Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3248/22.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO MORTAL
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
INOBSERVÂNCIA DE REGRAS DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO
CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
MONTANTES DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, N.º 1, 8.º, N.º 1, 10.º, 18.º, N.º 1, DA LAT, 342.º, N.º 1, 496.º DO CÓDIGO CIVIL, 127.º, N.º 1, ALÍNEA H), 281.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO, 15.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, N.º 1, DA LEI N.º 102/2009, DE 10-09, 6.º E 9.º DO DLEI N.º 348/93, DE 01/10
Sumário: I – Na falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, não é necessário provar a culpa, mas apenas a violação de tais regras.

II – Quem invoca a responsabilidade agravada, mormente por força da falta de observância das regras sobre segurança e saúde no trabalho – o sinistrado ou os seus familiares ou o segurador de acidentes de trabalho – terá que alegar e provar a referida falta de observação de tais regras, já que não se pode inferir da existência do sinistro e do dano concomitante que tais regras foram violadas.

III – E para a prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a chamada dinâmica do acidente.

IV – Tendo-se provado que o acidente de trabalho em causa resultou da falta da observação de regras sobre segurança no trabalho, para o sector da construção civil, mostram-se preenchidos os pressupostos da responsabilização da ré empregadora, previstos no n.º 1 do artigo 18.º da LAT.

V – Quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais previstos no artigo 18º, nº 1 da LAT cabe à justiça do trabalho ter em conta na fixação da indemnização pelos danos a jurisprudência cível, especialmente a relativa a casos de acidentes de viação, atendendo à obrigação de os tribunais, na aplicação do direito, terem em consideração os casos que mereçam tratamento análogo, com vista à interpretação e aplicação uniformes do direito, como decorre do n.º 3 do art.º 8º do Código Civil.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: ***

            Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra


 ***

                   RELATÓRIO

                   -AA;

                  - BB, instauraram a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra:

                   1) A... Unipessoal, Lda.,

                  2) B... PLC Sucursal em Portugal, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência, as rés serem condenadas a pagar:

                   1) À 1.ª autora, AA, por força da secção VI do capítulo II da Lei n.º 98/2009:

                  a) a quantia de €217,13, pela incapacidade temporária absoluta do sinistrado no período decorrido entre 09.08.2022 e 18.08.2022;

                   b) a pensão por morte no valor anual de €3.396,60, reportada a 19.08.2022;

                   c) a quantia de €5.850,24, a título de subsídio por morte;

                   d) a quantia de €3.316,00, a título de subsídio por despesas de funeral;

                   e) a quantia de €19,44, pelas despesas de deslocação ao Tribunal;

                   2) Pelo agravamento de responsabilidade, por atuação culposa da 1.ª ré:

                   a) Às autoras, na qualidade de herdeiras do sinistrado CC:

                  i. a quantia de €30.000,00, pelos danos sofridos pelo sinistrado com a ocorrência do acidente até à data da sua morte;

                 ii. a quantia de €90.000,00, pela violação do direito à vida do sinistrado.

                   b) À 1.ª autora, AA:

                   i. a quantia de €30.000,00, pelos danos próprios sofridos na sequência da morte do seu marido;

                  ii. a quantia de €554,40, pelas despesas que suportou nas deslocações diária ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra;

                   iii. a pensão anual no valor €11.322,00, por força do artigo 18.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 98/2009;

                  iv. a quantia indicada na alínea d) do n.º 1 do pedido, por força do disposto no artigo 495.º do Código Civil ex vi artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, caso se considere que a 1.ª autora não tem direito à totalidade do ressarcimento da referida quantia, por força da secção VI do capítulo II da Lei n.º 98/2009;

                   c) À 2.ª autora, BB, a quantia de €20.000,00, pelos danos próprios sofridos na sequência da morte do seu pai.

                  3) Tudo acrescido de juros à taxa legal dos juros civis, desde a citação até ao efetivo pagamento ao autor.”

                   Alegaram, para o efeito e em síntese:

                  -são respetivamente viúva e filha do sinistrado CC, o qual celebrou com a 1.ª Ré, A... Unipessoal, Lda. um contrato de trabalho que se iniciou no dia 08/08/2022, pelas 08:00horas;

                   -depois de ter prestado atividade no período da manhã, por ordens da 1.ª ré, o sinistrado regressou no período da tarde, após a pausa para o almoço, às instalações da 1.ª ré;

                   -por volta das 15h30, quando os trabalhadores DD e EE se encontravam a nivelar uma parede pré-fabricada, o sinistrado, na tentativa de ajudar a estabilizar a parede, foi atingido na zona da cabeça durante a queda da mesma;

                  -a 1.ª ré não tinha contratado serviços de técnicos de segurança e saúde no trabalho pelo que inexistia relatório de avaliação e controlo de riscos profissionais;

                  -não tinha prestado qualquer formação ao sinistrado em matéria de riscos profissionais nem para desempenhar as funções que exercia como ajudante de pedreiro;

                  -a atividade que o sinistrado desempenhava requeria o uso de capacete, calçado e luvas de proteção, equipamentos que a 1.ª ré não lhe forneceu, não o tendo submetido a exames médicos de aptidão;

                  -em consequência do acidente o sinistrado sofreu lesões, tendo sido hospitalizado, porém, dado o agravamento progressivo do seu quadro clínico, tais lesões determinaram a sua morte, que ocorreu no dia 18/08/2022;

                  -o sinistrado, enquanto aguardava no local por socorro, manteve-se consciente, gritava com dores e pôde antever a sua morte;

                  -enquanto esteve internado no CHUC-HUC esteve acamado e em estado de coma, tendo realizado diversos exames, tratamentos e medicação;

                  -o sinistrado era saudável, muito alegre e bem-disposto e era um pai muito presente, carinhoso e um marido afetuoso, existindo entre ele e as autoras uma relação de grande cumplicidade e companheirismo;

                   -as autoras deslocaram-se todos os dias ao CHUC, que se situa a 77 quilómetros de distância da sua residência e aperceberam-se do agravamento do estado clínico do Sinistrado, tendo recebido com choque a notícia do falecimento do sinistrado;

                   -as autoras ficaram muito tristes, abaladas e revoltadas com a morte do sinistrado;

                  -a autora AA suportou as despesas do funeral no valor de €2.316,00, suportou as despesas da aquisição do lote no cemitério onde o sinistrado foi sepultado, no valor de €1000,00, tendo despendido €19,44 em deslocações a este Juízo do Trabalho e €554,40 (77km x 2 x 10 dias x €0,36/km) em viagens para visitar o sinistrado, em Coimbra;

                  -a 1ª ré tinha celebrado com a 2.ª ré, B... PLC – Sucursal em Portugal, um contrato de seguro de acidentes de trabalho que cobria os riscos inerentes à atividade desempenhada pelo sinistrado.

