Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
123/20.0GCACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
SUSPENSÃO DO PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI 1-A/2020
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART 6.º-B, N.º 5, ALÍNEA D), DA LEI 1-A/2020, DE 19-03, NA REDACÇÃO DA LEI N.º 4-B/2021, DE 01-02
Sumário: I – A previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei 1-A/2020, de 19-03, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, abrange as situações em que, independentemente da data, antes ou após a entrada em vigor do referido diploma, foi proferida decisão final.

II – Tal significa que, a não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão tem aplicação quer as decisões finais tenham sido proferidas antes ou depois de 22-01-2021.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido em 1-6-2021 que decidiu não haver lugar à rectificação do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos.

E, da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões:

1. O Tribunal a quo considerou que o prazo para interposição de recurso da sentença se encontrava suspenso ao abrigo do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção resultante da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02; enquanto na perspectiva do Ministério Público, tal normativo não contempla a suspensão do prazo para interposição de recurso, seja em processo urgente, seja em processo não urgente.

2. O prazo para a interposição de recurso de sentença que se inicie antes de 22.01.2021, data de produção de efeitos da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (estabelecendo um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID -19, alterando a Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março), não se encontra suspenso ao abrigo do artigo 6.º-B, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, uma vez que, após prolação da sentença e até ao trânsito em julgado da mesma não existem diligências presenciais que possam ser realizadas perante o Tribunal a quo.

3. Com a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, o legislador pretendeu diminuir a mobilidade e reduzir os contactos pessoais e, daí, a regra geral da suspensão de todas as diligências presenciais e respectivos prazos; porém, simultaneamente, pretendeu «garantir o funcionamento […] dos tribunais», «estabelecendo-se uma série de exceções que permitem mitigar os efeitos genéricos da suspensão», seja mediante a possibilidade de «realização de diligências através de meios de comunicação à distância», seja mediante a «possibilidade de tramitação de um conjunto de processos e procedimentos naquelas condições», como resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 70/XIV.

4. Em termos práticos, a interposição de recurso não implica a proximidade física do arguido com os demais intervenientes processuais, podendo o eventual contacto entre o arguido (que não se encontra privado da liberdade) e o Defensor decorrer por variados meios, tal como via telefónica, seja por videochamada ou por correio electrónico.

5. Não fará sentido pretender-se expressamente (na perspectiva do legislador) a continuidade da tramitação processual que não implique a realização de diligências presenciais e, simultaneamente, permitir que o processo fique suspenso (na interpretação do Tribunal a quo).

6. Por outro lado, à data da prolação da sentença (20.01.2021), não havia sido publicada a Lei n.º 4-B/2021, de 02.02, que introduziu o artigo 6.º-B na Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, pelo que se encontrava em vigor o regime geral previsto no Código de Processo Penal, pelo que nem sequer se coloca uma questão de eventual frustração de legítimas expectativas do arguido em contar que o prazo para interposição de recurso se mantivesse suspenso.

7. Reputa-se assim de incorrecta a aplicação ao caso concreto da norma prevista no artigo 6.º-B, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, sendo ilegal o despacho recorrido, na medida em que considerou suspenso o prazo de interposição de recurso a partir de 22.01.2021 e considerou correctamente calculado o trânsito em julgado para a data de 06.05.2021.

8. Consequentemente, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare ter a sentença transitado em julgado em 20.02.2021, determine a rectificação da data do trânsito em julgado, incluindo para efeitos de registo criminal.


*

O arguido não respondeu ao recurso.

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não foi obtida resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Veio o digno Magistrado do Ministério Público requerer a rectificação da data do trânsito em julgado da sentença.

Alega para tanto que “tendo a mesma sido proferida em 20.01.2021 e notificada ao arguido na mesma data, o prazo de 30 dias previsto no artigo 411.º/1 do CPP para interposição de recurso terminou em 19.02.2021, pelo que o trânsito ocorreu em 20.02.2021. Efectivamente, a suspensão de prazos e diligências prevista no artigo 6.º-B/1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção resultante da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não obstou «A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão», atento o n.º 5 do mesmo preceito, com produção de efeitos a 22.01.2021 [cf. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro].”

