Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/15.2TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CONCRETIZAÇÃO DA CONJUNTURA EMPRESARIAL NO CONTRATO
OMISSÃO
NÚMERO
TRABALHADORES
CONTRATO SEM TERMO
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – 2ª SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 140º, NºS 1 E 4, AL. A), E 147º, Nº 1, AL. C), AMBOS DO C. TRABALHO.
Sumário: I – A contratação a termo constitui uma excepção ao carácter tendencialmente duradouro do contrato de trabalho.

II - Existem situações específicas em que o legislador admite a celebração de contratos de trabalho de duração limitada. Subjacente a tais situações estão, por norma, necessidades de natureza temporária (nº 1 do artº 140º do C. Trabalho), preocupações de diminuição do risco empresarial inerente à iniciativa de novas actividades ou estimulação da política de emprego, que o legislador entendeu serem merecedoras de tratamento especial (nº 4 do artº 140º C. Trabalho).

III – No contrato de trabalho escrito deve ser suficientemente concretizada a conjuntura que leva à celebração do contrato com duração limitada, por forma a aferir da sua legalidade.

IV – A omissão do número de trabalhadores da empresa na cláusula justificativa da aposição do termo, quando celebra o contrato ao abrigo da al. a) do nº 4 do artº 140º do C. Trabalho, leva a que o contrato de trabalho se considere sem termo, de harmonia com o disposto no artº 147º, nº 1, al. c) do referido código, pelo que a comunicação da não renovação do contrato apresentada pela empregadora consubstancia um despedimento ilícito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A... intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra B... , S.A., ambas com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que seja declarado que o contrato de trabalho celebrado com a A., e que teve o seu início em 20.06.2014, é sem termo, por violação da obrigação decorrente do disposto no artigo 141º, nº 3 do Código do Trabalho e que, em consequência, seja a R. condenada a pagar à A. todas as retribuições vencidas e vincendas decorrentes do seu despedimento até trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, e bem assim a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a respetiva indemnização por antiguidade, conforme opção eventual futura, sendo que, optando pela indemnização, a mesma não deverá ser fixada em valor inferior a 30 dias de retribuição base por cada ano de trabalho, não podendo ser inferior a três meses.

Subsidiariamente, peticiona que se declare que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho que a R. fez constar da carta datada de 05.12.2014 e recebida a 09.12.2014, não cumpriu o aviso prévio de 15 dias previsto no artigo 344º, nº 1 do C.T, sendo inválida e ineficaz, declarando-se que o contrato de trabalho se renovou por igual período de seis meses, sendo a R. condenada a pagar à A. todas as retribuições vencidas e vincendas após a cessação do contrato, designadamente todos os salários que seriam devidos à A. e todos os acréscimos legais que lhe vinham sendo pagos, férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, bem como a compensação pela cessação de contrato de trabalho, tendo esta por base de cálculo a duração do contrato pelo período de doze meses.

Alegou, em síntese, que celebrou um contrato de trabalho a termo certo com a R., mas que deve ser considerado sem termo, sendo que a R., posteriormente, a despediu ilicitamente, dado que comunicou intempestivamente a não renovação desse contrato de trabalho.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.

Contestou a R., por impugnação, invocando a validade do contrato de trabalho a termo celebrado com a demandante.

Atenta a simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência prévia.

Foi proferido despacho saneador tabelar.

Foi igualmente dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Após a realização da audiência final, na qual a A. optou pela sua reintegração e ampliou o seu pedido, conforme consta da ata de tal diligência, foi proferida sentença, com a seguinte decisão:

«Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência:

a) Declaro e condeno a R. “ B... S.A.” a reconhecer que o contrato de trabalho celebrado com a A. A... e que teve o seu início em 20/6/2014 deve ser considerado como sem termo;

b) Condeno a R. “ B... S.A.” a reintegrar a A. A... no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

c) Condeno a R. “ B... S.A.” a pagar à A. A... , a título de retribuições intercalares, a quantia mensal de € 528 (quinhentos e vinte e oito euros), desde o dia 19/12/2014 e até ao trânsito em julgado desta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado desta sentença e até efetivo e integral pagamento, deduzidas do montante de subsídio de desemprego eventualmente atribuído à A. A... , devendo a R. “ B... S.A.” entregar essa quantia à Segurança Social.»

Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância, como apelação, os autos subiram à Relação, tendo sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:

            1ª Apreciar se a cláusula justificativa da aposição de um termo no contrato de trabalho é válida, por legal;

            2ª Analisar se o contrato de trabalho cessou por caducidade.


*

            III. Matéria de Facto

            O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

            […]


*

IV. Enquadramento jurídico

Como referido supra, a primeira questão suscitada no recurso que importa analisar respeita à invocada validade da cláusula justificativa da aposição de um termo ao contrato de trabalho celebrado entre as partes.

Resulta da factualidade dada como assente e mostra-se pacífico nos autos que A. e R. celebraram, entre si, um contrato de trabalho, no âmbito do qual a A. se obrigou a desempenhar as funções de rececionista de 2ª, sob as ordens, direção e autoridade da R., mediante retribuição.

Para o efeito, as partes celebraram um acordo escrito que designaram por “Contrato de trabalho a termo certo”, tendo convencionado que o “contrato terá a duração de seis meses”.

É consabido que, não obstante, a relação laboral tenha um carácter tendencialmente duradouro, os contratantes podem convencionar a estipulação de uma duração temporalmente limitada, nos termos legalmente previstos. Surge, então, a específica figura do contrato de trabalho a termo que constitui uma exceção ao carácter tendencialmente duradouro do contrato de trabalho.

 Existem situações específicas em que o legislador admite a celebração de contratos de trabalho de duração limitada.

            Subjacente a tais situações estão, por norma, necessidades de natureza temporárias (nº1 do artigo 140º do Código do Trabalho), preocupações de diminuição do risco empresarial inerente à iniciativa de novas atividades ou estimulação da política de emprego, que o legislador entendeu, serem merecedoras de tratamento especial (nº4 do aludido artigo 140º).

            Constituindo, porém, uma modalidade de contrato de trabalho específica e motivada por razões próprias, para evitar situações abusivas, o legislador consagrou um regime exigente, sobretudo no que respeita à motivação da contratação em tais circunstâncias.

            Este tipo contratual não só está sujeito à forma escrita, como o conteúdo do acordado tem de respeitar as exigências previstas no artigo 141º do Código do Trabalho. Entre elas, encontra-se a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [cfr. alínea e) do nº1 do mencionado preceito]. Nos termos do nº3 do normativo, a indicação do motivo justificativo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (realce da nossa responsabilidade).

            Acresce que nos termos previstos pelo nº 5 do artigo 140º do mencionado diploma legal, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo.

            Finalmente, sempre que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, o mesmo for celebrado fora dos casos legalmente previstos ou se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo, a lei considera sem termo o contrato celebrado nessas circunstâncias (cfr. artigo 147º do Código do Trabalho).

            No caso em apreço nos autos, a controvérsia incide precisamente sobre o motivo justificativo da contratação a termo convencionado.

            Analisemos, então!

            Estipularam as partes na cláusula 3ª do acordo escrito celebrado, o seguinte:

            - «Este contrato terá a duração de SEIS MESES e justifica-se pela alínea a), do nº 4, do artigo 140º do Código do Trabalho Português, aprovada pela Lei nº 13/2012, de 25 de Junho (e alterações e retificações posteriores): início de exploração de uma nova unidade hoteleira, com data de abertura a 21 de Junho de 2014, não se sabendo ainda quais as reais necessidades de trabalhadores para proceder ao desenvolvimento cabal da atividade em questão.»

Dispõe a invocada alínea a) do nº4 do artigo 140º do Código do Trabalho que pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para «[l]ançamento de nova atividade de duração incerta , bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores

Para a apreciação da situação sub judice, interessa-nos precisamente o excerto da norma realçado.

O tribunal a quo apreciou a questão, nos seguintes termos:

            «No caso concreto, a justificação do termo constante do contrato de trabalho reconduz-se, como consta expressamente do mesmo (que alude literalmente a este normativo para justificar a contratação da A.), ao Art. 140º, n.º 4, al. a) do Código do Trabalho, que tem a seguinte redação:    “Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para: a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores”.