                  A ré A... Unipessoal, Lda. apresentou contestação, suscitando a exceção de ilegitimidade ativa da autora BB porquanto desconhece os elementos pessoais da mesma que possam demonstrar a sua qualidade de beneficiária legal do sinistrado. Mais alegou em síntese:

                  -o sinistrado não era seu trabalhador apesar de toda a situação que se gerou após o acidente com a contratação de um seguro de acidentes de trabalho para o sinistrado e a participação do acidente à seguradora, aqui 2.ª ré, bem como a comunicação à Segurança Social da admissão do sinistrado como seu trabalhador e a elaboração do recibo de vencimento respeitante ao dia 8/08/2022, elaboração essa que decorreu de exigência expressa dos serviços da ACT de ...;

                  -de facto, o sinistrado apresentou-se nas instalações da ré no dia do acidente sem que a Ré fosse conhecedora já que na semana anterior, concretamente no dia 5/8/2022 (sexta feira) o sinistrado abordou o sócio gerente da ré, ambos primos, no sentido de aquele poder vir a desempenhar atividade para a ré e ficou combinado que aquele compareceria na segunda feira, dia 8, no período da tarde nas instalações da ré para assinarem os papéis da contratação e que começaria a trabalhar na terça feira seguinte;

                  -desconhece e é alheia à vontade da ré a presença do sinistrado nas suas instalações no período da manhã bem como que o mesmo estivesse a ajudar os prestadores de serviços identificados na petição inicial (dado que a ré não tinha trabalhadores) pelo que só ao sinistrado poderão ser imputadas as responsabilidades pela produção deste acidente.

                                                                                              *

                   A ré B... PLC – Sucursal em Portugal deduziu contestação, alegando em síntese:

                  - assumiu a existência de um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho que teve início no dia 30/10/2019, que sempre vigorou na modalidade de seguro de prémio fixo, com indicação na apólice dos trabalhadores seguros e respetivos salários;

                   -no dia 8/8/2022, pelas 16h50, a 1.ª ré enviou à mediadora de seguros da 2.ª ré o pedido de inclusão na apólice de um trabalhador com a função de assistente de produção, que vinha acompanhado de cópia do cartão de cidadão do trabalhador a incluir na apólice.

                  -perante essa comunicação e desconhecendo a existência do acidente a mediadora de seguros incluiu o sinistrado no contrato de seguro às 17h13m58s do mesmo dia;

                   -assim, à hora do acidente não existia seguro válido e eficaz entre as rés, que cobrisse a responsabilidade infortunística laboral da 1.ª ré.

                  Acresce ainda que nunca a 2.ª ré poderia indemnizar as autoras por danos não patrimoniais nem as despesas de deslocação da Autora ao hospital cabem nas prestações obrigatórias previstas na lei.

                  O Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, IP formulou pedido de reembolso do montante pago a título de pensão de sobrevivência à 1.ª autora no montante mensal de €278,11, tendo pago um total de €4.469,41 a esse título entre setembro de 2022 e outubro de 2023, bem como a quantia de €1329,60 a título de subsídio por morte.

                  Requereu ainda a ampliação do pedido porquanto veio pagando a pensão de sobrevivência à autora e que, em março de 2025, perfez a quantia de €10.548,95.

                   Deste modo, requereu a final, a condenação das rés a pagar ao Centro Nacional de Pensões a quantia de €11.878,55 bem como o que vier posteriormente a ser apurado até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

                  A ré B... PLC – Sucursal em Portugal contestou o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP, pugnando pela improcedência do mesmo.

                   Não houve oposição à ampliação do pedido formulado pelo Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, IP.

                   Foi admitida a ampliação do pedido.

                  Foi proferido despacho saneador, onde se decidiu julgar parte legítima a autora BB e quanto aos pedidos formulados pelas autoras, a título de danos de natureza não patrimonial, foi ainda proferida decisão a absolver do pedido a ré B... PLC– Sucursal em Portugal.

                  Relegou-se para final a apreciação do mérito dos autos, afirmando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido organizados os factos assentes, identificando-se o objeto do litígio, com enunciação dos temas da prova.

                   Realizou-se audiência de julgamento.

                   Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

                  “Atentos os fundamentos expostos e as normas legais citadas, decide-se julgar totalmente improcedente a presente ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e, em consequência, absolvem-se as Rés A... Unipessoal, Lda. e B... PLC – Sucursal em Portugal, dos pedidos contra si formulados pelas Autoras, AA e BB.

                  Mais se absolvem as Rés do pedido de reembolso formulado pelo Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, IP.

                                                                                              *

                                                                                              *

                  Custas da ação a cargo das Autoras (nos termos do art.º 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a 1.ª Autora.

                  Custas do pedido de reembolso das prestações da Segurança Social pelo Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, IP., porque vencido.

                                                                                              *

                  Fixa-se o valor destes autos, nos termos do art.º 120.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, no valor indicado para o efeito pelas Autoras, na sua Petição Inicial.

                                                                                              *

                                                                                              *

                   Registe e notifique.”

                  Inconformado com esta decisão, a autora FF interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

                   (…).

                  A..., Unipessoal, Lda., co-ré apresentou contra-alegações, sustentando em síntese que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida, com as legais consequências.

                   A co-ré seguradora não apresentou contra-alegações.

                  O MP teve vista dos autos, mas não se pronunciou expressamente.

                   Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                                                                              ***

                   OBJETO DO RECURSO

                  Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

                   As questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.
2. Se o “acidente” deve ser qualificado como acidente de trabalho.
3. Se o acidente resultou da inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho.
4. Prestações devidas à beneficiária do falecimento do sinistrado.

                                                                                              ***

                   FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

                  Na 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma:

                   “1 - Factos Provados

                   (…).

                   2 - Factos não provados

                   (…).

                                                                                              *

                   3 - Motivação

                   (…)”.

                                                                                              ***

                   FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

                   (…).

                                                                                              *

                  Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso quanto à impugnação da decisão de facto.

                  Em consequência, a matéria de facto fica assim definitivamente estabilizada:
1. As autoras AA e BB são, respetivamente, viúva e filha do Sinistrado CC.
2. O sinistrado, no dia 08/08/2022, pelas 15h30, nas instalações da ré A..., em ..., foi atingido na cabeça pela queda de uma parede pré-fabricada em madeira.
3. No local encontravam-se DD, funcionário da sociedade C..., Lda. e EE, funcionário da sociedade D..., Unipessoal, Lda.
4. Estes trabalhadores tentavam nivelar a parede pré-fabricada em madeira que se encontrava escorada e, quando a posicionavam, GG deslocou-se para colocar um calço e nesse momento a parede oscilou.
5. Tendo o sinistrado, na tentativa de ajudar a estabilizar a parede, sido atingido na cabeça durante a queda da estrutura.
6. Alguns dias antes do acidente, o sinistrado abordou o sócio e gerente da ré, HH, sobre a possibilidade de passar a prestar atividade para a ré, tendo combinado entre si que este último deveria comparecer nas instalações da ré na segunda feira, dia 8/8/2022 (alterado por este Tribunal).

                   7. Em consequência do facto descrito em 2. o sinistrado deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., pelas 16h:31 do mesmo dia, apresentando-se agitado e com discurso incoerente, evidenciando, ao exame objetivo, ferimentos na cabeça (regiões frontal e occipital), perdas hemáticas pela boca, “equimose periorbitária bilateral”, hipotensão e pontuação de 10 na escala de Glasgow, não abrindo o olho direito e exibindo desvio da comissura labial à direita Foi efetuada tomografia computorizada (TC) que mostrou “- Provável foco de contusão frontal anterior à esquerda, com componentes predominantemente hemáticos agudos. Componentes hemáticos agudos subaracnoideus sulco-cisternais difusos, com maior expressão frontal esquerda e na região perimesencefálica/cisterna supraselar.

