Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1242/17.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ALCOOLEMIA
SEGURADORA
DIREITO DE REGRESSO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 01/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 349, 350 CC, DL Nº 522/85 DE 31/12, ART.27 C) DL Nº 291/2007 DE 21/8
Sumário: I – O direito de regresso da seguradora, previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 27.º Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, pressupõe apenas que o condutor conduzisse o veículo com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que tenha sido ele a dar causa ao acidente, não sendo exigível a alegação e prova de que a conduta do condutor que deu causa ao acidente resultou da influência do álcool;

II – Não existindo qualquer presunção (legal) de culpa do condutor de veículo que conduza com uma TAS superior à legal relativamente a acidente em que seja interveniente, a mera circunstância de o condutor conduzir com essa taxa de alcoolemia não é suficiente para concluir que foi ele quem deu causa ao acidente e que, como tal, estão verificados os pressupostos de que depende o direito de regresso da seguradora; estando em causa um facto constitutivo do direito de regresso e não consagrando a lei qualquer presunção que dispense a seguradora do respectivo ónus de prova, a pretensão da seguradora só poderá proceder se forem provados factos com base nos quais seja possível concluir que o acidente foi efectivamente causado pelo referido condutor;

III – Tal não significa, no entanto, que a circunstância de o condutor conduzir sob efeito do álcool – devidamente ponderada em conjunto com outras circunstâncias do acidente – não possa ser utilizada pelo julgador para, no âmbito do processo de formação da sua convicção e com recurso a presunções judiciais – que podem ser livremente utilizadas pelo julgador nos casos e em relação aos factos que admitam prova testemunhal –, julgar provados os factos com base nos quais se vem a concluir que foi aquele condutor que deu causa ao acidente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Z (…), sita na Rua (…) Lisboa, sucursal da sociedade Z(…) COMPANY, registada na Irlanda, com sede em (…), Dublin, Irlanda, veio instaurar acção contra A (…), residente (…) Guarda, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 76.781,03€ acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar essa pretensão, alegou, em resumo: que, no dia 28/05/2012 ocorreu um acidente em que foi interveniente o veículo (…)QO; que tal acidente foi imputável ao Réu – condutor desse veículo – sendo certo que, ao realizar uma manobra de ultrapassagem ao veículo de matrícula (…)TEV que seguia à sua frente, perdeu o controlo do veículo e foi embater neste veículo e no rail central; que desse acidente resultaram danos na via por onde circulavam os veículos, no veículo (…)TEV e nos respectivos ocupantes; que, no âmbito do contrato de seguro que havia celebrado e por força da responsabilidade que havia assumido emergente da circulação do veículo QO, regularizou os danos emergentes do acidente, pagando o valor de 5.298,22€ à S (…)S.A. e pagando – na sequência de acção judicial contra si intentada – a quantia de 71.482,81€ para regularização dos danos no veículo (…)TEV, despesas de transportes e despesas médicas do condutor e passageira desse veículo e que o acidente em questão ficou a dever-se ao facto de o Réu conduzir o veículo com uma taxa de alcoolemia de 1,25g/l, razão pela qual lhe assiste o direito de regresso nos termos da alínea c) do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08.

O Réu contestou, contrariando a versão dos factos alegada pela Autora e imputando a culpa do acidente ao outro veículo que nele foi interveniente. Alega, para o efeito, que foi o condutor do veículo que se encontrava a ultrapassar que perdeu o controlo do mesmo e que foi embater com a sua lateral esquerda na lateral direita do veículo conduzido pelo Réu, o que provocou o despiste dos dois veículos, com capotamento do veículo (…)TEV.

Com esses fundamentos e impugnando – por desconhecimento – os pagamentos alegadamente efectuados pela Autora com vista ao ressarcimento dos danos, conclui pela improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de 76.781,03€ acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Inconformado com tal decisão, o Réu veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

(…)

II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

● Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pelo Apelante;

● Saber se, em face da matéria de facto provada e das normas legais aplicáveis, estão (ou não) verificados os pressupostos de que depende o direito de regresso que a Autora vem exercer, apurando, designadamente, se foi (ou não) o Apelante quem deu causa ao acidente que está na origem desse direito de regresso e apurando se esse facto pode (ou não) ser julgado provado com recurso a presunções.


/////

III.

Na 1.ª instância, julgou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora dedica-se à actividade seguradora.

2. Por contrato de seguro, celebrado entre a Autora e H (…), a 30 de Maio de 2010, titulado pela apólice n.º(…), referente ao veículo automóvel de marca BMW, modelo 525 D, com a matrícula (…)QO, este transferiu a responsabilidade civil pela circulação do veículo para a aqui Autora.

