Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL DO TRIBUNAL | ||
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Data do Acordão: | 01/28/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE ORIGEM: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 2 – DO T.J. DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 613.º, NOS 1 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. | ||
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Sumário: | Tendo sido proferido despacho acerca de um requerimento a exercer o direito de remição, o segmento desse despacho «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.», configura uma decisão judicial a autorizar a venda, pelo que ficou esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto a tal matéria, sendo inadmissível decisão posterior sobre a mesma questão em sentido contrário (artigo 613º, nos 1 e 3 do C.P.Civil). | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO Nos autos de acção executiva, para pagamento de quantia certa, a correr termos no Juízo de Execução de Soure, que a “A..., Lda.” instaurou contra AA, foi determinada a venda, por negociação particular, do direito penhorado (quinhão pertencente ao Executado na herança indivisa aberta por óbito de BB), sendo encarregado da venda o Agente de Execução (AE). * A Exequente, por requerimento de 28/9/2022, veio oferecer, como comprador, a firma “B..., Lda”, juntando uma proposta em que esta oferecia 1.000,00 € (mil euros), para a compra do direito penhorado. Tendo havido apenas essa proposta de aquisição, da “B..., Lda”, devidamente notificadas o efeito, as partes não se opuseram à venda pelo valor oferecido por essa proponente. Com informação sobre o acima descrito circunstancialismo, o AE, em 17/10/2022 e 02/11/2022, solicitou à Mma. Juiz de Execução, autorização para proceder à venda pelo aludido preço oferecido, inferior a 85% do valor base do bem em venda. * A Mma. Juiz da Execução, na sequência de tal solicitação, proferiu o despacho de 10/11/2022, em que autorizou a venda pelo preço oferecido pela “B..., Lda”, consignando literalmente «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.» * Em 21/11/2022, veio CC, filha do Executado, exercer o direito de remição sobre a aquisição do quinhão hereditário de seu pai pelo valor de mil euros (€ 1000,00) comprovando a realização do depósito desse montante e a relação familiar invocada. * A Exequente, em 22/11/2022, veio apresentar requerimento com o seguinte teor: «(…) A..., Lda., Exequente nos autos à margem referenciados, notificada do exercício do direito de remição de uma descendente do Executado, vem aos mesmos expor e requerer a V. Exa. O seguinte: A Exequente requereu a venda por negociação particular nos termos do artigo 832º do Código de Processo Civil, oferecendo um comprador e um preço, não tendo havido oposição do Executado. Verifica-se, agora, porque razão o Executado não se opôs ao oferecimento do preço – pretende, por interposta pessoa, não liquidar a divida exequenda. Assim sendo, a Exequente vem desistir do seu requerimento datado de 28.09.2022 onde oferece um comprador, tendo em conta que o direito de remição, nos termos do artigo 842º do Código Civil só pode ser exercido depois de feita a adjudicação ou a venda. Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda. De facto, nem a adjudicação nem a venda foram ainda efectuadas, pelo que, deverá o Sr. Agente de Execução diligenciar pela venda por negociação particular, prosseguindo a execução os seus normais termos. (…)». * Na sequência desse requerimento da Exequente, foi proferido pela Mma. Juiz de Execução, em 4/1/2023, o seguinte despacho: «(…) Requerimento da exequente de 22-11-2022: O “direito de remição constitui um verdadeiro direito de preferência, que, na sua base, tem uma relação de carácter familiar” e certo é que quem pretenda remir deve fazer a prova do parentesco, por via documental, como o exige o artigo 211º do Código de Registo Civil . Ora, de acordo com o disposto no artº. 845, nº. 1, do CPC, “O direito de remição pertence …em segundo lugar aos descendentes (…)” e pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cfr. artº. 843, nº. 1, al. b), do CPC). Deste modo, tendo presente as normas citadas e o estado dos autos executivos, não se compreende a posição da exequente, já que o exercício do direito de remição implica o pagamento do preço – o que, aliás, já foi feito com o requerimento de 21-11-2022. Em conclusão, indefiro o requerido pela exequente por ausência de fundamento legal. Notifique. Alerte o Sr Agente de Execução para apreciar e decidir o pedido de remição formalizado em 21-11-2022. (…)». * Tal despacho, de 4/1/2023, foi notificado às partes, e não foi objeto de recurso ou de reclamação. * Em 13/01/2023 foi apresentada ao AE, dirigida pela empresa “C..., Lda.”, uma nova proposta de compra do quinhão hereditário, do valor de 10.000,00 €, tendo disso sido notificados Exequente e Executado. * Face às posições divergentes e contrapostas assumidas pelas partes intervenientes quanto à validade/admissibilidade dessa nova proposta, nos concretos termos que historiou, em 6/2/2023, o AE solicitou à Mma. Juiz de Execução «(…) que sejam apreciadas e decididas as questões acima referidos, apresentadas pelas partes intervenientes. (…)» * Em 13/2/2023, a Mma. Juiz, face à comunicação do AE de 6/2/2023, proferiu despacho com o seguinte teor: «(…) Comunicação antecedente do Agente de Execução: deverá ser o Sr. Agente de Execução, através de decisão fundamentada, tal como decorre do despacho de 04-01-2023, a decidir sobre o pedido de remição formalizado.