Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
194/09.0TBAVZ-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
SEGUNDA PERÍCIA
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALVAIÁZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 568º, Nº 3, 587º, 589º A 591º DO CPC; 1º DA LEI Nº 45/2004, DE 19/08
Sumário: I – Atento o disposto no artº 568º, nº 3 do CPC e 1º da Lei nº 45/2004, de 19/08, as perícias médico-legais deverão obrigatoriamente ser realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, o podendo ser por entidades terceiras.

II – A possibilidade de a parte reclamar contra o relatório pericial, conferida pelo artº 587º do CPC, não pode ser fundamento para lhe negar a realização de segunda perícia, requerida nos termos e com respeito pelas exigências dos artºs 589º a 591º do mesmo diploma legal.

III – Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense, mesmo tratando-se de segunda perícia, são, por regra, realizados por um só médico perito.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO

Nos autos de acção ordinária em que é A. R…, residente em … e R. B – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua, foi pelas partes requerido exame pericial do dano corporal sofrido pela A., tendo a R. requerido a realização de perícia colegial.

Tendo o tribunal requisitado a realização da perícia médico legal à A. sem menção da pretendida colegialidade, foi, posteriormente, em 13/10/2010, face à reacção da R., determinado que se oficiasse “ao Instituto de Medicina Legal – Gabinete Médico Legal de Braga, Serviço de Clínica Forense, no sentido de que a perícia médico legal solicitada deverá ser efectuada por três peritos médicos a designar por esse mesmo instituto (…)”.

A perícia foi realizada, conforme relatório certificado de fls. 10 a 17 dos autos, datado de 28/12/2010, mas por um único perito.

Notificada, a A. requereu segunda perícia médica, com os seguintes fundamentos:

                1) Conforme consta dos autos, a demandante sofreu, além de outras lesões de traumatismo da coluna lombar com fractura das apófises transversais L1, L2 e L3,

                2) sendo que, também consta dos meios de diagnóstico (TAC e Electromiografia) anexos ao relatório médico-legal apresenta:

                a) disco de L4-L5 com protusão posterior com base larga, que se estende ao orifício de conjugação direito ao esquerdo e

                b) sinais neurofisiológicos compatíveis com atingimento da raiz L5 à esquerda manifestado por potenciais neurogéneos sem qualquer actividade de repouso, achados estes a traduzirem alguma perda de unidades motores,

                3) existindo, por isso, compromisso radicular e dor,

                4) que lhe provocam, como a mesma refere:

                a) dificuldade em permanecer em pé parada;

                b) dificuldade para subir muitas escadas por desencadear lombalgias;

                c) não consegue carregar muitos sacos de compras;

                d) dores na coluna lombar com irradiação ao membro inferior esquerdo agravado com esforços e alterações climatéricas e

                e) lombociatalgias esquerdas após 8 horas de turno de trabalho.

                5) motivo por que a Sr.ª Perita Médica subscritora do relatório médico-legal de fls. não pode, sem mais, afirmar que do traumatismo lombar não resultaram lombalgias residuais persistentes.

                6) Por outro lado, também não se compreende que a Sr.ª Perita Médica subscritora do relatório médico-legal de fls. afirme na página 6 daquele relatório que a demandante tem uma IPG de 10 pontos e

                7) na resposta ao quesito 17 de fls. 119 a 123 afirme que tem uma IPG de 14,4 pontos.

                8) Assim e porque a demandante foi e está subavaliada, impõe-se proceder à realização de uma 2ª perícia.

                9) que deverá ter por objecto o mesmo da 1ª perícia,

                10) e deverá ser realizada em moldes colegiais,

                11) indicando a demandante, desde já, o seu perito médico: Dr. …,

                12) devendo expedir-se carta precatória ao Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos – área de residência da demandante – para a realização do exame ou naquele mesmo Tribunal ou no Gabinete Médico-legal de Braga”.

                A R., notificada, nada disse.

                A pretensão da A. foi indeferida pelo despacho certificado a fls. 3 (e 6), que seguidamente se transcreve:

                “Notificada do relatório pericial efectuado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal vem a A. requerer a realização de 2ª perícia, alegando, para o feito e em síntese, discordar da avaliação efectuada, nos termos constantes do respectivo requerimento.