3. No dia 28 de Maio de 2012, pelas 22h35m, o Réu conduzia veículo QO pela Autoestrada 23 (A23), sentido Sul/Norte.

4. Ao chegar ao km 188,80 o Réu iniciou uma manobra de ultrapassagem ao veículo com a matrícula (…)TEV que seguia à sua frente e era conduzido por P (…)

5. Ao realizar a referida manobra, o Réu perdeu o controlo do veículo QO e foi embater na lateral esquerda do (…)TEV e no rail central, provocando o seu despiste que por três vezes embateu no rail central, acabando por capotar.

6. A via onde se deu o acidente é composta por duas faixas de rodagem no mesmo sentido e descreve uma curva pouco pronunciada no sentido ascendente.

7. Do acidente resultaram danos materiais em ambos os veículos, a saber:

Relativamente ao veículo QO:

a) Na lateral direita na parte da frente especificamente na porta e guarda-lamas e na frente e lateral traseira esquerda;

Relativamente ao veículo (…)TEV:

b) Danos na lateral esquerda estando a porta traseira esquerda mais danificada que a restante lateral e apresentava ainda os danos característicos de capotamento.

8. Sobrevieram ainda danos em 19 guardas de segurança na berma direita, em 2 delineadores curtos na berma direita e teve de ser efectuada uma limpeza ao pavimento pela S(…) e colocação de new jerseys de plástico na berma direita.

9. A data do acidente não chovia, não havia nevoeiro e o piso estava seco.

10. Todos os condutores foram submetidos ao teste de pesquisa de álcool.

11. O Réu por ter sido transferido ao Hospital foi submetido a análise de sangue para pesquisa de álcool, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue correspondente a 1,25 g/l, tendo sido condenado por sentença criminal datada de 13 de Março de 2015 pela prática de um crime de condução com álcool.

12. A Autora assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do acidente.

13. A Autora pagou à S(…), S.A. a quantia de € 5.298,22 a título de despesas com a reparação na via decorrentes do sinistro.

14. Pagou também para regularização dos danos no veículo (…)TEV, despesas de transportes e despesas médicas do condutor e passageira do (…)TEV, o montante de € 71.482,81

15. O condutor do veículo (…)TEV accionou judicialmente a ora Autora em Inglaterra, pelo que foi a sua representante Z (…) que procedeu à regularização do sinistro, tendo a ora Autora procedido ao pagamento dos montantes da Regularização à sua representante.


* * *

E julgou-se não provado que o acidente tivesse ocorrido porque o condutor do veículo (…)TEV perdeu o controlo do mesmo, provocando o despiste de ambos e o capotamento deste.

/////

IV.

Apreciemos então o objecto do recurso.

1.

O Apelante começa por impugnar a decisão que julgou provado o facto constante do ponto 5, ou seja, a decisão que julgou provado que “ao realizar a referida manobra, o Réu perdeu o controlo do veículo QO e foi embater na lateral esquerda do (…)TEV e no rail central, provocando o seu despiste que por três vezes embateu no rail central, acabando por capotar”.

Argumenta, para o efeito: que nenhuma prova foi produzida que permitisse julgar provado esse facto; que as testemunhas indicadas pela Autora não presenciaram o acidente e nada sabiam de relevante e que as testemunhas por si indicadas (…)presenciaram o acidente e contrariam aquele facto – confirmando a versão do Réu –, sendo que os seus depoimentos vão de encontro à análise feita pelo militar da GNR que foi ao local após o acidente segundo a qual o embate ocorreu entre o veículo conduzido pelo Réu e o reboque do veículo estrangeiro.

Vejamos se assim é.

As testemunhas indicadas pelo Réu ((…)) vieram declarar que, depois de terem jantado com o Réu, circulavam (ambos) num veículo que era conduzido pela testemunha (…). Declaram ter ultrapassado o veículo de matrícula inglesa que circulava com um reboque (dizendo que o reboque oscilava muito – ia aos ziguezagues – e que o veículo ia no meio da estrada) e que, quando se encontravam mais à frente (depois dessa ultrapassagem) viram atrás de si o embate ocorrido entre esse veículo e o veículo conduzido pelo Réu. A testemunha (…) não terá visto (…)(que ia a conduzir) que lhe chamou a atenção para o facto e foi na sequência desse facto que olhou para trás, declarando, apesar disso, que terá sido o reboque que bateu no veículo conduzido pelo Réu, determinando o seu despiste. A testemunha (…) é bem mais assertiva e declara que, a dada altura e pelo espelho do veículo que conduzia, viu que o reboque do veículo inglês bateu com a sua traseira na lateral direita do veículo do Réu que, nesse momento, estava a ultrapassar aquele veículo.

Estes depoimentos não nos mereceram, contudo, qualquer credibilidade.

