                        *

Coimbra, 22 de Outubro de 2014

(Luís Coimbra - Relator)

(Isabel Silva)


[1] Diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem.
[2]  Actualmente nº 10 por força das alterações introduzidas pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro.