Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
465/16.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ÓNUS DO REQUERENTE
DEVER DE COLABORAÇÃO PROCESSUAL
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 01/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTº 24º, Nº 4 DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07; ARTºS 7º E 195º DO NCPC.
Sumário: I – Dispõe o n.º4 do art.º 24º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.

II - Face ao assim preceituado, parece isento de dúvida que para efeitos de interrupção do prazo em curso o requerente da nomeação de patrono deve juntar à acção, naquele prazo, documento comprovativo da apresentação, na segurança social, do requerimento de apoio nessa mesma modalidade, ónus que no caso vertente não se mostra efectivamente cumprido.

III - Não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa. Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.

IV - Se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada, deve aumentar a diligência do tribunal no cumprimento desse dever de assistência à parte.

V - A omissão de tal dever por banda do Tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa (cf. art.º 195.º, n.º 1 do nCPC).

Decisão Texto Integral:





I. Relatório

Z..., Lda. com sede na ..., veio instaurar contra M..., residente na Rua ..., acção declarativa constitutiva, pedindo a final:
a) fossem os depósitos efectuados na CGD pela Ré e identificados em 23.º declarados ineficazes como meio de extinção da obrigação do pagamento das rendas correspondentes aos meses de Agosto de 2015 a Janeiro de 2016;
b) fossem os depósitos que a Ré viesse a efectuar em qualquer entidade bancária a título de consignação em depósito declarados ineficazes como meio de extinção da obrigação das rendas vincendas;
c) fosse decretada a cessação do contrato de arrendamento por resolução;
d) fosse a Ré condenada a despejar imediatamente o locado e entregá-lo à autora livre e devoluto;
e) fosse a Ré condenada a pagar à Autora as rendas vencidas e não pagas, no valor actual de €1065,00 e, bem assim, as vincendas até efectiva entrega do locado e nos correspondentes juros moratórios à taxa legal.
Em fundamento alegou, em síntese útil, que no exercício da sua actividade comercial de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como de arrendamento de imóveis, adquiriu o prédio urbano que identificou, sito na Rua de ..., cujo 1.º andar direito havia sido dado de arrendamento à ré por contrato celebrado em 1 de Fevereiro de 1988 entre a demandada, como arrendatária, e a antiga dona do prédio, M..., como senhoria.
Tendo o aludido prédio sido adjudicado a M... e filhos por óbito daquela M..., foi enviada à ré comunicação datada de 26 de Março de 2013, dando conta da intenção de conversão do contrato de arrendamento para o NRAU e comunicando a actualização da renda ao abrigo do disposto no artigo 30.º da Lei n.º 6/2007, de 27 de Fevereiro, então alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, agora fixada em €177,50.
A ré recusou sempre pagar o valor actualizado, tendo desde então procedido à consignação em depósito na CGD a favor da senhoria da quantia mensal de €60,00.
Impugnado o depósito, veio a Relação de Coimbra a decidir, por acórdão de 10/11/2015, transitado em julgado, que a comunicação do aumento de renda havia sido válida e eficaz, tendo a ré sido condenada a completar o depósito das rendas até ao indicado montante de €177,50.
A Ré procedeu ao depósito a favor da demandante da quantia de €60,00 nos meses de Setembro de 2015 a Janeiro de 2016, o que não corresponde à renda devida, razão pela qual são tais depósitos impugnados na presente acção.
Verificando-se deste modo falta de pagamento das rendas vencidas nos aludidos meses, com este fundamento, pretende a autora exercer o seu direito à resolução do contrato.
Citada a ré no dia 2 de Março de 2016, fez juntar aos autos no dia 9 desse mesmo mês requerimento dirigido ao Exm.º Sr. Juiz, por si subscrito, com os dizeres “Venho entregar comprovativo da Ordem dos Advogados”.
Anexou a tal requerimento o duplicado de uma missiva, por si igualmente subscrita, dirigida à “Delegação de Leiria da Ordem dos Advogados”, com carimbo de recepção do original datado desse mesmo dia, e com o seguinte teor:
“Ex.mº Sr. Presidente
Eu, M..., melhor identificada em epígrafe, venho por este meio requerer uma nova nomeação para 2.ª opinião (…)”.
Presentes os autos ao Mm.º juiz com termo de conclusão em 19/4/2016, proferiu este nessa mesma data o seguinte despacho:
Atendendo a que o requerimento junto pela R. não tem a virtualidade de interromper o prazo em curso para a contestação, tanto mais que o mesmo não corresponde a qualquer pedido de apoio judiciário tal qual o mesmo vem definido no artigo 22.º e 24.º, n.º 4 da lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, sendo tão só um requerimento dirigido à Ordem dos Advogados solicitando “uma nova nomeação para 2.ª opinião” tem-se por esgotado o prazo para contestar.
Pelo exposto, de harmonia com o art.º 567.º, n.º 1 do CPC, estando regularmente citada a Ré (vide fls. 86), e não tendo a mesma contestado, considero confessados os factos articulados pela A., sem embargo das excepções a que alude o disposto no art.º 568.º do CPC.
Notifique A e R deste despacho, sendo a A para querendo e em 10 dias querendo, alegar”.
Por comunicação enviada a 5 de Maio de 2016, a AO comunicou aos autos a nomeação do Ex.mº Sr. Dr. ... para patrocinar a ré.
Também o ISS, Centro Distrital de Leiria, comunicou ao processo o deferimento do pedido de protecção jurídica formulado pela ré nos termos de despacho proferido em 5 de Maio, informando ter notificado a ré requerente nessa mesma data, tendo a comunicação dado entrada no Tribunal no dia 9 de Maio.