(…)». * Tal despacho de 13/2/2023, foi notificado ao AE em 14/2/2023, com cópia do despacho de 4/1/2023. * No dia 23/2/2023, veio a Exequente requerer aos autos que previamente à decisão sobre o direito de remição exercido, o Tribunal se pronunciasse sobre a proposta apresentada e referida pelo Agente de Execução e que este, posteriormente, declarasse encerrada a fase de negociação particular. * No dia 16/03/2023, foi proferido despacho do qual consta que é o Agente de Execução que pratica todos os atos executivos respeitantes à venda, mormente, por negociação particular e analisa e decide as questões colocadas nesta fase, pelo que manteve o despacho anterior. * Na sequência processual oportuna, por decisão datada de 15/03/2024, o AE, depois de historiar os termos processuais, concluiu nos seguintes concretos termos: «(…) Em face do exposto, só nesta data, o Agente de Execução, pode decidir quanto à remição, apresentada nos presentes autos. Assim, o Agente de Execução, decide a não aceitação, da remição apresentada no dia 21-11-2022, pela filha do executado: CC, sobre a aquisição do quinhão hereditário do seu pai, acima referido, por, apesar de cumprir os requisitos legais previstos na Lei, no que diz respeito à sua apresentação, ainda não havia decisão de venda ou adjudicação do mesmo quinhão, e após a entrada da referida remição e antes, de decorrido o prazo para a decisão da venda e aceitação da mesma remição, deu entrada nos autos, uma nova proposta de valor superior (10.000,00 €), a qual foi notificadas às partes, e que, salvo melhor entendimento, deve ser esta ultima aceite, por ser de valor muito superior, à anterior proposta (1.000,00 €) e ainda, não ter sido decidida a sua aceitação e consequentemente aceitação da remição, podendo vir a remidora remir após a decisão de venda da proposta aceite (10.000,00 €). A presente decisão vai ser notificada às partes.» * O Executado veio impugnar essa decisão do AE tomada em 15/03/2024, porquanto entendeu que devia ser admitido o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário que o executado possui na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB pelo valor de mil euros. A exequente pronunciou-se desfavoravelmente. * Esta impugnação foi julgada improcedente por despacho da Mma. Juiz de Execução proferido em 15/05/2024, mais concretamente do seguinte teor: «(…) o Agente de Execução decidiu não aceitar a remição apresentada no dia 21-11-2022 pela filha do executado: CC, sobre a aquisição do quinhão hereditário do seu pai, acima referido, por, apesar de cumprir os requisitos legais previstos na Lei, no que diz respeito à sua apresentação, ainda não havia decisão de venda ou adjudicação do mesmo quinhão, e após a entrada da referida remição e antes de decorrido o prazo para a decisão da venda e aceitação da mesma remição, deu entrada nos autos uma nova proposta de valor superior (10.000,00 €), a qual foi notificadas às partes, e que deve ser esta última aceite, por ser de valor muito superior à anterior proposta (1.000,00 €) e ainda não ter sido decidida a sua aceitação e, consequentemente, pode a remidora vir remir após a decisão de venda da proposta aceite (10.000,00 €). Com efeito, o artigo 843.º do Código de Processo Civil prevê que: “ 1 - O direito de remição pode ser exercido: a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º; b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. “. No caso em análise, antes da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, foi apresentada uma nova proposta para adquirir o quinhão hereditário, pelo que o pedido de remição já não deverá versar a proposta anterior, que se tornou desatualizada, mas sim a nova proposta de valor superior. Face a todos os elementos acima carreados, que se mostram em sintonia com o histórico do processo, o pedido de remição da filha do executado mostra-se validamente não aceite, já que entrou uma proposta de valor superior no montante de dez mil euros e deve ser após a aceitação dessa proposta que o pedido de remição deverá ser apresentado. Deste modo, a decisão do Agente de Execução é válida e legal. * Decisão: - pelo exposto, julga-se totalmente IMPROCEDENTE a impugnação/reclamação da decisão do AE de 15-03-2024, ao abrigo do disposto no art.º 723, n.