Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/12.3TBCND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ENERGIA ELÉCTRICA
ACTIVIDADE PERIGOSA
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 334, 483, 493 Nº2, 509 CC
Sumário: 1.- A actividade de fornecimento de energia eléctrica é inequivocamente perigosa, devendo ser enquadrada no art. 493 nº2 do CC.

2.- A responsabilidade da entidade exploradora resultante da condução e entrega da energia eléctrica só é excluída quando os danos são devidos a causa de força maior ou quando aquela demonstre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os concretos danos verificados.

3.- Para que a conduta do lesado seja uma das causas do dano, importa que seja culposa, que tenha concorrido para a sua produção ou agravamento, o que não acontece mesmo que se prove que esse lesado não tenha dotado as suas instalações de uma fonte alternativa de energia.

4. Não age com abuso de direito o lesado que sofreu prejuízos resultantes do não recebimento de energia eléctrica e que pretender exercer o direito de ser ressarcido destes junto da fornecedora dessa energia eléctrica.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I – RELATÓRIO

         1. A A F (…) Unipessoal, Lda. intentou a presente acção com processo sumário contra a R. EDP Distribuição – Energia, S.A. pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 23.613,91, acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

         Alegou, em síntese, que a Ré exerce a actividade de distribuição de energia eléctrica, assegurando tal distribuição no concelho de Condeixa-a-Nova, incluindo na Quinta S (...), V (...), Condeixa-a-Velha; por sua vez, a A. dedica-se ao comércio a retalho de peixe, crustáceos e moluscos, em estabelecimentos especializados, incidindo principalmente a sua actividade no comércio de produtos congelados; no âmbito da sua actividade e indispensavelmente, a A. socorre-se de equipamentos de frio para conservação dos produtos que revende; entre 17.04.2010 e 19.04.2010, houve uma falha de energia, em virtude da qual os produtos, especialmente peixe e marisco, que se encontravam no interior dos equipamentos de frio descongelaram e entraram em estado de decomposição, tornando-se impróprios para consumo, pelo que tiveram que ser enviados para um aterro sanitário, para incineração; pela entrega dos produtos no aterro, a autora pagou a quantia de 216,80 euros e o valor dos produtos que se encontravam dentro dos equipamentos de frio ascendia a € 23.397,11 euros, prejuízos pelos quais entende ser responsável a Ré.

         2. Citada regularmente contestou a R., impugnando diversos factos, alegando que cumpre integralmente os seus deveres de vigilância sobre toda a rede de distribuição, não tendo sido detectadas quaisquer anomalias, pelo que a interrupção do fornecimento de energia se deve unicamente à R., designadamente devido a sobrecargas na sua própria instalação.

            3. Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a regularidade dos pressupostos processuais e se procedeu à selecção dos factos assentes e controvertidos, a qual não foi objecto de reclamação.

         4. Procedeu-se ao julgamento, o qual decorreu com observância de todas as formalidades legais, não tendo a decisão da matéria de facto sido objecto de reclamação.

         5. Proferida sentença veio a decidir-se nela a integral procedência da acção, e, em consequência, a ser condenada a R. EDP Distribuição – Energia, S.A. a pagar à A. F (…), Unipessoal, Lda., a quantia de € 23.613,91 euros (vinte e três mil seiscentos e treze euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação – isto é, desde 10.01.2012 – até efectivo e integral pagamento, à taxa supletiva prevista para as obrigações civis.

         6. Inconformada com a sentença proferida nos autos dela veio a R. interpor recurso de apelação, cujas alegações remata com as seguintes conclusões:

         (…)

            6. Contra-alegou a A., formulando nas contra-alegações que apresentou as seguintes conclusões:

(…)

         - Colhidos os vistos legais cumpre apreciar a decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

        I- saber se foi incorrectamente julgada a matéria de facto;

         II- saber se poderão ser levados ao elenco dos factos provados os indicados pela apelante;

          III- saber se foi incorrectamente feita na sentença recorrida uma errada subsunção do direito aos factos:

         IV- saber se existe abuso de direito por parte da autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

Na decisão recorrida foi considerada assente pela 1ª instância a seguinte a factualidade:

            1. A Ré exerce, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia eléctrica, assegurando tal distribuição em média tensão e baixa tensão no concelho de Condeixa-a-Nova, incluindo na Quinta S..., V (...), Condeixa-a-Velha [A) da matéria de facto assente].

         2. A Autora dedica-se ao comércio a retalho de peixe, crustáceos e moluscos, em estabelecimentos especializados, incidindo principalmente a sua actividade no comércio de produtos congelados [B) da matéria de facto assente].

         3. No âmbito da sua actividade e indispensavelmente, a Autora socorre-se de equipamentos de frio para conservação dos produtos que revende [C) da matéria de facto assente].

            4. No dia 20 de Abril de 2010, pelas 16h34m, foi efectuado pedido de intervenção para a linha de avarias da Ré [D) da matéria de facto assente].

         5. Desde momento não concretamente apurado entre 17.04.2010 e 19.04.2010, até ao final da tarde 20.04.2010, de forma contínua, os aparelhos instalados nos armazéns da Autora deixaram de receber energia eléctrica [ ponto 1º da base instrutória].

            6. Em virtude dessa falha de energia, os produtos, especialmente peixe e marisco, que se encontravam no interior dos equipamentos de frio descongelaram [ponto 2º da base instrutória].

         7. …e entraram em estado de decomposição, tornando-se impróprios para consumo [ ponto 3º da base instrutória].

         8. …pelo que tiveram que ser enviados para um aterro sanitário, para incineração [ ponto 4º da base instrutória].

         9. Pela entrega dos produtos no aterro, a autora pagou a quantia de 216,80 euros [ ponto 5º da base instrutória].

         10. O valor dos produtos que se encontravam dentro dos equipamentos de frio ascendia a 23.397,11 euros [ ponto 6º da base instrutória].

         11. A implantação e conservação da rede eléctrica que abastece as instalações da autora são verificadas pelas vistorias da Direcção-Geral de Energia [ ponto 7º da base instrutória].

         12. …e por equipas especializadas ao serviço da ré [ponto 8º da base instrutória].

         13. …sendo que estas, durante o ano de 2009, concretamente nos dias 14 de Abril e 25 de Setembro, realizaram inspecções e acções de manutenção preventiva nas linhas de baixa tensão e média tensão em causa [“9.º” da base instrutória].

         14. …não tendo detectado quaisquer anomalias na rede eléctrica [ ponto 10º da base instrutória].

         15. O incidente em causa deveu-se a avaria ou disparo ocorrido no disjuntor controlador de potência (DCP) [ ponto 11º da base instrutória].

