Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3693/09.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: COMPRA E VENDA
IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
DEFEITOS
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 914, 916, 917 , 1221, 1225 CC
Sumário: 1.- A justificação para responsabilizar o vendedor do imóvel nos termos previstos no n.º 4, do artigo 1225.º do Código Civil, reside no facto do vendedor ter colocado no mercado imobiliário um imóvel novo (ou modificado/reparado), bem como na circunstância do interesse público exigir que a construção e ingresso de imóveis novos (ou modificados/reparados) no comércio jurídico imobiliário respeite as boas regras da arte (e não no facto do vendedor ter construído o imóvel por administração directa ou por intermédio de empreiteiro).

2.- Uma casa de habitação construída sem isolamento eficaz das paredes exteriores e possuindo portas e janelas estanques, deve possuir um sistema de ventilação natural permanente, ou um sistema de ventilação mecânico, que evite ou diminua os fenómenos de condensação no seu interior, em especial no Inverno, época em que as superfícies internas das paredes exteriores atingem temperaturas mais baixas.

3.- O facto da lei não exigir, à época da construção, que as habitações fossem construídas com sistemas de ventilação, não implica que a lei tutelasse situações de construção adequadas a permitir a formação de fenómenos de condensação no interior da habitação, imputáveis, em parte, à forma como a habitação foi construída.

4.- Por conseguinte, um sistema de ventilação natural permanente é, nestas circunstâncias, algo que faz parte da qualidade normal de uma casa de habitação e a sua ausência constitui um vício que afecta a sua qualidade, constituindo esta ausência um defeito para efeitos do disposto no artigo 1221.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Recorrentes/Réus   D (…)  e esposa M (…) residentes (…)Pombal.
Recorridos/Autores  R (…) residente (…) Coimbra.

I. Relatório.

a) O presente recurso, interposto pelos Réus, insere-se na acção declarativa, com processo sumário, que o Autor lhes moveu, com o fim de obter do tribunal uma sentença que os condenasse a corrigirem defeitos de um imóvel que lhes comprou ou, subsidiariamente, os condenasse em indemnização correspondente ao montante necessário para a execução das respectivas obras e, ainda, a pagarem-lhe a despesas com o seu alojamento durante o período de intervenção na habitação, em montante a apurar na altura da execução das obras e, por último, a pagarem-lhe uma indemnização não inferior a €1.500,00 euros por danos sofridos na sua saúde.

Os Réus contestaram, em síntese, referindo que a acção deve improceder porque entre a denúncia dos pretensos defeitos e a instauração da acção decorreu mais de um ano, pelo que à data da propositura da acção verificava-se já a caducidade da mesma.

Por outro lado, no que respeita aos alegados defeitos de construção, que se traduzem em fissuras e manchas com bolores, os mesmos não são defeitos porque, no que diz respeito às fissuras, estas resultam de processos físicos inevitáveis, relativos à dilatação e contracção dos diversos materiais de construção e deslocação dos terrenos e, no que respeita às manchas, estas derivam da condensação do vapor de água nas paredes devido à humidade do ar conjugada com as diferenças de temperatura entre as paredes e o ar do interior da casa, tratando-se também de um processo natural, mas evitável através de um adequado arejamento dos compartimentos.

Referem ainda que a habitação foi construída segundo o projecto aprovado pela Câmara Municipal e de acordo com as regras técnicas e legais em vigor à época, factos estes do conhecimento do autor antes da compra da habitação, pelo que não lhe assiste qualquer direito devendo a acção improceder também por estas razões.

b) O processo prosseguiu segundo a tramitação processual prevista na lei e no final foi proferida sentença com este teor:

«Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus a, no prazo de 90 dias, corrigirem os defeitos de construção de que padece o imóvel do autor, relacionados com as humidades – quer os existentes no muro e exterior, quer no interior do imóvel (incluindo a garagem/cave), ou, não o fazendo dentro do prazo estipulado, a pagar ao autor indemnização no valor necessário para a execução das obras, valor a apurar em incidente de liquidação.

No mais, absolvem-se os réus do pedido. Custas em partes iguais por autor e réus».

c) É desta decisão que vem interposto o presente recurso por parte dos Réus, impugnando, por um lado, a resposta à matéria de facto e, por outro, a solução jurídica encontrada para o caso.

Formularam as seguintes conclusões:

(…)

d) Os Réus contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença.

II. Objecto do recurso.

As questões a analisar neste recurso são as seguintes:

1 – Em primeiro lugar, cumpre averiguar se devem ser considerados não escritos os quesitos formulados sob os n.º 8, 10, 33, 35, 36, 38, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 55 a 62, com fundamento na circunstância de não conterem factos, mas apenas opiniões.

2 – Em segundo lugar, verificar-se-á se a resposta dada às questões dos n.º 1, 2, 3, 16, 17, 21, 30, 32, 35, 38, 41, 67, 85, 87, 90 e 91 da base instrutória, deve ser no sentido «não provado» em relação a todas elas.

3 – Em terceiro lugar, cumpre verificar se «As respostas dadas aos pontos subordinados sob nºs: 15; 16; 21; 35; 38 e 39, por um lado, confrontadas com as respostas dadas aos pontos: 41; 65; 66; 69 e 70…», se mostram «…incongruentes, deficientes e/ou obscuras».

4 – Em quarto lugar, verificar-se-á se os «…factos subordinados aos pontos 90 e 91 da BI não tendo sido alegados pelo A. na sua p.i., não deveriam ser tidos como escritos, por não fundamentarem factos constitutivos do pretenso direito».

5 – Em quinto lugar, coloca-se a questão de saber se a acção foi interposta após terem decorrido os prazos legais impeditivos da sua instauração, isto é, segundo os autores, um ano para a denúncia dos defeitos, contado após o conhecimento dos mesmos, e meio ano para a instauração da acção após a denúncia desses defeitos.

6 – Em sexto lugar, cumpre apurar se há nexo de causalidade adequada entre a actividade de construção e o aparecimento das pretensas humidades, bolores e fungos, ou se tais anomalias derivam antes do modo como é usada e utilizada a habitação e, se tal nexo existir, ocorre um defeito de construção.

Salienta-se que a sentença condenou apenas os réus a «…corrigirem os defeitos de construção de que padece o imóvel do autor, relacionados com as humidades – quer os existentes no muro e exterior, quer no interior do imóvel (incluindo a garagem/cave) …», pelo que neste recurso apenas se analisarão este defeitos e não outros como, por exemplo, os alegados quanto a fissuras.