Em primeiro lugar, porque não nos parece minimamente credível que as referidas testemunhas – que circulavam num veículo que já se encontraria a alguma distância, uma vez que havia ultrapassado o veículo de matrícula inglesa a cerca de, pelo menos, 140 km/hora (conforme declaram) – pudessem ter tido a percepção de que havia sido o reboque daquele veículo a bater no veículo conduzido pelo Réu. Com efeito, além da distância a que se encontravam, era de noite (22h 35m) e o seu campo de visão era limitado, não nos parecendo possível que tivessem visto a oscilação ou deslocação do reboque do veículo inglês e a sua colisão com o veículo conduzido pelo Réu. Com efeito, ao olhar para o que se passava atrás, de noite e à distância a que se encontravam, as referidas testemunhas veriam a frente dos veículos e respectivos faróis mas dificilmente veriam o reboque que se encontrava atrás e muito menos a sua oscilação e embate no outro veículo. Pensamos, portanto, que, naquelas condições, as testemunhas poderiam ter tido a percepção do embate entre os veículos, mas dificilmente poderiam ter tido a perceção das circunstâncias exactas em que ele teria ocorrido ao ponto de afirmar que teria sido aquele reboque a embater no veículo conduzido pelo Réu.

A credibilidade das referidas testemunhas também é afectada pelas notórias contradições entre os seus depoimentos no que toca a outros aspectos (não essenciais) da versão que vieram narrar. A testemunha (…) declara: que, na sequência daquele embate e porque não poderiam ficar parados na autoestrada, telefonaram ao Réu que não atendeu; que ainda tentaram sair da autoestrada para voltar atrás mas não conseguiram; que tentaram ligar o 112 e também não conseguiram; que, cerca de uma hora depois, ligaram de novo e falaram com o Réu e que, nessa ocasião, o Réu lhes disse que estava a caminho do hospital e que não podia falar. A testemunha (…) declara, por seu turno: que, na altura, não pensaram que o embate tivesse ocorrido com o Réu; que, de qualquer forma, ainda lhe ligaram várias vezes sem que ele tivesse atendido; que, como era habitual ele não atender o telefone e porque não dava ideia que fosse o carro dele, seguiram e só no dia seguinte souberam que o acidente havia ocorrido com ele; que, caso tivessem pensado que era ele, teriam dado a volta para ir lá atrás, o que não fizeram porque não pensaram que fosse ele. Ou seja, segundo uma das testemunhas, ainda tentaram voltar atrás para ver o que se tinha passado e tentaram ligar ao 112, mas, de acordo com a outra testemunha, nada disso fizeram porque nunca pensaram que fosse o Réu; segundo uma das testemunhas, ainda falaram nessa noite com o Réu por telefone, mas, segundo a outra, tal não aconteceu (o Réu nunca atendeu) e só souberam que ele havia tido intervenção no acidente no dia seguinte.

Por outro lado, a versão apresentada pelas testemunhas nem sequer corresponde à versão que foi alegada nos autos e à versão que foi apresentada pelo Réu. Com efeito, nenhuma das partes aludiu nos presentes autos a qualquer embate ocorrido entre o reboque do veículo de matrícula inglesa e o veículo do Réu; a Autora alega que o embate ocorreu na lateral esquerda do veículo S45TEV (não no reboque) e o Réu também alude a um embate entre os veículos (sem fazer qualquer alusão a um embate do reboque). Por outro lado, se é certo que o Réu não alegou nos presentes autos que tivesse sido o reboque a embater no seu veículo, também é certo que nunca foi essa a versão do acidente que apresentou, seja na versão que apresentou à GNR aquando do acidente (cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial), seja na versão que fez constar do documento intitulado como “declaração amigável de acidente automóvel” (doc. n.º 2 junto com a petição inicial) onde introduziu um desenho ou “croqui” no qual coloca o seu veículo (no momento do embate) a par do outro veículo e não a par do reboque que este levava e assinalando o local de embate nas laterais dianteiras de ambos os veículos e não em qualquer ponto do reboque. 

Entendemos, portanto, que os depoimentos das referidas testemunhas não poderão merecer qualquer credibilidade.

É certo, por outro lado, que nenhuma outra testemunha foi inquirida que tivesse presenciado o acidente e que, como tal, pudesse depor acerca das circunstâncias em que o mesmo ocorreu; não foi possível ouvir os ocupantes do veículo inglês e a testemunha (…) (agente da GNR) apenas foi ao local após o acidente e, portanto, também não estava em condições de depor acerca das circunstâncias em que o mesmo ocorreu (ainda que aluda a uma eventual colisão traseira do veículo português no reboque estrangeiro, não o faz por ter conhecimento directo desse facto, mas sim com base naquilo que teria sido dito por umas testemunhas – testemunhas que não são indicadas na participação do acidente que, à data, elaborou – e tal versão, conforme se disse, não é invocada por nenhuma das partes e nem sequer corresponde à versão que sempre foi apresentada pelo Réu).

