Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2675/13.1TBLRA-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRESUNÇÕES
NEXO DE CAUSALIDADE
DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - 1ª SEC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.18, 186, 189 CIRE, 72 CSC
Sumário: 1. Um incumprimento generalizado das contribuições e quotizações para a segurança social faz presumir de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos três meses sobre a sua verificação.

2. O incumprimento do dever de apresentação à insolvência, acarretando uma presunção de culpa qualificada na insolvência (art. 186º, nº3, al. a)), dispensa a prova do nexo causal entre tal facto e a criação ou agravamento da insolvência, onerando o devedor com o ónus da prova de que não foi a sua conduta que deu causa à insolvência ou ao seu agravamento, mas outros fator externo ou independente da sua vontade.

3. Um administrador de direito que o não seja de facto pode ser também ele afetado pela qualificação de insolvência como culposa, nomeadamente quando se encontre em causa um comportamento omissivo dos deveres que sobre o mesmo impendiam enquanto fazendo parte do órgão de gestão da devedora, nomeadamente o de apresentação da devedora à insolvência.

4. A condenação das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência a indemnizarem os credores pelo passivo não satisfeito, caso não seja possível a fixação imediata do montante das indemnizações devidas, deve estabelecer os critérios a utilizar para a sua quantificação a efetuar em liquidação de sentença.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
 Decretada a insolvência de T (…), Lda., por sentença de 11 de junho de 2013,
O credor reclamante J (…) veio requerer a qualificação da insolvência como culposa, propondo que sejam afetados por tal qualificação as seguintes pessoas (individuais e coletivas):
a) JM (…);
b) JA (…);
c) FM (…);
d) Várias sociedades comerciais que identifica nos arts. 51º a 62º do seu requerimento;
alegando diversa factualidade que, em seu entender, integraria a qualificação da insolvência como culposa por preenchimento das alíneas a), b), d), e), g) e i), do nº2 do artigo 186º CIRE,
O Sr. Administrador de insolvência emitiu parecer nos termos do disposto no artigo 188º nº1 do CIRE, fazendo apelo à repercussão da crise financeira internacional e o abrandamento da economia mundial para justificar a situação de insolvência da sociedade insolvente; reconhecendo que a alegada violação do dever de apresentação à insolvência, dada a antiguidade do crédito da Segurança Social, é suscetível de presumir a existência de culpa grave, considera inexistir prova do nexo de causalidade entre a conduta dos administradores e a ocorrência ou agravamento da situação de insolvência.
Conclui pela qualificação da insolvência como fortuita.
O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa, por força do disposto no artigo 186º, ns. 1 e 2, alíneas d) e f), e alínea a) do nº3, do CIRE, com culpa grave por parte dos respetivos administradores JM (…) e JA (…).
Citada a devedora e os demais requeridos, estes vieram deduzir oposição alegando que o circunstancialismo que deu origem à situação de insolvência, por si só, não parece suficiente para afastar a existência de culpa grave dos seus administradores, que o oponente JA(…) nunca exerceu de facto as funções de gerente, e ainda que a opoente FM (…) nunca exerceu a função de gerente nem de direito, nem de facto.
Concluem no sentido de que a insolvência deve ser declarada fortuita.
*
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a:
“Julgar o presente incidente de qualificação da insolvência parcialmente procedente, por provado em igual medida, em consequência do que:
a) - Qualifica-se como culposa a insolvência de T (...) , Lda;
b) - Consideram-se afetados pela qualificação da insolvência como culposa os gerentes da sociedade devedora JM (…) e JA (…);
c) - Declaro JM (…) e JA (…)  inibidos para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio durante um período de 2 (dois) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão da sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, nos termos do disposto no n.º 2, al. c) do CIRE;
d) - Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente que sejam detidos pelos referidos gerentes, pessoas afetadas pela qualificação;
e) - Condenar solidariamente os Requeridos JM (…) e JA (…)  a indemnizar os credores da sociedade devedora pela diferença que apresentem os créditos reconhecidos e não satisfeitos entre a data em que se deveria ter apresentado à insolvência e a data da declaração da insolvência, até porque apenas nesta medida a sua atuação agravou a situação destes credores, a quantificar em liquidação de sentença, nos termos da parte final do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE.
*
Absolve-se a requerida FM (…) do pedido formulado.”
*
Não se conformando com a mesma, os requeridos JM (…) e JA (…), dela interpuseram recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente[1]:
(…)
*
O Ministério Público, apresenta contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº2, in fine, do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2. Qualificação da insolvência como culposa por força do preenchimento da al. a) do nº3 do art. 186º CIRE
3. Se a qualificação da insolvência como culposa deve abranger o requerido/Apelante JA (…).
4. Condenação dos afetados pela qualificação da insolvência no passivo não satisfeito pelas forças da massa insolvente.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Impugnação da matéria de facto
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:
1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 
Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.
Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[2], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.
*
(…)
*
A. Matéria de Facto:
O tribunal recorrido deu como provados, entre outros, os seguintes factos (que aqui se reproduzem apenas parcialmente, na parte em que possam ter relevo para as questões objeto do presente recurso), com as alterações aqui introduzidas:
 (…)
 14º Em 11/06/2013, a “T (…), Lda.” -, foi declarada insolvente, tendo o A. reclamado créditos no respetivo processo de insolvência;
(…)
33º A sociedade T (…), Lda. labora no local referido.
34º Atualmente é a T (…), Lda. que efetua descontos para a Segurança Social relativamente a trabalhadores que aí prestam trabalho e que antes prestavam trabalho integrados no quadro de pessoal da insolvente T (…), Lda..
35º A referida empresa exerce atividade de fabricação, acabamentos, pintura, embalagem e expedição de artigos e objetos de iluminação e candeeiros.
36º O local da sede da insolvente corresponde, atualmente, além de outras, à sede das sociedades referidas:
- A. (…), LDA., NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Fabrico de vidro de artigos de iluminação;
b) Sócios e gerentes: JM (…) e JA (…)
- T (…) (...) , Lda, NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Indústria e Comércio de Vidros para Iluminação;
b) Sócios: JM (…), JA (…) ; e F (…) S.A;
c) Gerentes: JM (…) e J A (…)
- T (…)Produtos de Iluminação, Lda (a insolvente), NIPC (...), a qual apresenta:
a) Objeto social: Fabrico e montagem de candeeiros e objectos de iluminação;
b) Sócios: T (…)Serviços e Gestão, S.A e F (…) S.A.;
d) Gerentes: JM (…) e J A (…)
- T (…) – Indústria de Vidro, Lda, NIPC (...), a qual apresenta:
a) Objecto social: Produção e acabamento de vidros para iluminação;
b) Sócios: T (…) Serviços de Gestão, S.A. e F (…)– Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A;
e) Gerentes: JM (…) e J A (…)
37º A sociedade T (…) – Indústria de Vidro, Lda foi declarada insolvente em 20/10/2009.