º 1, al. c), do CPC. Notifique e comunique. » * Inconformados com esse despacho, apresentaram o Executado e requerente da remição recurso de apelação contra o mesmo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: * A Exequente apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões: «1ª O Executado AA carece da necessária legitimidade para recorrer, porquanto, o douto despacho de que recorre em nada o prejudica; antes pelo contrário, favorece-o, porquanto, permite que o bem imóvel seja vendido por um preço superior ao oferecido pela Remidora CC. 2ª Por outro lado, quem verdadeiramente ficou vencida com a prolação do douto despacho ora recorrido foi a Remidora CC. 3ª Logo, é vedado ao Executado AA insurgir-se contra o douto despacho ora em recurso por força do disposto nos artigos 30º e 631º ambos do Código de Processo Civil. 4º Também é verdade que os autos encontram-se na fase da venda por negociação particular que ainda não terminou, não havendo ainda decisão proferida pelo Sr. Agente de Execução nesse sentido. 5º O que implica que, apesar de ter havido o exercício do direito de remição por parte da Remidora CC, tal exercício não preclude a possibilidade de serem apresentadas e apreciadas outras propostas de aquisição dos bens. 6º Pelo que, não existe qualquer violação do principio do abuso do direito como alegado pelos Recorrentes, nem violação de qualquer norma processual. 7º Devendo ser mantidos os efeitos do douto despacho ora recorrido. JUSTIÇA» * A Exma. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando oportunamente pela sua subida devidamente instruído. * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - desacerto da decisão que entendeu não ser de admitir o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário em venda por negociação particular, face a uma proposta de € 1.000, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face a essa proposta. * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos a ter em consideração para a decisão são os que decorrem do relatório supra. * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Entremos diretamente na apreciação da questão do alegado desacerto da decisão que entendeu não ser de admitir o pedido de remição da filha do executado para aquisição do quinhão hereditário em venda por negociação particular, face a uma proposta de € 1.000, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face a essa proposta. Quanto a nós, a resposta para a questão em apreciação está dependente e interrelacionada com o considerar-se (ou não) ter existido in casu esgotamento do poder jurisdicional”. Sendo que a resposta é inequivocamente – e releve-se o juízo antecipatório! – no sentido de que estava efetivamente esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à questão suscitada [decisão da venda por negociação particular face à proposta de € 1.000, e consequente oportunidade/legitimidade do exercício do direito de remição apresentado]. Senão vejamos. Na verdade, salvo o devido respeito, face à sequência temporal de atos processuais supra relatada, parece-nos de meridiana clareza a conclusão de que em 10/11/2022 houve uma decisão judicial de autorização da venda pela Mma. Juiz de Execução, pelo preço oferecido pela “B..., Lda”, pois que foi consignado expressa e literalmente no despacho adrede proferido «(…) deverá o Sr. Agente de Execução avançar para a concretização da venda por esse montante. Notifique e comunique ao Agente de Execução.». Sendo que foi na sequência desta decisão judicial que, em 21/11/2022, veio a filha do Executado e ora recorrente exercer o direito de remição. Sucede que relativamente a este direito de remição também houve na sequência imediata uma decisão judicial da Mma. Juiz de Execução [em 4/1/2023] a considerar legítimo e tempestivo o seu exercício – tendo sido por isso que foi indeferida a desistência da proposta de compra que a Exequente [em 22/11/2022] havia apresentado, mais determinando que «(…) Alerte o Sr Agente de Execução para apreciar e decidir o pedido de remição formalizado em 21-11-2022. (…)». Acresce que a decisão judicial de viabilização desse exercício do direito de remição foi reiterada com uma subsequente decisão judicial [de 13/2/2023], através da qual a mesma Mma. Juiz de Execução determinou que «(…) deverá ser o Sr. Agente de Execução, através de decisão fundamentada, tal como decorre do despacho de 04-01-2023, a decidir sobre o pedido de remição formalizado.(…)». Neste contexto processual, como compreender/tutelar a prolação do despacho recorrido, a saber, através do qual se considerou que o pedido de remição apresentado pela filha do executado se mostrava validamente não aceite, com o fundamento de que ainda não tinha havido decisão de venda face à proposta de € 1.000 [assim confirmando/sancionando a decisão do AE nesse mesmo sentido]? A nossa resposta é claramente que não se pode aceitar nem tutelar o despacho recorrido. Pois que a isso se opõem as regras processuais. Na verdade, tendo a questão sido apreciada e decidida pelos despachos anteriores vindos de citar, independentemente de os mesmos se mostrarem ou não transitados em julgado (por não terem sido objeto de qualquer reclamação ou recurso![2]), era inadmissível decisão posterior sobre a mesma questão que deles tinha sido objeto. É que não obstante o inconformismo eventualmente assumido pelas partes, é muito limitado