         16. Entre a Autora e a “EDP Serviço Universal, S.A.” foi celebrado em 29.08.2008 um contrato de fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão, regime normal, para os armazéns daquela, do qual consta designadamente o seguinte (cfr. documento de fls. 70 e 70 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

                “TITULAR CONTRATO / MORADA LOCAL CONSUMO: F (…)- Unipessoal, Lda., Rua Quinta S (...), V (...), (...) Condeixa-a-Velha

                Data início contrato: 2008-08-29

                Número Instalação: 1381248

                Tipo da instalação: N/ doméstico

                Potência instalada: 34,50 kVA

                Potência requisitada: 34,50 kVA

                Tensão de alimentação: 230/400V

                Número de fases: TRIFÁSICO

                Potência contratada anterior: 34,50 kVA

                Potência contratada actual: 34,50 kVA

                Tarifa: BTN-Tripla Médias UT 27,6 a 41,4 kVA

                Data acordada para a ligação: 2008-08-29

                O presente contrato, celebrado entre o cliente (Titular do Contrato) e a EDP Serviço Universal, S.A. destina-se a garantir, de acordo com a legislação actualmente em vigor, o fornecimento de energia eléctrica ao local de consumo que corresponde à morada acima indicada.

                A data de início do contrato, bem como o nome, morada e número de cliente estão também devidamente referenciados.

                O fornecimento de energia eléctrica é e será feito para a instalação cujos dados se apresentam a seguir, cumprindo a mesma, quando aplicável, a legislação em vigor no que respeita à necessária certificação emitida pela entidade competente - Certiel - Associação Certificadora de Instalações Eléctricas, - tendo o certificado de exploração sido apresentado no acto de realização deste Contrato.”

                - e ainda, no verso, o que consta do quadro epigrafado de CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA EM BTN PADRÕES INDIVIDUAIS DE QUALIDADE DE SERVIÇO, transcrito na sentença, a fls. 4-5 da mesma.

            17. ...contrato esse sujeito a condições gerais, das quais consta, designadamente, o seguinte (cfr. documento de fls. 71 a 72 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido):

                “1ª Objecto do Contrato. Obrigações de serviço público e de serviço universal

                1. O presente Contrata tem por objecto o fornecimento de energia eléctrica pela EDP Serviço Universal [Em nota: Comercializador de Último Recurso, a quem compete a venda de electricidade com tarifas fixadas pela ERSE, incluindo a contratação, a facturação e a cobrança].

                2. A EDP Serviço Universal observará no exercício da sua actividade o disposta no Regulamento de Relações Comerciais e na demais legislação aplicável em matéria de obrigações de serviço público, nomeadamente no que se refere à segurança da fornecimento, regularidade, qualidade e preço dos fornecimentos, bem camo à protecção do ambiente.

                3. A EDP Serviço Universal abriga-se a fornecer ao cliente a energia eléctrica necessária ao abastecimento da sua instalação de utilização, até ao limite da potência requisitada para efeitos de ligação, e o cliente ao respectivo pagamento, nos termos e com observância das exigências legais e regulamentares em vigor.

                4. A obrigação de fornecimento prevista no número anterior só existe quando as instalações eléctricas estiverem devidamente licenciadas e mantidas em bom estado de conservação e funcionamento, nos termos das disposições legais aplicáveis, e efectuada a respectiva ligação à rede.

                2.ª Duração do contrato

                Salvo acordo em contrário nas condições particulares, este contrato tem a duração de um mês, se a tarifa for não sazonal e de um ano se a tarifa for sazonal, sendo automática e sucessivamente renovado por iguais períodos, sem prejuízo de denúncia por parte do cliente, a todo o tempo, por meio de que fique registo escrito.

                3.ª Medição e leitura

                1. Salvo acordo em contrário, os equipamentos de medição de energia eléctrica e de controlo de potência, bem como, os respectivas acessórios, são fornecidos e instalados pela EDP Distribuição [Em nota: Operador de Rede, a quem compete, nomeadamente, a entrega de energia eléctrica, a instalação de contadores e as leituras], ficando o cliente seu fiel depositário, nomeadamente para efeitos da sua guarda e restituição findo o contrato, desde que terceiros não tenham acesso livre ao equipamento.

                2. O fornecimento e a instalação dos equipamentos de medição constituem encargo da EDP Distribuição a qual não pode cobrar qualquer quantia a titulo de aluguer ou indemnização pelo uso dos referidas aparelhos.

                3. Os equipamentos de medição submetem-se à verificação obrigatória nos termos e com a periodicidade estabelecida na legislação em vigor sobre controlo metrológica e no Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados, podendo igualmente ser sujeitos a verificações extraordinárias, sempre que o cliente ou a EDP Distribuição suspeitem ou detectem defeito no seu funcionamento.

                4. Solicitada a verificação extraordinária, se esta confirmar que os equipamentos de medição funcionam dentro dos limites de tolerância, é da responsabilidade da parte que requereu a verificação o pagamento dos respectivos encargos. Se a verificação extraordinária confirmar o defeito de funcionamento, o pagamento é da responsabilidade do proprietário do equipamento.

                5. Em caso de verificação obrigatória ou extraordinária, a EDP Distribuição deve providenciar, de forma a não privar o cliente de energia eléctrica, durante o período da verificação.

            6. As indicações recolhidas pela leitura directa dos equipamentos de medição prevalecem sobre quaisquer outras.

                7. A EDP Distribuição é a entidade responsável pela leitura dos equipamentos de medição das instalações dos clientes ligados às suas redes.

                8. Sem prejuízo do estabelecido no número anterior, têm a faculdade de efectuar a leitura dos equipamentos de medição e a sua comunicação, bem como de verificar os respectivos selos, as seguintes entidades: O Cliente; A EDP Distribuição; A EDP Serviço Universal.

                9. A comunicação das leituras pelo cliente pode ser efectuada através dos meios que a EDP Distribuição disponibilize para o efeito, nomeadamente, mediante comunicação telefónica e electrónica.

                10. A leitura de equipamentos de medição deve assegurar que o intervalo entre duas leituras consecutivas não seja superior a 6 meses.

                11. A EDP Distribuição deve diligenciar no sentido dos clientes serem avisados da data em que irá proceder a uma leitura directa do equipamento de medição, ou de que essa leitura foi tentada sem êxito, utilizando os meios que considere adequados ao efeito.

                12. O aviso previsto no número anterior deve conter informação, designadamente sobre os meios disponíveis para o cliente transmitir à EDP Distribuição os seus dados de consumo, fixando um prazo para o efeito.

                13. Nos casos em que não existam leituras dos equipamentos de medição de clientes, podem ser utilizados métodos para estimar o consumo, nos termos e condições definidos no Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados.