- T (…) – PRODUÇÃO DE VIDRO DE CRISTALARIA, LDA, NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Produção de vidro de cristalaria, desenvolvimento e aplicação de tecnologias avançadas para a sua produção e transformação;
b) Sócios: T (…) Serviços de Gestão, S.A. e F (…) – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A;
c) Gerentes: JM (…) e J A (…)
- T (…) – Componentes em Metal, Lda, NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Fabrico e comercialização de peças e componentes em metal para candeeiros e móveis;
b) Sócios: T (…)– Serviços de Gestão, S.A. e F (…) Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A;
d) Gerentes: JM (…) e J A (…)
- T (…) Produção de Cadeiras, Lda., NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objeto social: atividade de carpintaria e fabricação de cadeiras e móveis de pequena dimensão;
b) Sócios: T (…)– Serviços de Gestão, S.A. e F (…)– Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A;
e) Gerentes: JM (…) e J A (…)
38º A A sociedade identificada no ponto antecedente foi declarada insolvente em 19/09/2012;
- TT (…)- Comércio Internacional, Lda, NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Comércio nacional e internacional de bens e serviços, nomeadamente, de vidros e artigos para iluminação;
c) Sócios: T (…)– Serviços de Gestão, S.A. e F (…) Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A;
f) Gerentes: JM (…) e J A (…)
- T (…)L- Serviços de Gestão, S.A., sociedade anónima NIPC (...) , a qual apresenta:
a) Objecto social: Gestão e prestação de serviços de assistência e consultadoria nas áreas comercial e financeira, podendo no âmbito das mesma áreas promover a celebração de contratos por conta de terceiros;
b) Membros do Concelho de Administração: JM (…), J A (…) e FM (…).
39º JM (…) e J A (…) são irmãos.
40º JM (…) e FM (…)são casados no regime da comunhão de adquiridos.
41º Nos presentes autos foi reclamado pela Segurança Social (IGSFF, IP), crédito no valor de 962.951,03 € – sendo que, parte do mesmo, no valor de 795.662,52 € foi constituído mais de 6 meses antes da declaração de insolvência;
42º A empresa “T(…) – Produtos de Iluminação, Lda.” apresentou-se à insolvência alegando que se encontra impossibilitada de cumprir com a generalidade das obrigações a que está adstrita, não dispondo de condições para se manter em laboração;
43º Tratava-se de uma unidade que tinha por objeto o fabrico e montagem de candeeiros e objetos de iluminação, cuja produção se destinava maioritariamente a clientes europeus (revendedores franceses e espanhóis);
44º A partir de 2003, com a abertura dos mercados europeus aos produtos chineses, com preços muito mais acessíveis, a insolvente começou a perder aqueles clientes, surgindo dificuldades financeiras;
45º A insolvente tentou uma reestruturação em 2009, através da implementação de um PEC, o qual foi extinto em Abril de 2011 sem conseguir os objetivos propostos;
46º A sociedade apresentou-se à insolvência, a qual foi decretada em 11 de Junho de 2013;
47º À data da declaração da insolvência, a contabilidade da sociedade encontrava-se em dia, de acordo com as normas contabilísticas;
48º Equipamento produtivo da insolvente foi penhorado no âmbito dos Procs. n.º 925/08.5TTLRA, n.º 830/08.5TTLRA, n.º 924/08.7TTLRA e n.º 922/08.8TTLRA, tendo os bens penhorados nos dois últimos processos foram vendidos pela Sra. Agente de Execução;
49º Os bens penhorados no âmbito dos dois primeiros processos foram apreendidos para a massa insolvente e, apesar de se encontrarem ainda nas ex-instalações da insolvente, o Administrador da Insolvência não deu autorização para que fossem utilizados para qualquer fim, e em deslocação efetuada àquelas instalações, o A.I. verificou que aqueles equipamentos não estavam a ser utilizados por quaisquer trabalhadores;
50º A insolvente teve uma recuperação nos anos de 2009 e 2010, nos quais apresentou resultados positivos, ainda que diminutos.
51º A requerida, “T (…) Produtos de Iluminação, Ldª.”, sociedade por quotas, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria, pessoa coletiva nº. (...) , com sede em (...) , Leiria;
52º O objeto social da mesma é fabrico e montagem de candeeiros e objetos de iluminação;
53º Os sócios da mesma são, “T(…) - Serviços e Gestão, S.A.” e “F (…) Empresa Financeira de Gestão e de Desenvolvimento, S.A.”;
54º A gerência era exercida por JM (…) e J A (…)
55º A devedora, “T (…) Produtos de Iluminação, Ldª.”, apresentou-se à insolvência, a 31/05/2013;
56º A mesma veio a ser declarada insolvente, por sentença, proferida a 11/06/2013;
57º Tanto a insolvente como “T(…)- Componentes em Metal, Lda.” têm como sócios, “T(…)- Serviços e Gestão, S.A.” e “F(…) - Empresa Financeira de Gestão e de Desenvolvimento, S.A.”;
58º São membros do conselho de administração, destas duas últimas, JM (…), J A (…) e FM (…).
59º Da sentença que decretou a insolvência da devedora, e de acordo com os factos apresentados pela mesma, consta que a mesma tem um ativo no valor de € 545,979,52;
60º Dos autos de apreensão, constantes do apenso, D, a fls. 2 foi efetuada apreensão de saldo bancário no valor de € 8.348,27 e a fls. 5 a 6 de oito verbas, bens de equipamento, máquinas, no valor total de € 14.350,00;
61º (eliminado);
62º A devedora foi acumulando dívidas, não só ao Estado, designadamente, à Segurança Social e Fazenda Nacional, como a outros credores, como trabalhadores e fornecedores, tendo sido reclamados créditos, por parte de todos os credores, no valor total de € 1.371.493,18 (um milhão, trezentos e setenta e um euros e dezoito cêntimos);
63º Ao agirem da forma descrita, os administradores da devedora, não apresentando a mesma, à insolvência, as dívidas aos respetivos credores, designadamente, à Segurança Social e a outros credores, foram atingindo valores cada vez mais elevados, sendo que as dívidas da insolvente a esta última, em fevereiro de 2010, tinham o valor total de € 144.945,28, enquanto à data da insolvência, ascendiam ao valor de € 962.951,03;
64º Na sequência dos factos comunicados, ainda, no âmbito dos autos principais, foi instaurado procedimento criminal, pela eventual prática de crimes, por parte dos administradores da devedora, encontrando-se, o inquérito, em fase de investigação.
65º (eliminado).