o poder de alteração das decisões judiciais pelo Tribunal que as profere, pois que, “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa” (cf. art. 613º, nº 1, do n.C.P.Civil)[3], o que se aplica “com as necessárias adaptações aos despachos” (cf. nº 3 do mesmo preceito). Daqui naturalmente decorre que a via normal de impugnação das decisões judiciais é a do recurso, se admissível, dirigido a outro Tribunal, de hierarquia superior (cfr. art. 627º e segs. do mesmo n.C.P.Civil). Dito de outra forma: a impugnação para reapreciação dos fundamentos da decisão, com vista à sua alteração ou anulação, só pode obter-se normalmente através da interposição de recurso. Ao Tribunal que profere a decisão resta a possibilidade de aplicação, de si excecional, do disposto no art. 613º, nº 2, do dito n.C.P.Civil, tratando-se da retificação de erros materiais, suprimento de nulidades, esclarecimento de dúvidas existentes na decisão, bem como a sua reforma, nos termos dos artigos seguintes. O que significa que o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida, a não ser, nos casos excecionais previstos no nº2 do art. 613º e nº1 do art. 614º – ou seja, em caso de erro material, nulidade, obscuridade ou ambiguidade, ou reforma por lapso manifesto. O que tudo serve para dizer que deveria a Exequente ter reconhecido que tinha havido uma pronúncia vinculativa da Exma. Juíza de 1ª instância sobre autorização de venda por negociação particular (pelo indicado montante de € 1.000), face à qual era inviável suscitar/requerer a desistência dessa proposta que ela mesma Exequente havia anteriormente apresentado, com concomitante pedido de apreciação/viabilização de uma nova proposta de venda, nomeadamente sob a sustentação de que ainda estava em tempo... Debruçando-se sobre a questão, o nosso mais alto Tribunal já entendeu que o vício aqui em causa é o da falta de poder jurisdicional de quem profere a decisão modificativa de outra anteriormente proferida, gerando a inexistência jurídica da decisão proferida em segundo lugar.[4] Com efeito, não há dúvida de que, proferido o despacho ou a sentença, se esgota o poder jurisdicional do juiz, sendo que isso mesmo é afirmado de forma clara pelo legislador, sendo certo que a razão pragmática do princípio da extinção do poder jurisdicional, do qual decorre, como se referiu, a impossibilidade do juiz, por sua iniciativa, proceder à modificação da decisão proferida «consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional (…) sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.».[5] Parece-nos ter sido com este sentido que nas alegações recursivas, ainda que de forma não dogmaticamente mais correta, se sustentou existir «abuso de direito manifesto na modalidade de venire contra factum proprium»… Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, procedem as alegações recursivas e o recurso, isto é, seja pela via da inexistência jurídica, seja por via da mera ineficácia, a decisão modificativa proferida em violação do princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz consagrado no artigo 613º do n.C.P.Civil, e ainda não transitada, não produz quaisquer efeitos jurídicos. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…) 6 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final, julgar procedente o recurso, declarando que o despacho impugnado não produz quaisquer efeitos. Custas a cargo da Exequente/recorrida. * Coimbra, 28 de Janeiro de 2024 Luís Filipe Cravo Fernando Monteiro João Moreira do Carmo [1] Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro 2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo [2] Admitimos que poderá ser discutível o trânsito em julgado, nomeadamente à luz do art. 853º, nº 2, al.d) do n.C.P.Civil, na medida em que em nenhum deles houve pronuncia (direta) sobre o direito de remição… [3] Cf. neste sentido e mais aprofundadamente LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Livª Almedina, 2017, a págs. 752-753. [4] Cf. acórdão do STJ de 5/6/2010, proferido no proc. nº 4670/2000-S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, no qual se refere claramente «Tal falta de jurisdição, repetimos, por se tratar de vício essencial da sentença determinante da invalidade desta, não constitui uma nulidade mas inexistência jurídica da citada decisão proferida pela Relação»; a mesma qualificação do vício foi retomada no aresto do mesmo STJ de 15/12/2010, assim sumariado: «I - Fora dos casos em que, nos termos legais, é permitido ao Juiz rectificar a sentença – arts. 666º e 667º do CPC –, o seu poder jurisdicional esgotou-se por imperativo legal, assim ao anular a sentença proferida, não tinha poder jurisdicional para tanto, por o mesmo se ter esgotado (art. 666º, nº 1 do CPC). II - Tal falta de jurisdição, por se tratar de vício essencial da sentença ou despacho, determinante da invalidade do acto, não constitui uma nulidade stricto sensu mas inexistência jurídica da citada decisão, que é outra forma de invalidade para além da nulidade». [5] Citámos agora ALBERTO DOS REIS, in CPC anotado, vol. V, Reimpressão, a págs. 127. |