                  Coexistem discretos componentes hemáticos agudos no interior do IV ventrículo./- Coleção hemática agura subdural fronto-parietal à esquerda, com alguns aerocelo sintralesionais./-Provável colecção hemática aguda extra-axial epidural temporal anterior direita…/- inúmeros traços de fratura envolvendo a base do crânio – occipital e no clivus à direita; e grande asa do esfenóide à direita – e a região frontal bilateral, interessando ambas as paredes, anterior e posterior dos seios frontais./-Traços de fratura envolvendo as apófises pterigoideias bilateralmente e o maciço facial, com preenchimento das cavidades nasais e seios perinasais – provável hemossinus…Densificação contusional na base pulmonar direita. Fratura dos 4.º, 5.º e 6.º e 7.º arcos costais à direita.

                  8. Tendo sido transferido para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC-HUC pelas 19h53 do mesmo dia, onde permaneceu internado, vindo a falecer no dia 18/08/2022 em virtude das lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 56 a 59 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos, nomeadamente lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, complicadas de meningite e associadas a enfarte agudo do miocárdio.

                   9. O sinistrado faleceu com 58 anos de idade, no estado de casado com a autora AA, a qual fazia parte do seu agregado familiar e não tinha outros familiares a cargo ou a quem estivesse a pagar pensão de alimentos.

                  10. Após a autópsia o corpo do sinistrado foi trasladado, tendo sido sepultado no cemitério ..., ....

                  11. A ré A... Unipessoal, Lda. celebrou um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de seguro de prémio fixo, com indicação na apólice dos trabalhadores seguros e respetivos salários, titulado pela apólice n.º ...93, que teve início às 15h:15 do dia 30/10/2019, anualmente renovável.

                  12. O Instituto de Segurança Social, I.P., em que a beneficiária está inscrita e por tal lhe ter sido requerido, atribuiu à autora AA uma pensão de sobrevivência no montante mensal de €278,11, tendo pago no período compreendido entre setembro de 2022 e outubro de 2023 um total de €4.469,41 bem como o valor de €1.329,60 a título de subsídio por morte, tudo conforme certidão de fls. 130 do processo em papel, ora dada por integralmente reproduzida para os legais efeitos.

                   13. No dia 08/08/2022, pelas 16h50, a ré A... Unipessoal, Lda. enviou, por email, à mediadora de seguros da ré B... o pedido de inclusão na apólice de seguros de acidentes de trabalho de um trabalhador com a função de assistente de produção e o salário base de €705,00 e subsídio de alimentação de €6,00/dia.

                  14. Esse email vinha acompanhado de cópia do cartão de cidadão do trabalhador a incluir na apólice, a saber, o sinistrado.

                  15. Não tendo sido pedida a inclusão do sinistrado nas coberturas do contrato de seguro com data retroativa à mesma.

                   16. Não tendo sido feita qualquer alusão ao acidente que já havia ocorrido.

                  17. A mediadora incluiu o sinistrado no contrato de seguro titulado pela apólice referida em H) às 17h13m58s do dia 08/08/2022.

                  18. Quando foi pedida pela ré A... Unipessoal, Lda. a inclusão do sinistrado no contrato de seguro, a mesma já tinha conhecimento do acidente.

                  19. A ré A... Unipessoal, Lda. não deu formação ao sinistrado em matéria de riscos profissionais, nomeadamente para a atividade para a qual foi contratado.

                   20. Não tinha elaborado relatório de avaliação e controlo de riscos profissionais.

                   21. Não forneceu ao sinistrado capacete, calçado e luvas de proteção.

                   22. Não tinha sinalizado, no local da prestação da atividade, a obrigatoriedade de utilização de equipamentos de proteção individual.

                   23. O sinistrado, enquanto aguardava no local por socorro, manteve-se consciente, gritava com dores e pôde antever a sua morte.

                  24. Enquanto esteve internado no CHUC-HUC esteve acamado e em estado de coma, tendo realizado diversos exames, tratamentos e medicação.

                   25. Era saudável, muito alegre e bem-disposto.

                  26. Era um pai muito presente, carinhoso e um marido afetuoso e querido.

                  27. Era notado, entre os vizinhos e conhecidos, pela afabilidade, simpatia e apego à família.

                  28. Existindo entre ele e as autoras uma relação de grande cumplicidade e companheirismo.

                   29. A autora BB vivia na mesma habitação com o sinistrado e a autora AA.

                  30. Efetuaram deslocações ao CHUC, que se situa a 77 quilómetros de distância da sua residência e aperceberam-se do agravamento do estado clínico do sinistrado.

                   31. Tendo recebido com choque a notícia do falecimento do sinistrado.

                 32. As autoras ficaram muito tristes, abaladas e revoltadas com a morte do sinistrado.

                   33. Sentem a sua falta e ainda hoje choram de saudade.

                  34. A autora AA suportou as despesas do funeral no valor de €2.316,00.

                   35. Suportou as despesas da aquisição do lote no cemitério onde o sinistrado foi sepultado, no valor de €1.000,00.

                  36. Na 1.ª semana de agosto de 2022, entre a ré A... Unipessoal, Lda. e o sinistrado foi celebrado um contrato de trabalho, com início em 08/08/2022 (aditado por este Tribunal).

                  37. Tendo sido acordado entre ambos que o sinistrado iria exercer as funções de ajudante de pedreiro, mediante a remuneração mensal de €705,00 (x 14 meses) (aditado por este Tribunal).

                  38. A que acrescia subsídio de alimentação (aditado por este Tribunal).

                  39. O sinistrado apresentou-se nas instalações da ré A... Unipessoal, Lda., pelas 08h00 do dia 08/08/2022, em cumprimento das instruções e ordens dadas pela ré (aditado por este Tribunal).

                  40. Depois de ter prestado a sua atividade no período da manhã desse dia, por conta, sob as ordens e instruções da ré, o sinistrado regressou no período da tarde pelas 13h:00, após a interrupção para o almoço (aditado por este Tribunal).

                   B) FACTOS NÃO PROVADOS:

                   a) Eliminado por este Tribunal.

                   b) Eliminado por este Tribunal.

                   c) Eliminado por este Tribunal.

                   d) Eliminado por este Tribunal.

                   e) Eliminado por este Tribunal.

                   f) Eliminado por este Tribunal.

                  g) A autora AA despendeu €19,44 em deslocações a este Juízo do Trabalho e €554,40 (77km x 2 x 10 dias x €0,36/km) em viagens para visitar o sinistrado, em Coimbra.

                                                                                              **
2. Se o acidente deve ser qualificado como acidente de trabalho.

                  Na sentença recorrida considerou-se: “No caso que nos ocupa nenhuma atividade se provou que o sinistrado estivesse a prestar por conta da Ré A..., Lda., no momento do acidente.

                  Também não se provou que, nesse momento, e até mesmo antes dele, o sinistrado estivesse ou tivesse estado sob a autoridade e direção da Ré a cumprir alguma instrução ou ordem desta e nem mesmo que o sinistrado estivesse a observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pela Ré”.