66º Enquanto as dívidas à Fazenda Nacional se iniciaram em 2012, as dívidas à Segurança Social reportam-se a 2004, sendo que em fevereiro de 2010, já ascendiam ao valor de € 144.945,28 (daí que tenha sido deduzida acusação pela prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, em 11/04/2011), dívida que adevedora os administradores da insolvente deixaram que se avolumasse, até cerca de um milhão de euros (€ 962.951,03);
67º A oponente FM (…) nunca esteve envolvida no giro e funcionamento comercial da insolvente, nunca acompanhou e controlou a condução da atividade da sociedade, nunca teve poder decisório sobre o destino da empresa, nunca contratou com terceiros em nome da empresa, nunca admitiu ou despediu, nunca exerceu poderes de chefia, nunca praticou atos de comando, ou deu instruções ou ordens aos empregados, nunca fez pagamentos a fornecedores ou credores, ou sequer encomendas, nem tão pouco contactos com clientes, fornecedores ou credores.
(…)
74º Em 2009, cerca de um ano antes de requerida e declarada a insolvência da T (...) , Lda., em 20 de Outubro de 2009, nos autos do processo 5078/09.9TBLRA, que correu termos no Tribunal Judicial de Leiria, 1.º Juízo Cível.
75º As seguintes sociedades laboraram no referido espaço:
(…)
76º Todas são fruto da parceria financeira estabelecida com o Grupo Caixa Geral Depósitos – F (…), sendo esta sócia de todas as sociedades por quotas.
77º Desde 08 de Abril de 2010, que a empresa C (…)– Composição e Transformação de Plásticos, Lda., desenvolve a sua atividade no mesmo perímetro industrial.
78º (…)
79º A insolvente constituída em 1996 e a TT (…), Lda., em 1997, desde sempre até à presente data, tiveram os seguintes objetos sociais: a insolvente dedicava-se ao fabrico e montagem de candeeiros e objectos de iluminação, e a outra sociedade dedica-se ainda na actualidade ao fabrico e comercialização de peças e componentes em metal para candeeiros e móveis.
80º Actualmente mantém actividade, pelo menos, a T (…), Vidros para Iluminação, Lda.; T (…)Componentes em Metal, Lda. e T (…) – Serviços e Gestão, SA..
81º A insolvente apresentou um PEC – Procedimento Extrajudicial de Conciliação, o qual deu entrada 19 de Novembro de 2009, extinto em 05 de Abril de 2011.
82º A insolvente pagou passivo à Fazenda Nacional no montante de €7.308,00.
83º €10.680,71 de dívida à Fazenda Nacional respeitam a obrigações vencidas no ano de 2013.
84º A dívida à Fazenda Nacional referida foi assumida a título pessoal pelo gerente JM (…), no que concerne a capital e juros, para pagamento em vinte e quatro prestações, sendo que se encontram pagas oito prestações;
85º A dívida à Segurança Social, em Fevereiro de 2009, tinha o valor de €533.947,53, valor com juros e sem custas;
86º O passivo à Segurança Social aumentou desde Fevereiro de 2009, em €429.003,50,
87º Na data de apresentação do requerimento PEC, em 2009, o passivo da insolvente era de €1.297,202,46, sendo que €541.494,50, respeitava a dívida ao Estado.
88º Na data da insolvência, o valor refletido em credores comuns era de €147.443,34, sendo que €45.175,50, da sociedade T (…) SA;
89º Desde 2009 até à apresentação da insolvência, a insolvente pagou a importância de €608.264,62;
90º Do imobilizado faziam parte bens os quais foram penhorados e vendidos, no ano de 2013 no âmbito de processos executivos, à sociedade comercial S (…)– materiais e equipamentos recicláveis, Lda., com o NICP (...)
91º A T (…) Lda., alugou alguns equipamentos à sociedade comercial S (…) materiais e equipamentos recicláveis, Lda., que anteriormente pertenciam à insolvente.
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Aditaremos ainda o seguinte facto, que se extrai da certidão junta aos autos relativamente à sentença de verificação e graduação de créditos proferida na insolvência:
92. A Segurança Social viu reconhecidos e graduados créditos no valor de 103.689,48 € relativamente a contribuições constituídas menos de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
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B. O Direito
1. Qualificação da insolvência como culposa por força do preenchimento da alínea a) do nº3 do artigo 186º CIRE
O juiz a quo acabou por concluir pela qualificação da insolvência como culposa unicamente pelo preenchimento do circunstancialismo previsto na alínea a), do nº3, do artigo 186º do CIRE.
A qualificação da insolvência como culposa por via do preenchimento alínea a) do nº3, do artigo 186º do CIRE – violação do dever de apresentação à insolvência – passará pela resposta às duas seguintes questões:
1. Se a factualidade dada como provada nos permite dar como verificado o circunstancialismo previsto em tal alínea.
2. Em caso afirmativo, se haverá ainda que demonstrar o nexo de causalidade entre a violação do dever em causa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
Vejamos, em primeiro lugar, se se pode ter por verificada uma violação do dever de apresentação à insolvência.
Defendem os apelantes não existir qualquer violação do disposto no artigo 18º do CIRE, tendo-se a insolvente apresentado nos 30 dias após o conhecimento da situação de insolvência: apresenta-se à insolvência em 31.05.2013, no seguimento da apresentação das contas em 13.05.2013 e da venda dos equipamentos produtivos em 2013.
Vejamos a situação em apreço.
Dispõe o artigo 18º, CIRE[3], sob a epígrafe “Dever de apresentação à insolvência”:
1. O devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº1 do artigo 3º ou à data em que devesse conhecê-la.
(…)
3. Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na al. g) do nº1 do artigo 20º.”
 As obrigações cujo incumprimento generalizado dão azo à “presunção inilidível” do nº3 do artigo 18º, e que se encontram previstas na al. g) do nº1 do artigo 20º, são as seguintes: i) tributárias; ii) de contribuições e quotizações para a segurança social; iii) dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação; iv) rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respetiva hipoteca, relativamente ao local em que o devedor realize a sua atividade ou tenha a sua sede ou residência.
O prazo de apresentação à insolvência conta-se do conhecimento da situação ou, sendo anterior, do momento em que o devedor a devia conhecer. Este dever de conhecimento tem de ser apreciado nos termos gerais, por referência ao devedor médio colocado na situação concreta do agente.
Para facilitar a prova de tal conhecimento, o nº3 do artigo 18º prevê uma presunção inilidível do conhecimento da insolvência quando ocorra, há pelo menos três meses, o incumprimento generalizado de qualquer das obrigações referidas na al. g) do nº1 do art. 20º.
E, como salientam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[4], pelo modo como se acha redigido o preceito, resulta que está em causa o incumprimento do tipo de obrigações e não somente uma insatisfação total das obrigações decorrentes de uma certa fonte concreta, mantendo-se, todavia, o cumprimento generalizado das obrigações da mesma espécie emergentes de outras fontes. Esclarecendo tal afirmação, tais autores referem que se um devedor celebrou e tem em curso vinte contratos de locação, que impõem prestações mensais, e deixa de pagar as de um, mantendo o pagamento das dos restantes, não se preenche a previsão do nº3 do artº 18º; se, porém, mantém o pagamento das rendas de um, mas deixa de pagar as dos outros, por mais de três meses, aí ocorre uma situação que obriga à apresentação.