                Notificada a contra parte, esta não se pronunciou.

                Cumpre decidir.

                Nos termos do art. 589º/1 do CPC, “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento dos resultados da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.

                Sendo que, “A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta”.

                Esclareça-se, todavia, que a segunda perícia apenas tem lugar excepcionalmente, não devendo qualquer discordância determinar a sua realização.

                Assim, afigura-se que a mera discordância quanto à existência de uma sequela (lombalgia) e quanto aos valores que menciona, o que poderá ser objecto de pedido de esclarecimento à Sr.ª Perita Médica (art. 587º/3 do CPC), não é fundamento suficiente para a realização de uma segunda perícia.

                Face ao exposto, indefere-se a requerida realização de segunda perícia, devendo o perito médico subscritor do relatório ser notificado para esclarecer, no prazo de 15 dias, o que tiver por conveniente quanto às reclamações deduzidas.

                Notifique.”

                Inconformada, a A. recorreu, encerrando a alegação apresentada com as conclusões seguintes:

Pelo exposto, revogando o despacho recorrido, ordenando que seja proferido despacho no sentido de que a perícia médico-legal seja realizada em moldes colegiais, por peritos a nomear pelas partes e pelo Tribunal, far-se-á justiça.

A parte contrária não respondeu.

O recurso foi admitido.

Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.


***

Tendo em consideração que:

                - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil[1]);

                - Nos recursos se apreciam questões e não razões;

                - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

                a única questão a decidir é a de saber se há ou não fundamento para, como pretende a recorrente, ser revogado o despacho recorrido e ordenado “que seja proferido despacho no sentido de que a perícia médico-legal seja realizada em moldes colegiais, por peritos a nomear pelas partes e pelo Tribunal”.


***

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que resultam do antecedente relatório, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais.


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                2.2. De direito

                Embora tenha recorrido do despacho que indeferiu o seu pedido de realização de segunda perícia, a recorrente insurge-se também, com alguma aspereza[2], contra a circunstância de, tendo a R. requerido a realização de perícia colegial e o tribunal ordenado, de acordo com o artº 569º, nº 1, al. b), a colegialidade, ter a perícia sido feita por apenas um perito.

                Mas não tendo a recorrente reagido oportunamente contra a omissão da ordenada colegialidade, nomeadamente através da arguição da pertinente nulidade, e tendo antes optado por requerer segunda perícia, afigura-se-nos, com todo o respeito, que aquela eventual nulidade ficou sanada (artºs 201º, 202º, 2ª parte, 203º, nº 1 e 205º, nº 1) e que é deslocada a introdução dessa questão no recurso interposto do despacho que indeferiu a pretendida segunda perícia.

                Sempre se dirá, de resto, que de acordo com o nº 3 do artº 568º, as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, pelo que não há lugar à escolha de peritos pelas partes nem à nomeação pelo tribunal[3].

                O regime jurídico das perícias médico-legais e forenses consta da Lei nº 45/2004, de 19/08, estatuindo logo o artº 2º, nºs 1 e 2, que as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos dos respectivos estatutos, só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, podendo ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.

                De acordo com o artº 5º, nº 1, as perícias e pareceres solicitados às delegações e aos gabinetes médico-legais do Instituto, (…), são realizados pelos peritos designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços.

                E nos termos dos nºs 1, 3 e 4 do artº 21º, os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são, na falta de outros normativos legais que determinem disposição diferente, realizados por um médico perito devendo, dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

                Ou seja, resumindo: a perícia médico-legal de avaliação do dano corporal sofrido pela A. não podia, legalmente, deixar de ser feito pelo INML e por perito(s) designado(s) pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços; e se se entender que, no caso, face ao despacho nesse sentido proferido pelo Mº Juiz, deveria ter sido realizada perícia colegial e que a omissão de colegialidade integra irregularidade susceptível de gerar nulidade, encontra-se a mesma sanada, já que a A., notificada do relatório, não arguiu essa nulidade, antes se limitando a requerer segunda perícia.