III. Fundamentação.

a) Vejamos então as questões colocadas no recurso, começando pelas atinentes à matéria de facto.

 (…)

b) Matéria de facto provada.

1. O autor é possuidor e legítimo proprietário do prédio urbano composto de casa de habitação com cave, rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua ..., Coimbra, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo nº P ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob o n.º ... da freguesia de S. Martinho do Bispo.

2. O autor adquiriu a propriedade desse prédio por escritura pública de compra e venda celebrada em 9 de Junho de 2005, no Cartório Notarial de Coimbra da Licenciada M... e foi registado na Conservatória do Registo Predial.

3. Os réus foram os vendedores desse prédio.

4. Os réus deram de empreitada a edificação do imóvel.

5. A casa foi construída de acordo com o que à data era considerado dentro dos parâmetros normais de qualidade na arte e nos materiais aplicados.

6. Os réus são de condição sócio cultural modesta.

7. Na altura, adquiriram o lote e mandaram edificar a construção, com vista à obra ser para um filho.

8. O qual era estudante universitário em Coimbra e previa constituir família.

9. Mas não foi possível o mesmo continuar a viver em Coimbra.

10. Por isso, decidiram vender a casa.

11. Foi feita a entrega do prédio ao autor, em bom estado e com licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Coimbra – alvará datado de 24 de Fevereiro de 2003.

12. O autor passou a possui-lo de imediato, para sua habitação própria e permanente e da sua família.

13. O autor enviou ao réu várias cartas, datadas de 22/07/2007, 12/11/2007, 03/01/2008 e 15/04/2008, cujas cópias estão juntas a fls. 106 e seguintes dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

14. Na sequência da carta remetida pelo autor datada de 22/07/2007, os réus providenciaram que houvesse uma intervenção no telhado, aplicando um produto do género de uma tinta de borracha.

15. Na sequência da missiva que o autor enviou ao réu em 12/11/2007, os réus responderam ao autor com uma missiva datada de 26/11/2007 - doc. junto a fls. 147, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

16. Na sequência da missiva que o autor enviou ao réu em 03/01/2008, os réus responderam ao autor com uma missiva datada de 13/02/2008 - doc. junto a fls. 148, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

17. Durante o ano de 2009, o autor e a sua família detectaram a existência de mais defeitos.

18. E, por isso, o autor em 31/08/2009 remeteu ao réu a carta cuja cópia está junta a fls. 149, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

19. No referido prédio, o muro, em frente ao portão que dá acesso à garagem, em toda a sua extensão, está pintado e tem uma cor amarelada e uma mancha esverdeada.

20. Criaram-se bolhas que posteriormente deixaram a descoberto a camada de reboco do muro.

21. Devido à humidade criou-se na parede uma colónia de fungos.

22. Junto ao telhado, na cimalha, verifica-se a falta de tinta, provocada por formação de bolhas.

23. O que deixou a descoberto 0,025 m2 de reboco.

24. No exterior do imóvel, do lado que corresponde à porta principal, que dá acesso à zona residencial, verifica-se que uma pedra se encontra com uma fissura em toda a sua largura.

25. Na garagem/cave, verifica-se que na parede que fica junto à caixa de saneamento, junto ao pavimento existe uma mancha amarelada e a tinta a descascar.

26. Para se ter acesso ao rés-do-chão há que subir dois lances de escadas e ao terminar a subida do segundo lance avista-se do lado direito uma fissura.

27. No rés-do-chão, verifica-se que, na cozinha, ao observar o tecto, toda a parede à volta do rodatecto se encontra manchado de uma cor negra, sobretudo em três das quatro paredes.

28. Causada pela humidade que deu origem a formação de bolores e fungos.

29. Prejudiciais à saúde de todos os que habitam no imóvel (julgado não provado).

30. Por cima dos móveis da cozinha, no espaço ocupado pelos bolores, encontram-se também fissuras.

31. Na cozinha encontra-se uma porta que dá acesso a uma despensa.

32. E na parede que fica do lado direito para quem entra na referida porta, existem bolores causados pela acumulação de humidade.

33. No rés-do-chão, na sala de jantar, em todo o perímetro do rodatecto, também se verifica a formação de bolores devido à presença de humidade.

34. Olhando para as pedras de uma das janelas da sala, verifica-se que esta se encontra fissurada em toda a sua largura.

35. E existem fissuras na parede junto da lareira.

36. Uma dessas fissuras fica do lado direito, para quem se encontra de frente para a lareira.

37. E outra do lado esquerdo para quem se encontra de frente para a lareira.

38. Fissura essa que vai desde a pedra superior da lareira até ao chão, descrevendo um desenho em arco.

39. As pedras que constituem a lareira não estão fissuradas, mas estão descoladas.

40. No corredor que dá acesso às outras divisões do rés-do-chão existem duas fissuras em oblíquo – que se encontram por trás de um aparador.

41. No escritório existem bolores no canto que se encontra à esquerda da varanda do mesmo – bolores também provocados pelo excesso de humidade.

42. Ao subir para o primeiro piso encontram-se na parede bolores originados pela humidade.

43. Do lado esquerdo da parede encontra-se uma fissura.

44. No quarto principal existe, em toda a extensão do rodatecto, uma linha de bolores.

45. Com maior incidência nas juntas das paredes e por cima da janela do quarto.

46. Também em redor das próprias janelas desse quarto existem grande intensidade de bolores causados por excesso de humidade.

47. Nesse quarto também existem fissuras.

48. Existe uma fissura a meio da altura da parede e que atravessa a largura da mesma que vai da janela à casa de banho.

49. Num dos outros quartos, junto ao rodatecto e na junção de duas paredes desse quarto existem também bolores causados pelo excesso de humidades.

50. Situação que se torna mais visível na junção das paredes onde se encontra a varanda e a parede que fica à direita de quem entra no quarto.

51. E nessa parede que fica no lado direito da porta de entrada existe uma fissura em toda a sua extensão, que vai de ponta a ponta da dita parede.

52. O excesso de humidade está relacionado com as pontes térmicas (vulgo choques térmicos) existentes entre o exterior e o interior (frio no exterior, quente no interior), o que provoca a condensação de água em estudo gasoso (vulgo vapores).

53. O efeito do choque térmico seria reduzido se no momento da construção o edifício tivesse sido envolvido com uma placa de poliestireno extrudido.

54. A aplicação de uma placa de poliestireno extrudido neste momento seria dispendiosa - aproximadamente cerca de 30% do valor de construção do imóvel.