A circunstância de se atribuir carater “inilidível” à presunção tem por consequência que, uma vez demonstrado o facto base – incumprimento generalizado de determinado tipo de obrigações que se prolongue por mais de três meses – não poder o devedor alegar factos demonstrativos do desconhecimento da situação de insolvência.
Vejamos, assim, se temos por verificados algum dos factos base da presunção do nº3 do art. 18º, a fim de concluirmos a partir de que momento poderemos afirmar com segurança que a devedora tinha obrigação de se aperceber que se encontrava já em estado de insolvência.
Encontram-se dados como provados os seguintes factos, com interesse para a questão em apreço:
41º Nos presentes autos foi reclamado pela Segurança Social (IGSFF, IP), crédito no valor de 962.951,03 € – sendo que, parte do mesmo, no valor de 795.662,52 € foi constituído mais de 6 meses antes da declaração de insolvência;
48º O equipamento produtivo da insolvente foi penhorado no âmbito dos Procs. n.º 925/08.5TTLRA, n.º 830/08.5TTLRA, n.º 924/08.7TTLRA e n.º 922/08.8TTLRA, tendo os bens penhorados nos dois últimos processos sido vendidos pela Sra. Agente de Execução;
49º Os bens penhorados no âmbito dos dois primeiros processos foram apreendidos para a massa insolvente e, apesar de se encontrarem ainda nas ex-instalações da insolvente, o Administrador da Insolvência não deu autorização para que fossem utilizados para qualquer fim, e em deslocação efetuada àquelas instalações, o A.I. verificou que aqueles equipamentos não estavam a ser utilizados por quaisquer trabalhadores;
55º A devedora, “T (…)Produtos de Iluminação, Ldª.”, apresentou-se à insolvência, a 31/05/2013;
56º A mesma veio a ser declarada insolvente, por sentença, proferida a 11/06/2013;
62º A devedora foi acumulando dívidas, não só ao Estado, designadamente, à Segurança Social e Fazenda Nacional, como a outros credores, como trabalhadores e fornecedores, tendo sido reclamados créditos, por parte de todos os credores, no valor total de € 1.371.493,18 (um milhão, trezentos e setenta e um euros e dezoito cêntimos);
63º Ao agirem da forma descrita, os administradores da devedora, não apresentando a mesma, à insolvência, as dívidas aos respetivos credores, designadamente, à Segurança Social e a outros credores, foram atingindo valores cada vez mais elevados, sendo que as dívidas da insolvente a esta última, em fevereiro de 2010, tinham o valor total de € 144.945,28, enquanto à data da insolvência, ascendiam ao valor de € 962.951,03;
64º Na sequência dos factos comunicados, ainda, no âmbito dos autos principais, foi instaurado procedimento criminal, pela eventual prática de crimes, por parte dos administradores da devedora, encontrando-se, o inquérito, em fase de investigação.
66º Enquanto as dívidas à Fazenda Nacional se iniciaram em 2012, as dívidas à Segurança Social reportam-se a 2004, sendo que em fevereiro de 2010, já ascendiam ao valor de € 144.945,28 (daí que tenha sido deduzida acusação pela prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, em 11/04/2011), dívida que a devedora os administradores da insolvente deixaram que se avolumasse, até cerca de um milhão de euros (€ 962.951,03);
81º A insolvente apresentou um PEC – Procedimento Extrajudicial de Conciliação, o qual deu entrada 19 de Novembro de 2009, extinto em 05 de Abril de 2011.
82º A insolvente pagou passivo à Fazenda Nacional no montante de €7.308,00.
83º €10.680,71 de dívida à Fazenda Nacional respeitam a obrigações vencidas no ano de 2013.
84º A dívida à Fazenda Nacional referida foi assumida a título pessoal pelo gerente J (...) , no que concerne a capital e juros, para pagamento em vinte e quatro prestações, sendo que se encontram pagas oito prestações;
85º A dívida à Segurança Social, em Fevereiro de 2009, tinha o valor de €533.947,53, valor com juros e sem custas;
86º O passivo à Segurança Social aumentou desde Fevereiro de 2009, em €429.003,50,
87º Na data de apresentação do requerimento PEC, em 2009, o passivo da insolvente era de €1.297,202,46, sendo que €541.494,50, respeitava a dívida ao Estado.
88º Na data da insolvência, o valor refletido em credores comuns era de €147.443,34, sendo que €45.175,50, da sociedade T(…)Serviços e Gestão, SA;
89º Desde 2009 até à apresentação da insolvência, a insolvente pagou a importância de €608.264,62;
90º Do imobilizado faziam parte bens os quais foram penhorados e vendidos, no ano de 2013 no âmbito de processos executivos, à sociedade comercial S (…) – materiais e equipamentos recicláveis, Lda., com o NICP (...)
92. A Segurança Social viu reconhecidos e graduados créditos no valor de 103.689,48 € relativamente a contribuições constituídas menos de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Antes de mais, haverá que chamar a atenção para o facto de, apesar de se pronunciar no sentido da qualificação da insolvência como fortuita, o Administrador de insolvência, no parecer por si emitido ao abrigo do art. 188º CIRE, acaba por reconhecer que, “quanto à alegada violação dos legais representantes da insolvente do dever de apresentação à insolvência, dada a antiguidade do crédito da segurança social, é suscetível de se considerar este facto presuntivo da existência de culpa grave.”
Nos presentes autos foi reclamado pela Segurança Social (IGSFF, IP) um crédito no valor de 962.951,03 €, sendo que 759.662,52 € foram constituídos mais de 12 meses antes da declaração de insolvência. A Segurança Social viu reconhecidos e graduados créditos no valor de 103.689,48 € relativamente a contribuições constituídas menos de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Há aqui um nítido incumprimento generalizado das contribuições para a Segurança Social, situação de incumprimento que se arrastava há vários anos (se em 2010, a dívida à Segurança Social chegou a ficar reduzida a 144.945,28 €, em meados de 2012 tal dívida atingia já o valor de 759.6652 €), e que se manteve durante o ano que antecedeu o início do processo de insolvência (entre maio de 2012 e maio de 2013), durante a sociedade devedora qual veio a acumular uma nova dívida de 103.689,48 €, resultante de contribuições e quotizações vencidas durante esse período.
Presumir-se-á, assim, de forma inilidível, o conhecimento da situação de insolvência, se não antes, pelo menos três meses após o ano que antecedeu a apresentação da devedora à insolvência, ou seja, pelo menos desde Agosto de 2012, presumir-se-á de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência por parte dos seus administradores.