Não obstante esse facto e ainda que não exista – como se disse – prova directa desse facto, pensamos que, apesar de tudo, existem elementos suficientes que, com recurso a presunções judiciais e com base nas regras de experiência e senso comum, nos permitem concluir – e julgar provado – que foi efectivamente o Réu que foi embater na lateral esquerda do veículo (…)TEV.

Vejamos porquê.

Temos como assente – é um facto que não está controvertido – que ocorreu um embate entre os dois veículos e que esse embate ocorreu no momento em que o Réu efectuava a ultrapassagem do veículo (…)TEV. Também pensamos ser indiscutível – tendo em conta a posição que as partes assumiram nos autos, tendo em conta as declarações que os intervenientes prestaram aquando do acidente, tendo em conta a localização dos danos dos veículos e tendo em conta o “croqui” elaborado pelo Réu na declaração amigável do acidente a que já fizemos referência – que o embate ocorreu entre as laterais dos veículos (a lateral direita do veículo do Réu e a lateral esquerda do veículo (…)TEV). O embate ocorreu, portanto, no momento em que os veículos se encontravam a circular “lado a lado” e quando o Réu já havia passado pelo reboque do veículo (…)TEV (conforme consta do “croqui” já referido que foi elaborado pelo Réu).

Nessas circunstâncias, é seguro concluir que o embate terá ocorrido porque um dos veículos se desviou para o lado indo embater no outro veículo.

E a pergunta que se impõe é: qual deles?

Na versão da Autora – que, na 1.ª instância, se julgou provada –, foi o veículo conduzido pelo Réu; na versão do Réu, foi o veículo (…)TEV.

Ora, apesar de não existir – conforme referimos – prova directa desse facto, tudo aponta para o facto de ter sido o Réu quem se desviou para o lado direito e foi embater no veículo que se encontrava a ultrapassar.

 Em primeiro lugar, não encontramos razões aparentes para que tivesse sido o veículo (…)TEV a desviar-se. Na verdade, o aludido veículo seguia a sua trajectória normal (estava numa situação passiva relativamente à ultrapassagem que lhe estava a ser efectuada), sem que pretendesse alterar essa trajectória (não ia mudar de direcção ou executar qualquer outra manobra); não chovia, não havia nevoeiro e o piso estava seco, pelo que inexistiam quaisquer circunstâncias que, de algum modo, dificultassem a visibilidade e a condução. É certo, por outro lado, que o respectivo condutor não acusou álcool no sangue e, portanto, também não existiria qualquer circunstância que afectasse a sua atenção, concentração e reflexos. E ainda que se admita uma possível e eventual oscilação na sua trajectória – que será sempre possível, até porque levava atrelado um reboque – não é normal, nem expectável, à luz das regras da experiência, que essa oscilação fosse ao ponto de ir de encontro ao veículo que o estava ultrapassar, pelo menos se este respeitasse – como era seu dever – a distância de segurança necessária para executar a manobra que estava a efectuar (importando notar que, caso não estivesse a ser respeitada essa distância, o acidente também não poderia deixar de ser imputado ao Réu, já que era ele que estava obrigado a verificar se tinha ou não condições para efectuar a manobra em segurança e a respeitar essas condições durante a sua execução).

Mas, se é certo que não encontramos razões ou justificações plausíveis para que o condutor do (…)TEV tivesse desviado o veículo, embatendo no veículo que estava ao seu lado, o mesmo não acontece com o Réu.

Na verdade, o Réu estava a executar uma manobra de ultrapassagem e, portanto, pretenderia regressar – como é normal – à faixa da direita logo que completasse essa manobra. Ora, se tivermos em conta que – conforme resulta das declarações do Réu e do “croqui” que ele   elaborou – o embate ocorreu quando as frentes dos veículos já estavam praticamente “lado a lado”, não poderemos deixar de ter como muito provável, à luz das regras de experiência, que o Réu já estivesse a direcionar o veículo para o lado direito no sentido de regressar à faixa direita e que o tivesse feito cedo demais (eventualmente, porque tinha a sua atenção, concentração, percepção e reflexos diminuídos por força da presença de álcool no sangue), indo, por isso, embater no outro veículo.

Refira-se, além do mais, que os rastos de derrapagem dos veículos que estão representados no “croqui” elaborado pelo agente da GNR (doc. n.º 3 junto com a petição inicial) também apontam nesse sentido, sendo certo que os rastos de ambos os veículos estão direccionados para a direita (ainda que, em momento posterior, o veículo do Réu, eventualmente depois de ter embatido no rail do lado direito – como diz o próprio Réu nas declarações que prestou aquando do acidente –, se tenha dirigido para o lado esquerdo e para o rail central onde ficou imobilizado). Na verdade, conforme resulta desse “croqui” e das declarações prestadas pelo agente que o elaborou (a testemunha (…)), ambos os veículos seguiram em direcção à berma do lado direito; o veículo (…)TEV embateu no rail desse lado direito (eventualmente até bateu mais do que uma vez) e capotou, ficando imobilizado nesse rail do lado direito, dizendo o Réu, nas declarações já referidas, que o seu veículo também embateu no rail do lado direito (o que admitimos como possível e provável em face da direcção dos rastos de derrapagem que estão referidos no “croqui”) e só depois terá recuado e seguido para o lado esquerdo.