55. Só quatro pessoas da família do autor habitam em permanência o imóvel.

56. E não têm outro local para pernoitar, fazer as suas refeições, tomar os seus banhos, fazerem a sua vida normal.

57. A situação do imóvel desestabiliza o humor do autor.

58. A situação do imóvel causa stress ao autor.

59. Os alegados defeitos são em parte decorrência do uso, modo de utilização, desgaste e factores erosivos.

60. A existência de humidades no interior em parte deve-se ao uso da moradia.

61. O vapor da água existente no próprio ar, associado à respiração e transpiração das pessoas vai-se acumulando.

62. E com a variação térmica, isto é, arrefecimento da zona ou partes de estruturas, zona de vigas, pilares, para o estado de condensação.

63. Formando-se gotículas ou gotas de água em zonas ou superfícies que, não sendo limpas regularmente, vão depois, surgindo fungos e/ou bolores.

64. Não se utilizam desumidificadores no imóvel.

c) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.

1 – A primeira questão que agora se coloca consiste em saber se a acção foi interposta após terem decorrido os prazos legais impeditivos da sua instauração.

a) Os Réus afirmam que os prazos a tomar em consideração são os que constam dos artigos 914.º, 916.º e 917.º do Código Civil, devido ao facto dos réus não se enquadrarem na figura do «vendedor construtor do imóvel» ou «promotor imobiliário», caso em que se aplicaria o regime do artigo 1225.º do Código Civil.

Relativamente a esta questão, verifica-se que os réus promoveram a construção do imóvel através de empreiteiro (Os réus deram de empreitada a edificação do imóvel – facto provado sob o n.º 4), com o fim de ser habitado por um filho que ficaria a viver na cidade de Coimbra, o que não veio a ocorrer, ou seja, construíram-no para si próprios, mas como o filho dos réus não fez dele a sua residência venderam-no, posteriormente, ao autor.

Coloca-se, pois, a questão de saber se estes factos preenchem o conceito de «construtor» previsto no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, que tem esta redacção: «O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado».

Se se considerar que é «construtor» de um imóvel quem constrói por administração directa ou por intermédio de empreiteiro, seja ou não no desempenho de uma actividade profissional, e, depois, vende o imóvel a terceiros, então os réus são construtores, pois foram eles que decidiram construir e pagaram ao empreiteiro o preço da respectiva construção.

Mas se se considerar que «construtor» é apenas quem executa a construção em termos de actividade física, então os réus não são construtores, pois o construtor é apenas o empreiteiro.

Como não se vislumbram, neste momento, outras hipóteses, qual terá sido, entre estes sentidos, aquele que o legislador atribuiu ao conceito «vendedor do imóvel que o tenha construído…» constante do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil?

Em sentido comum, aquele que constrói por administração directa é considerado «construtor», pois os passos da construção permaneceram subordinados à sua vontade, tal como ocorre com um empreiteiro, o qual, em regra, também não executa a obra fisicamente «com as suas mãos», antes se serve, para o efeito, de trabalhadores, mas estes são seus subordinados, uma extensão da sua pessoa, relação de subordinação que não existe entre empreiteiro e dono da obra.

Porém, saindo para fora desta hipótese, já se colocam questões sobre a extensão do conceito, nomeadamente se deverá abranger, como se disse, aqueles que são apenas donos da obra e contrataram com um empreiteiro a construção da mesma.

Já se entendeu na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o «dono da obra» só será responsável, nos termos do artigo 1225.º do Código Civil, se tiver construído o prédio em gestão directa, mas não se o tiver feito por intermédio de empreiteiro.

Neste sentido, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2005 ([1]) decidiu-se que o regime do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, não era aplicável ao «dono da obra» que vendeu um imóvel destinado por sua natureza a longa duração, construído por outrem, no âmbito de uma relação consubstanciada num contrato de empreitada, pois ele não é o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Argumentou-se que o «dono da obra», face ao disposto no n.º 1 do artigo 1225.º do Código Civil, goza dos mesmos direitos contra o empreiteiro que goza o terceiro adquirente, agora também protegido nesse n.º 1.

E o n.º 4 desse artigo 1225.º veio regular uma situação nova, isto é, veio aplicar o regime da empreitada ao construtor do edifício.

Ora, pretendendo-se proteger o consumidor, como vem mencionado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, diploma que introduziu no artigo 1225.º do Código Civil o seu actual n.º 4, se o terceiro adquirente já goza de protecção face ao empreiteiro, nos termos do n.º 1 deste artigo 1225.º, podendo-o demandar directamente, então o campo de acção do n.º 4 só fica a cobrir os casos em que o comprador não possa responsabilizar o empreiteiro, o que sucederá quando o prédio é construído por administração directa do próprio vendedor.

Nestes casos, como o comprador não tem acção contra um empreiteiro, por não existir empreiteiro, só lhe resta demandar o construtor-vendedor, nos termos previstos no aludido n.º 4, razão pela qual o âmbito de aplicação desta norma está confinado aos casos em que o construtor é alguém que geriu a construção física do edifício, isto é, que tomou as decisões ou esteve em situação de as poder tomar no que respeita à construção.

Não se afigura inteiramente convincente esta argumentação.

Com efeito, por um lado, a introdução do n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, teve em vista a tutela do consumidor.

Com efeito, no preâmbulo deste Decreto-Lei refere-se, precisamente, que o «…crescente desenvolvimento da construção imobiliária, bem como a acentuada melhoria de condições de vida, vêm determinando, ao longo dos últimos anos, um aumento acentuado de transacções de imóveis.

Assim, se, por um lado, se deve continuar a incentivar o desenvolvimento da construção civil, por outro, há que garantir boas condições de uso e fruição dos imóveis, deste modo satisfazendo, no que respeita a esta área, o direito do cidadão adquirente enquanto consumidor.

Na realidade, trata-se de processo complexo, no qual, relativamente a todos os intervenientes, o cidadão adquirente assume, economicamente, uma posição mais desprotegida. E, numa perspectiva de bem-estar social, aquele tem o direito a exigir o reconhecimento da qualidade do bem que compra, assim como, em situações adversas, a responsabilização dos vários agentes intervenientes no sector em causa».

Sendo assim, a finalidade da «tutela do consumidor» indica que norma em causa deve ser interpretada no sentido do comprador poder demandar ao mesmo tempo quer o empreiteiro, quer o dono da obra.

Por outro lado, não se vê obstáculo processual ou substantivo a que possam ser demandados, ao mesmo tempo, o construtor e o dono da obra pelo terceiro adquirente, desde que ambos possam ser, segundo o direito substantivo, responsabilizados.