                14. Se, por facto imputável ao cliente, não for possível o acesso ao equipamento de medição, para efeitos de leitura, durante 12 meses consecutivos, a EDP Distribuição pode exigir ao cliente a realização de uma leitura extraordinária.

                15. Na situação prevista no número anterior, a pagamento dos encargos com a leitura extraordinária é da responsabilidade do cliente.

                16. A data da realização da leitura extraordinária deve ser acordada entre as partes.

                17. Na impossibilidade de acordo sobre uma data para a leitura extraordinária dos equipamentos de medição, num prazo máximo de 30 dias após notificação, a EDP Distribuição pode interromper o fornecimento de energia eléctrica nos termos da alínea d) do número 6 da cláusula 9.ª.

                18. Os erros de medição da energia e da potência, resultantes de qualquer anomalia verificada no equipamento de medição, ou erro de ligação do mesmo, que não tenham origem em procedimento fraudulento, serão corrigidos em função da melhor estimativa das grandezas durante o período em que a anomalia se verificou.

                19. Para efeitos da estimativa prevista no número anterior, são considerados relevante  as características da instalação, o seu regime de funcionamento, os valores das grandezas anteriores à data da verificação da anomalia e, se necessário, os valores medidos nos primeiros três meses após a sua correcção.

                20. Cessado o contrato, a EDP Distribuição goza do direito de proceder ao levantamento do material ou equipamento que lhe pertencer.

            4.ª Controlo e alteração da potência

            1. A EDP Distribuição deve colocar, sem qualquer encargo para o cliente, na entrada das instalações de utilização, dispositivos, designadamente disjuntores, destinados a impedir que seja tomada uma potência superior aos limites estabelecidos no contrato.

                2. Se o cliente impedir, sem fundamento, a instalação dos dispositivos referidos no número anterior, a EDP Distribuição pode Interromper o fornecimento de energia eléctrica, nos termos do artigo 56.º do Regulamento das Relações Comerciais.

                3. Quando, por razões técnicas, a EDP Distribuição entender ser a alimentação trifásica a forma mais adequada de efectuar um fornecimento, e desde que o cliente não se oponha a esse tipo de alimentação, será concedida uma margem de potência, utilizando-se um disjuntor de calibre superior em 3x5 A ao correspondente à potência contratada,

                4. A margem de potência não será concedida se a alimentação trifásica for efectuada a pedido do cliente.

                5. A EDP Distribuição só pode eliminar a margem concedida ao abrigo do número 3, se obtiver o cliente o seu consentimento, e, sendo necessário, proceder a modificações da instalação eléctrica do cliente, suportando os respectivos encargos.

                6. O cliente pode solicitar, a toda o tempo, a alteração da potência contratada, estando a EDP Distribuição obrigada a proporcioná-la, desde que verificadas as condições técnicas e legais, estabelecidas na legislação e regulamentação aplicáveis.

                7. Sempre que a EDP Distribuição recusar o aumento de potência, com fundamento na não verificação das condições técnicas e legais, deve justificar a sua decisão ao cliente.

                8. A satisfação do pedido de aumento de potência requisitada pode tornar necessário o pagamento, pelo cliente, de encargos relativos à construção dos elementos de ligação, bem como o reforço das redes.

                9. Na sequência de um pedido de aumento de potência requisitada, a EDP Distribuição deve apresentar ao cliente um orçamento discriminado, relativo aos encargos respectivos.

                5.ª Facturação

                1. Salvo acordo entre as partes, a facturação dos clientes é bimestral.

                2. A facturação terá por base a informação sobre os dados de consumo disponibilizada pela EDP Distribuição.

                3. Se, no período a que a factura respeita, não tiver havido leitura do equipamento de medição os dados disponibilizados pela EDP Distribuição para efeitos de facturação podem ser estimados segundo a metodologia seleccionada pelo cliente, de entre as opções que a EDP Serviço Universal lhe deverá apresentar no momento da celebração deste contraio.

                4. A metodologia seleccionada pelo cliente, nos termos do número anterior, consta das condições particulares do presente contrato, as quais só podem ser alteradas por acordo expresso entre a EDP Serviço Universal e o cliente.

                5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, designadamente no que se refere à facturação por estimativa, não haverá lugar à cobrança de consumos mínimos.

                6. As facturas conterão os elementos necessários a uma completa, clara e adequada compreensão dos valores facturados, incluindo a sua desagregação, que deve evidenciar, nomeadamente, os valores relativos as tarifas de acesso às redes.

                7. A interrupção do fornecimento de energia eléctrica, por facto imputável ao cliente, não suspende a facturação da potência.

                8. Os acertos de facturação podem ser motivados, designadamente pelas seguintes situações: anomalia de funcionamento do equipamento de medição; procedimento fraudulento; facturação baseada em estimativa de consumo; correcção de erros de medição, leitura e facturação.

                9. O valor estipulado para o acerto de facturação devera ser liquidado em prazo idêntico ao estipulado para pagamento da factura seguinte à data de comunicação da correcção que motivou o acerto de facturação.

                10. Quando o valor apurado para acerto de facturação for a favor da EDP Serviço Universal, o seu pagamento pode ser fraccionado em prestações mensais, a pedido do cliente, em número não superior ao número de meses objecto do acerto de facturação.

                11. Nas situações em que a necessidade de acerto de facturação resulte de facto não imputável ao cliente, às prestações mensais previstas no número anterior não devem acrescer quaisquer juros legais ou convencionados.

                12. Os acertos de facturação subsequentes à facturação que tenha tido por base a estimativa de consumos devem ter lugar num prazo não superior a seis meses, utilizando, para o efeito, os dados disponibilizados pela EDP Distribuição, recolhidos a partir de leitura directa do equipamento de medição.

                13. A EDP Serviço Universal não será responsável pela inobservância do disposto no número anterior se, cumprido o disposto nos números 11 e 12 da cláusula terceira, por facto imputável ao cliente, não for possível obter os dados de consumo recolhidos a partir da leitura directa do equipamento de medição.

                14. Para efeitos de acertos, no início e no finai do contrato, envolvendo facturações que abranjam um período inferior ao acordado para facturação, considerar-se-á uma distribuição diária uniforme dos encargos com valor fixo mensal.

                6.ª Pagamento

                1. O pagamento das facturas é efectuado nos locais que a EDP Serviço Universal coloca à disposição do cliente e nas modalidades de pagamento acordadas entre as partes.

                2. O prazo limite de pagamento mencionado na correspondente factura é de:

                15 dias, a contar da data da apresentação da factura, para os clientes com facturação bimestral; 10 dias, a contar da data da apresentação da factura, para os clientes com facturação mensal.

                3. O não pagamento da factura dentro do prazo estipulado para o efeito constitui o cliente em mora e pode fundamentar a interrupção do fornecimento de energia, conforme consta da cláusula 9.ª.