Ainda que estivéssemos perante uma mera presunção ilidível (e não estamos), atentar-se-á em que os demais elementos dos autos nunca seriam de molde a afastar tal presunção, antes pelo contrário: a insolvente tinha a correr contra si 17 execuções instauradas por trabalhadores e 4 processos executivos instaurados por fornecedores, no âmbito dos quais terá sido penhorado todo a seu equipamento. Só no ano de 2011, teve um prejuízo de 30.700,00 € e no ano de 2012 teve um prejuízo de 70.500 €, para não falar nos resultados transitados que, no ano de 2011 atingiram o montante de 577.300€ (negativos) e no ano de 2012 o montante de 608.000 € (negativos) – cfr., relatório do A.I. cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 838 a 841.
Assim sendo, o facto alegado nas alegações de recurso, no sentido de que os seus administradores só teriam tido conhecimento da situação de insolvência quando ocorreu a venda do equipamento em 2013 no âmbito dos processos executivos (sem indicarem sequer, qual a data em que se realizou tal venda), e com a apresentação de contas em 13 de maio de 2013 não encontra qualquer apoio nos elementos constantes dos autos e, muito menos, nos factos dados como provados: antes pelo contrário, da declaração junta pelos próprios apelantes a fls. 309, resulta que a venda de bens efetuada no âmbito dos processos executivos 924/08 e 922/08.8TTLRA terá ocorrido a 17 de Dezembro de 2012, cerca de cinco meses antes da devedora se apresentar à insolvência (tal apresentação só veio a ocorrer a 31 de maio de 2013).
Confirma-se o juízo de valor efetuado na sentença recorrida no sentido de se ter por demonstrado o incumprimento do dever de apresentação à insolvência.
2. Prova do nexo causal entre a falta de apresentação atempada à insolvência e a criação ou agravamento da mesma.
Segundo os apelantes, para além da culpa grave dos administradores, que se presumirá por força da verificação de alguma das alíneas a) e b), do nº3 do art. 186º, elidível mediante prova em contrário, seria ainda necessária a demonstração de que essa situação esteve na origem da insolvência ou do seu agravamento, prova esta que não se mostra feita nos autos.
A sentença recorrida considerou que, reportando-se as dívidas da Segurança Social a 2004, e ascendendo em fevereiro de 2010 ao valor de 144.945,28 €, os administradores terão permitido que tal dívida se avolumasse até ao valor de 962.951,03 €: extinto o PEC em Abril de 2011 sem conseguir os objetivos propostos, a apresentação à insolvência unicamente a 31 de maio de 2013 (dois anos depois), tendo aumentado o passivo sem o correspondente ativo para assegurar o respetivo pagamento, o que determina a menor possibilidade de serem pagos, contribuiu para o agravamento da situação de insolvência.
Concordando-se em tese geral com tal raciocínio, acrescentaremos, tão só, que, pela nossa parte, não seria necessária a prova efetiva de tal nexo de causalidade, conforme passamos a explicar.
O nº1 do artigo 186º do CIRE dá-nos a seguinte definição geral de insolvência culposa:
“A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da atuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.
Seguidamente, tal definição geral é complementada e concretizada através da enumeração, nos seus ns. 2 e 3, de um elenco de situações tidas como de insolvência culposa:
“2. Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor.
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor, de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionados;
(…)
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter a contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº2 do art. 188º.
3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor, que não seja pessoa singular, tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submete-las à devida fiscalização ou de as depositar na Conservatória do Registo Comercial.
4. (…)
Da noção legal de insolvência culposa constante do nº1, a doutrina vem extraindo os seguintes os pressupostos da qualificação da insolvência como culposa:
i) uma ação ou omissão do devedor ou dos seus administradores ou gerentes;
ii) dolo ou culpa grave na ação ou omissão;
iii) produção ou agravamento do estado de insolvência;
iv) nexo causal entre o facto e a criação ou o agravamento da situação de insolvência[5].
Como salienta o Acórdão do TRC de 07.02.2012[6], a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor ou dos seus administradores e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Para facilitar essa qualificação, a lei estabelece presunções, através das quais opera a distribuição do ónus da prova da culpa, i.e., o encargo de demonstrar a sua existência.
Complementando a definição geral dada pelo nº1, o legislador enumera, sob o nº2 da citada norma, um conjunto de situações em que a insolvência se “considera sempre culposa” e, sob o nº3, situações em que se “presume a existência de culpa grave”.
A interpretação de tais normas e a articulação entre as diversas situações previstas nas alíneas dos ns. 2 e 3 e os pressupostos gerais previstos no nº1, não tem sido pacífica, tendo dado lugar a acesa discussão.
A doutrina[7] e a jurisprudência dominantes vêm defendendo que as situações do nº2 consubstanciam presunções iuis et iure, absolutas ou inilidíveis de insolvência culposa, por contraponto aos comportamentos enumerados sob o nº3, que constituiriam meras presunções iuris tantum, relativas ou ilidíveis, da existência de culpa grave.
As presunções constantes do nº3 distinguir-se-iam das anteriores, não só porque permitiriam o seu afastamento mediante prova em contrário, mas também porque com o seu funcionamento apenas resultaria demonstrado um dos pressupostos do nº1, a culpa grave[8].
Na determinação do alcance das presunções consagradas no nº2 do artigo 186º (e, ainda com maior acuidade, relativamente às presunções contidas sob o nº3), vem-se questionando se, para a qualificação da insolvência como culposa, a par da prova do circunstancialismo previsto nalguma das suas alíneas, haverá ainda que demonstrar a existência de um nexo de causalidade entre os factos aí previstos e a produção e/ou agravamento da situação de insolvência.
Relativamente às situações descritas sob o nº2, Catarina Serra dá uma resposta inequívoca a tal questão: “uma vez apurado qualquer do(s) facto(s) descrito(s), presume-se, sem possibilidade de prova em contrário, que existem os dois requisitos fundamentais da insolvência culposa (a culpa qualificada e o nexo de causalidade), ficando o juiz vinculado a declarar esta qualificação”[9].
Tendo lugar alguma das situações previstas, presume-se a culpa (grave) – estando precludida a alegação e demonstração de alguma causa de desculpação –, bem como a causalidade da violação ilícita e culposa de determinados deveres em relação à insolvência, sem que haja lugar a prova em contrário[10].
Para Rui Estrela de Oliveira[11], a questão terá de ser resolvida caso a caso, sublinhando que neste número não estamos perante presunções que facilitam a prova de um dos pressupostos da qualificação, mas perante presunções que facilitam o próprio sentido da decisão.
E, no que respeita às alíneas h) e i), tal autor insere-as no domínio das causas puramente objetivas da insolvência culposa: “Nestas duas alíneas, não está, em abstrato, pressuposto um nexo de causalidade entre o comportamento do visado que impediu e/ou impede que se determine o valor da sua contribuição e responsabilidade na produção e/ou agravamento da situação de insolvência. Sendo assim, mostra-se justificado que aquele que impediu a descoberta da verdade material não beneficie mais do que o responsável que não impediu tal descoberta. Ou seja, estamos aqui perante sanções quase diretas: deve ser sancionado quem impediu que se desenvolvesse uma normal discussão factual sobre os pressupostos da insolvência culposa. Destarte, e para fazer funcionar as presunções, apenas deve ser alegada e provada a literal factualidade com virtualidade para preencher a hipótese normativa das alíneas, não sendo necessário invocar qualquer facto para preencher os pressupostos de insolvência culposa constantes da noção geral do nº1, designadamente o nexo de causalidade entre tais comportamentos e a produção/agravamento da situação de insolvência[12]”.