                Resolvida a questão da omissão da colegialidade da perícia, vejamos se deve ou não ser mantido o despacho recorrido que indeferiu o requerimento da A. de realização de segunda perícia.

                A segunda perícia pode ser requerida por qualquer das partes, no prazo de dez dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado (artº 589º, nº 1). Pode também ser ordenada oficiosamente pelo tribunal, a todo o tempo, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade (nº 2). Tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (nº 3). Rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as ressalvas de que não pode nela intervir perito que tenha participado na primeira e será, em regra, colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles[4] (artº 590º). E o respectivo resultado não invalida o da primeira, sendo um e outro livremente apreciados pelo tribunal (artº 591º).

                A lei exige, pois, desde a reforma do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, que a parte que requeira a segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório da primeira perícia[5].

                A alegação referida deverá consistir na indicação das razões por que se entende que o resultado da perícia deverá ser diferente[6]. Embora não se trate de uma exigência meramente formal, já que se destina a permitir ao juiz que afira da utilidade, pertinência e conveniência da diligência requerida, não implica, contudo, a demonstração do eventual sucesso do resultado que se pretende obter, não constituindo fundamento de indeferimento a simples discordância do juiz quanto às razões invocadas pela parte[7].

                Como foi decidido no Acórdão desta Relação de 12/10/2010, já citado, constitui uma alegação fundada das razões da discordância com o resultado da primeira perícia a crítica dirigida à fundamentação das asserções presentes na primeira perícia, podendo tal crítica traduzir-se numa imputação de falta, insuficiência, ou mesmo de pouca clareza ou de inconsistência, dirigida à fundamentação do juízo pericial expresso na primeira perícia, sendo que em qualquer destes casos, existindo uma alegação fundamentada de razões de discordância com a primeira perícia, haverá que realizar a segunda perícia.

                Haverá que ter presente que, como consta do sumário do Acórdão desta Relação de 05/07/2006, “a segunda perícia não invalida a primeira, não a substitui, não exerce sobre ela o papel de recurso da primeira, subsistindo ambas, lado a lado, submetidas ao princípio da livre apreciação da prova, que permite ao Tribunal preferir o resultado da primeira em relação ao da segunda, sem ter de sobrepor ao juízo científico, inerente à prova pericial, um outro juízo científico, de valia superior, bastando, para tanto, face aos termos da alternativa em presença, em que nenhum dos relatórios se sobrepõe, reciprocamente, procurar outros elementos de prova susceptíveis de sustentar a tese dos autores”[8].

                No caso que nos ocupa a A. requereu a realização da segunda perícia por, baseada em meios de diagnóstico anexos ao relatório médico-legal (do qual fazem parte as respostas aos quesitos oportunamente apresentados pela A.), discordar da resposta ao quesito 13º, de acordo com a qual “do traumatismo lombar não resultaram lombalgias residuais persistentes”; e ainda por nas conclusões do dito relatório se ter fixado em 10 pontos a incapacidade permanente geral e na resposta ao quesito 17º se ter fixado a mesma IPG em 14,5 pontos.

                Daí concluiu a A. que “foi e está subavaliada”, impondo-se a realização da segunda perícia.

                O tribunal “a quo” classificou essas razões como “mera discordância quanto à existência de uma sequela (lombalgia) e quanto aos valores que menciona”, entendeu que a mesma “poderá ser objecto de pedido de esclarecimento à Sr.ª Perita Médica” e que não é fundamento suficiente para a realização de uma segunda perícia”.

                Com todo o respeito, não concordamos.

                Cremos que a A. alegou fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado na sequência da primeira perícia e que a possibilidade, que também lhe assistia, de reclamar (artº 587º), não pode ser fundamento para lhe negar a realização da requerida segunda perícia.

                A reclamação contra o relatório e o requerimento de segunda perícia têm objectivos diversos. A reclamação é o meio de reacção contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição detectadas no relatório e visa levar o(s) perito(s) que o elaborou(raram) a completá-lo, esclarecê-lo ou dar-lhe coerência (artº 587º). A segunda perícia é o meio de reacção contra inexactidão do resultado da primeira e procura que outros peritos confirmem essa inexactidão e a corrijam (artº 589º, nº 3).