                4. Os atrasos de pagamento ficam sujeitos à cobrança de juros de mora à taxa de juro legal em vigor, calculados a partir do dia seguinte ao do vencimento da factura.

                5. Se o valor resultante do cálculo dos juros previsto no número anterior não atingir a quantia mínima a publicar anualmente pela ERSE, os atrasos de pagamento podem ficar sujeitos ao pagamento dessa quantia,

                6. No caso de facturação conjunta do fornecimento de energia eléctrica e de outros serviços funcionalmente dissociáveis, o cliente pode pagar apenas a parte relativa àquele fornecimento, podendo exigir quitação parcial da factura,

                7.ª Caução

                1. Salvo os clientes com instalações eventuais, a EDP Serviço Universal só tem o direito de exigir a prestação de caução nas situações de restabelecimento do fornecimento, na sequência de interrupção decorrente de incumprimento contratual do cliente.

                2. Os clientes podem obstar à prestação de caução exigida nos termos do número anterior, se regularizada a divida objecto do incumprimento, optaram pela transferência bancária como forma de pagamento das suas obrigações para com a EDP Serviço Universal.

                3. Quando prestada a caução ao abrigo do disposto no número 1. desta cláusula, se o cliente vier posteriormente a optar pela transferência bancária como forma de pagamento ou permanecer em situação de cumprimento contratual, continuadamente durante o período de dois anos, a caução será objecto de devolução, findo este prazo.

                4. Salvo acordo entre as partes, a caução é prestada em numerário, cheque ou transferência electrónica, ou através de garantia bancária ou seguro-caução.

                5. O valor da caução deve corresponder aos valores médios de facturação, por cliente, opção tarifária e potência contratada, correspondentes aos seguintes períodos de consumo:

                75 dias, no caso dos clientes com facturação bimestral.

                45 dias, no caso dos clientes com facturação mensal.

                6. A metodologia de cálculo do vaiar da caução é estabelecida pela ERSE.

                7. Prestada a caução, a EDP Serviço Universal pode exigir a alteração do seu valor quando se verifique um aumento da potência contratada ou a alteração da opção tarifária.

                8. A EDP Serviço Universal deve utilizar o valor da caução para a satisfação do seu crédito, e pode exigir, posteriormente, por escrito, a sua reconstituição ou o seu reforço, em prazo não inferior a 10 dias úteis.

                9. Cessado o contrato, o cliente tem direito à restituição da caução, salvo no caso em que esta seja necessária para assegurar o cumprimento das obrigações pecuniárias que à data da cessação do contrato não se encontrem regularizadas,

                10. A quantia a restituir relativa à caução, prestada através de numerário ou outro meio de pagamento à vista, resultará da actualização do valor da caução, com base no Índice de Preços no Consumidor, depois de deduzidos os montantes eventualmente em dívida.

                11. Para efeitos do disposto no número precedente, a actualização do valor da caução a restituir é referida à data da prestação ou da última alteração do valor da caução, não podendo ser anterior a 1 de Janeiro de 1999 e terá por base o último índice mensal de preços no consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, excepto habitação, relativo a Portugal Continental.

                8.ª Tarifas e preços

                1. Aos fornecimentos de energia eléctrica são aplicadas as tarifas de Venda a Clientes Finais estabelecidas pela ERSE nos termos do Ragulamento Tarifário.

                2. As tarifas aplicáveis são compostas pelos preços relativos a:

                --- Potência contratada, contratação, leitura, facturação e cobrança.

                --- Energia activa.

                3. Aos clientes com consumos sazonais aplicam-se as tarifas sazonais estabelecidas no Regulamento Tarifário.

                4. Em cada nível de tensão são colocadas à disposição das clientes as opções tarifárias estabelecidas no Regulamento Tarifário.

                5. Para efeitos do disposto no número anterior, a EDP Serviço Universal deve informar e aconselhar o cliente sabre a opção tarifária mais favorável para o seu caso específico.

                6. A opção tarifária é da escolha do cliente, não podendo ser alterada durante um período mínimo de um ano, salvo acordo contrário entre as partes.

                7. Os preços das leituras extraordinárias e dos serviços de interrupção e restabelecimento do fornecimento de energia eléctrica (ver clausula seguinte) são publicados anualmente pela ERSE.

                9.ª Continuidade e interrupção do fornecimento

                1. O fornecimento de energia eléctrica deve ser permanente e continuo, só podendo ser interrompido nas situações previstas no Regulamento de Relações Comerciais, designadamente, por casos fortuitos ou de força maior, por razões de interesse público, de serviço, de segurança, por acorda com O cliente ou por facto que lhe seja imputável.

                2. Para efeitos da disposto na número anterior, consideram-se casos fortuitos ou de força maior os previstos na Regulamento da Qualidade de Serviço, nomeadamente os que resultem da ocorrência de greve geral, alteração da ordem pública, Incêndio, terramoto, inundação, vento de intensidade excepcional, descarga atmosférica directa, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiras devidamente comprovada.

                3. A interrupção da fornecimento par razões de interesse público, deve ser precedida de avisa ao cliente, por intermédio de meios de comunicação social de grande audiência na região ou ainda por outras meios ao seu alcance que proporcionem adequada divulgação, com a antecedência mínima de 36 horas.

                4. A interrupção da fornecimento par razões de serviço, deve ser comunicada ao cliente, por aviso individual ou por intermédio de meios de comunicação social de grande audiência na zona ou ainda por outros meios ao seu alcance que proporcionem adequada divulgação, com a antecedência mínima de 36 horas.

                5. O fornecimento de energia eléctrica poderá ser interrompido, sem aviso prévio, quando a sua continuação passa pôr em causa a segurança de pessoas e bens. Nestes casos, a EDP Distribuição deve apresentar justificação das medidas tomadas, quando solicitada pelo cliente.

                6. A interrupção do fornecimento por facto imputável ao cliente pode ocorrer, nomeadamente, nas seguintes situações:

                a) Não pagamento, na praza estipulado, dos montantes devidos em caso de mora, de acerto de facturação e de procedimento fraudulento.

                b) Falta de prestação ou de actualização da caução, quando exigivel nos termos da Regulamento de Relações Comerciais.|

                c) Cedência a terceiros, a titulo gratuito ou oneroso, da energia eléctrica que adquire, quando não autorizada pelas autoridades administrativas competentes. A cedência a terceiros inclui a veiculação de energia eléctrica entre instalações de utilização distintas ainda que tituladas pelo mesmo cliente.

                d) Impossibilidade de acordar uma data para a leitura dos equipamentos de medição, nos termos do n.º 17 da cláusula 3.ª.

                e) Impedimento de acesso aos equipamentos de medição de energia ou de controlo de potência.

                f) O cliente deixar de ser titular de um contrato de fornecimento, ou no caso de cliente com estatuto de agente de ofertas, de um contrato de uso de redes.

                g) A instalação de utilização seja causa de perturbações que afectem a qualidade técnica de fornecimento a outros utilizadores da rede.

                h) Alteração da instalação de utilização não aprovada pela entidade competente.

                i) Incumprimento das disposições legais e regulamentares relativas às Instalações eléctricas, no que respeita à segurança de pessoas e bens.

                j) Impedimento de instalação de equipamento de controlo de potência.