                   Atentando na factualidade não provada, verifica-se que não se provou o seguinte:

                  -que na 1.ª semana de Agosto de 2022, entre a Ré A... Unipessoal, Lda. e o Sinistrado foi celebrado um contrato de trabalho, com início em 08/08/2022;

                   -que foi acordado entre ambos que o Sinistrado iria exercer as funções de ajudante de pedreiro, mediante a remuneração mensal de €705,00 (x 14 meses);

                  -que foi acordado um período normal de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta feira, com início às 08h00 e termo às 17h:00, com intervalo para almoço compreendido entre as 12h:00 e as 13h:00;

                  -que o Sinistrado apresentou-se nas instalações da Ré A... Unipessoal, Lda. pelas 08h00 do dia 08/08/2022, em cumprimento das instruções e ordens dadas pela Ré;

                  -que depois de ter prestado a sua atividade no período da manhã desse dia, por conta, sob as ordens e instruções da Ré, o Sinistrado regressou no período da tarde pelas 13h:00, após a interrupção para o almoço.

                  Considerando, deste modo, a globalidade da prova produzida e os factos dados como provados, entendemos que tais factos não permitem, de todo, sustentar a existência de uma relação laboral entre o sinistrado e a Ré, o que exclui a exigência de reparação do acidente pela Ré A..., Lda.”

                  Alega a recorrente que para estarmos perante um acidente de trabalho, a lei obriga o preenchimento de 5 requisitos cumulativos: (i) evento lesivo, (ii) evento ocorrido no local de trabalho, (iii) durante o tempo de trabalho, (iv) do qual resultou um dano: redução na capacidade de trabalho ou de ganho, a morte, lesão corporal ou perturbação funcional, (v) nexo causal entre o facto e o dano. No caso dos presentes autos, estão preenchidos todos os requisitos em causa e, que no caso presente resultou provado que existiu um acordo entre empregador e trabalhador, que o sinistrado se encontra nas instalações da Ré para prestar trabalho, conforme havia sido combinado com a entidade empregadora, e que existia retribuição, pelo que, sempre terá de se concluir que existiu um contrato de trabalho entre o sinistrado e a ré A....

                  Em consequência, estamos perante um acidente de trabalho, nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 98/2009.

                   Vejamos.

                   A noção legal de acidente de trabalho, consta do art.º 8º nº 1 da LAT. Nos termos desta norma é acidente de trabalho “aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte».

                  Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho[1] “Esta noção permite recortar a figura do acidente de trabalho com recurso aos seguintes critérios:

                  –um critério subjectivo, que permite também recortar o âmbito de aplicação do regime dos acidentes de trabalho;

                  –um critério geográfico, assente no conceito de local de trabalho, mas que se conjuga também com um critério de autoridade;

                  –um critério temporal, assente no conceito de tempo de trabalho; – o critério dos efeitos do evento acidentário, que faz apelo ao dano típico que dele resulta, e que, obviamente exige também que se verifique o adequado nexo de causalidade entre o evento acidentário e o dano, nos termos gerais da responsabilidade civil.

                   (…)

                  De acordo com um critério subjectivo, é acidente de trabalho aquele cujo lesado é um trabalhador por conta de outrem (art.º 3º nº 1 da LAT).

                   (…)

                  A lei delimita também o conceito de acidente de trabalho pelo critério do local da ocorrência do mesmo, conjugado com um critério de autoridade. Assim, nos termos do art.º 8º no 1 da LAT, o acidente de trabalho é o que ocorre no local de trabalho. Para este efeito, a lei utiliza um conceito amplo de local de trabalho, identificando-o com o lugar onde o trabalhador se encontre ou se deva dirigir, por força do trabalho, e no qual esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do trabalhador (art.º 8º nº 2 a) da LAT).

                   (…)

                  O critério delimitador da autoridade ou controlo do empregador é também objecto de extensão no art.º 9º nº 1 da LAT, permitindo enquadrar no conceito de acidente de trabalho o sinistro ocorrido na execução de serviços espontaneamente prestados pelo trabalhador e dos quais o empregador dor pode beneficiar (art.º 9º nº 1 b) da LAT).

                  Por fim, a lei delimita o conceito de acidente de trabalho pelo critério dos danos típicos que dele emergem.

                   (…)

                  Independentemente do rigor desta opção técnica, fica, em qualquer caso, mais claro que o acidente de trabalho só constitui o trabalhador ou os seus familiares no direito à reparação se dele resultarem danos, relevando para este efeito dois tipos de danos, que se podem considerar como danos típicos da responsabilidade civil acidentária (nos termos do art.º 8º nº 1 in fine da LAT):

                  – o dano físico ou psíquico, i.e., a lesão corporal, a perturbação funcional, a doença ou a morte do trabalhador, que resultem directa ou indirectamente do acidente; para efeitos da determinação do âmbito deste dano, a lei considera ainda algumas situações específicas.

                  A complexidade dos danos a ter em conta para efeitos do surgimento da responsabilidade civil por acidente de trabalho torna também especialmente complexo o estabelecimento do nexo de causalidade entre o sinistro e as suas consequências. Com efeito, terá que haver um duplo nexo de causalidade, entre o acidente e o dano físico ou psíquico (a lesão, a perturbação funcional, a doença ou a morte), e entre este dano físico ou psíquico e o dano laboral (a redução ou a exclusão da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador).

A falta de qualquer destes elementos do nexo de causalidade exclui o dever de reparação.

                   A principal especificidade do regime deste nexo causal está na presunção de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico, que a lei estabelece no caso de o dano ser reconhecido na sequência de acidente, com a inerente consequência da inversão do ónus da prova – terá então que ser o empregador a provar a ausência do nexo causal. Já se o dano sobrevier apenas posteriormente compete ao trabalhador ou aos seus familiares provar que ele foi devido ao acidente (art.º 10º nºs 1 e 2 da LAT)”.

                   Segundo Pedro Romano Martinez[2] “Esta presunção de nexo causal consta do art.º 10º da LAT. Deste modo, tendo sido a «lesão constatada no local e no tempo de trabalho» presume-se consequência do acidente de trabalho; ou seja, presume-se a existência da causalidade adequada, cabendo ao empregador provar a falta de nexo causal[3].

                   Resultou provado:

                  -O sinistrado, no dia 08/08/2022, pelas 15h30, nas instalações da ré A..., em ..., foi atingido na cabeça pela queda de uma parede pré-fabricada em madeira (facto 2).

                  -No local encontravam-se DD, funcionário da sociedade C..., Lda. e EE, funcionário da sociedade D..., Unipessoal, Lda. (facto 3).

                  -Estes trabalhadores tentavam nivelar a parede pré-fabricada em madeira que se encontrava escorada e, quando a posicionavam, GG deslocou-se para colocar um calço e nesse momento a parede oscilou (facto 4).

                  -Tendo o sinistrado, na tentativa de ajudar a estabilizar a parede, sido atingido na cabeça durante a queda da estrutura (facto 5).

                  -Em consequência do facto descrito em 2. o sinistrado deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., pelas 16h:31 do mesmo dia, apresentando-se agitado e com discurso incoerente, evidenciando, ao exame objetivo, ferimentos na cabeça (regiões frontal e occipital), perdas hemáticas pela boca, “equimose periorbitária bilateral”, hipotensão e pontuação de 10 na escala de Glasgow, não abrindo o olho direito e exibindo desvio da comissura labial à direita Foi efetuada tomografia computorizada (TC) que mostrou “- Provável foco de contusão frontal anterior à esquerda, com componentes predominantemente hemáticos agudos. Componentes hemáticos agudos subaracnoideus sulco-cisternais difusos, com maior expressão frontal esquerda e na região perimesencefálica/cisterna supraselar.