Por requerimento enviado ao Tribunal por carta enviada no mesmo dia 5 de Maio, mas que só no dia 13 de Maio ali deu entrada, veio a ré informar ter formulado pedido de patrocínio oficioso dentro do prazo de que dispunha para contestar, continuando a aguardar resposta da SS, reiterando que pretende contestar a acção e requerendo a substituição do despacho proferido por outro que determine que os autos aguardem a decisão da SS.
A ré formulou pedido de concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono no dia 5 de Abril de 2016.
Conclusos os autos no dia 14/6, na apreciação do requerimento apresentado pela ré, remeteu o Mm.º juiz para o despacho antes proferido, após o que proferiu sentença, que decretou como segue:
“a) Declaro os depósitos efectuados na caixa Geral de Depósitos pela R ineficazes como meio de extinção da obrigação de pagamento das rendas correspondentes aos meses de Agosto de 2015 a Janeiro de 2016;
b) declaro que os depósitos que a R. venha a efectuar em qualquer entidade bancária, a título de consignação em depósito são ineficazes como meio de extinção da obrigação de pagamento das rendas vincendas;
c) declaro resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre M... e a R. M..., o qual tem por objecto o 1.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua ...
d) Condeno a R. a despejar após trânsito em julgado da sentença, o locado e a entrega-lo à A. livre e devoluto;
e) Condeno a R. a pagar à A. as rendas vencidas e não pagas, no valor de €1 065,00 e bem assim as vincendas e não pagas, no valor de €1 065,00 e bem assim as vincendas desde Fevereiro de 2016 e até efectiva entrega do locado, bem como nos correspondentes juros moratórios à taxa legal de 4% a contar da citação e até efectivo e integral pagamento. 
 Inconformada, apelou a ré da sentença e, tendo impugnado também o despacho proferido a 19 de Abril, invocando a existência de mero lapso na informação trazida aos autos, uma vez que inicialmente e por erro dirigiu o seu pedido de nomeação à AO que depois, e ainda a tempo, apresentou na Segurança Social, concluiu pedindo a anulação do despacho proferido, com a consequente anulação da sentença, concedendo-se prazo para contestar.
Contra alegou a apelada, pugnando naturalmente pela manutenção das decisões impugnadas.
Verificando-se que, na verdade, a ré impugnou o despacho proferido a 19 de Abril e só reflexamente a sentença proferida, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em saber se à data em que foi proferido o despacho com a Ref.ª ... havia efectivamente decorrido o prazo de que a ré dispunha para contestar ou se deverá antes ter o mesmo por interrompido.
II. Fundamentação
Interessando à decisão os factos relatados em I., importa atender a quanto dispõe o n.º 4 do art.º 24.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, nos termos do qual “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Face ao assim preceituado, parece isento de dúvida - e a recorrente não o questiona em sede do presente recurso - que para efeitos de interrupção do prazo em curso o requerente da nomeação de patrono deve juntar à acção, naquele prazo, documento comprovativo da apresentação, na segurança social, do requerimento de apoio nessa mesma modalidade, ónus que no caso vertente não se mostra efectivamente cumprido.
Não vem igualmente questionado que competindo às partes, em processo civil, a condução do processo, que se encontra na sua disponibilidade, não podendo o tribunal substituir-se àquelas na prática de actos, serão responsáveis pela forma negligente ou descuidada como o fizerem, incorrendo nas cominações associadas ao incumprimento dos ónus[1] que sobre si recaiam (princípio da auto responsabilização das partes).
Os prazos estabelecidos na lei ou fixados pelo juiz para a prática de actos pela parte têm, via de regra, natureza peremptória; daí que, decorrido tal prazo, fique precludido o direito de praticar o acto, ressalvados os casos de justo impedimento, que para aqui não relevam (cf. art.º 139.º). Compreende-se a exigência legal de que o pedido de concessão do apoio judiciário seja dado a conhecer no processo, imposta por razões de segurança jurídica e também de racionalidade na gestão do processo, pois, a não ser assim, os autos prosseguiriam na ignorância de que o prazo estava interrompido, com a consequente anulação dos actos entretanto praticados. Tratando-se de um ónus, terá que ser cumprido pelo requerente que pretende interromper o prazo peremptório em curso, sob pena de preclusão do direito de praticar o acto e aplicação do efeito cominatório previsto na lei.
Não se desconhece ainda a jurisprudência do TC, para a qual a apelada chama a atenção nas contra alegações oferecidas, que vem decidindo no sentido de que a exigência da lei, que faz recair sobre o requerente do apoio judiciário o ónus de entrega no processo para o qual foi requerida a nomeação de patrono o documento certificativo da formulação de tal pedido na Segurança Social, não é desconforme à lei fundamental, por não constituir um ónus desproporcionado. Tal questão foi apreciada nos acórdãos de 11/02/2004, proferido no processo n.º 634/03, e 18/1/2006, no processo n.º 809/04, tendo-se o TC pronunciado nos seguintes termos: “(…) a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados.
Sem dúvida que se poderia congeminar outro sistema, fazendo, p. ex.., recair sobre os serviços de segurança social o dever de darem a conhecer, de imediato, nos pertinentes processos judiciais os pedidos de nomeação de patrono. Mas, independentemente da praticabilidade dessa ou de outras alternativas, a questão - repete-se - é a de saber se o regime, tal como o acórdão recorrido o interpretou, ofende a Constituição.
Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa. Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica.
Note-se, aliás, – o que não é despiciendo – que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.