Ora, a circunstância de ambos os veículos terem seguido para o lado direito (em direcção, portanto, à berma direita) aponta para o facto de ter sido o Réu que se desviou para o lado direito, embatendo no veículo que se encontrava a ultrapassar. Com efeito, ainda que tal não seja de todo impossível (uma vez que a dinâmica dos acidentes é, por vezes, imprevisível e sujeita a diversas variáveis), a direcção desses rastos não se compatibiliza muito bem com o facto de ter sido o veículo (…)TEV a desviar-se para a esquerda e a ir embater no veículo do Réu, afigurando-se-nos bem mais provável que, nesta situação e dado que os veículos estavam “lado a lado”, o veículo do Réu tivesse sido empurrado mais para o lado esquerdo.

Refira-se, por último, que a circunstância de o Réu estar sob a influência de álcool também aponta no mesmo sentido.

Com efeito, está em causa um embate lateral entre veículos que estavam a par um do outro e que, não encontrando justificação aparente em qualquer manobra que estivesse a ser efectuada (a não ser, eventualmente, a tentativa do Réu de regressar à faixa de direita), terá tido origem num comportamento “anómalo e sem causa aparente” de um dos condutores que, sem necessidade alguma, teria desviado e projectado o seu veículo contra aquele que se encontrava ao lado e que, com toda a probabilidade, terá tido origem numa falta de atenção e concentração ou numa deficiente percepção da realidade e das distâncias. Ora, é bem mais provável encontrar um comportamento dessa natureza numa pessoa que tem as suas capacidades (de atenção, concentração, percepção e reflexos) diminuídas, como era o caso do Réu, tendo em conta que estava sob a influência do álcool e tendo em conta que, como é sabido e plenamente reconhecido, a presença de álcool causa perturbação nos reflexos, na coordenação motora e na percepção, provocando lentidão na capacidade de reacção (ainda que o grau dessa perturbação possa variar de indivíduo para indivíduo, ela existirá sempre, em maior ou menor grau, condicionando e influenciando a atenção e a percepção, bem como a rapidez de reflexos e coordenação motora que é imprescindível ao exercício da condução em condições de segurança).

Note-se que, com essas considerações, não pretendemos afirmar que exista qualquer presunção de culpa dos condutores que conduzam com uma TAS superior à legal.

Na verdade, e como bem diz o Apelante, tal presunção não existe (se existisse nem sequer seria necessário fazer prova dos factos inerentes à culpa do condutor e, portanto, não seria necessário decidir – como estamos a decidir – se o facto constante do ponto 5 deve ou não ser julgado provado). Mas isso não significa que essa circunstância (a condução sob efeito do álcool) não possa e não deva ser ponderada para, em conjunto com outros elementos de facto, extrair ilações, com base nas regras de experiência e senso comum, que nos permitam julgar provados determinados factos com base em presunções judiciais que são expressamente admitidas pelo art. 351.º do Código Civil. E foi apenas isto que fizemos, ou seja: não atendemos à circunstância de o Réu circular sob efeito de álcool para o efeito de presumir (automaticamente) a sua culpa e para lhe impor o ónus de provar a falta dessa culpa; apenas atendemos a esse facto para, em conjunto com outros, deles extrair as ilações que nos levaram a concluir pela efectiva verificação do facto que aqui está em discussão, ou seja, que foi o Réu que perdeu o controlo do veículo e foi embater na lateral esquerda do (…)TEV.

Entendemos, portanto, em face do exposto, não se justificar qualquer alteração à decisão que julgou provado o referido facto.

Assim e no que toca a esta matéria, improcede o recurso, mantendo-se a decisão proferida sobre a matéria de facto.

2.

Analisadas as questões referentes à matéria de facto, analisemos as demais questões.

Através da presente acção, a Autora (Companhia de Seguros) vem exercer o direito de regresso, ao abrigo da alínea c) do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, reclamando do Réu o valor da indemnização que pagou aos lesados no acidente em causa nos autos, no âmbito e por força do contrato de seguro que havia celebrado e por via do qual havia assumido a responsabilidade pelos danos emergentes da circulação do veículo conduzido pelo Réu.

Dispõe, efectivamente, a alínea c) do n.º 1 do art. 27.º do citado diploma que:

Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

(…);

c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos;

(…)”.

Temos como certo – em função do disposto nessa norma – que a existência do direito de regresso aí consagrado não exige a prova de um nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob influência do álcool, bastando-se com a prova de que o acidente foi causado pelo condutor contra quem se exerce o direito de regresso e que tal condutor conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.