                  Coexistem discretos componentes hemáticos agudos no interior do IV ventrículo./- Coleção hemática agura subdural fronto-parietal à esquerda, com alguns aerocelo sintralesionais./-Provável colecção hemática aguda extra-axial epidural temporal anterior direita…/- inúmeros traços de fratura envolvendo a base do crânio – occipital e no clivus à direita; e grande asa do esfenóide à direita – e a região frontal bilateral, interessando ambas as paredes, anterior e posterior dos seios frontais./- Traços de fratura envolvendo as apófises pterigoideias bilateralmente e o maciço facial, com preenchimento das cavidades nasais e seios perinasais – provável hemossinus…Densificação contusional na base pulmonar direita. Fratura dos 4.º, 5.º e 6.º e 7.º arcos costais à direita (facto 7).

                  -Tendo sido transferido para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC-HUC pelas 19h53 do mesmo dia, onde permaneceu internado, vindo a falecer no dia 18/08/2022 (facto 8).

                  -Na 1.ª semana de agosto de 2022, entre a ré A... Unipessoal, Lda. e o sinistrado foi celebrado um contrato de trabalho, com início em 08/08/2022 (facto 36).

                  -Tendo sido acordado entre ambos que o sinistrado iria exercer as funções de ajudante de pedreiro, mediante a remuneração mensal de €705,00 (x 14 meses) (facto 37).

                   -A que acrescia subsídio de alimentação (facto 38).

                  -O sinistrado apresentou-se nas instalações da ré A... Unipessoal, Lda., pelas 08h00 do dia 08/08/2022, em cumprimento das instruções e ordens dadas pela ré (facto 39).

                 -Depois de ter prestado a sua atividade no período da manhã desse dia, por conta, sob as ordens e instruções da ré, o sinistrado regressou no período da tarde pelas 13h:00, após a interrupção para o almoço (facto 40).

                  Ora, analisando o caso, dos factos provados resulta que o falecimento do sinistrado se deveu a ao facto de ter sido atingido na cabeça durante a queda da estrutura (parede pré-fabricada em madeira), o que ocorreu nas instalações da ré, durante o período de trabalho do autor.

                  Entendemos assim, que o acidente dos autos deve ser caraterizado como acidente de trabalho.           

                                                                                              **
3. Se o acidente resultou da inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho.

                  Alega a recorrente que a ré A... tinha a obrigação de assegurar ao trabalhador sinistrado condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho, nomeadamente, de: i) proceder à avaliação dos riscos na prestação do trabalho; ii) avaliar os conhecimentos e aptidões do trabalhador; iii) informar o trabalhador dos riscos na prestação do trabalho e das normas de segurança aplicáveis; iv) formar o trabalhador para a prestação do trabalho para o qual foi contratado; v) Fornecer os equipamentos de proteção individual e formar o trabalhador quanto à sua utilização; e vi) sinalizar a obrigatoriedade de utilização dos equipamentos de proteção individual, no local da prestação do trabalho. Resulta dos factos provados 19) a 22) da sentença proferida, que a ré A... não cumpriu nenhuma das obrigações descritas, como se lhe impunha legalmente, expondo, assim, o sinistrado a riscos elevados, o que se veio a verificar e a ser causa direta e necessária da sua morte. A falta de observância, por parte da ré A... das regras sobre segurança e saúde no trabalho a que estava legalmente obrigada tornava previsível a eclosão do acidente nas concretas circunstâncias em que o mesmo ocorreu e com as consequências dele decorrentes, pelo que, há agravamento de responsabilidade do empregador, por atuação culposa do mesmo e, nesse âmbito, deve a ré A... ser condenada a indemnizar a aqui recorrente dos danos sofridos pelo sinistrado e pela própria, constantes dos factos provados 23) a 35) da sentença recorrida, nos termos do artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009.

                   Analisemos.

                   Dispõe o artigo 18º– Atuação culposa do empregador:

                  “ 1– Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.

                   Nos termos do nº 1 do art.º 18º da LAT a responsabilidade (agravada) do empregador funda-se numa de duas causas:

                   1. No comportamento culposo (ou do seu representante ou entidade por aquele contratada); ou

                  2. Na inobservância das regras concretas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (e não a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta segurança) havendo, no entanto de ter em conta que a ausência de normas concretas que especificamente regulem a atividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade da imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa (Ac. do STJ de 19.6.2013, proc.º nº 3592/04.8TTLSB.L2.S1).

                  No que se refere à prova da culpa (que impende sobre quem pretenda tirar proveito da responsabilidade agravada), a mesma tem-se por indispensável relativamente ao primeiro fundamento, sendo desnecessária no segundo.

                  A responsabilidade agravada do empregador pressupõe ainda que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre o aludido comportamento culposo ou a falta de observação das ditas regras e a produção do acidente.

                  Relativamente a este nexo haverá que aplicar o que o STJ decidiu no AUJ6/2024, de 13 de maio (Diário da República n.º 92/2024, Série I de 2024-05-13) segundo o qual “«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.».

                  – O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem disso tirar proveito, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

                  -Enquanto isso ao empregador compete alegar e provar qualquer condição que o desonere das obrigações advenientes das regras de segurança.

                  Sobre o enquadramento legal da matéria atinente às condições de segurança e saúde no trabalho, há a considerar:

                  O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde está consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f), do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

                  Por sua vez, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, consagra no artigo 127º, n.º 1, alínea h), que o empregador deve adotar as medidas de segurança e saúde no trabalho que decorram da lei ou da regulamentação coletiva aplicável.

                  E do nº 1 do artigo 281.º do mesmo diploma resulta que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, devendo o empregador assegurar-lhe condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (nº 2), regulando a lei os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho que o empregador deve assegurar.

                  A Lei n.º 102/2009, de 10-09, veio estabelecer o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, consagrando no nº 1 do seu artigo 5º que o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, que deverão ser asseguradas pelo empregador.

                  O artigo 15º impõe ao empregador que assegure ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (n.º 1), devendo igualmente zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador (nº 2).”

                  Nos termos do artigo 73.º, n.º 1 desta lei “O empregador deve organizar o serviço de segurança e saúde no trabalho de acordo com as modalidades previstas no presente capítulo”.