Por outro lado ainda, as soluções jurídicas são acertadas quando cobrem com harmonia as diversas hipótese factuais que podem ser colocadas.

Ora, neste aspecto, se se entender que o dono da obra só responde se tiver construído o imóvel por administração directa ou, dito de outra forma, não responde se tiver contratado um empreiteiro para construir a obra, então não há base jurídica para responsabilizar um profissional que contratou também a construção do prédio com um empreiteiro, mas construiu exclusivamente para vender (promotor imobiliário) e obter lucros.

No entanto, este profissional deve ser responsabilizado, se for caso disso, por defeitos do prédio, não por ter dominado fisicamente as etapas de construção, mas por ser um profissional e, por essa razão, lhe ser exigível uma adequada fiscalização dos trabalhos executados pelo empreiteiro e uma maior capacidade no sentido de prevenir e evitar defeitos de construção do prédio que decidiu construir e colocar no mercado imobiliário.

Além disso, podem ocorrer casos, sendo o caso sub judice um exemplo, como se verá mais abaixo, em que o vício tem origem no projecto de construção e não na execução física do projecto por parte do empreiteiro.

Se se seguisse a orientação que sustenta que construtor é apenas quem constrói, acção esta de construir interpretada em termos de actividade física, então, se houvesse um defeito no projecto da obra, ninguém responderia: o empreiteiro não responderia porque construiu segundo o projecto que lhe foi apresentado pelo dono da obra, previamente aprovado pela autoridade administrativa; o dono da obra também não responderia porque a obra foi construída pelo empreiteiro.

Ora, o dono da obra responderá sempre, em princípio, perante o futuro comprador, ainda que os defeitos da obra sejam imputáveis à actividade do empreiteiro, pois o dono da obra tem o direito de fiscalizar a actividade do empreiteiro durante a execução da empreitada – artigo 1209.º do Código Civil – e exigir logo na altura, e sempre no final, a eliminação dos defeitos – 1221.º do Código Civil.

É que, se o dono da obra não fiscalizar a obra e esta for executada com defeitos ou, caso a tenha fiscalizado, não tenha exigido a eliminação dos defeitos, o dono da obra ou agiu com negligência ou adoptou, fez seus, os defeitos do imóvel que vendeu a terceiro, sendo responsável, em qualquer dos casos, pela situação factual verificada.

Seria, por isso, e à partida, responsável perante o comprador, nos termos em que um vendedor responde pela venda de coisas defeituosas, nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, só não lhe sendo aplicável este regime porque o legislador equiparou no n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, a sua responsabilidade à do empreiteiro.

Cumpre retomar aqui os estudos preparatórios do Código Civil de 1967, da autoria do Prof. Vaz Serra, o qual preconizou a introdução no então futuro e agora actual Código Civil, de uma norma com teor idêntico ao do actual n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil, a qual foi prevista então com este teor: «À mesma responsabilidade fica sujeito o vendedor de imóvel, que o tenha construído, modificado ou reparado» ([2]).

A justificação para esta norma foi dada nestes termos:

«É discutido se, tratando-se de contrato de compra e venda de imóvel construído directamente pelo vendedor, são aplicáveis as regras da venda sobre a garantia pelos vícios ou as da empreitada.

Rubino distingue: se se tratar de venda de coisa futura (o alienante celebrou o contrato de compra e venda, antes de construir o imóvel, mas em vista da futura construção deste), a prestação do vendedor não difere sensivelmente da do empreiteiro, e, sendo princípio geral que as normas relativas a certo tipo contratual podem ser aplicadas, quanto a uma prestação típica dele, a um contrato de outro tipo, se, neste, existir a prestação característica daquele, o vendedor responde como o empreiteiro; se, pelo contrário, a venda for celebrada depois da construção do imóvel (mesmo que o vendedor seja um empreiteiro profissional, que tenha construído o imóvel com a intenção de ulteriormente o vender), “a situação poderá ainda apresentar alguma analogia com a venda de coisa futura no aspecto substancial, enquanto, praticamente (mas não juridicamente) também agora a construção foi feita para ser vendida a outrem, se bem que a pessoa do destinatário fosse ainda indeterminada. Mas é insuperavelmente diversa dela pelo lado formal, porque agora o vendedor não assumiu nunca uma obrigação contratual de construir, à qual possa aplicar-se a norma que se comenta”; por maioria de razão, esta norma não é aplicável quando o vendedor não seja um empreiteiro profissional.

Parece razoável que a responsabilidade em questão seja aplicável quando o imóvel tenha sido construído pelo vendedor, quer se trate de venda de coisa futura, quer se trate de venda de coisa presente, pois, em qualquer dos casos, se afigura dever proteger-se o interesse do adquirente na regularidade da obra e, através dele, o interesse público na solidez do imóvel» ([3]).

Ou seja, a responsabilidade do vendedor construtor justificava-se com base no interesse público que exige a colocação no comércio jurídico imobiliário apenas de imóveis construídos segundo as boas regras da arte.

Visa-se aqui, afinal, o interesse do consumidor, embora à época não fosse tema jurídico, afigurando-se ser esta a ideia que preside à definição do conceito de «construtor» para efeitos da presente norma.

Assim, «construtor» é aquele que construiu o prédio e o colocou de seguida no mercado, tenha sido essa a sua intenção inicial ou não, pois o que releva aqui é a situação objectiva de ter sido colocado um imóvel novo no mercado; de quem compra um imóvel acabado de construir e não de quem vende.

Por conseguinte, o que justifica a responsabilização do vendedor, segundo as regras da empreitada (n.º 4 do artigo 1225.º do Código Civil), é a circunstância do vendedor colocar um prédio novo no mercado imobiliário e não o facto de o ter construído por administração directa ou por intermédio de empreiteiro.

Caem nesta situação não só os profissionais do ramo imobiliário (promotores imobiliários) que constroem por administração directa ou por intermédio de empreiteiros, com o fim de venderem os imóveis, como os não profissionais, que construíram um prédio, por administração directa ou por intermédio de empreiteiro, e o colocaram depois no mercado ([4]).

Esta interpretação recebe o apoio da legislação contemporânea relativa à protecção do consumidor.

Assim, no seguimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2012 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), relativo ao processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1 (em www.dgsi.pt) ([5]) afigura-se mais conforme às razões da intervenção do legislador do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, que visou a protecção do consumidor, considerar que «construtor» é também aquele que constrói profissionalmente, seja directamente, como o faz um empreiteiro, seja indirecta ou mediatamente, como procede um profissional que constrói apenas para vender, mas contrata a construção a um empreiteiro.