                7. A interrupção do fornecimento, pelos factos previstos no número anterior, só pode ter lugar após um pré-aviso de interrupção, por escrito, com a antecedência mínima de 8 dias em relação à data em que irá ocorrer, salvo nos casos previstas nas alíneas e), f) e

                i). No caso da alínea g), a antecedência mínima deve ter em conta as perturbações causadas e as acções necessárias para as eliminar.

                8. Do pré-aviso de interrupção devem constar o motiva da interrupção, os meios ao dispor do cliente para evitar a interrupção, as condições de restabelecimento, bem como, os preços dos serviços de interrupção e de restabelecimento do fornecimento.

                9. A EDP Serviço Universal pode exigir, como condição de restabelecimento do fornecimento de energia eléctrica, além da eliminação das causas da interrupção, o pagamento dos serviços de interrupção e de restabelecimento.

                10. Por razões de segurança, em caso de interrupção, as instalações devem ser sempre consideradas em tensão, ou seja, como se o fornecimento não tivesse sido interrompido.

                11. A interrupção do Fornecimento de energia eléctrica não isenta o cliente da responsabilidade civil e criminal em que haja incorrido.

                10.ª Padrões de qualidade de serviço e compensações

                1. O serviço prestado pela EDP Distribuição deve obedecer aos padrões de qualidade estabelecidos no Regulamento da Qualidade de Serviço.

            2. A EDP Distribuição deve compensar o cliente da EDP Serviço Universal, quando se verifique o incumprimento dos padrões de qualidade de serviço previstos no Regulamenta da Qualidade de Serviço, nomeadamente, no que respeita ao número e duração das interrupções da fornecimento de energia eléctrica e em matéria de relacionamento comercial.

                3. Quando houver lugar a uma compensação por incumprimento do padrão individual de qualidade relativo à continuidade de serviço, a informação ao cliente e a compensação devem ser efectuados na facturação do 1.º trimestre do ano seguinte a que a compensação se reporta.

            4. Quando houver lugar a uma compensação por incumprimento do padrão individual de qualidade de relacionamento comercial, a informação ao cliente e a compensação devem ser efectuados na primeira factura emitida após terem decorrido 45 dias úteis contados a partir da data em que ocorreu o facto que fundamenta o direito à compensação.

                11.ª Procedimentos fraudulentos

                1. Qualquer procedimento susceptível de falsear o funcionamento normal ou a leitura dos equipamentos de medição de energia eléctrica ou de controlo da potência constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica.

                2. Nos termos da legislação em vigor, pode constituir procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição de energia eléctrica ou o controlo de potência, designadamente, a captação de energia a montante do equipamento de medição e a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos equipamentos de medição ou de controlo de potência.

                3. Salvo prova em contrário, presume-se que qualquer procedimento fraudulento é imputável ao utilizador da instalação onde se integre o equipamento de medição de energia eléctrica ou de controlo da potência, desde que terceiros não tenham acesso livre ao equipamento.

                4. A verificação do procedimento fraudulento e o apuramento da responsabilidade civil e criminal que lhe possam estar associadas obedecem às regras constantes da legislação específica aplicável.

                5. Sem prejuízo do disposto no número anterior, as entidades lesadas com o procedimento fraudulento têm o direito de ser ressarcidas das quantias que venham a ser devidas em razão das correcções efectuadas. 6. A determinação dos montantes previstos no número anterior deve considerar regime de tarifas e preços aplicável ao período durante o qual perdurou o procedimento fraudulento, bem como todos os factos relevantes para a estimativa dos fornecimentos realmente efectuados, designadamente, as características da instalação de utilização, o regime de funcionamento e os fornecimentos antecedentes, se os houver.

                12.ª Cessão da posição contratual

                1. O cliente só pode transmitir a terceiros a sua posição neste contrato, desde que obtenha da EDP Serviço Universal consentimento escrito para o efeito, devendo o cliente comunicar à EDP Serviço Universal também por escrito, a sua vontade na cessão da sua posição contratual.

                2. A comunicação a que se refere o número anterior deve ser efectuada com a antecedência mínima de 20 dias em relação à data prevista para a cessão, devendo a EDP Serviço Universal responder dentro do referido prazo.

                3. Se a cessão da posição contratual envolver a transmissão de dívidas, o anterior cliente só é exonerado das mesmas se o comercializador regulado o declarar expressamente.

                13.ª Cessação do contrato

                A cessação deste contrato pode verificar-se:

                a) Por acordo entre as partes.

                b) Por denúncia por parte do cliente nos termos previstos no contrato, podendo ser efectuado a todo o tempo.

                c) Pela celebração de contrato de fornecimento com outro comercializador ou agente externo.

d) Pela entrada em vigor do contrato de uso de redes, no caso de clientes com estatuto de agente de ofertas.

                e) Pela interrupção do fornecimento de energia eléctrica, por facto imputável ao cliente, que se prolongue por um período superior a 60 dias.

                f) Pela alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, designadamente uma modificação do sistema tarifário que implique alteração ou interfira com o clausulado contratual.

                g) Por morte do titular deste contrato, salvo nos casos de transmissão por via sucessória, ou extinção da entidade titular deste contrato, desde que esses factos sejam comunicados, por escrito, à EDP Serviço Universal.

                14.ª Reclamações e resolução de conflitos

                1. As reclamações decorrentes deste contrato podem ser apresentadas por escrito, por telefone ou pessoalmente nas instalações da EDP Serviço Universal e deverão conter a identificação, a morada do local de consumo, o número de cliente. a descrição dos motivos da reclamação e outros elementos informativos que facilitem o seu tratamento.

                2. Sem prejuízo do recurso aos tribunais judiciais, nos termos da lei, se não for obtida junto da EDP Serviço Universal uma resposta atempada ou fundamentada ou a mesma  não resolver satisfatoriamente a reclamação apresentada, o cliente pode solicitar a intervenção de entidades com competências na resolução extrajudicial de conflitos, designadamente, da ERSE.