A protecção constitucionalmente garantida pelo artigo 20.º n.º 1 da CRP aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é, pois, afectada pela norma contida no artigo 24.º n.º 5 da Lei n.º 30-E/2000 (…).”

Observe-se, a este respeito, que apesar dos acórdãos citados terem sido proferidos no âmbito da vigência da lei anterior à Lei n.º 34/2004, a doutrina mantém-se válida, dada a identidade das disposições, tendo de resto sido retomada nas recentes decisões de 7 de Junho de 2016, acórdão nº 350/2016, proferido no processo n.º 1036/15, e de 3 de Novembro de 2016, acórdão n.º 585/2016, proferido no processo n.º 503/16[2], todos acessíveis em www.dgsi.pt.

De todo o modo, ainda aceitando que a imposição do referido ónus ao recorrente não é desconforme à constituição, mesmo considerando as gravosas consequências para a sua inobservância, cremos que no caso em apreço razões existem que permitem adoptar uma solução contrária àquela a que chegou a decisão recorrida. Vejamos:

O art.º do 7.º do CPC consagra o princípio da cooperação, impondo aos magistrados, mandatários e às próprias partes que na condução e intervenção no processo cooperem entre si “concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”. Partes e juízes devem assim “cooperar entre si para que o processo realize a sua função em prazo razoável (…). O apelo à realização da função processual aponta para a cooperação dos intervenientes do processo no sentido de nele se apurar a verdade sobre a matéria de facto e, com base nela, se obter a adequada decisão de direito [cooperação em sentido material]. O apelo ao prazo razoável aponta para a sua cooperação no sentido de, sem dilações inúteis, proporcionarem as condições para que essa decisão seja proferida no menor período de tempo compatível com as exigências do processo (…)”[3] [cooperação em sentido formal].

Resulta ainda das diversas manifestações do princípio assim consagrado que o mesmo cumpre uma “uma função assistencial das partes”, não podendo “ser confundido com um poder discricionário do tribunal: não se trata de atribuir ao tribunal um poder para o mesmo utilizar quando entender e como entender, mas de impor ao tribunal um dever de auxílio das partes para que seja atingida a justa composição do litígio”. Trata-se portanto, de um poder-dever, cujo incumprimento implica uma nulidade processual[4].

O dever de colaboração compreende, para além do mais[5], um “dever de prevenção ou de advertência (…), o tribunal tem o dever de prevenir as partes sobre a falta de pressupostos processuais sanáveis (cf. art. 6.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, al. a)) e sobre irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações (cf. art. 590.º, n.º 2, al. b), 591.º, n.º 1, al. c), 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a)); (…) e o dever de auxílio das partes; o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais (cf. art. 7.º, n.º 4).