Discorda-se porém de tal entendimento.

Na verdade, a Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, aprovada na sequência da comunicação do Exmo. Sr. Primeiro Ministro ao país no dia 21.02.2021, introduziu alterações à Lei 1-A/2020, aditando-lhe o artigo 6.º-B, que prevê, em termos genéricos e para além do mais, a suspensão de todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, que devam ser praticados no âmbito dos processos que corram termos nos tribunais judiciais. Ressalva-se, no seu n.º 7 a tramitação dos processos urgentes e estabelece o seu n.º 5 que a referida suspensão de prazos não obsta: “a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais; b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais; c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente    teleconferência, videochamada ou outro equivalente; d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.”

A referida Lei foi publicada no dia 1 de Fevereiro, referindo-se no seu artigo 4.º que o disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.

Da análise do referido preceito legal – 6.º-B – é claro que não se suspendeu o prazo para interposição de recurso nos processos urgentes (6.º-B, n.º 7).

Já quanto aos processos não urgentes, sem quebra de vénia por distinta opinião e admitindo a defensabilidade de diversas interpretações, parece-nos que a lei apenas não considera suspensos os prazos de interposição de recurso se a sentença tiver sido proferida durante a vigência da lei quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados e quando o tribunal entenda não ser necessária a realização de novas diligências (6.º-B, n.º 5, alíneas c) e d).

Ora, a sentença em causa foi proferida num processo abreviado, urgente que perdeu tal natureza com a própria prolação da sentença, no dia 20.01.2021 (artigo 103.º, n.º 1, al. c) do CPP) e, tendo sido proferida ainda antes da publicação da Lei, não se verifica qualquer uma das situações previstas no n.º 5 do citado artigo 6.º-B.

Entendemos assim que o prazo de recurso se suspendeu no dia 22.01.2021, por não se tratar de processo urgente, nem estar verificada qualquer uma das circunstâncias das alíneas c) e d) do n.º 5 do artigo 6.º-B.

Ao pretender-se “aproveitar" os prazos em curso por força de decisões finais anteriores a 02.02.2021 estamos a recorrer a uma norma excepcional (artigo 6.º-B n.º 5) para, num caso omisso (decisão proferida antes sequer da publicação da Lei) contrariar o princípio geral da suspensão dos prazos a partir de 22.01.2021. Assim, parece-nos que, até ao abrigo do princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da CRP, na sua vertente subjectiva) os prazos de recurso nos processos não urgentes que se encontravam em curso no momento da entrada em vigor da lei – 02.02.2021 - suspenderam-se, ao abrigo da regra geral do artigo 6.º-B, n.º 1.

Pelo exposto, entendo que não há lugar à rectificação do trânsito em julgado da sentença proferida, que se encontra correctamente computado.».


***

APRECIANDO

Atendendo ao texto da motivação e respectivas conclusões, no presente recurso a questão a decidir consiste em saber se há lugar à rectificação do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, porquanto, o prazo para interposição de recurso da sentença não se suspendeu ao abrigo do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção resultante da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.


*

Nos presentes autos de processo abreviado, o arguido P. foi condenado, por sentença proferida em 20-1-2021, na presença daquele, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

A secretaria certificou a data do trânsito em julgado como tendo ocorrido em 5-5-2021 e procedeu à emissão do respectivo boletim para averbamento no registo criminal do arguido.

Sucede que, na perspectiva do Ministério Público, a data do trânsito em julgado não se mostra correctamente calculada, pelo que promoveu a respectiva rectificação…. pois,

Tendo a sentença sido proferida em 20-1-2021 e notificada ao arguido na mesma data, o prazo de 30 dias previsto no artigo 411.º/1 do CPP para interposição de recurso terminou em 19.02.2021 (sexta-feira), pelo que o trânsito ocorreu no dia seguinte, em 20.02.2021.