                3. No âmbito do disposto no número anterior, as partes podem igualmente recorrer à arbitragem voluntária.

                15.ª Dados pessoais

                1. Os dados pessoais relativos ao cliente, recolhidos no âmbito do presente contrato, são processados automaticamente e destinam-se à gestão comercial e administrativa dos contratos de fornecimento de energia eléctrica e da prestação de serviços afins, podendo os interessados, devidamente identificados, ter acesso à informação que lhes diga respeito, directamente nos locais de atendimento ou mediante pedido escrito, bem como, à sua rectificação, nos termos da lei da protecção de dados pessoais.

            2. Qualquer alteração dos elementos constantes do contrato relativos á identificação, residência ou sede do cliente, deve ser comunicada por este à EDP Serviço Universal, através de carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias a contar da data da alteração, devendo ainda o cliente apresentar comprovativos da alteração verificada, quando tal lhe for exigido pela EDP Serviço Universal.

                16.ª Legislação aplicável

                1. Este contrato submete-se às disposições constantes do Regulamento de Relações Comerciais, do Regulamento Tarifário, do Regulamento da Qualidade de Serviço e da demais legislação aplicável, nomeadamente, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.

                2. As condições deste contrato devem ser, nos termos gerais do direito, sistematicamente interpretadas à luz das disposições legais e regulamentares referidas no número anterior.

                3. Em caso de dúvida ou de divergência, considera-se que o sentido interpretativo das condições deste contrato é o que resultar da prevalência das disposições legais e regulamentares enunciadas.

                17.ª Integração

                Salvo disposição legal em contrário, considera-se que o contrato passa a integrar automaticamente as condições, direitos e obrigações, bem como, todas as modificações, decorrentes de normas legais e regulamentares aplicáveis, posteriormente publicadas, nomeadamente, ao abrigo do Regulamento de Relações Comerciais.”

        

         B) De Direito

         I- Por via do presente recurso a apelante impugna a decisão da matéria de facto, entendendo que o tribunal recorrido não julgou adequadamente a mesma, sendo certo que não cuidou de indicar, pelo menos nas conclusões das alegações de recurso, os concretos pontos dessa factualidade por referência directa à base instrutória onde se mostram vertidos, por forma a facilitar uma melhor apreensão de tal segmento do recurso, tanto mais que no campo da impugnação da matéria de facto e a par da matéria que entende ter sido mal julgada a apelante faz também referência a factualidade que em seu entender deveria constar do elenco dos factos provados que nem sequer foi levada à base instrutória ou mesmo alegada.

         No que tange à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância rege o Art. 712.º do C.P.C.

         Segundo F. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 127, resulta de tal preceito que «...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação...», ainda que não em toda a sua pureza, pois, segundo o mesmo autor comporta as excepções que refere em tal obra.

         Já sobre os recursos de reponderação, ensina o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudo Sobre o Novo Processo Civil, pág. 374, que os mesmos «...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão».

            Tendo ocorrido no caso em análise a gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, nos termos do disposto no citado Art.º 712.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do C.P.C, pode este tribunal da Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos ( incluindo, obviamente, a gravação ), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.

         Do preâmbulo do Dec. Lei 329/95, de 15.12, que instituiu no nosso processo civil a possibilidade de documentação da prova, decorre que esta se destina à correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, ou seja, “a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”.

         Desse mesmo preâmbulo consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

         Do que se mostra expendido, é, pois, manifesto que actualmente se mostra legalmente consagrada a possibilidade deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas recorrentes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, podendo, ainda, por força do disposto no Art. 712º nº 2 do C.P.C., “oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, formará a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa (não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “ segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica ” – vide, neste sentido, Ac. STJ de Proc. n.º 3811/05, da 1.ª secção, citado no Ac. do mesmo tribunal de 28.05.2009, in www.dgsi.pt., corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância.

         Com efeito, não poderá olvidar-se que na reponderação da decisão da matéria de facto, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, «...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...».

            Sem esquecer, ainda, que quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal, de acordo com o disposto no Art. 655º nº 1 do C.P.C., “O tribunal colectivo (ou o juiz singular) aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, como resulta do disposto no Art. 396º do C.C.

            Cumpre, ainda, referir que constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, os previstos no Artº 685º-B, nºs 1 e 2 do C.P.C., de onde decorre que ao apelante não basta atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que cumpra os ónus de especificação aí impostos, isto é:

         a) – Tem de especificar quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;

         b) – Tem de indicar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto, tratando-se de prova gravada, deverá identificar precisa e separadamente, com referência ao que consta da acta, os depoimentos em que se funda, indicando ainda com exactidão as passagens dessa gravação em que se funda;

         c) – E deve desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

         Vide a este propósito os Acs. do STJ de 10.05.2007 e de 30.10.2007, todos in www.dgsi.pt.

         No caso em vertente, e apesar da falta de concretização dos pontos da matéria de facto impugnada com referência à base instrutória nos termos infra apontados, somos de entender que a apelante deu cumprimento aos referidos ónus, entendendo-se que a mesma impugna a decisão dada à matéria contida nos pontos 1º, 6º, 12º e 13º da BI.

         É a seguinte a redacção dos referidos pontos da base instrutória postos em crise, assim como a resposta que mereceu por banda do tribunal recorrido:

(…)

         Pelo exposto, e apenas com uma pequena ressalva em relação ao decidido pela 1ª instância que emerge do que já se deixou adiantado, decide-se quanto à resposta a dar ao referido ponto 1º da base instrutória que a mesma passe a ser a seguinte: “  Provado que desde momento não concretamente apurado situado entre o final do dia 16.04.2010 e o dia 19.04.2010 e até ao final da tarde do dia 20.04.2010, de forma contínua, os aparelhos instalados nos armazéns da Autora deixaram de receber energia eléctrica “ devendo, pois, em conformidade com o assim decido, passar a ser a seguinte a redacção do ponto 5. da sentença: “Desde momento não concretamente apurado situado entre o final do dia 16.04.2010 e o dia 19.04.2010 e até ao final da tarde do dia 20.04.2010, de forma contínua, os aparelhos instalados nos armazéns da Autora deixaram de receber energia eléctrica”.

         (…)

         Com excepção, pois, da alteração supra decidida a respeito da resposta dada pelo tribunal recorrido ao quesito 1º da base instrutória, mantém-se a valoração do tribunal recorrido a respeito da demais matéria de facto impugnada por não merecer qualquer censura, sendo, ao invés, sufragada por este tribunal de recurso pelas razões que se deixam expostas.

         II- Pretende, ainda, a apelante que deverão ser levados aos factos assentes o factos que indica como tendo resultado da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento e o outro facto que se extrai da Portaria Nº 949-A/2006, de 11 de Setembro.