Por outro lado, se o dever de colaboração deve ser cumprido quando a parte esteja representada por advogado, não pode deixar de se entender que, não estando a parte patrocinada, deve aumentar a diligência do tribunal no cumprimento desse dever de assistência à parte”.

Vêm estas considerações a propósito da posição assumida pelo Mm.º juiz quanto à irrelevância da junção aos autos pela ora recorrente do requerimento acompanhado da carta dirigida à AO, por o mesmo não corresponder “a qualquer pedido de apoio judiciário tal qual o mesmo vem definido no art.º 22.º e 24.º da lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sendo tão só um requerimento dirigido à Ordem dos Advogados solicitando “uma nova nomeação para 2.ª opinião”. É verdade que assim é, mas do seu teor resulta a nosso ver indubitável que pretendia a nomeação de um advogado para a assistir neste processo, tanto assim que foi aos presentes autos que requereu a respectiva junção. Reconhece-se que a alusão à obtenção de uma segunda opinião não é rigorosamente a mesma coisa que pretender o patrocínio “para contestar a acção”, mas a declaração tem que ser interpretada atendendo ao seu contexto e ainda, quer à pessoa do declarante, quer ao seu particular destinatário, neste caso o juiz a quem vinha dirigido o requerimento. Acresce que, em nosso entender, mesmo lançando mão dos critérios interpretativos consagrados no art.º 236.º do CC, valendo a declaração com o sentido que o declaratário possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, parece-nos inequívoco que a ora recorrente pretendia a nomeação de um advogado para a patrocinar no âmbito deste processo, compreendendo-se a alusão a 2.ª opinião quando se atente na existência do processo anterior, sendo certo que nele havia sido proferido acórdão há meses transitado em julgado. E por assim ser, uma vez que o requerimento em causa deu entrada em juízo escassos dias depois da citação, deveria o Tribunal na apreciação do mesmo, e dando cumprimento ao assinalado dever de cooperação, esclarecer a requerente que não era aquele o meio adequado à obtenção do patrocínio pretendido, devendo portanto dirigir-se à SS para o efeito e, mais relevante, que para obter a interrupção do prazo em curso, tal só ocorreria com a junção aos autos, a efectuar pela própria, do documento certificativo de que tal pedido havia sido formulado. É certo que, por ter a secção de processos inobservado o prazo prescrito no art.º 162.º, n.º 1 do CPC, o requerimento apresentado só veio a ser presente ao Mm.º juiz depois de ter decorrido o prazo de contestação, mas tal inobservância não pode, obviamente, prejudicar a parte - cf. art.º 157.º, n.º 6 do CPC - não invalidando a conclusão de que foi omitido pelo Tribunal o assinalado dever de cooperação.

Acresce que tendo a recorrente solicitado entretanto na segurança social a concessão do apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono, o que fez ainda em prazo e seguramente esclarecida pela delegação de Leiria da OA, tal pedido veio a ser-lhe deferido, conforme o Centro Distrital respectivo informou o Tribunal (o que permite questionar mais incisivamente a racionalidade da solução legal quando faz recair sobre o requerente o ónus de trazer ao processo o documento certificativo da apresentação do pedido, associando para mais ao incumprimento do ónus gravosas consequências, quando nada parece obstaculizar a que, com toda a facilidade, fosse o Centro Regional a efectuar tal comunicação).

Dir-se-á que a ora apelante deveria e poderia ter cumprido então o ónus legal, tanto mais que no impresso que subscreveu se encontra a menção de que tomou conhecimento de que devia “entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que me foi fixado na citação/notificação”. Todavia, para além do dito impresso ser absolutamente omisso quanto às consequências associadas ao incumprimento de tal ónus, não poderá a nosso ver deixar de se relevar a circunstância da requerente ter já antes, e por via do mencionado requerimento que fez juntar aos autos anexando a carta enviada à AO, dado a conhecer que pretendia a nomeação de um advogado para a acompanhar nesta acção, donde não poder afirmar-se que, neste caso, era tal facto absolutamente desconhecido no processo. Com efeito, e conforme se deixou já referido, face a tal informação ficou adquirido no processo que a requerente pretendia a nomeação de patrono para a assistir nestes precisos autos -mostrando-se deste modo cumprida a finalidade visada pela lei com a junção do documento comprovativo da formulação do pedido junto da SS- cabendo ao Tribunal assegurar-se de que a esclarecia dos exactos termos em que a sua pretensão devia ser formulada e da prática dos actos necessários a garantir que exercia efectivamente o seu direito de defesa, como era inequivocamente sua intenção.