                  Por força do disposto no artigo 73.º-B, n.º 1 desta lei “o serviço de segurança e de saúde no trabalho deve tomar as medidas necessárias para prevenir os riscos profissionais e promover a segurança e a saúde dos trabalhadores, nomeadamente:

                   a) Planear a prevenção, integrando, a todos os níveis e para o conjunto das atividades da empresa, a avaliação dos riscos e as respetivas medidas de prevenção;

                  b) Proceder à avaliação dos riscos, elaborando os respetivos relatórios;

                  c) Elaborar o plano de prevenção de riscos profissionais, bem como planos detalhados de prevenção e proteção exigidos por legislação específica;

                   d) Participar na elaboração do plano de emergência interno, incluindo os planos específicos de combate a incêndios, evacuação de instalações e primeiros socorros;

                   e) Colaborar na conceção de locais, métodos e organização do trabalho, bem como na escolha e na manutenção de equipamentos de trabalho;

                  f) Supervisionar o aprovisionamento, a validade e a conservação dos equipamentos de proteção individual, bem como a instalação e a manutenção da sinalização de segurança;

                  g) Realizar exames de vigilância da saúde, elaborando os relatórios e as fichas, bem como organizar e manter atualizados os registos clínicos e outros elementos informativos relativos ao trabalhador;

                   h) Desenvolver atividades de promoção da saúde;

                   i) Coordenar as medidas a adotar em caso de perigo grave e iminente;

                  j) Vigiar as condições de trabalho de trabalhadores em situações mais vulneráveis;

                   l) Conceber e desenvolver o programa de informação para a promoção da segurança e saúde no trabalho, promovendo a integração das medidas de prevenção nos sistemas de informação e comunicação da empresa;

                   m) Conceber e desenvolver o programa de formação para a promoção da segurança e saúde no trabalho;

                  n) Apoiar as atividades de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores para a segurança e saúde no trabalho ou, na sua falta, dos próprios trabalhadores;

                  o) Assegurar ou acompanhar a execução das medidas de prevenção, promovendo a sua eficiência e operacionalidade;

                  p) Organizar os elementos necessários às notificações obrigatórias;

                  q) Elaborar as participações obrigatórias em caso de acidente de trabalho ou doença profissional;

                  r) Coordenar ou acompanhar auditorias e inspeções internas;

                  s) Analisar as causas de acidentes de trabalho ou da ocorrência de doenças profissionais, elaborando os respetivos relatórios;

                  t) Recolher e organizar elementos estatísticos relativos à segurança e à saúde no trabalho.”

                  Dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 348/93, de 01/10: “Constitui obrigação do empregador:

                   a) Fornecer equipamento de proteção individual e garantir o seu bom funcionamento;

                  b) Fornecer e manter disponível nos locais de trabalho informação adequada sobre cada equipamento de proteção individual;

                  c) Informar os trabalhadores dos riscos contra os quais o equipamento de proteção individual os visa proteger;

                  d) Assegurar a formação sobre a utilização dos equipamentos de proteção individual, organizando, se necessário, exercícios de segurança.”

                   Nos termos do artigo 9.º deste diploma: “Os trabalhadores, assim como os seus representantes, devem dispor de informação sobre todas as medidas a tomar relativas à segurança e saúde na utilização dos equipamentos de proteção individual”.

                   Dispõe o artigo 5.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 141/95, de 14/06:

                   “1 - O empregador deve garantia a existência de sinalização de segurança e de saúde no trabalho adequada, de acordo com as prescrições deste diploma, sempre que esses riscos não puderem ser evitados ou suficientemente diminuídos com meios técnicos de proteção coletiva ou com medidas, métodos ou processos de organização do trabalho.

                  2– Na colocação e utilização da sinalização de segurança e de saúde no trabalho deverá ter-se em conta a avaliação de riscos a que se refere o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 14 de Novembro”.             

                  Cumpre ainda referir que Supremo Tribunal de Justiça tem observado que “a ausência de normas concretas que especificamente regulem a atividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade de imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.[4]

                   Resultou provado:

                  -O sinistrado, no dia 08/08/2022, pelas 15h30, nas instalações da ré A..., em ..., foi atingido na cabeça pela queda de uma parede pré-fabricada em madeira (facto 2);

                  -Em consequência do facto descrito em 2. o sinistrado deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., pelas 16h:31 do mesmo dia, apresentando-se agitado e com discurso incoerente, evidenciando, ao exame objetivo, ferimentos na cabeça (regiões frontal e occipital), perdas hemáticas pela boca, “equimose periorbitária bilateral”, hipotensão e pontuação de 10 na escala de Glasgow, não abrindo o olho direito e exibindo desvio da comissura labial à direita Foi efetuada tomografia computorizada (TC) que mostrou “- Provável foco de contusão frontal anterior à esquerda, com componentes predominantemente hemáticos agudos. Componentes hemáticos agudos subaracnoideus sulco-cisternais difusos, com maior expressão frontal esquerda e na região perimesencefálica/cisterna supraselar.

                  Coexistem discretos componentes hemáticos agudos no interior do IV ventrículo./- Coleção hemática agura subdural fronto-parietal à esquerda, com alguns aerocelo sintralesionais./-Provável colecção hemática aguda extra-axial epidural temporal anterior direita…/- inúmeros traços de fratura envolvendo a base do crânio – occipital e no clivus à direita; e grande asa do esfenóide à direita – e a região frontal bilateral, interessando ambas as paredes, anterior e posterior dos seios frontais./-Traços de fratura envolvendo as apófises pterigoideias bilateralmente e o maciço facial, com preenchimento das cavidades nasais e seios perinasais – provável hemossinus…Densificação contusional na base pulmonar direita. Fratura dos 4.º, 5.º e 6.º e 7.º arcos costais à direita (facto 7).

                  -Tendo sido transferido para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC-HUC pelas 19h53 do mesmo dia, onde permaneceu internado, vindo a falecer no dia 18/08/2022 em virtude das lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 56 a 59 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos, nomeadamente lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, complicadas de meningite e associadas a enfarte agudo do miocárdio (facto 8).

                   -A ré A... Unipessoal, Lda. não deu formação ao sinistrado em matéria de riscos profissionais, nomeadamente para a atividade para a qual foi contratado (facto 19);

                  -Não tinha elaborado relatório de avaliação e controlo de riscos profissionais (facto 20);

                  -Não forneceu ao sinistrado capacete, calçado e luvas de proteção (facto 21);

                   -Não tinha sinalizado, no local da prestação da atividade, a obrigatoriedade de utilização de equipamentos de proteção individual (facto 22).

                   Face a tal ausência de formação e informação por parte da entidade empregadora determinantes da conduta do trabalhador e, no quadro factual acima referido, à verificação do nexo de imputação causal do sinistro dos autos e respetivos lesões e danos a tal conduta omissiva da mesma ré, o acidente dos autos tem de ser reconduzido juridicamente ao art.º 18.º da LAT e à responsabilidade agravada da empregadora.

                  Ou seja, perante as circunstâncias do caso concreto, consideramos a falta de utilização de equipamentos de proteção individual se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.

                   Em conclusão: tendo-se provado que o acidente de trabalho em causa resultou da falta da observação de regras sobre segurança no trabalho, para o sector da construção civil, mostram-se preenchidos os pressupostos da responsabilização da ré empregadora, previstos no n.º 1 do artigo 18.º da LAT.

                                                                               **
4. Prestações devidas à beneficiária do falecimento do sinistrado.

-O acidente ocorreu em 08/08/2022.

- O sinistrado faleceu em 18/08/2022.

                  Para além do dano, o montante da indemnização é aferido pela retribuição do trabalhador (art.º 48º, nº 3). A noção de retribuição, a que alude este preceito, não corresponde à que consta, nomeadamente do art.º 258º do CT. Considera-se retribuição o salário normalmente auferido pelo trabalhador, onde se incluem todas as prestações por ele recebidas com carácter regular, que não se destinem a compensar custos aleatórios (art.º 71º, nº 2, da LAT); isto é, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias — designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente—e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.).

                  -O sinistrado auferia a retribuição anual ilíquida de €11.322,00 (€705,00 x 14) + (€6,00 x 22 x 11).

                                                          *
a) Indemnização por incapacidade temporária.