Ainda que essa questão tenha sido controversa na jurisprudência (controvérsia que se iniciou ainda no domínio da anterior legislação – o Dec. Lei 522/85, de 31/12 – no âmbito da qual foi proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/2002[1] e que ainda se manteve no âmbito da actual legislação[2]), pensamos que tal controvérsia estará, neste momento atenuada, ocorrendo agora um maior consenso acerca da desnecessidade – ou não exigência – de nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob a influência do álcool, exigindo-se apenas a prova de que o condutor conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que foi ele quem deu causa ao acidente[3].

É essa, de facto, a posição que temos como correcta, seja porque é a que melhor se adequa à letra da lei (que apenas exige que o condutor tenha dado causa ao acidente, sem qualquer alusão ao facto de esse “dar causa” ter que estar relacionado com a taxa de alcoolemia de que o mesmo é portador), seja porque nem sequer faria sentido que o legislador tivesse alterado a redacção da norma que constava da anterior legislação se tivesse pretendido que ela valesse com o sentido que já se havia estabilizado na jurisprudência, face ao citado Acórdão nº 6/2002. Ao alterar os termos em que a situação era prevista na norma anterior, o legislador terá pretendido, naturalmente, afastar-se da posição assumida no citado Acórdão Uniformizador, dispensando a prova do nexo de causalidade entre o álcool e o acidente e exigindo apenas a prova de que o acidente foi causado pelo condutor que conduzia com taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida.

Concluímos, portanto, que, no domínio da actual legislação, o direito de regresso da seguradora não depende da alegação e prova do nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente; apenas será necessário provar que o condutor deu causa ao acidente e que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida, sem que seja necessário indagar se essa conduta do condutor decorreu ou não da influência do álcool.

Foi esta, aliás, a posição adoptada pela sentença recorrida e o Apelante não a contesta, aceitando expressamente, nas suas alegações, que, para fazer valer o seu direito de regresso, a seguradora não tem de provar o nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e o acidente.

Assim, estando provado – sem que seja questionado no presente recurso – que o Apelante circulava com uma taxa de álcool no sangue correspondente a 1,25 g/l, resta saber se foi ou não o Réu quem deu causa ao acidente e é apenas nesse ponto que se centra a discordância do Apelante relativamente à decisão recorrida, uma vez que, na perspectiva do Recorrente, tal não se pode ter como demonstrado.

Diz o Apelante:

- Que não existe qualquer presunção de culpa a onerar os condutores que conduzam com uma TAS superior à legal, pelo que não pode o julgador, perante uma taxa de álcool ilegal, presumir a culpa na produção do acidente ou de qualquer outro evento produtor de danos, pondo a cargo do lesante o ónus de provar que o evento não resultou do seu estado de alcoolemia;

- Que, no caso, tal prova não resulta dos autos e não poderia a mesma ser obtida com recurso a presunções, presunções estas que serviram de base para nova presunção de culpabilidade do R. e subsequente condenação no pedido.

É verdade que, como diz o Apelante, não existe qualquer presunção (legal) de culpa a onerar o condutor que conduza com TAS superior à legal e que, como tal, possa inverter o ónus da prova – em conformidade com o disposto no art. 350.º do CC –, pondo a cargo desse condutor o ónus de provar que o acidente não lhe foi imputável.

Tal presunção (legal) não está consagrada em lado algum e, portanto, é à seguradora que cabe o ónus de provar que o acidente foi causado pelo condutor que conduzia com taxa de alcoolemia superior à permitida, na medida em que esse facto corresponde – segundo o disposto na alínea c) do n.º 1 do citado art. 27.º – a um pressuposto do direito de regresso da seguradora e, como tal, a um facto constitutivo do seu direito (cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC). Nessas circunstâncias, não consagrando a lei qualquer presunção desse facto que dispense a seguradora do respectivo ónus de prova, a pretensão da seguradora só poderá proceder se for provado que o acidente foi efectivamente causado pelo referido condutor.

Sucede que, no caso, resultou provado que o acidente foi causado pelo Apelante e, portanto, ainda que a sentença recorrida possa ter dado a entender o contrário, a sua condenação não se fundamenta em qualquer presunção de culpa mas sim na circunstância de ter ficado provado que o acidente ocorreu por causa imputável ao Apelante, na medida em que foi ele que, durante a execução de uma manobra de ultrapassagem ao veículo (…)TEV, perdeu o controlo do veículo que conduzia, indo embater na lateral esquerda do veículo que estava a ultrapassar e dando causa, portanto, ao acidente.

É certo que – conforme se disse supra – não existe prova directa desse facto (ele não foi confirmado por nenhuma das testemunhas inquiridas), sendo que a sua prova assentou em presunções judiciais (baseadas, nos termos referidos aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, em diversas circunstâncias, onde se inclui também o facto de o Apelante conduzir o veículo sob o efeito do álcool).