Também Catarina Serra, reconhecendo que a inobservância do dever de manter a contabilidade organizada, embora dificultando a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor, não gera, nem, em princípio, agrava a insolvência, faz assentar o juízo de reprovabilidade de tal conduta na circunstância de “a não organização ou desorganização da contabilidade e a falsificação dos respetivos documentos permite supor que o sujeito tem algo a esconder, que ele terá praticado actos que contribuíram para a insolvência e quis/quer ocultá-los[13]”.
No entender de tal autora, o legislador terá entendido submeter as hipóteses das alíneas h) e i) também ao regime da insolvência culposa, não porque pudessem ser a causa (real ou presumível) da insolvência, mas porque a probabilidade de o sujeito ter praticado um ato ilícito gravemente censurável justificava submetê-los também: a lei estabeleceu nestas duas alíneas, não presunções, mas “verdadeiras ficções[14].
Quanto aos factos previstos no nº3, as suas alíneas a) e b), pouco se distinguiriam das alíneas h) e i) do nº2, sob o ponto de vista da sua aptidão para serem causas da criação ou do agravamento da insolvência: tais presunções não são simplesmente de culpa qualificada – no facto praticado –, são de culpa qualificada na insolvência: “Existem para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade. Fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violaram obrigações legais. Oneram-se, assim, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respetivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade – por exemplo a conjuntura ou as condições de mercado[15]”.
Resumindo, a única diferença entre o alcance das presunções contidas nas als. h) e i), do nº2 e o das contidas nas alíneas a) e b), do nº3, consistiria na possibilidade de prova em contrário relativamente a estas últimas: dispensando a prova do nexo causal entre os factos aí previstos e a criação ou agravamento da situação de insolvência, onera-se o devedor com o ónus de provar que, apesar de terem ocorrido, aqueles factos não criaram nem agravaram a situação de insolvência[16].
Assim invertido o ónus da prova, seria aos administradores da insolvente que incumbiria a prova de que, apesar de só a 31 de maio de 2013 terem apresentado a sociedade devedora à insolvência, tal não terá contribuído para o deflagrar ou agravar da situação de insolvência.
Ora, essa prova não se mostra feita nos autos. Antes pelo contrário. Declarado extinto o PER em 2011, quando a sociedade se vem finalmente apresentar à insolvência, cerca de dois anos depois, não possuindo a devedora património imobiliário e vendido já grande parte do seu equipamento em processos executivos, apenas são apreendidos bens no valor de 22 698, 27 €, quando é reclamado um passivo no valor total de 1.371.493,18 €.
E se o valor do passivo não difere assim tanto ao longo dos anos – à data da apresentação do PEC, em 2009, o passivo da insolvente já era de 1.297,202,46 € (na sequência de uma ligeira melhoria durante os anos de 2009 e 2010, foram efetuados pagamentos mas, entretanto, houve contração de novas dívidas) –, o valor do ativo diminuiu substancialmente: apesar de no requerimento de apresentação à insolvência a devedora referir um ativo de 545 979, 52 €, tendo já sido vendidos todos os bens apreendidos para a massa insolvente, a conta da massa insolvente apresenta um saldo de apenas 25.755,78 €.
3. Pessoas abrangidas pela qualificação de insolvência
Segundo os apelantes, ficou plenamente provado por diversos depoimentos que o J A (…) nunca exerceu qualquer gerência de facto, mas tão só de direito, pelo que não deve ser afetado pela presente qualificação.
Em primeiro lugar, haverá que referir que os factos dados como provados não refletem o alegado afastamento do requerido da gerência de facto da sociedade devedora, sendo certo que os Apelantes não requerem o aditamento de qualquer facto relativamente a tal matéria.
De qualquer modo, em nosso entender, e uma vez que a qualificação da insolvência opera no caso em apreço por força do preenchimento da al. a), do nº3 do art. 186º, sempre tal alegação surgiria como irrelevante.
É discutível a questão de saber se, e em que termos, um gerente “de direito” que o não é de facto, pode ou não ser abrangido pela qualificação da insolvência como culposa.
Antes de mais, salientar-se-á que, com esta previsão, o legislador não visa excluir os administradores de direito que não exerçam as funções de facto mas, ao invés, estender a qualificação a atos praticados por administradores de facto[17].
Com isto, não se pretende afirmar, como regra, que seja irrelevante a circunstância de o administrador de direito não exercer as funções de facto, funções estas que serão exercidas por terceiro.
Tudo dependerá da natureza das infrações registadas, nomeadamente se a violação dos deveres em causa pressupõe um comportamento ativo ou por omissão: por ex., se nos encontrarmos perante a situação prevista nas alíneas a), b) e c), do nº2 do art. 186º, a qualificação só deverá abranger aqueles administradores ou gerentes (de facto ou de direito) que tenham efetivamente destruído, ocultado ou feito desparecer, no todo ou em parte o património do devedor.
Como afirma Rui Estrela de Oliveira[18], o que a lei pretende, por relevantes razões de segurança jurídica, é que haja coincidência, concreta e prática, entre os conceitos de administrador de direito e administrador de facto, pelo que a administração de facto não deixa de ser um fenómeno indesejado: administrador de direito, quando não o é de facto, ainda assim, encontrase obrigado a cumprir um conjunto de deveres que impendem sobre os administradores societários em geral. E esse é o caso da obrigatoriedade de elaboração e aprovação das contas.
Um dos pressupostos da qualificação da insolvência como culposa é a verificação uma ação ou omissão de um dos seus gerentes de direito ou de facto[19].
E, de acordo artigo 72º, nº 1, do CSC, “os gerentes ou os administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa”.
O artigo 72º, nº1, numa manifestação da responsabilidade contratual, prevê a individualização da responsabilidade – os sujeitos responsáveis são os titulares do órgão administrativo (gerentes ou administradores) e não o próprio órgão. E os gerentes, os administradores ou diretores são responsáveis por factos próprios.
Como salienta Maria Elisabete Gomes Ramos[20], tal aspeto assume particular importância no contexto das sociedades que têm um órgão de administração de pluripessoal, porque revela que a mera circunstância de uma pessoa não pertencer a um órgão de administração não é suficiente para a sua responsabilização.
Contudo, sendo o primeiro dever de um administrador exercer, de facto, as funções para as quais foi nomeado, a circunstância de se manter afastado da administração da sociedade e o desconhecimento da situação económico-financeira da mesma, não o ilibam, por si só, de quaisquer responsabilidades no eclodir ou no agravar de uma situação de insolvência.