            Ora, se é verdade que se deu como provado que a R. contratou a A. para trabalhar num estabelecimento hoteleiro que abriu logo após a celebração do contrato de trabalho, certo é também que do contrato nada consta quanto ao facto de a R. ter (ou não) menos de 750 trabalhadores ao seu serviço (sendo o Código do Trabalho, para que as partes remeteram nesse contrato, expresso quanto a essa exigência, no que constitui uma inovação em relação ao Código do Trabalho de 2003 e algo criticável por ser “arbitrário” e não corresponder à noção de “grande empresa para o Código” – MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3,ª Edição, Coimbra, 2010, p. 272) o que se desconhece em absoluto e deveria ter sido feito constar do respetivo contrato de trabalho.

            Desta forma, é, de facto, nula a estipulação desse termo, devendo o contrato em causa deve ser considerado como um contrato de trabalho sem termo (…)»

            Do segmento da sentença recorrida transcrito, extrai-se que a considerada invalidade da cláusula justificativa da aposição de um termo ao contrato, resulta da sua insuficiência por omissão de qualquer referência à circunstância da empregadora/R. ter menos de 750 trabalhadores.

            Nenhuma censura nos merece o decidido.

            Efetivamente a restrição do circunstancialismo relacionado com a conjuntura do lançamento de uma nova atividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento, “com menos de 750 trabalhadores”, é uma novidade trazida pelo Código do Trabalho de 2009, aplicável à situação sub judice.

            Ou seja, a contratação a termo nas mencionadas situações conjunturais, tornou-se mais restritiva. A satisfação de necessidades de trabalho de duração incerta ou os motivos de política de emprego, que admitem a celebração de contratos de trabalho de duração limitada circunscrevem-se agora às empresas com menos de 750 trabalhadores [exceto se tal requisito for afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, nos termos previstos pelo artigo 139º do Código do Trabalho- cfr. Acórdão 05/02/2013, P. 273/12.6T4AVR.C1 (Azevedo Mendes)]- cfr. Artigo de Maria Irene Gomes, “Primeiras reflexões sobre a revisão do regime jurídico do contrato de trabalho a termo pelo novo Código do Trabalho”, publicado na Scientia Iuridica, LVIII, 2009, nº318, págs. 281 a 310.

            Importa, ainda, ter presente que a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/04/2009, P. 08S3879, disponível em www.dgsi.pt).

            Reportando-nos agora à situação dos autos, julgamos evidente que a indicação do motivo justificativo da contratação da A. a termo, ao abrigo da alínea a) do nº4 do mencionado artigo 140º, obrigava à menção expressa e suficiente dos factos que integram tal causa de admissibilidade da celebração de contratos de trabalho com duração limitada.

            Teria que constar do acordo escrito celebrado a menção ao número de trabalhadores da empresa, por forma a aferir do preenchimento dos requisitos legais.

            Não podemos olvidar que a celebração de contratos a termo apenas é possível em situações excecionais, pelo que se impõe que o contrato escrito contenha a expressa e específica menção das circunstâncias e factos concretos que determinam esta contratação, por forma a poder aferir a sua conformidade com a lei.

            Mostrando-se, pois, a cláusula 3ª do acordo escrito celebrado entre as partes insuficiente no que concerne ao motivo justificativo, bem andou o tribunal a quo ao considerar nula a estipulação do termo, com a consequente consideração do contrato como sendo um contrato de trabalho sem termo [cfr. artigo 147º, nº1, alínea c) do Código do Trabalho].

            Improcedendo a primeira questão suscitada no recurso, importa apreciar o modo como cessou o vínculo laboral que vigorou entre as partes processuais.

            Resulta do acervo de factos assentes que a R. enviou à A. uma carta datada de 05/12/2014, por esta recebida em 09/12/2014, da qual consta: «Serve a presente para comunicar-lhe a intenção de não renovação do contrato de trabalho (…) que caducará no dia 19 de dezembro de 2014.»

            A cessação da relação contratual verificou-se por força desta comunicação escrita, da iniciativa da empregadora que, inequivocamente põe fim ao contrato de trabalho.

            Ora, atendendo a que estamos perante um contrato de trabalho sem termo, tal declaração escrita, por não ter sido precedida de procedimento disciplinar, consubstancia um despedimento ilícito, nos termos previstos pela alínea c) do artigo 381º do Código do Trabalho, como muito bem decidiu o tribunal de 1ª instância.

            Por conseguinte, a cessação contratual não ocorreu por caducidade, conforme alegou a recorrente.

            Concluindo, mostra-se improcedente o recurso interposto pela R., que deverá ser responsabilizada pelas respetivas custas.


*

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 4 de fevereiro de 2016


 (Paula Maria Videira do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)