Sustenta, no entanto, o Apelante que essa prova não poderia ser obtida com recurso a presunções.

Não lhe assiste, no entanto, qualquer razão.

Vejamos.

Conforme resulta do disposto nos arts. 349.º e 350.º do CC, existem dois tipos de presunções: as presunções legais e as presunções judiciais.

Conforme resulta nas normas citadas, as presunções legais correspondem às ilações que a própria lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, tomando-o como certo e irrefutável (no caso das presunções absolutas ou juris et de jure) ou exigindo a prova do facto contrário (no caso das presunções relativas ou juris tantum).  Nessas circunstâncias, a parte onerada com o ónus da prova apenas terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção e, uma vez feita essa prova, fica dispensada de provar o facto presumido que a lei considera como verificado, cabendo à parte contrária (se estiver em causa uma presunção juris tantum), – por força da inversão do ónus da prova, consignada no art. 344º do Código Civil – fazer a prova do contrário, demonstrando que o facto presumido não se verificou ou não existe.

Tais presunções – precisamente porque são legais – apenas existem nos casos previstos na lei e não existe, de facto, qualquer norma legal que consagre uma presunção (legal) de culpa de quem conduza um veículo sob a influência do álcool relativamente aos acidentes em que intervenha, razão pela qual – e conforme já se referiu – a Autora não estava dispensada do ónus de provar que o acidente foi causado pelo referido condutor para efeitos de procedência do seu direito de regresso contra esse condutor.

Todavia, além das presunções legais – que, conforme se disse, apenas existem nos casos previstos na lei e que dispensam a prova do facto presumido – existem as presunções judiciais que intervêm ao nível da formação da convicção do julgador – em sede, portanto, da decisão sobre a matéria de facto – e que poderão ser utilizadas livremente pelo julgador para o efeito de julgar provado ou não provado um determinado facto, desde que, no caso, seja admissível a prova testemunhal (cfr. arts. 349.º e 351.º).

Tais presunções (judiciais) têm por base as lições da experiência ou as regras da vida; assentam no simples raciocínio de quem julga e inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana[4]; correspondem, portanto, a “meios lógicos ou mentais da descoberta de factos, operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência[5]; ou seja, “o juiz, no seu prudente arbítrio, deduz de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste[6].

Tais presunções intervêm, portanto, ao nível da formação da convicção do juiz, levando-o a afirmar a verificação de um facto controvertido através de um outro facto conhecido que, pelas regras da experiência, constitui um indício seguro da verificação daquele e são livremente utilizadas pelo julgador – nos casos e em relação aos factos que admitem prova testemunhal – no processo de formação da sua convicção e com vista a estabelecer a matéria de facto que julga (ou não) provada.

Assim e porque estava – indiscutivelmente – em causa um facto que admitia prova testemunhal, nada obstava ao uso de presunções judiciais para o efeito de formar a nossa convicção e julgar provado o facto em questão (constante do ponto 5 da matéria de facto) em função do qual é possível concluir que foi o Réu/Apelante quem deu causa ao acidente.

Concluimos, portanto, que:

- Não existindo qualquer presunção (legal) de culpa do condutor de veículo que conduza com uma TAS superior à legal relativamente a acidente em que seja interveniente, a mera circunstância de o condutor conduzir com essa taxa de alcoolemia não é suficiente para concluir que foi ele quem deu causa ao acidente;

- Estando em causa um facto constitutivo do direito de regresso e não consagrando a lei qualquer presunção que dispense a seguradora do respectivo ónus de prova, a pretensão da seguradora só poderá proceder se for provado que o acidente foi efectivamente causado pelo referido condutor;

- Tal não significa, no entanto, que a circunstância de o condutor conduzir sob efeito do álcool – devidamente ponderada em conjunto com outras circunstâncias do acidente (e tendo em conta os efeitos que, em termos científicos e de acordo com as regras de experiência, o álcool é susceptível de produzir) – não possa ser utilizada pelo julgador para, com recurso a presunções judiciais, formar a sua convicção e julgar provados os factos em função dos quais se irá concluir que foi aquele condutor que deu causa ao acidente, sendo certo que tais presunções podem ser livremente utilizadas pelo julgador nos casos e em relação aos factos que admitam prova testemunhal;

- E é apenas isso que aqui acontece, sendo certo que a confirmação da procedência do direito de regresso da Autora – que aqui decretamos – não assenta em qualquer presunção de culpa do Réu/Apelante emergente da circunstância de conduzir o veículo sob a influência do álcool; a procedência dessa pretensão (da Autora) assenta na circunstância de terem sido julgados provados factos em função dos quais se conclui que foi o Apelante quem deu causa ao acidente, ainda que estes factos e, mais concretamente, o facto constante do ponto 5, tenham sido julgados provados com recurso a presunções judiciais – cuja utilização era perfeitamente legítima – que envolveram diversas circunstâncias e factores (incluindo o facto de o Réu estar sob influência do álcool) e com base nas quais se formou a convicção que esteve subjacente e conduziu à decisão de julgar provado aquele facto.