                  A autora/recorrente reclama a quantia de €217,13, por incapacidade temporária absoluta do sinistrado no período decorrido entre 09.08.2022 e 18.08.2022.

                   Artigo 48º – Prestações

                  “1– A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.

                   (…)

                  3 – Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:

                   (…)

                  d) Por incapacidade temporária absoluta – indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente.”

                   -€11.322,00/365x70%x10d= €217,13.

                  A autora/recorrente tem direito a receber a quantia de €217,13, a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho.

                                                                                              *
b) Pensão por morte.

                  A autora/recorrente invoca que tem direito a uma pensão anual no valor €11.322,00, por força do artigo 18.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 98/2009.

                   De harmonia com o art.º 18º, nº 4, al. a) “No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, no caso de morte, igual à retribuição.

                   A pensão por morte é devida a partir do dia seguinte ao do falecimento do sinistrado e cumula-se com quaisquer outras (artigo 56º nº 2).

A autora/recorrente tem assim direito à pensão anual no valor de €11.322,00, desde 19/08/2022, sem prejuízo das atualizações anuais a que haja lugar.

                                                                                              *

                   c) Subsidio por morte.

                  A autora, ora recorrente reclama subsídio por morte no valor de €5.850,24.

                   O subsídio por morte é igual a 12 vezes o valor de 1,1 IAS à data da morte (artigo 65º, nº 2).

                   Para o seu cálculo há, pois, que apurar qual o montante do IAS à data do óbito (sendo o valor de €443,20, de acordo com o art.º 2 da Portaria nº 294/2021, de 13/12) multiplicá-lo por 1,1, o que se traduz em €443,20 x 1,1 = €487,52 x 12 = €5.850,24 de subsídio por morte.

                                                                                              *

d) Subsidio por despesas de funeral.

                  A autora, ora recorrente reclama subsídio por despesas de funeral, no montante das despesas efetuadas com o mesmo, na quantia de €3.316,00.

                  O subsídio por despesas de funeral é devido a quem comprovadamente tiver efetuado o pagamento delas (artigo 66º, nº 4).

                  O subsídio por despesas de funeral é igual ao montante das despesas efetuadas com o mesmo, com o limite de quatro vezes o valor de 1,1 IAS, aumentado para o dobro se houver trasladação (artigo 66º, º 2).

                 A autora AA suportou as despesas do funeral no valor de €2.316,00 e as despesas da aquisição do lote no cemitério onde o sinistrado foi sepultado, no valor de €1.000,00.

                  A autora tem assim direito à quantia de €3.316,00 de subsidio por despesas de funeral.

                                                                                              *

                e) Despesas de deslocação.

                A autora reclama a quantia de €19,44, a título de despesas de deslocação ao Tribunal de Trabalho de Leiria.

               Os transportes referidos no artigo 25º, nº 1, alínea f), estão disciplinados no artigo 39º.

                  A autora não fez prova da despesa reclamada, conforme resulta da alínea g) dos factos não provados, pelo que se absolve a ré do pedido de condenação na quantia de €19,44, a título de despesas de deslocação ao Tribunal de Trabalho de Leiria.

                                                                                              *

                  f)  Dano não patrimonial sofrido pelo sinistrado entre o momento do acidente e o momento da morte.

                  A autora/recorrente reclama o ressarcimento da sua quota-parte na herança dos danos sofridos pelo sinistrado com a ocorrência do acidente até à data da sua morte, considerando a sua gravidade e considerando que o seu marido soube que ia morrer, o que lhe aumentou o sofrimento, deverá ser fixado em valor não inferior a €15.000,00 (€30.000,00/2).

                  A propósito do art.º 18º da LAT, escreve Júlio Gomes[5] “Atenda-se, também, ao próprio dano da morte do sinistrado, bem como os danos não patrimoniais sofridos diretamente pelos seus familiares. Cabendo, por isso, à justiça do trabalho ter em conta na fixação da indemnização pelos danos a jurisprudência cível, especialmente a relativa a casos de acidentes de viação, atendendo à obrigação de os tribunais, na aplicação do direito, terem em consideração os casos que mereçam tratamento análogo, com vista à interpretação e aplicação uniformes do direito, como decorre do n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil”.

                   Dispõe o art.º 496º do Código Civil:
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 484.o; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

                  “A parte inicial da segunda parte do nº 4 prevê que, “em caso de morte”, “podem ser atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela vítima”. Apenas se esclarece que a morte não preclude o direito à indemnização pelos danos que o lesado tenha sofrido até à morte, ainda que não tenha exercido o respetivo direito. Esta norma compreende todos os danos não patrimoniais em caso de morte, incluindo, a própria morte como dano autónomo.

                  No segmento final do nº 4, dispõe-se que, “em caso de morte”, são também indemnizáveis os danos das “pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”. Está-se aqui perante a atribuição de um direito indemnizatório a terceiros pelos danos que eles sofreram em razão da morte do lesado[6].

                  “O dano em causa valora um sofrimento composto por várias sensações desagradáveis da vítima, de entre as quais é usual dar-se relevo ao sofrimento devido por a vítima se aperceber que a sua própria morte poderia estar iminente, e de ainda de atender à dor sofrida, ao tempo que medeia entre a lesão e a morte[7]”.

                   Resultou provado:

                  -O sinistrado, no dia 08/08/2022, pelas 15h30, nas instalações da ré A..., em ..., foi atingido na cabeça pela queda de uma parede pré-fabricada em madeira (facto 2);

                  -Em consequência do facto descrito em 2. o sinistrado deu entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar ..., pelas 16h:31 do mesmo dia, apresentando-se agitado e com discurso incoerente, evidenciando, ao exame objetivo, ferimentos na cabeça (regiões frontal e occipital), perdas hemáticas pela boca, “equimose periorbitária bilateral”, hipotensão e pontuação de 10 na escala de Glasgow, não abrindo o olho direito e exibindo desvio da comissura labial à direita Foi efetuada tomografia computorizada (TC) que mostrou “- Provável foco de contusão frontal anterior à esquerda, com componentes predominantemente hemáticos agudos. Componentes hemáticos agudos subaracnoideus sulco-cisternais difusos, com maior expressão frontal esquerda e na região perimesencefálica/cisterna supraselar.

                  Coexistem discretos componentes hemáticos agudos no interior do IV ventrículo./- Coleção hemática agura subdural fronto-parietal à esquerda, com alguns aerocelo sintralesionais./-Provável colecção hemática aguda extra-axial epidural temporal anterior direita…/- inúmeros traços de fratura envolvendo a base do crânio – occipital e no clivus à direita; e grande asa do esfenóide à direita – e a região frontal bilateral, interessando ambas as paredes, anterior e posterior dos seios frontais./-Traços de fratura envolvendo as apófises pterigoideias bilateralmente e o maciço facial, com preenchimento das cavidades nasais e seios perinasais – provável hemossinus…Densificação contusional na base pulmonar direita. Fratura dos 4.º, 5.º e 6.º e 7.º arcos costais à direita (facto 7);

                  -Tendo sido transferido para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC-HUC pelas 19h53 do mesmo dia, onde permaneceu internado, vindo a falecer no dia 18/08/2022 em virtude das lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 56 a 59 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos, nomeadamente lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, complicadas de meningite e associadas a enfarte agudo do miocárdio (facto 8);

                  -O sinistrado, enquanto aguardava no local por socorro, manteve-se consciente, gritava com dores e pôde antever a sua morte (facto 23);

                  -Enquanto esteve internado no CHUC-HUC esteve acamado e em estado de coma, tendo realizado diversos exames, tratamentos e medicação (facto 24);

                  Em face do acima exposto, fixamos em €15.000, o valor devido à autora/recorrente pelo sofrimento do sinistrado anterior à sua morte[8].