A protecção do consumidor só se justifica quando um cidadão externo ao sector comercial em que negoceia entra em contacto, nas suas relações de comércio jurídico, com profissionais desse sector, verificando-se então que o cidadão não profissional se encontra em regra numa situação de debilidade originada pelo facto da contraparte ser um profissional e, por isso, uma parte mais esclarecida e dotada de um poder negocial superior ao desse cidadão, que, por essa razão, merece a protecção da lei com o fim de equilibrar ambas as posições negociais ([6]).

Este conceito de consumidor é o que se encontra subjacente ao n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), onde se dispõe: «Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».

Bem como o vertido na al. a), do artigo 1.º - B do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (acrescentado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio), onde se dispõe que se entende por «“Consumidor”, aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho».

Resumindo:

Tendo em consideração, como elemento interpretativo, estas preocupações do legislador, a justificação para responsabilizar o vendedor do imóvel nos termos previstos no n.º 4, do artigo 1225.º do Código Civil, reside no facto do vendedor ter colocado no mercado imobiliário um imóvel novo (ou modificado/reparado), bem como na circunstância do interesse público exigir que a construção e ingresso de imóveis novos (ou modificados/reparados) no comércio jurídico imobiliário respeite as boas regras da arte (e não no facto do vendedor ter construído o imóvel por administração directa ou por intermédio de empreiteiro).

Olhando ao caso dos autos, verifica-se que os réus nem construíram o prédio por administração directa, nem são profissionais do ramo imobiliário, mas colocaram no mercado um novo prédio que mandaram construir a num empreiteiro, pelo que, de acordo com o que fica exposto, é-lhes aplicável o regime da empreitada previsto no artigo 1225.º do Código Civil, e não o previsto nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil.

b) Vejamos agora se foi excedido o prazo para a instauração da acção após a denúncia dos defeitos.

O prazo para a denúncia é de um ano após o descobrimento do defeito, seguindo-se outro prazo de um ano, contado a partir da data da denúncia, para intentar a acção em que é pedida a eliminação do defeito – 1225, n.º 2 e 3 do Código Civil.

Os Réus sustentam que caducou o direito dos Autores pedirem a eliminação dos defeitos por terem instaurado apenas a acção no dia 16 de Outubro de 2009, apesar de terem denunciado os defeitos por carta, a primeira datada de 22 de Julho de 2007 e a última de 15 de Abril de 2008, sendo certo que esta trata dos mesmos defeitos.

Não assiste razão aos réus.

Com efeito, face ao que consta dos autos, tem de se entender que os réus reconheceram os defeitos comunicados pelo autor, como se vê pelo teor das cartas dos réus datadas de 26 de Novembro de 2007 e de 13 de Fevereiro de 2008 (fls, 147 e 148) e tanto assim é que os réus mandaram trabalhadores verificar a situação e proceder a reparações com vista a eliminar as causas que geravam os bolores, supondo eles que a causa residia na infiltração de água provenientes do exterior e que passava através da cobertura.

Ou seja, os réus reconheceram a existência destes defeitos, situação que impede a caducidade nos termos do artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil, onde se dispõe que «Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido» ([7]).

Improcede, por conseguinte, este fundamento do recurso.

2 – Passando à questão dos alegados defeitos relacionados com o aparecimento das humidades e bolores nas paredes.

Antes de prosseguir, para boa compreensão das soluções que venham a ser adoptadas, cumpre fazer uma referência, que será extensa, à matéria que aqui está em causa, isto é, ao fenómeno da condensação do vapor de água no interior das habitações e formação de bolores.

Seguem-se aqui os ensinamentos do Eng.º Civil Fernando M. A. Henriques ([8]) sobre o conceito de «condensação».

Este autor diz o seguinte:

«O ar é constituído por uma mistura de gases e por vapor de água. A quantidade máxima de vapor de água que o ar pode conter, designada limite de saturação, é limitada, variando na razão directa da temperatura, isto é, aumentando ou diminuindo consoante a temperatura do ar aumenta ou diminui, respectivamente. Por exemplo, o limite de saturação do ar a 20ºC é de 17,3 g/m3, enquanto a 5ºC é de apenas 6,8 g/m3. Quando uma massa de ar é arrefecida de 20º C para 5ºC o excesso de 10,5g/m3 de vapor de água condensa, dando origem à formação de nevoeiro.

Designa-se por humidade relativa (Hr) o quociente de quantidade de vapor de água que o ar contém (humidade absoluta – W) pela quantidade máxima que poderia conter a essa temperatura (limite de saturação Ws), tal como se indica na expressão seguinte: Hr = W/Ws x 100 (%).

Quando o ar se encontra no seu limite de saturação, a respectiva humidade relativa é de 100% na medida em que nesse caso a humidade absoluta é idêntica ao limite de saturação. Tendo em conta o conceito de limite de saturação referido anteriormente, facilmente se compreenderá que a humidade relativa de uma massa de ar varia consoante a temperatura a que esse ar se encontre, diminuindo quando a temperatura aumenta, porque neste caso aumenta o limite de saturação, e aumentando quando a temperatura decresce, porque o limite de saturação também decresce, mantendo-se constante a humidade absoluta, ou seja, a quantidade de vapor de água que o ar contém. Esta noção é essencial para a compreensão correcta dos problemas de condensação» ([9]).

Continuando com o autor, este diz-nos que «As actividades humanas são sempre caracterizas pela libertação de vapor de água, a qual varia em função das condições ambientes e do tipo de actividade, sendo considerado que um adulto médio libertará entre 45 g/h e 110 g/h respectivamente em condições de repouso ou de trabalho leve, a uma temperatura de 20º C. Paralelamente, as actividades domésticas correntes – banhos, lavagens, cozinhados, etc. – promovem a libertação de quantidades significativas de vapor de água. Estima-se em cerca de 9100 g por dia a produção de vapor de água numa habitação média ocupada por três adultos e três crianças.

O excesso de humidade no interior das edificações ou é transportado para o exterior quer através da renovação do ar interior quer atravessando as paredes exteriores por difusão, ou condensa-se nos paramentos internos da envolvente exterior dos edifícios, primeiramente nas paredes envidraçadas e, numa fase posterior, nas partes opacas. Em geral considera-se que, se não ocorrem condensações superficiais, 95% da humidade produzida é evacuada através da renovação do ar e os restantes 5% atravessam as paredes exteriores por difusão, podendo eventualmente provocar condensações no interior dessas paredes.