         A verdade é que a ora apelante não só não alegou tais factos na contestação, e por essa razão nunca os mesmos poderiam ter sido considerados pelo tribunal recorrido aquando da selecção da matéria de facto  feita no despacho saneador seja no elenco dos factos assentes seja no elenco dos factos controvertidos – selecção essa que não sofreu qualquer reclamação por banda da R. ora apelante - como, ainda, não manifestou vontade no decurso do julgamento de deles se aproveitar, nos termos do disposto no Art. 264º Nº2 do CPC, pelo que, se mostra descabido pretender em sede de recurso que sejam levados em conta na sentença tais factos, uma vez que os mesmos não cabem no elenco daqueles que o juiz deva tomar em consideração ao abrigo do disposto no Art. 659º Nº3 ou a que deva atender nos termos do disposto no Art. 663º. Ambos do CPC.

        

         III- Discorda, ainda, a recorrente da subsunção do direito aos factos feita na sentença.

         Não cremos, porém, que lhe assista razão, desde logo porque se nos afigura correctíssima a subsunção dos factos às normas jurídicas feita na sentença recorrida, à qual, por isso, aderimos na íntegra.

         Com efeito, a decisão recorrida balizou a obrigação de indemnizar por parte da R. ora recorrente com base na factualidade provada e ao abrigo da responsabilidade objectiva e ao abrigo da responsabilidade extra-contatual, subsumindo, sem qualquer reparo a fazer, os factos aos dispositivos legais contidos nos Arts. 509º e 493º ambos do CC respeitantes a tais tipos de responsabilidade.

         De facto, havendo que considerar que a actividade da R. e ora apelante se mostra abrangida pela previsão do citado Art. 509º do CC há que concluir, como concluiu a sentença recorrida, pela não exclusão do risco por causa independente do funcionamento da instalação de quem conduz e entrega a energia que vem definida no Nº 2 do citado Art. 509º do CC, no qual se alude a causa de força maior.

         Como bem se defende no recente Ac. da Rel. de Coimbra, de 10-09-2013, disponível in www.dgsi.pt, “ a responsabilidade pelo risco tem sempre implícita a extrema dificuldade ou mesmo a impossibilidade para o lesado em provar o nexo de causalidade contra o lesante, quando este desenvolve uma actividade potencialmente danosa ou perigosa no plano pessoal ou meramente patrimonial que tem que ver com a especificidade e natureza dos bens fornecidos. O que causa de força maior verdadeiramente significa é uma excepção ao nexo de causalidade adequada, que se traduz na imputação objectiva do dano ao risco da actividade pressuposto na lei. Claro que poderá integrar esta causa um facto ilícito do consumidor ou um acto de terceiro que não seja imputável à entidade detentora da direcção efectiva. “

            No caso em vertente não resulta, como bem se refere na sentença recorrida, qualquer circunstância que possa excluir a responsabilidade pelo risco que impende sobre a R., desde logo porque não logrou provar-se sequer qual foi a concreta situação que desencadeou a avaria verificada.

         Por outro lado, como refere Calvão da Silva, in Responsabilidade Civil do Produtor, 1999, pág. 412, o regime estabelecido pelo artigo 493º, nº 2, Código Civil, transfere o risco do lesado para a entidade criadora do perigo “(…) sempre que ela não tenha adoptado todas as medidas idóneas à prevenção do defeito causador do dano, medidas possíveis segundo o estado da arte, quer dizer, segundo o estado de desenvolvimento científico e tecnológico do sector (…) no limiar da responsabilidade objectiva, a coberto da manutenção da responsabilidade subjectiva em que se tem de provar, pela justificada inversão do ónus da prova, a não culpa (…)”.

         O Art. 493º nº 2 CC não define o que é “actividade perigosa”, apenas referindo que a mesma o pode ser pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados.

         A doutrina salienta que actividades perigosas são aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, uma maior probabilidade de gerar dano do que a que é inerente a outras actividades não perigosas – cfr. Vaz Serra, in BMJ 83-378 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 473.

         A actividade de fornecimento de energia eléctrica é inequivocamente perigosa, devendo ser enquadrada na norma legal referida, como se afirma, entre outros, no já citado Ac. do S.T.J. de 08-11-2007, disponível in www.dgsi.pt.

         Contemplando-se no Nº2 do Art. 493º do CC uma presunção legal de culpa que não é elidida pela simples demonstração de que se agiu com a diligência com que teria agido um homem médio (bónus pater familiae) – cfr. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, 4ª edição, pag. 308-309 - a  obrigação de reparar os danos só é afastada se o agente demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.

         No caso em análise, e como bem se refere na sentença recorrida, é certo que a R. logrou provar actos de manutenção na rede eléctrica, contudo, nada tendo esta a ver com o funcionamento do DCP onde ocorreu a anomalia verificada não poderá concluir-se que a R. empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os concretos danos verificados.

         Por outro lado, ponderou-se na sentença com assertividade a alegação feita pela R. na contestação que apresentou a respeito da autora, atenta a natureza da sua actividade, ter podido acautelar-se, dentro dos parâmetros de racionalidade económica, socorrendo-se de gerador próprio, ou seja de uma fonte alternativa de energia para suprir interrupções de energia enquanto estas perdurarem, no sentido de considerar que a situação assim equacionada não pode representar qualquer situação de culpa do lesado para efeitos de afastar a responsabilização da R., sendo certo também que dos elementos disponíveis que defluem do acervo fáctico apurado nem sequer resulta a inexistência nos armazéns da autora de uma gerador de corrente alternativa susceptível de evitar a falha de fornecimento de energia aos aparelhos nela existentes, pois que a R. ao alegar tais factos nem sequer afirma a inexistência dessa gerador.

         Resta, pois concluir, como concluiu a sentença recorrida pela responsabilidade da R. ao abrigo da responsabilidade pelo risco e ao abrigo da responsabilidade extra-contratual, tendo em conta a não exclusão da responsabilidade da R. baseada no risco e igualmente também o não afastamento da presunção de culpa que sobre a mesma impende.

        

         IV- Pretende, por fim a apelante que a conduta da recorrida ao invocar o direito de ser ressarcida dos referidos prejuízos configura um claro abuso de direito, nos termos do Art. 334º do C. Civil.

         A primeira observação que tal segmento recursivo nos merece é a de que a recorrente só em sede de recurso suscita a figura do abuso de direito.

         Com efeito, na contestação a R. e ora recorrente apenas equacionou a situação da autora, atenta a natureza da sua actividade, ter podido e devido acautelar-se, dentro dos parâmetros de racionalidade económica, socorrer-se de gerador próprio, ou seja de uma fonte alternativa de energia para suprir interrupções de energia enquanto estas perdurarem, deixando por invocar quaisquer outras situações susceptíveis de serem enquadradas na figura do abuso de direito.