Em síntese, considera o recorrente que:

- a suspensão de prazos e diligências prevista no artigo 6.º-B, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção resultante da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, não obstou «A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão», atento o n.º 5 do mesmo preceito, com produção de efeitos a 22-1-2021 [cf. artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro].

- esta norma mostra-se redigida sem qualquer distinção entre processos urgentes e processos não urgentes.

Sobre tal promoção, recaiu o despacho recorrido, nos termos do qual, se a sentença foi proferida em 20-1-2021, ou seja, antes da publicação da citada Lei n.º 4-B/2021 não se verifica qualquer uma das situações previstas nas als. c) e d) do n.º 5 do citado artigo 6.º-B, pelo que, o prazo de recurso se suspendeu no dia 22-1-2021, não havendo lugar à rectificação do trânsito em julgado da sentença proferida.

Ora, entendemos que assiste razão ao recorrente. Com efeito, e seguindo de perto o acórdão desta Relação, de 2-2-2022, proferido no proc. n.º 69/13.8TAALD.C1 (de que fomos relatora e adjunto), passamos a transcrever parte do que ali foi proferido:

«A questão que se coloca, consiste em saber se o prazo de interposição de recurso que se encontrava em curso foi, ou não, suspenso por força da aplicação da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redacção que foi introduzida pela Lei n.º 4-B/2021 de 01.02 (que entrou em vigor em 2-2-2021 – art. 5º), em especial com o aditamento do artigo 6º-B, sob a epígrafe “Prazos e diligências”, o qual dispõe:

«1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

(…)

5- O disposto no n.º 1 não obsta:

a) À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de atos presenciais;

b) À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;

c) À prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

d) A que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.

6- (…)

7- Os processos, atos e diligências considerados urgentes por lei ou por decisão da autoridade judicial continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte:

a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se, se não causar prejuízo aos fins da realização da justiça, através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente;

b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, pode realizar-se presencialmente a diligência, nomeadamente nos termos do n.º 2 do artigo 82.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, competindo ao tribunal assegurar a realização da mesma em local que não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

 (…).

A citada Lei n.º 4-B/2021, segundo o respectivo sumário, estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Estipulando o artigo 4.º (sob a epígrafe “Produção de efeitos”) da Lei n.º 4-B/2021 que: «O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.»

Todavia, nem todos os prazos processuais foram suspensos, pois, ainda que o artigo 6º-B estabeleça de facto a suspensão dos prazos para a prática de actos processuais  [1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, (…)], afirma-o, expressamente, [sem prejuízo do disposto nos números seguintes.].

Ou seja, designadamente, a nova Lei não suspendeu «a tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais;» e, «os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.» - [artigo 6.º-B, n.º 5, als. b) e d)].

O escopo visado pela lei da suspensão dos prazos processuais (ratio legis) aprovada no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência, surge com o desiderato de evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio.- Ac. RL, de 13-5-2021, proc. n.º 598/18.7T8LSB.L1-8 in www.dgsi.pt.

Com efeito, foi preocupação do legislador em não parar totalmente a tramitação dos processos e procedimentos não urgentes, aceitando que possam avançar quando não impliquem contactos presenciais com sujeitos ou participantes processuais, o que é o caso da interposição de recursos que é efectuada por via electrónica.

Na verdade, a partir do momento em que é proferida a sentença/acórdão até que a mesma se torne definitiva, já não tem de existir presença física de qualquer pessoa ou interveniente processual no tribunal.

(…).

Entende este Tribunal que a previsão da citada alínea d) do n.º 5 do artigo 6º-B, abrange as situações em que foi proferida decisão final dos processos, independentemente da data, quer tenha sido antes ou após a entrada em vigor da lei

Tal significa que, a não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada na aludida disposição legal aplica-se: quer as decisões tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021, quer tenham sido proferidas antes dessa data.