                “In casu”, a A. não classifica o relatório médico-legal de deficiente, obscuro ou contraditório. Classifica-o de errado, inexacto, a necessitar de correcção por outrem que não o respectivo autor.

                A diligência adequada – e que a A. escolheu – era a realização da segunda perícia.

                O indeferimento de que o respectivo requerimento foi alvo viola as normas legais mencionadas, nomeadamente os artºs 587º e 589º, pelo que não poderá subsistir.

                Como já acima foi dito, de acordo com o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses estabelecido pela Lei nº 45/2004, de 19/08 (nºs 1, 3 e 4 do artº 21º), os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são, na falta de outros normativos legais que determinem disposição diferente, realizados por um médico perito devendo, dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

                Esse regime importa, como regra, no que respeita às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense, a exclusão da colegialidade, isto é, a perícia é realizada, em princípio, por um único perito (artº 21º, nº 1).

                Só assim não será relativamente aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente (artº 21º, nº 3). É, v. g., o caso das autópsias médico-legais (artº 19º)[9] e dos exames de vítimas de agressão sexual (artº 21º, nº 2)[10].

                O nº 4 do artº 21º dá uma explicação para a primazia que deve ser dada nas delegações e gabinetes médico-legais, aos exames singulares: o grau de especialização dos médicos peritos e a organização daqueles serviços. Mas salvaguarda as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil, as quais ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada. A falta de alternativa referida na disposição legal é integrada por aqueles casos em que a lei imponha obrigatoriamente a colegialidade. Nesses casos, não tendo o juiz, por força da lei, margem de escolha, determinará, de forma fundamentada, a perícia colegial. Mas se a lei não impuser obrigatoriamente a colegialidade, não se mostrará preenchida a previsão da parte final do nº 4 do artº 21º e a perícia médico-legal será singular.

                Relativamente à segunda perícia, prevista nos artºs 589º a 591º, a lei não impõe obrigatoriamente a colegialidade. Apenas diz que será, em regra, colegial. O que inculca com segurança que poderá ser, excepcionalmente, singular. E uma excepção possível e justificada é, seguramente, o caso de se tratar de uma segunda perícia médico-legal, a ser realizada em delegação ou gabinete médico-legal do INML. Pelas mesmas razões que aconselham a singularidade nos demais casos: o grau de especialização dos médicos peritos e a organização dos serviços do INML. O que não poderá, obviamente, é ser realizada pelo mesmo perito que realizou a primeira.

                Assim, mesmo relativamente às segundas perícias, em que, de acordo com a al. b) do artº 590º, a regra é a colegialidade, tratando-se de perícia médico-legal ou forense a realizar em delegação ou gabinete médico-legal do INML, não se descortina razão para nela intervir mais do que um perito[11].

Aplicando o que vem de ser dito ao caso que nos ocupa, a segunda perícia, a realizar no mesmo local da primeira – Serviço de Clínica Forense do Gabinete Médico-Legal de Braga do INML – deverá, obedecer ao disposto nos artºs 589º a 591º do Cód. Proc. Civil, conjugados com o artº 21º, nºs 1, 3 e 4 da Lei nº 45/2004, ou seja, terá por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira; destinar-se-á a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta; embora se reja pelas disposições aplicáveis à primeira, nela não poderá intervir o perito que a realizou; e será realizada por apenas um perito, a designar pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços.

                Logram êxito, portanto, na medida indicada, as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à procedência da apelação, à revogação da decisão recorrida e à realização da segunda perícia, nos termos atrás delineados.

                Sumário (artº 713º, nº 7):

                I – Atento o disposto no artº 568º, nº 3 do CPC e 1º da Lei nº 45/2004, de 19/08, as perícias médico-legais deverão obrigatoriamente ser realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, só excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, o podendo ser por entidades terceiras.

                II – A possibilidade de a parte reclamar contra o relatório pericial, conferida pelo artº 587º do CPC, não pode ser fundamento para lhe negar a realização de segunda perícia, requerida nos termos e com respeito pelas exigências dos artºs 589º a 591º do mesmo diploma legal.