                                                                                              *

                   g) Dano morte.

                  A autora/recorrente reclama o ressarcimento da sua quota-parte na herança pela violação do direito à vida de CC, em valor a fixar em quantia não inferior a €45.000,00 (€90.000,00/2).

                  No caso particular do dano morte, reconhece-se que assume particular dificuldade quantificar a perda do direito à vida, por estar em causa a supressão de um bem único e irrepetível, que é a vida humana, o que explica as disparidades na determinação do respetivo quantum indemnizatório.

                  Concretizando, verifica-se que, o sinistrado faleceu com 58 anos de idade, no estado de casado com a autora AA. Vivia com a mulher e a filha BB (factos 1, 2 e 29).

               Sendo a vida um valor absoluto, e devendo procurar-se a uniformização dos critérios jurisprudenciais[9], entende-se como adequado o valor de €35.000,00, a compensação arbitrada por dano de morte de CC.

                                                                                              *

                   h) Danos não patrimoniais próprios da autora/recorrente.

                  A autora/recorrente reclama pelo menos a quantia de €30.000,00, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais próprios que sofreu em consequência da morte do seu marido.

                  Decorre do citado artigo 18º da LAT que o dever de reparação dos danos não patrimoniais, nos termos da lei geral, concretiza-se numa indemnização de danos que não vem especificamente prevista na LAT, mas antes noutras fontes normativas gerais (designadamente, nos artigos 483º nº 1 e 562º do Código Civil).

                  Dir-se-á que é de indesmentível gravidade o dano não patrimonial aqui e agora considerado, sofrido pela autora/recorrente, permitindo (impondo) a respetiva ressarcibilidade.

                  A determinação de tais valores será, feita com recurso à equidade, ponderando a especificidade do caso concreto, nomeadamente o vínculo afetivo que ligava a autora/beneficiária à vítima, tomando ainda por referência os valores adotados pela jurisprudência para casos semelhantes.

                  No caso concreto, importa, assim, ponderar o seguinte circunstancialismo fáctico apurado:

                 - O sinistrado faleceu com 58 anos de idade no estado de casado com a autora AA, a qual fazia parte do seu agregado familiar e não tinha outros familiares a cargo ou a quem estivesse a pagar pensão de alimentos (facto 9);

                   -Era saudável, muito alegre e bem-disposto (facto 25);

                   -Era um pai muito presente, carinhoso e um marido afetuoso e querido (facto 26);

                  -Era notado, entre os vizinhos e conhecidos, pela afabilidade, simpatia e apego à família (facto 27);

                  -Existindo entre ele e as autoras uma relação de grande cumplicidade e companheirismo (facto 28);

                   -A autora BB vivia na mesma habitação com o sinistrado e a autora AA (facto 29);

                  -Efetuaram deslocações ao CHUC, que se situa a 77 quilómetros de distância da sua residência e aperceberam-se do agravamento do estado clínico do sinistrado (facto 30);

                  -Tendo recebido com choque a notícia do falecimento do sinistrado (facto 31);

                  -As Autoras ficaram muito tristes, abaladas e revoltadas com a morte do Sinistrado (facto 32);

                  -Sentem a sua falta e ainda hoje choram de saudade (facto 33).

                  É, pois, indesmentível que a autora/recorrente terá grandes dificuldades em ultrapassar a experiência traumática resultante da sua viuvez

                  Ponderando os apontados critérios, e atendendo aos valores convocados pela jurisprudência para ressarcir danos similares, consideramos adequado o valor de €25.000,00.

                                                                                              *

                   i) Juros de mora.

               Os juros de mora sobre as quantias acima referidas, às taxas legais em vigor, são devidos desde a data da citação, tal como é peticionado e nos termos do art.º 135º, parte final, do CPT.

                                                                                              ***       

                   DECISÃO

                  Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, a qual se substitui pela seguinte decisão:
1. Condena-se a ré/entidade empregadora a pagar à autora/beneficiária as seguintes quantias:

                   a) €217,13 (duzentos e dezassete euros e treze cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho.

                  b) €11.322,00 (onze mil, trezentos e vinte e dois euros), a título de pensão anual por morte, desde 19-08-2022; sem prejuízo das atualizações anuais a que haja lugar;

                   c) €5.850,24 (cinco mil, oitocentos e cinquenta euros e vinte e quatro cêntimos), a título de subsidio por morte;

                   d) €3.316,00 (três mil, trezentos e dezasseis euros), a título de subsidio por despesas de funeral;

                  e) €15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo sinistrado entre o momento do acidente e o momento da morte;

                  f)   €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de indemnização pelo dano de morte;

                  g)  €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais próprios sofridos pela autora;

                  h) Sobre as quantias acima referidas vencem-se juros de mora, às taxas legais, desde a data da citação até integral pagamento, tal como foi peticionado.
2. Absolve-se a ré/entidade empregadora dos restantes pedidos.
3. No mais, mantém-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.

                  As custas são devidas pela ré/recorrida A... Unipessoal, Lda. na proporção do respetivo vencimento, dado que a autora/recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

                                                                                                              Coimbra, 24 de outubro de 2025

                   Mário Rodrigues da Silva- relator

                   Paula Maria Roberto- adjunta

                   Felizardo Paiva- adjunto

                                                                                              ***

                   Sumário (art.º 663º, nº 7, do CPC):

                   (…).

                  Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


([1]) Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho - Parte II, 9th Edição, 2023, pp. 872, 874, 875, 876 e 877.
([2]) Direito do Trabalho, 11th Edição, 2023, p. 885.
([3]) Não se trata de uma presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida.
([4]) 19-06-2013, 3529/04, Maria Clara Sottomayor e de 15-09-2021, 559/18, Leonor Cruz Rodrigues, www.dgsi.pt.
([5]) Acidente de trabalho devido a culpa. Em torno do artigo 18.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro), https://arevista.stj.pt/edicoes/numero-4/acidente-de-trabalho-devido-a-culpa-em-torno-do-artigo-18-o-da-lat-lei-n-o-98-2009-de-4-de-setembro.
([6]) Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, 2025, p. 684.
([7]) Ac. do STJ, de 15-09-2022, 2374/20, Fátima Gomes, www.dgsi.pt.
([8]) Cf. Ac. do STJ, de 25-02-2021, 4086/18, Rosa Tching, www.dgsi.pt. em que se fixou uma compensação de €20.000,00.
([9]) Cf. Ac. do TRG, de 29-06-2021, 382/15, Maria João Matos, www.dgsi.pt. fixou em € 75.000,00 a quantia devida para ressarcir a perda da vida de uma mulher de 46. Segundo o Ac. do TRE, de 5-12-2024, 2883/23, Cristina Dá Mesquita, www.dgsi.pt. “tem sido pacificamente aceite que na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça consolidou-se a orientação de que a indemnização do dano pela perda do direito à vida se situa, em regra e com algumas oscilações, entre os €50.000,00 e €80.000,00”.