Em face do exposto, resultando provado – nos termos referidos – que o Réu/Apelante conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que, quando assim conduzia, veio a dar causa ao acidente em causa nos autos, mostram-se verificados os pressupostos do direito de regresso da seguradora – a aqui Autora – previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 27.º do citado diploma legal.

Nessas circunstâncias e porque o Apelante não suscita qualquer outra questão – ao nível, designadamente, do valor a pagar – impõe-se confirmar a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – O direito de regresso da seguradora, previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 27.º Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, pressupõe apenas que o condutor conduzisse o veículo com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e que tenha sido ele a dar causa ao acidente, não sendo exigível a alegação e prova de que a conduta do condutor que deu causa ao acidente resultou da influência do álcool;

II – Não existindo qualquer presunção (legal) de culpa do condutor de veículo que conduza com uma TAS superior à legal relativamente a acidente em que seja interveniente, a mera circunstância de o condutor conduzir com essa taxa de alcoolemia não é suficiente para concluir que foi ele quem deu causa ao acidente e que, como tal, estão verificados os pressupostos de que depende o direito de regresso da seguradora; estando em causa um facto constitutivo do direito de regresso e não consagrando a lei qualquer presunção que dispense a seguradora do respectivo ónus de prova, a pretensão da seguradora só poderá proceder se forem provados factos com base nos quais seja possível concluir que o acidente foi efectivamente causado pelo referido condutor;

III – Tal não significa, no entanto, que a circunstância de o condutor conduzir sob efeito do álcool – devidamente ponderada em conjunto com outras circunstâncias do acidente – não possa ser utilizada pelo julgador para, no âmbito do processo de formação da sua convicção e com recurso a presunções judiciais – que podem ser livremente utilizadas pelo julgador nos casos e em relação aos factos que admitam prova testemunhal –, julgar provados os factos com base nos quais se vem a concluir que foi aquele condutor que deu causa ao acidente.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Coimbra, 11 de Janeiro de 2021.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria João Areias

Freitas Neto


[1] Publicado no D.R., I Série A, de 18/07/2002 e onde se decidiu que “a alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.
[2] Havia quem entendesse que a doutrina estabelecida pelo Acórdão Uniformizador supra citado mantinha actualidade e pertinência face ao estabelecido no Dec. Lei nº 291/2007, sendo, por isso, necessário fazer a prova daquele nexo de causalidade (é o caso dos Acórdãos da Relação de Porto de 19/01/2012, 15/01/2013 e 16/05/2013 e do Acórdão do STJ de 06/07/2011, proferidos nos processos nºs 774/10.0TBESP.P1, 995/10.6TVPRT.P1, 7382/11.7TBMAI.P1 e 129/08.7TBPTL.G1.S1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.) e havia quem entendesse que o direito de regresso da seguradora não dependia agora da alegação e prova desse nexo de causalidade, bastando a prova de que o condutor deu causa (qualquer causa) ao acidente (é o caso dos Acórdãos do STJ de 08/10/2009, 28/11/2013 e 09/10/2014, do Acórdão da Relação do Porto de 13/12/2011 e dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 08/05/2012, 29/05/2012, 22/01/2013 e 01/07/2014, proferidos nos processos nºs 525/04.9TBSTR.S1, 582/11.1TBSTB.E1.S1, 995/10.6TVPRT.P1.S1, 592/10.6TJPRT.P1, 665/10.5TBVNO.C1, 273/10.0T2AVR.C1, 1278/11.0T2AVR.C1 e 139/12.0T2ALB.C1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] Cfr. Acórdãos do STJ de 09/04/2019 (processo nº 1880/16.3T8BJA.E1.S2) e de 07/03/2019 (processo nº 248/17.9T8BRG.G1.S2); Acórdãos da Relação do Porto de 22/05/2019 (processo nº 662/17.0T8AMT.P1) e de 16/01/2018 (processo nº 74/16.2T8AND.P1); Acórdãos da Relação de Lisboa de 02/05/2019 (processo nº 71/18.3T8AGH.L1-6) e de 14/03/2019 (processo nº 925/17.4T8MTJ.L1-6) e Acórdãos da Relação de Coimbra de 13/07/2020 (processo nº 242/19.5T8CTB.C1), de 26/06/2020 (processo nº 516/18.2T8CNT.C1) e de 14/01/2020 (processo nº 1446/17.0T8VIS.C1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 310.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, pág. 221, anotação 291.
[6] Cfr. Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 300.