Torna-se portanto essencial proceder a uma correcta ventilação dos espaços por forma a conduzir para o exterior o excesso de vapor de água, em particular naqueles em que não existam dispositivos que executem essa função duma forma automática. A ventilação das edificações é uma necessidade muitas vezes mal compreendida, em especial nas condições em que é mais necessária, ou seja no período do Inverno. Com efeito, causa alguma preocupação aos utentes dos espaços o permitir que o ar frio e por vezes húmido do exterior, nalguns casos mesmo em condições se saturação, possa penetrar nos espaços ocupados, por troca com o ar interior. Este receio é completamente infundado, como aliás uma observação atenta do diagrama psicrométrico da fig. 13 permitirá constatar. Na realidade, o ar frio e húmido do exterior é aquecido em contacto com o ar interior, provocando esse acréscimo de temperatura uma consequente diminuição da sua humidade relativa e, por extensão, da humidade relativa da massa de ar que preenche as edificações» ([10]).

No que respeita às causas e soluções para os problemas de condensação no interior das habitações, o autor acrescenta:

«Em resumo e em termos genéricos, a ocorrência de condensações superficiais em paredes depende dos seguintes factores:

 condições de ocupação, das quais depende a produção de vapor nas edificações

 ventilação dos locais

 isolamento térmico das paredes (que contactam com os espaços mais frios)

 temperatura ambiente interior

As condições de ocupação dos espaços influenciam de forma decisiva os riscos de ocorrência de condensações superficiais. Com efeito, quanto maior for a produção de vapor de água no interior dos espaços e menores os cuidados com a forma como esse vapor deve ser conduzido para o exterior, maiores são os riscos de condensação. O nível de vapor de água num dado espaço pode facilmente atingir valores perigosos em situações correntes, como por exemplo através da sobre-ocupação dos espaços, da utilização de aquecedores móveis a gás e do não-confinamento da produção de grandes quantidades aos locais concebidos para esse fim (instalações sanitárias e cozinhas). Este último aspecto é extremamente importante na medida em que o vapor de água produzido em grandes quantidades nos banhos, lavagens e cozinhados e outros tipos de tarefas domésticas se espalha rapidamente pelos restantes compartimentos que com eles comuniquem, aumentando bastante as respectivas humidades relativas por vezes até à saturação, em especial naqueles que se encontrem a temperaturas mais baixas, a menos que haja o cuidado de manter as portas fechadas e de fazer accionar dispositivos de extracção de ar que eventualmente existam. É muitas vezes recomendada a instalação de molas de fecho automático nas portas de cozinhas e instalações sanitárias, por forma a evitar a propagação do vapor de água para outros espaços. Por outro lado, é conveniente notar que os exaustores individuais existentes em muitos desses espaços apenas poderão ter alguma eficácia se forem mantidos em funcionamento nas alturas apropriadas, isto é, aquando da produção de vapor de água e até que o excesso de vapor de água tenha sido removido. Ora o que se verifica em muitos caos é que os equipamentos não são accionados, constituindo dessa forma uma obstrução à saída normal do vapor de água, ou são-no apenas durante períodos excessivamente curtos, em geral apenas enquanto se verifica a produção de vapor, limitando consideravelmente a sua possível eficácia.

As situações de sobre-ocupação dos locais são muito mais frequentes do que se poderá pensar, em especial se o conceito de sobre-ocupação for entendido em termos de produção de vapor de água. Duas pessoas num quarto fechado de dimensões médias e sem dispositivo de ventilação durante uma noite podem constituir uma sobre-ocupação desse espaço. Se para além disso se juntar um aquecimento móvel a gás estar-se-á certamente em condições claras de sobre-ocupação. Na fig. 18 apresenta-se um registo de uma semana efectuado com um termo-higrómetro durante uma época de Inverno numa situação real duma habitação no Alentejo com o tipo de ocupação referido, em que são atingidos diariamente os 90% de Hr, por vezes durante várias horas, o que originou abundantes fenómenos de condensação que assumiram aspectos fora do comum, como a formação de bolor no interior do roupeiro e nas gavetas existentes nesse espaço. Repare-se que para as condições ambientes (20º C, 90% Hr) e assumindo a temperatura exterior os 0º, perfeitamente plausível na zona do Alentejo em questão, ocorreriam condensações sobre qualquer elemento cuja temperatura superficial fosse menor ou igual a 18,2 º C, ou seja em termos da envolvente exterior, sobre qualquer elemento cujo coeficiente de transmissão térmica fosse superior a 0,75 W/m2.ºC (em condições de regime permanente).

Todo o vapor de água produzido no interior das edificações deve ser conduzido para o exterior recorrendo em particular à ventilação dos espaços. Se bem que não seja necessário enfatizar mais a importância duma ventilação adequada, é contudo importante passar em revista alguns aspectos que podem condicionar essa ventilação.

[…] «A abertura de janelas está limitada ao período em que essa prática seja viável, designadamente quando não chova, e depende da intervenção dos ocupantes, os quais poderão não estar sensibilizados para a sua importância» ([11]).

Finalizando esta extensa citação:

«Em situações extremas de grande produção de vapor de água e de baixas taxas horárias de renovação do ar nem mesmo com paredes de coeficiente de transmissão térmica nulo (isolamento térmico finito) se conseguirá evitar as condensações. Apenas através da conjugação do isolamento existente com uma adequada ventilação se poderão evitar aqueles fenómenos» ([12]).

Da leitura deste texto, que está em consonância com as declarações prestadas pelos peritos em audiência, verifica-se que o fenómeno da condensação está dependente das quatro variáveis acima mencionadas:

(1) Condições de ocupação, das quais depende a produção de vapor nas edificações;

(2) Ventilação dos locais;

(3) Isolamento térmico das paredes (que contactam com os espaços mais frios);

(4) Temperatura ambiente interior.

No caso dos autos, destes quatro factores, dois deles dependem inteiramente da actividade das pessoas que habitam a casa do autor, ou seja, as condições de ocupação (1) e a temperatura ambiente (4).

Um outro, a ventilação (2), depende em parte da actividade dessas mesmas pessoas, na parte em que a ventilação é conseguida através da abertura regular de janelas, em especial na altura do Inverno. Na outra parte, o arejamento depende de ventilação natural permanente ou então forçada, se existisse, o que não acontece no caso presente. Nesta parte, a ventilação já não depende da acção dos habitantes da casa, mas sim da própria construção que não possui tais características.