         Apesar disso, e porque uma das situações agora aventada pela apelante no discurso recursivo poderia desenhar-se a partir da factualidade apurada, não deixaremos de ponderar a verificação ou não do abuso de direito por este ser de conhecimento oficioso.

         Prevê-se no Art. 334° do C. Civil que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito”.

         De acordo com os ensinamentos dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 298, “para que haja abuso de direito basta que, objectivamente, o exercício do direito feito, ou pretendido, exceda manifestamente os limites postos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Importa, portanto, que a forma como o titular do direito invocado se proponha exercê-lo em termos clamorosamente ofensivos da justiça”.

         Já segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito Civil, pág. 661, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e, para os impostos pelo fim social ou económico do direito, “deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei”.

         “ Para que o exercício de um direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. E preciso que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça” – neste sentido, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit. pág. 299

         De tais ensinamentos colhe-se que com a previsão da norma contida do Art. 334º CC não se pretende, em certas circunstâncias, suprimir ou extinguir o direito, mas apenas impedir que o seu titular use dele numa direcção ilegítima, mantendo o seu exercício em moldes adequados a um salutar equilíbrio de interesses, requerido pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito; pretendendo-se que, em certas circunstâncias concretas, um direito não seja exercido por forma a ofender gravemente o sentimento de justiça dominante na sociedade. A censura do abuso do direito visa evitar o exercício anormal, em termos reprováveis, do direito próprio, só formalmente adequado ao direito objectivo.

         Ao suscitar o abuso de direito da autora ora recorrida a R. ora apelante invoca ter-se provado que a Autora pelo menos desde 17.04.2010 a 20.04.2013, às 16:34h se manteve sem visitar as instalações, bem sabendo que o DCP ou quaisquer outros elementos de protecção da instalação, a que apenas a empresa tem acesso, possam desligar ou avariar, sem que tecnicamente possam rearmar sem intervenção humana e que seria de esperar que a Autora, girando à volta de produtos congelados, acautelasse tal situação, atendendo que da sua ausência poderiam resultar os invocados prejuízos, nada tendo feito desde o referido dia 17.04.2010, até à tarde do dia 20.04.2010, para evitar a situação, antes pelo contrário assistindo impávida e serena ao descongelamento dos produtos.

         A tal respeito o único facto que veio a resultar provado, com a alteração já decidida no presente recurso, foi o de que “Desde momento não concretamente apurado situado entre o final do dia 16.04.2010 e o dia 19.04.2010 e até ao final da tarde do dia 20.04.2010, de forma contínua, os aparelhos instalados nos armazéns da Autora deixaram de receber energia eléctrica”.

         De tal factualidade não pode inferir-se, como pretende a apelante, que a autora tenha contribuído com o seu comportamento para a produção dos danos em apreciação nos presentes autos, desde logo, porque a partir de tal factualidade nem sequer é possível localizar com rigor o momento a partir do qual os aparelhos instalados nos armazéns da Autora deixaram de receber energia eléctrica, comportando essa factualidade a possibilidade dessa falta de recebimento de energia apenas se ter começado a verificar no final do dia 19.04.2010, situação esta que por ser absolutamente compatível com o sistema de laboração normal da A. - que não exige laboração nocturna – não inculca qualquer negligência susceptível de imputar à autora que, por seu turno, torne abusivo o direito que esta se propôr exercer para ser ressarcida dos prejuízo sofridos à luz dos ditames boa fé, dos costumes e do fim social e económico do direito.

         Igualmente a possibilidade, ainda que não demonstrada pelas razões que já se deixaram adiantadas, da autora não estar munida de gerador próprio, ou seja de uma fonte alternativa de energia para suprir interrupções de energia enquanto estas perdurarem, também não poderá por qualquer forma traduzir abuso de direito por parte da autora, visto que, como também já se deixou adiantado na sentença recorrida, do simples facto de se mostrar contemplado no Art. 6.º, n.º 1 do Regulamento da Qualidade de Serviço que “A existência de padrões de qualidade de serviço, nos termos da regulamentação aplicável e do contrato de fornecimento, não isenta os clientes, para os quais a continuidade de serviço ou a qualidade da onda de tensão assumam particular importância, de instalarem por sua conta meios que possam minimizar as falhas, a fim de evitar prejuízos desproporcionados aos meios que os teriam evitado”, tendo em conta a natureza e fins do diploma em que se insere, não se pode retirar, sem mais, que quando o cliente não tenha instalado esses meios com capacidade de minimizar as falhas de energia se deva entender que o mesmo contribui culposamente para a produção desses prejuízos e que, por isso, se torna ilegítimo, por abusivo, o exercício por esse cliente do direito com vista a obter do fornecedor de energia que o ressarcimento dos mesmos.

         É que, como se expende no Ac. do STJ, de 13.07.2010, disponível in www.dgsi.pt, “ sendo obrigação contratual da ré a prestação de um serviço que consiste no fornecimento de um bem, que é a electricidade, a troco da contraprestação pecuniária do utente, não pode exigir deste, com vista a desonerar-se das consequências danosas do seu eventual incumprimento, quer a adopção de um sistema alternativo de produção de energia, quer a adaptação física das suas instalações, por forma a criar um sistema de abertura automática das janelas, quer, finalmente, e sem tal ter sido alegado, mas que se refere como argumentação adversa, por exemplo, a instituição de um sistema de segurança privada ou de um seguro de responsabilidade civil por danos próprios “.

            Resta, pois, concluir que a A. não age com abuso de direito ao pretender ser ressarcida dos prejuízos causados, em relação aos quais se verificam pelas razões que se deixam expostas na sentença todos os pressupostos da obrigação de indemnizar por banda da R., razão pela qual a sentença recorrida que condenou esta a esse ressarcimento não merece censura, sendo por isso de manter na íntegra.

        

         IV- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

         1. A responsabilidade da entidade exploradora resultante da condução e entrega da energia eléctrica só é excluída quando os danos são devidos a causa de força maior ou quando aquela demonstre que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os concretos danos verificados.

         2. Para que a conduta do lesado seja uma das causas do dano, importa que seja culposa, que tenha concorrido para a sua produção ou agravamento, o que não acontece mesmo que se prove que esse lesado não tenha dotado as suas instalações de uma fonte alternativa de energia.

         3. Não age com abuso de direito o lesado que sofreu prejuízos resultantes do não recebimento de energia eléctrica e que pretender exercer o direito de ser ressarcido destes junto da fornecedora dessa energia eléctrica.

         V- DECISÃO

         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela apelante, confirmando-se na íntegra a sentença recorrida

         Custas pela apelante.

                                                        Coimbra, 2013.10.29

 

                                                        Maria José Guerra (Relatora)

                                                        Carvalho Martins 

                                                         Carlos Moreira