                III – Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense, mesmo tratando-se de segunda perícia, são, por regra, realizados por um só médico perito.


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                3. DECISÃO

                Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e revogar a decisão recorrida, com a consequente realização da segunda perícia, com obediência aos parâmetros atrás traçados.

                As custas são a cargo da apelada.


Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Diploma a que – a não ser que do texto resulte conclusão diversa – pertencem as disposições legais adiante citadas sem outra menção.
[2] Perfeitamente injustificada, no que ao tribunal respeita, já que, face à advertência da R., foi ao INML solicitado que a perícia fosse efectuada por três peritos a designar por esse mesmo instituto.
[3] Acórdãos da Rel. Porto de 09/06/2009 (Proc. 13492/05.2TBMAI-B.P1, relatado pela Des. Anabela Dias da Silva); e de 04/02/2010 (Proc. 201/06.8TBMCD.P1, relatado pela Des. Maria Catarina), ambos em www.dgsi.pt.
[4] Tratando-se de perícia médico-legal ou forense, o regime é o da Lei nº 45/2004, sendo os peritos, entre os quais não poderá estar quem tenha participado na primeira, designados pelos dirigentes ou coordenadores dos respectivos serviços.
[5] Cfr. Acórdãos da Rel. Porto 23/11/2006 (Proc. 0636189, relatado pelo Des. Amaral Ferreira); de 07/10/2008 (Proc. 0821979, relatado pelo Des. Pinto dos Santos); de 13/10/2009 (Proc. 512-A/2001.P1, relatado pela Des. Sílvia Pires); de 10/11/2009 (Proc. 1202/08.7TBPFR-A.P1, também relatado pela Des. Sílvia Pires); Acórdãos da Rel. Lisboa de 09/03/2010 (Proc. 910/05.9TCSNT-A.L1-7, relatado pelo Des. Pires Robalo); de 07/12/2010 (Proc. 157/2002.L1-1, relatado pela Des. Graça Araújo); de 28/09/2010 (Proc. 7502/08-7, relatado pelo Des. Tomé Gomes); Acórdãos da Rel. Coimbra de 12/10/2010 (Proc. 675/08.2TBCBR-A.C1, relatado pelo Des. Teles Pereira); de 28/06/2011 (Proc. 1/10.0TBSPS-A.C1, relatado pelo Des. Alberto Ruço), todos in www.dgsi.pt.
[6] AC. Rel. Porto de 23/11/2006 e de 13/10/2009, já citados.
[7] Ac. Rel. Porto de 10/11/2009; da Rel. de Lisboa de 09/03/2010 e de 28/09/2010 e da Rel. Coimbra de 12/10/2010 e de 28/06/2011, já citados.
[8] Cfr. também Ac. Rel. Porto de 20/04/2009 (Proc. 2665/05.8TBOAZ.P1, relatado pelo Des. Guerra Banha), in www.dgis.pt.

[9] Artigo 19.º

Realização das perícias

1 - As autópsias médico-legais são realizadas por um médico perito coadjuvado por um auxiliar de perícias tanatológicas.

2 - Havendo fundadas suspeitas de crime doloso, as autópsias médico-legais realizadas em comarca não compreendida na área de actuação de delegação do Instituto ou de gabinete médico-legal em funcionamento são obrigatoriamente executadas por dois médicos peritos, coadjuvados por um auxiliar de perícias tanatológicas.

3 - Excepcionalmente, perante particular complexidade da autópsia ou impossibilidade de coadjuvação por auxiliar de perícias tanatológicas pode, também, a autópsia ser realizada por dois médicos peritos.
[10] Artigo 21º
    Realização das perícias

1 – (…).

2 – Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados, sempre que necessário, por dois médicos

peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem.

3 – (…).

4 – (…).
[11] Neste sentido decidiu o Ac. Rel. Coimbra de 10/07/2007 (Proc. 423/03.3TBCNT-A.C1, relatado pelo Des. Regina Rosa), in www.dgsi.pt.