O quarto consiste no isolamento térmico das paredes exteriores (3), o qual não depende da acção dos habitantes da casa.

Por conseguinte, em sede de defeitos de construção, apenas podem ser equacionadas as duas situações que podem ser co-causais dos fenómenos de condensação verificados e que não dependem dos habitantes da casa, isto é, o isolamento térmico das paredes exteriores e a ventilação natural da casa.

Quanto ao isolamento térmico das paredes exteriores, provou-se que «53. O efeito do choque térmico seria reduzido se no momento da construção o edifício tivesse sido envolvido com uma placa de poliestireno extrudido».

Provou-se também que «54. A aplicação de uma placa de poliestireno extrudido neste momento seria dispendiosa - aproximadamente cerca de 30% do valor de construção do imóvel».

 Ou seja, se na construção da habitação as faces externas das paredes da casa tivessem sido revestida com placas de poliestireno extrudido, a face interna dessas mesmas paredes passaria a ser menos fria e, por ser menos fria, ao entrar em contacto com o ar interior este teria menos possibilidades de ser arrefecido ao ponto desse arrefecimento provocar a condensação do respectivo vapor de água.

Mas não estaria garantido, mesmo assim, que não ocorressem condensações, pois tudo dependeria ainda da ventilação, da temperatura interior da casa e do grau de produção de vapor de água.

Relativamente à ventilação natural permanente, isto é, feita através de pequenas aberturas colocadas em locais estratégicos da casa, a mesma não existe.

Fazendo um parêntesis, é de salientar que nas habitações mais antigas a circulação do ar do interior para o exterior das casas e vice-versa era permanente, devido ao facto das caixilharias serem em madeira e não serem estanques, pelo que o arejamento se fazia, naturalmente, através das frestas existentes nas portas, e sobretudo por baixo destas, e janelas, ao contrário do que hoje ocorre com a caixilharia metálica. É por esta razão que nas casas antigas havia menos possibilidades de ocorrerem fenómenos de condensação.

Voltando ao caso, mesmo que existisse essa ventilação natural permanente, mesmo assim não estaria ainda garantido, de todo, que não houvesse fenómenos de condensação, pois estes dependem ainda das restantes variáveis.

É altura, então de verificar se a falta de isolamento eficaz das paredes exteriores ou da ventilação natural permanente podem ser considerados defeitos.
Vejamos então.
Como refere Pedro Romano Martinez, «A noção de defeito deverá, por conseguinte, ser entendida num sentido híbrido, pois ela é, em simultâneo, objectiva e subjectiva. Em primeiro lugar, importa verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato.
Assim sendo, os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado. O conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste» ([13]).

Em regra não será fácil determinar, em casos como o dos autos, se as manchas resultantes da condensação do vapor de água devem ser qualificadas como vícios da coisa ou não, por poderem ter como causa quer a actividade das pessoas que habitam a casa, quer a própria construção, ou ambas as causas em cooperação.

Porém, a este respeito provou-se que «59. Os alegados defeitos são em parte decorrência do uso, modo de utilização, desgaste e factores erosivos» e que «60. A existência de humidades no interior em parte deve-se ao uso da moradia».

Por conseguinte, sendo os «alegados defeitos» consequência, «em parte», do uso da casa feito pelos seus habitantes a «outra parte» tem, necessariamente, de ficar a dever-se à própria construção.

Ora, neste aspecto, provou-se que «5. A casa foi construída de acordo com o que à data era considerado dentro dos parâmetros normais de qualidade na arte e nos materiais aplicados» e «11. Foi feita a entrega do prédio ao autor, em bom estado e com licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Coimbra – alvará datado de 24 de Fevereiro de 2003».

A questão que se coloca agora consiste, então, em saber se deve considerar-se defeituosa uma construção que foi executada dentro das exigências legais, mas, mesmo assim, permite a formação de condensação em certas circunstâncias de utilização da habitação, como naqueles casos em que não é feita uma ventilação permanente da casa através da abertura de janelas e eventualmente portas ([14]), que se afigura ser obviamente inviável, principalmente quando chove, é noite e há luzes acesas no interior da casa, está demasiado frio ou as pessoas não estão em casa e as janelas abertas poderiam facilitar os furtos.

A favor de uma resposta negativa pode alinhar-se esta razão:
Como foi salientado pelos peritos ouvidos em audiência de julgamento, a casa foi construída de acordo com a legislação em vigor à data, legislação essa que não exigia a existência de um sistema de ventilação, o qual poderia ser formado por um conjunto de pequenas aberturas feitas nas paredes e colocadas em locais estratégicos, através das quais se faria a circulação e renovação do ar, por forma a conduzir para o exterior da habitação o excesso de vapor de água produzido no interior da casa.
Pergunta-se, então: poderá a ausência de um sistema de ventilação numa casa construída numa época em que a lei não exigia um tal sistema constitui um defeito de construção?
Aparentemente não, pois, se a lei não exigia o sistema de ventilação, então será de considerar que era permitido construir uma habitação sem um tal sistema.
Porém, esta conclusão não se impõe necessariamente.
Com efeito, o facto da lei não exigir, à época, que as habitações fossem construídas incorporando sistemas de ventilação, tal não implica que a lei tutelasse situações que permitissem a formação de fenómenos de condensação no interior das habitações, em parte devido à forma como as habitações estão construída, ou seja, com caixilharias estanques e sem sistemas de ventilação.
Isto é, a construção feita sem um isolamento eficaz das paredes exteriores, como é o caso dos autos, e possuindo portas e janelas estanques, deveria, por isso mesmo, possuir um sistema alternativo de ventilação natural permanente, ou um sistema de ventilação mecânico, que evitassem ou diminuíssem os fenómenos de condensação, em especial no Inverno, época em que as superfícies internas das paredes exteriores atingem temperaturas mais baixas.
Com efeito, os fenómenos de condensação não são um fenómeno recente, como se verifica pela obra acima citada, do Eng.º Fernando M. A. Henriques, datada já de 1994, sendo previsíveis e, por essa razão, é ajustado considerar que aquando da construção de uma casa de habitação há um dever de previsão e de acção no sentido do construtor evitar tais consequências.
Por conseguinte, a existência de um sistema de ventilação natural permanente constituía, nas circunstâncias, algo que fazia parte da qualidade normal de uma casa de habitação e a sua ausência um vício que afecta a sua qualidade.
Já o mesmo não se pode dizer da inexistência de um isolamento eficaz das paredes exteriores, na medida em que, como resultou da matéria de facto provada, é um elemento que encarece as construções e pode ser substituído, para o efeito aqui em questão (fenómenos de condensação de vapor de água), por meios alternativos, como é o caso dos sistemas de ventilação.
A exigência de tal revestimento exterior, como forma de sanar os fenómenos de condensação, poderia, inclusive, introduzir um desequilíbrio subsequente nas prestação de ambos os contratantes de tal forma acentuado que afasta a sua aplicabilidade.
É o caso, pois se a casa fosse dotada deste revestimento exterior, o seu preço seria mais elevado e o autor não a teria comprado pelo preço que despendeu, mas por um preço superior.
E se esse revestimento fosse colocado no presente, «A aplicação …seria… aproximadamente cerca de 30% do valor de construção do imóvel» - facto n.º 54.
Por conseguinte, a inexistência de um revestimento de poliestireno extrudido não pode ser considerado um defeito de construção, não sendo, por isso, exigível a sua colocação.
Aliás, é um facto notório que a generalidade das construções não possui este tipo de revestimento exterior.
Concluindo.
Os fenómenos de condensação, segundo os factos provados, resultaram, por um lado, da utilização da casa, utilização que poderá, por isso, ser corrigida e, por outro, da ausência de um sistema de ventilação natural e permanente, constituindo a ausência de um tal sistema um defeito da habitação, mas já não a ausência de revestimento com poliestireno extrudido.
3 – Como foi decidido em primeira instância, o autor tem direito a exigir a eliminação dos defeitos apontados – artigo 1221.º do Código Civil.
Seria de considerar face ao exposto, que a sentença seria totalmente confirmada.