Como salienta Coutinho de Abreu[21], os administradores têm “poderes-função”, poderes-deveres. Os deveres impostos aos administradores para o exercício correto da administração começam por ser, como atividade, o dever típico e principal de administrar e representar a sociedade[22], densificado nos deveres fundamentais elencados nas als. a) e b), do artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais: o dever de cuidado e o dever de lealdade[23].
A par de tais deveres fundamentais, a lei societária consagra ainda os chamados deveres legais específicos, que impõem uma atuação ou omissão concreta, entre os quais se destacam, no que aqui nos interessa, convocar ou requerer a convocação de assembleia geral na hipótese de perda de metade do capital social (art. 35º), proceder à substituição dos administradores que “faltem definitivamente” no seio do órgão plural de administração (art. 393º); requerer a declaração de insolvência da sociedade (arts. 18º e 19º do CIRE), elaborar e submeter à apreciação dos sócios o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas (arts. 65º, nº1, 263º e 451º); cumprir as obrigações da sociedade relativamente à Administração Fiscal e à Segurança Social.
Ricardo Costa[24] chama a atenção para o facto de os deveres legais gerais do art. 64º vincularem como sujeitos passivos, não só, os administradores e gerentes designados pelas formas previstas na lei (designação pela simples qualidade de sócio ou estatutária, nomeação e/ou eleição deliberativa, indicação pelo tribunal, atc.) – os denominados administradores de direito –, mas, também, os administradores de facto, desde que se possam qualificar como tal, em razão da prática de atos próprios do desempenho de funções de administração.
As principais manifestações (ou subdeveres) do dever de cuidado consistem no (i) dever de controlar, ou vigiar, a organização e a condução da atividade da sociedade, as suas políticas, práticas, etc.; ii) dever de se informar e de realizar uma investigação sobre a atendibilidade das informações que são adquiridas e que podem ser causa de danos, seja por via dos sistemas normais de vigilância, seja por vias ocasionais (produzindo informação ou solicitando-a por sua iniciativa) – subdeveres que se reconduzem ao dever geral e uno e de controlar e vigiar a evolução económico-financeira da sociedade[25].
Concluindo, a circunstância de o referido gerente de direito nunca ter exercido, de facto, tais funções, não o isentava das suas obrigações legais, enquanto administrador de direito que foi, de apresentação da sociedade à insolvência ou de se assegurar que tal obrigação era cumprida, constituindo a ignorância e alheamento dos destinos da sociedade, por si só, uma violação dos deveres gerais que se lhe impunham, enquanto gerente da insolvente[26].
À pergunta sobre se a redação e os interesses tutelados no artigo 186º, nº 1, do CIRE, permitem que o administrador de direito, que não o é de facto, se exonere da responsabilidade na criação ou agravamento do estado de insolvência, Rui Estrela de Oliveira[27] responde afirmativamente, desde que prove que:
- em face de determinada conduta do administrador autor do facto, cumpriu todos os deveres a que estava obrigado societária e legalmente;
- e que não teve culpa na produção ou agravamento do estado de insolvência.
Ora, no caso em apreço, o administrador não cumpriu o dever societário a que se encontrava obrigado, de apresentar a sociedade à insolvência ou de garantir que outros o fizessem dentro do prazo legal.
*
4. Condenação dos afetados pela qualificação da insolvência no passivo não satisfeito.
A sentença recorrida veio a condenar solidariamente os requeridos J (...) e J A(...) a indemnizar os credores da sociedade devedora “pela diferença que apresentem os créditos reconhecidos e não satisfeitos entre a data e que se deveria ter apresentado à insolvência e a data da declaração da insolvência, até porque apenas nesta medida a sua situação agravou a situação destes credores, a quantificar em liquidação da sentença, nos termos do nº 4 do artigo 189º do CIRE”.
Os apelantes insurgem-se contra tal condenação, alegando que a Lei nº 16/2012, ao aditar ao artigo 189º, nº2, a alínea e), criou um novo efeito da qualificação da insolvência ao estabelecer os pressupostos para a constituição do direito de indemnização a favor dos credores, apenas se podendo aplicar às situações em que os factos que a determinaram tiveram lugar após 30 de maio de 2012, data a partir da qual as referidas normas entraram em vigor: o tribunal aplica a lei reportada à data em que a empresa se deveria ter apresentado à insolvência, não especificando qual é essa data, não especificando ou indicando quais os critérios a utilizar para a quantificação da indemnização. Mais alegam que tal norma não se poderá aplicar ao caso em apreço, por não cumprir os pressupostos a que alude o disposto no nº4 do artigo 189º do CIRE.
O nº4, do art. 189º, CIRE determina que, quando não seja possível fixar o valor das indemnizações devidas por não dispor de elementos para calcular o montante dos prejuízos sofridos, o juiz deve fixar os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.
É verdade que a sentença recorrida – reconhecendo embora que a referida norma não se aplica aos factos anteriores à sua entrada em vigor, ocorrida a 21 de maio de 2012, e que os gerentes apenas podem ser responsabilizados pela diferença que apresentem os créditos reconhecidos e não satisfeitos entre a data em que se deveria ter apresentado à insolvência e a data da declaração da insolvência – não refere expressamente qual a data a partir da qual a devedora se deveria ter apresentado à insolvência.
Contudo, tal questão encontra-se ultrapassada uma vez que aqui foi considerado no âmbito do ponto 2, que a devedora se deveria ter apresentado à insolvência, se não antes, pelo menos em Agosto de 2012. Assim sendo, será responsabilizada pelo passivo não satisfeito que se tenha vencido entre o dia 1 de setembro de 2012 e a data da declaração de insolvência, 31 de maio de 2013.
*
Os apelantes insurgem-se ainda contra a sua condenação solidaria no passivo não satisfeito, invocando configurar um abuso de direito: atingindo os créditos reconhecidos o valor de 1.371.493,18 €, a condenação dos apelantes traduzir-se-ia, no caso concreto, na privação de todo e qualquer rendimento ou património, atual ou futuro, pondo em causa a sua subsistência económica, o que representaria um abuso de direito.
Não podemos reconhecer qualquer razão aos apelantes, desde logo, porque não foram condenados no pagamento de todo o passivo não satisfeito pelos bens da massa, mas, tão só, no passivo não satisfeito respeitante ao período que media a data a partir da qual se encontravam obrigados à apresentação à insolvência e a data da declaração de insolvência (entre 1 de setembro de 2012 e 31 de maio de 2013).