Neste sentido, e a título de exemplo, indicam-se algumas decisões proferidas pelas Relações, todas disponíveis em www.dgsi.pt:

Ac. RL, de 13-5-2021, proc. n.º 598/18.7T8LSB.L1-8:

«haverá alguma razão para o legislador determinar dois regimes diversos de prazos processuais, um para os casos em que a decisão tenha sido proferida antes e outro para os casos em que a decisão tenha sido proferida após a entrada em vigor e produção de efeitos da lei.

E na verdade não se vislumbra razão alguma que possa justificar a diferença de regimes sustentada.

Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei.

Razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso

Donde que, a referida norma deve ser interpretada como sendo de aplicação às decisões proferidas nos tribunais sem que haja de atender à data das mesmas.»

Ac. RP, de 7-10-2021, proc. n.º 121276/19.8YIPRT.P1:

«A não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão, consagrada no artigo 6.º-B, n.º 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, aplica-se quer as decisões tenham sido proferidas a partir de 22 de Janeiro de 2021 quer tenham sido proferidas antes dessa data.».

Ac. RC, de 9-11-2021, proc. n.º 2769/20.7T8LRA.C1:

«1. A legislação de suspensão dos prazos processuais no âmbito das medidas de controle da pandemia Covid 19 visou evitar a propagação do vírus, cujo contágio ocorre essencialmente através dos contactos pessoais.

2. Porém, com a legislação adotada em 2021 (Lei n.º 4-B/2021, de 01-02) procurou-se atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos resultante da legislação excecional entrada em vigor em 2020.

3. Deve, por isso, ser interpretada extensivamente a norma do art.º 6.º-B, n.º 5, al.ª d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na redação daquela Lei n.º 4-B/2021, de molde a contemplar – para efeitos de não suspensão dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão –, não apenas as decisões proferidas no período de suspensão legal dos prazos processuais, mas também as anteriormente proferidas cujo prazo de recurso ainda não estivesse esgotado.

4. Assim, quanto a uma sentença proferida anteriormente a 22/01/2021, mas cujo prazo recursivo estivesse a correr nessa data, não ocorre suspensão desse prazo e decorrente paralisação do processo, o que se compreende, satisfeitas as razões de saúde pública, à luz do interesse da celeridade processual e da pronta realização da justiça, bem como perante as exigências de igualdade de tratamento.»

Ac. RC, de 26-10-2021, proc. n.º 2706/20.9T8LRA.C1:

«A norma contida na alínea d) do nº 5 do artº 6º-B da lei 4-B/2021 deve ser interpretada no sentido de que não se suspendem os prazos para recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que essa decisão seja proferida, por só assim se mostrar salvaguardado os imperativos constitucionais de observância de um processo equitativo e justo e da igualdade e proporcionalidade das medidas restritivas de direitos liberdades e garantias, previstos nos artºs 20º, nº1 e 4, 13º e 18º da Constituição.».

Ac. RE, de 13-5-2021, proc. n.º 2161/19.6T8PTM.E1:

«O fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na al. d) do n.º 5 do art.º 6-B) foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se dê a prolação da sentença.».

Ac. RG, de 21-10-2021, proc. n.º 2016/20.1T8VCT.G1:

«I -A suspensão dos prazos decorrente do regime prescrito na Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com a alteração que lhe foi dada pela Lei 4-B/2021, não se aplica ao prazo de recurso em 1ª instância, tal como decorre da alínea d) do nº 5 do artigo 6º-B da referida lei.

II- Com a entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021 não se suspendeu o prazo para interposição de recurso, quer em relação às sentenças já proferidas e notificadas às partes, quer em relação a sentenças já proferidas e ainda não notificadas às partes, quer em relação a sentenças proferidas após a entrada em vigor da referida Lei.».».

Deste modo,

Deve o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos ser rectificado, também para efeitos de registo criminal, porquanto, não se suspendeu o prazo de interposição de recurso a partir de 22-1-2021.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Julgar procedente o recurso.

Sem tributação.


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Coimbra, 16-2-2022

Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente - artigo 94º, n.º 2 do CPP

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)