Porém, o dispositivo da sentença sob recurso tem este teor: «…condenar os réus a, no prazo de 90 dias, corrigirem os defeitos de construção de que padece o imóvel do autor, relacionados com as humidades – quer os existentes no muro e exterior, quer no interior do imóvel (incluindo a garagem/cave) …».

Verifica-se que a decisão não identifica qual é o defeito a corrigir entre os vários que surgem como possíveis.

Com efeito, as manchas formadas por bolores não são propriamente o «defeito de construção», mas sim uma consequência do «defeito de construção».

O defeito, na parte que não é imputável ao comportamento dos habitantes da casa, coincide com a situação construtiva que permite, ou não evita, a formação das manchas de bolores.

Sendo assim, a correcção do defeito, face ao decidido, pode passar (1) pelo revestimento das paredes exteriores com poliestireno extrudido ou (2) pela execução de aberturas nas paredes para ventilação natural ou forçada, esta última feita através de extractores eléctricos ou por ambas as soluções (1 e 2) ao mesmo tempo.

Face ao decidido em 1.ª instância, o autor poderia, por exemplo, optar pelo revestimento das paredes exteriores com poliestireno extrudido ou pela introdução de sistemas de ventilação ou ambas as soluções ao mesmo tempo.

Porém, como ficou definido supra qual o tipo de correcção a que o autor tem direito é esta que deve constar da decisão, prevenindo-se novo litígio acerca desta matéria em sede de eventual execução de sentença, a qual consiste em dotar a habitação com ventilação natural permanente, portanto feita apenas através de pequenas aberturas nas paredes, nos locais que forem considerados adequados, devidamente protegidas por forma a que deixem apenas entrar o ar e executadas de acordo com o estado da arte.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e condenam-se os Réus a corrigir o defeito que contribui para a existência dos fenómenos de condensação, nos termos que ficaram definidos supra, nomeadamente no último parágrafo que antecede o presente dispositivo.

Confirma-se a decisão recorrida no restante.

Custas do recurso na proporção de 50% para cada uma das partes, mantendo-se as da acção tal como decidido na sentença.


*

Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura



[1] Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do S.T.J. – Ano XIII-II-122.
[2] Vaz Serra. Empreitada (Continuação). Boletim do Ministério da Justiça n.º 146 (Maio de 1965), pág. 234.
[3] Ob. cit., pág. 107/108.
[4] Poderão surgir dúvidas, nos casos em que o construtor constrói e habita de seguida o prédio por algum tempo antes de o vender, mas que estarão submetidas ao mesmo regime se a venda se realizar durante o prazo de garantia de 5 anos previsto njo artigo 1225.º do Código Civil.
[5] No mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/10/09 (Deolinda Varão), no processo n.º 1639/04.0TBGDM (in www.dgsi.pt), citado neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
[6] Cfr. Carlos Ferreira de Almeida. Direito do Consumo. Coimbra: Almedina, 2005, pág. 45.

[7] Cfr. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2009 (Lopes do Rego), no processo n.º 2210/06.8TVPRT.S1 (in www.dgsi.pt) cujo sumário é o seguinte: «1… 2. Denunciados os vícios da coisa dentro do prazo de 1 ano após a sua entrega, consequente à outorga na escritura de venda, e dentro do prazo de garantia de 5 anos, impede a caducidade dos direitos do comprador o compromisso, assumido pelo vendedor, de – reconhecendo a existência de defeitos na coisa vendida – ir providenciar pela sua reparação, apenas se iniciando um novo prazo de caducidade, relativamente aos vícios que a final subsistam, face a uma reparação defeituosa, se e quando o vendedor se recusar a proceder a novas reparações.

3. Na verdade, nesta situação particular, para além de ter ocorrido reconhecimento pelo vendedor dos defeitos da coisa e do consequente direito do comprador, enquadrável no nº 2 do art. 331.º do CC, não se inicia o prazo de 1 ano, contado da denúncia do defeito, para agir em juízo, por carecer o demandante, nesse momento, de interesse processual, perante a atitude do vendedor que se compromete a reparar os denunciados defeitos construtivos, tentando, embora deficientemente, efectivá-la (art.329º do CC)», anotado concordantemente por Pedro Romano Martinez, em Cadernos de Direito Privado, n.º 33 (Janeiro/Março 2011), pág. 48/49.
[8] Humidade nas Paredes. Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 1.ª edição, 1994.
[9] Ob. cit. pág. 17-18.
[10] Ob. cit., pág. 24.
[11] Ob. cit., pág. 27-29.
[12] Ob. cit., pág. 30.
[13] Cumprimento Defeituoso …, pág.184.
[14] Parte-se do princípio que estando sempre abertas algumas janelas não ocorreriam fenómenos de condensação, como ocorre, por exemplo, com a face interior dos vidros dos automóveis que não embaciam se estiverem abertos um ou dois dos vidros das portas.