*
A apelação será de proceder parcialmente, alterando-se parcialmente a sentença recorrida.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando parcialmente a decisão recorrida, alterando-se a condenação contida na al. d) da decisão recorrida, condenando solidariamente os Requeridos JM (…) e JA (…)a indemnizar os credores da sociedade devedora pela diferença que apresentem os créditos reconhecidos e não satisfeitos entre a data em que se deveria ter apresentado à insolvência e a data da declaração da insolvência – ou seja, entre 1 de setembro de 2012 e 31 de maio de 2013 –, até porque apenas nesta medida a sua atuação agravou a situação destes credores, a quantificar em liquidação de sentença, nos termos da parte final do n.º 4 do art.º 189.º do CIRE.
As custas da apelação serão suportadas pelos apelantes e pela massa insolvente, na proporção de ¾ e de ¼, respetivamente.

Coimbra, 22 de novembro de 2016


Maria João Areias ( Relatora)
Vítor Amaral
Luís Cravo


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Um incumprimento generalizado das contribuições e quotizações para a segurança social faz presumir de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos três meses sobre a sua verificação.
2. O incumprimento do dever de apresentação à insolvência, acarretando uma presunção de culpa qualificada na insolvência (art. 186º, nº3, al. a)), dispensa a prova do nexo causal entre tal facto e a criação ou agravamento da insolvência, onerando o devedor com o ónus da prova de que não foi a sua conduta que deu causa à insolvência ou ao seu agravamento, mas outros fator externo ou independente da sua vontade.
3. Um administrador de direito que o não seja de facto pode ser também ele afetado pela qualificação de insolvência como culposa, nomeadamente quando se encontre em causa um comportamento omissivo dos deveres que sobre o mesmo impendiam enquanto fazendo parte do órgão de gestão da devedora, nomeadamente o de apresentação da devedora à insolvência.
4. A condenação das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência a indemnizarem os credores pelo passivo não satisfeito, caso não seja possível a fixação imediata do montante das indemnizações devidas, deve estabelecer os critérios a utilizar para a sua quantificação a efetuar em liquidação de sentença.


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, imposto pelo artigo 239º, nº1 do CPC.
[2] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[3] Na redação posterior à Lei nº 16/2012, de 20 de abril, já aplicável ao caso em apreço.
[4] “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, QUID JURIS 2013, 2ª ed., pág. 194.
[5] Neste sentido, Catarina Serra, “Decoctor ergo fraudator”? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Janeiro/Março 2008, pág. 60.
[6] Acórdão relatado por Henrique Antunes, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Maria Elisabete Ramos fala em presunções absolutas de insolvência culposa sob o nº2 e em presunções relativas de culpa grave dos administradores de facto ou de direito, sob o nº3, in “Insolvência da Sociedade e Efetivação da Responsabilidade Civil dos Administradores”, pág. 479.
[8] José Manuel Branco, “Novas Questões na Qualificação da Insolvência”, in “Processo de Insolvência e Ações Conexas”, pág. 313, E Book, Dezembro de 20014, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Processo_insolvencia_acoes_conexas.pdf
[9] Catarina Serra, “Decoctor ergo fraudator”? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções”, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Janeiro/Março 2008, pág. 64; em igual sentido, Luís A. Carvalho Fernandes, “A Qualificação da Insolvência e a Administração da massa insolvente pelo devedor”, in Coletânea de Estudos sobre a Insolvência”, QUID JURIS, pág. 262. E Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito da Insolvência”, Almedina, 2011, pág. 284. Adelaide Menezes Leitão defende igualmente que o artigo 186º, nº2, prescinde em parte dos pressupostos do artigo 181º, nº1, designadamente no que respeita a que a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação dos administradores – “Insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na Lei nº 16/2012”, in I Congresso de Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, Almedina, pág. 275.
[10] Manuel Carneiro da Frada, “ A Responsabilidade dos administradores na insolvência”, disponível no site da Ordem dos Advogados, http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50916.
[11] “Uma brevíssima incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência”, Julgar, nº11- 2010, pág. 237.
[12] Artigo e revista citados, pág. 242.
[13]Decoctor ergo fraudator” (…)”, pág. 66.
[14] Artigo e local citados, pág. 69.
[15] Catarina Serra, artigo e local citados, pág. 69.
[16] Como se afirma no Acórdão do TRP de 22.05.2007, o legislador entendeu, e bem, que apenas o devedor está em posição de demonstrar que, apesar de não se ter apresentado à insolvência no prazo legal e de não ter depositado as contas na conservatória, tal não criou nem agravou a situação de insolvência – Acórdão relatado por Mário Cruz, disponível in www.dgi.pt. Em igual sentido, se pronuncia Nuno Manuel Pinto Oliveira, considerando que o nº 3 consagra uma presunção de culpa na insolvência, dispensando o lesado da prova da causalidade fundamentadora da responsabilidade: “O risco de não esclarecimento (seguro) do evento causador (da insolvência) deslocar-se-á (deverá deslocar-se) para o administrador da sociedade” – “Responsabilidade Civil dos Administradores pela Insolvência Culposa”, I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, pág. 208.
[17] Neste sentido, cfr., acórdão do TRC de 28.05.2013, relatado por Albertina Pedroso, disponível in www.dgsi.pt., e Manuel Carneiro da Frada, “A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência”, pág. 13.
[18] “O Incidente de qualificação da insolvência, a insolvência culposa”, e-book do CEJ, Coleção Ações de Formação,  “Insolvência e consequências da sua declaração”, 2013, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Insolvencia/Curso_Especializacao_%20Insolvencia.pdf.
[19] Segundo Nuno Manuel Pinto Oliveira, o termo “atuação”, deve interpretar-se como sinónimo de comportamento ou de facto, compreendendo atuações positivas e atuações negativas, encontrando-se entre as omissões relevantes precisamente a infração do dever de manter a contabilidade organizada – “Responsabilidade Civil dos Administradores pela Insolvência Culposa”, I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, pág. 197.
[20] “A responsabilidade de membros da administração”, “Problemas de Direito das Sociedade”, IDET, Almedina, pág. 77.
[21] “Responsabilidade Civil dos administradores de sociedade”, 2ª ed., Almedina 2010, pág. 25, nota 38.
[22] Ricardo Costa, “Código das Sociedade Comerciais em Cometário”, Vol. I, Artigos 1º a 84º, pág. 727.
[23] Dispõe o artigo 64º do CSC:
“Os gerentes e administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, relevando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado;
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade  da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores.
2. Os titulares dos órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.”
[24] “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, Vol. I, pág. 730.
[25] Neste sentido, Ricardo Costa, “Código das Sociedades (…), pág. 732.
[26] António Menezes Cordeiro destaca, de entre os deveres de cuidado prescritos no artigo 64º, a par da disponibilidade e da competência técnica, o de conhecimento da atividade da sociedade – “Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (artigo 64º/1º do CSC)” – disponível na net in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50925.
[27] O incidente de qualificação de insolvência”, e-book do CEJ, Coleção Ações de Formação, “Insolvência e consequências da sua declaração”, 2013, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Insolvencia/Curso_Especializacao_%20Insolvencia.pdf.