A omissão de tal dever por banda do Tribunal tem o valor de nulidade que influi clara e decisivamente no exame e decisão da causa (cf. art.º 195.º, n.º 1) e que, para além do mais, e tanto quanto resulta dos autos, foi arguida pela recorrente em tempo, quando solicitou ao Mm.º juiz que substituísse o despacho ora em apreciação por outro que determinasse que os autos aguardassem a decisão a proferir pela SS. O assim requerido veio a ter resposta apenas aquando da prolação da sentença, tendo-se o Mm.º juiz limitado a remeter para o antes decidido, passando a conhecer do mérito da causa e servindo-se para tanto da factualidade que havia julgado assente por confissão, atendendo ao preceituado no n.º 1 do art.º 567.º do CPC.

Resulta do que se deixou exposto que o despacho impugnado, valendo-se e dando cobertura a nulidade com influência na decisão da causa, não pode subsistir, impondo-se a sua anulação e, bem assim, dos termos subsequentes, incluindo portanto a sentença recorrida (art.º 195.º, nºs 2 e 3) .

III Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso, anulando o despacho proferido sob a referência ... e termos subsequentes, devendo ser proferido despacho que notifique a recorrida para contestar no prazo legal, prosseguindo os autos seus regulares termos.

Custas pelo vencido a final.

Maria Domingas Simões

Jorge Arcanjo

Jaime Carlos Ferreira


[1] Enquanto situação jurídica que implica a necessidade de certa conduta própria para atingir um resultado, que tanto pode consistir na não produção de uma desvantagem como na produção duma utilidade ou vantagem para o titular – Prof. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais”, 2.ª edição, pág. 159.

[2] Não deixa contudo de assinalar-se que este último acórdão conta com o voto de vencido do Sr. Conselheiro João Pedro Caupers, a que o Sr. Conselheiro Cláudio Monteiro aderiu, com o seguinte teor: “Votei vencido relativamente à decisão tomada no Pleno da 1.ª Secção do Tribunal Constitucional por considerar desconforme à Constituição a interpretação normativa extraída do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, no sentido de a interrupção do prazo em curso na ação judicial pendente depender da junção aos autos do documento comprovativo da apresentação de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.

Na verdade, o problema não está na exigência da junção aos autos de tal documento, em si mesma: reside ele em que tal interpretação, imposta sempre e em qualquer caso, por um lado, exige, na prática, que tal junção seja feita pelo interessado, nessa altura então ainda desprovido de acompanhamento por advogado; por outro lado, revela-se indiferente à circunstância de o juiz, no momento em que recebe o processo, ter neste o referido documento, entretanto entregue – fora de prazo, na interpretação normativa em causa – pelo mandatário judicial juntamente com a contestação.

Desta interpretação resulta uma consequência que tenho por intolerável: o interessado, que precisa e obtém apoio judiciário, muitas vezes uma pessoa com menor instrução ou discernimento, vê-se irremediavelmente lesado nos seus direitos pela imposição de um ónus, porventura justificado, mas cujo incumprimento gera consequências absolutamente desproporcionadas (cfr. Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, pp. 839-840 e 842-843).

Acresce, muito embora se admita não se recortar aí uma questão de constitucionalidade, que considero abusiva e inaceitável, num Estado de direito respeitador dos cidadãos, a imposição a estes da obrigação de recolherem a prova de uma situação certificada por um serviço público e procederem à sua entrega noutro serviço público. Este dever de “intermediação” é de todo injustificado: ou alguém conhece razão bastante para que sobre a segurança social não recaia o dever de remeter diretamente o documento em questão para o tribunal onde o processo corre os seus termos? Ou o Estado não é o mesmo?”
[3] Prof. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 163/164.
[4] Era já este o entendimento do Sr. Conselheiro Lopes do Rego a propósito do regime então estabelecido no art.º 265.º: “O regime estabelecido neste preceito traduz, no nosso entendimento, a imposição ao julgador de um poder-dever, funcionando conexionado com a realização substancial dos fins do processo – e não a atribuição de um verdadeiro e próprio “poder discricionário” (Comentários ao Código do Processo Civil, 2.ª edição, vol. I, pág. 258).

[5] O Prof. Teixeira de Sousa distingue no dever de cooperação cinco vertentes, desdobrando-o nos deveres de inquisitoriedade, prevenção, esclarecimento, consulta e auxílio – cf. “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, acessível no sítio do IPPC