Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1551/23.4T8LRA-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: ADMISSÃO DA PROPOSTA DE PLANO DE INSOLVÊNCIA
DESPACHO LIMINAR DE ADMISSÃO
CONTRADITÓRIO POSTERIOR
ARGUIÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 207.º, 215.º E 216.º DO CIRE E 3.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O despacho que, nos termos previstos no art.º 207.º do CIRE, admite a proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor configura-se como um despacho liminar que não está sujeito a prévio contraditório dos interessados, designadamente, dos credores.
II – É na sequência desse despacho de admissão liminar – e não antes – que o contraditório é facultado aos credores, mediante a discussão e votação do plano que lhes é facultada em assembleia de credores para o efeito convocada e mediante a possibilidade de suscitarem ao juiz as questões que entendam relevantes para o efeito de ser recusada a respectiva homologação (cfr. artigos 215.º e 216.º do CIRE).

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação nº 1551/23.4T8LRA-E.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Leiria - Leiria - Juízo Comércio - Juiz ...

Relatora: Maria Catarina Gonçalves

1.º Adjunto: Arlindo Oliveira

2.º Adjunto: Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de insolvência referentes a A..., S.A. – cuja insolvência foi declarada por sentença de 13/04/2023 – foi realizada em 29/05/2023 a assembleia de apreciação do relatório, onde foi aprovada a proposta do Sr. Administrador no sentido da manutenção da actividade do estabelecimento, com a consequente suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente, até à assembleia de credores de apreciação do plano de insolvência a apresentar pela devedora.

Mediante requerimento de 03/07/2023, a devedora veio juntar proposta de plano de insolvência.

Na sequência desse facto, foi proferido – em 06/07/2023 – despacho com o seguinte teor:

Não ocorrendo qualquer das circunstâncias previstas no art. 207º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, admito a proposta de plano de insolvência apresentado pela devedora, junto aos autos em 3.07.2023.

Notifique.


*

Nos termos e para os efeitos previstos no art. 208º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa notifique o Srº Administrador para se pronunciar, querendo, sobre a proposta de plano de insolvência apresentada, no prazo de 10 dias.

*

Mostrando-se, transitada em julgado a sentença de declaração de insolvência e decorrido o prazo de impugnação da lista de credores reconhecidos (art. 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa) e realizada a assembleia de apreciação do relatório, mostram-se reunidas todas as condições previstas no art. 209º nº2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa para que possa reunir a assembleia de credores convocada para discutir e votar a proposta de plano de insolvência.

Assim, para a realização de assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano de insolvência apresentada pelo Sr. Administrador, designo o próximo dia 11 de Setembro, pelas 14h e 30m.

Publicite e notifique de harmonia com o disposto no art. 75º do CIRE”.

Na sequência da notificação desse despacho, a credora B..., S.A. veio arguir a sua nulidade por violação do princípio do contraditório.

Alegou, em resumo:

· Que, ao longo do processo e por força da aplicação subsidiária do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, o juiz, no processo de insolvência, deve observar e fazer o princípio do contraditório;

· Que, em consequência e em observância desse princípio, os intervenientes no processo, designadamente a Requerente, tinham o direito de se pronunciar sobre a admissão do plano antes de o Tribunal decidir essa matéria;

· Que, no caso, esse princípio não foi observado, uma vez que foi proferido despacho de admissão do plano numa altura em que ainda estava em curso o prazo para os intervenientes no processo se pronunciarem sobre essa matéria (prazo que era de dez dias, por força do disposto no art.º 149.º, n.º 1, do CPC);

· Que, nessas circunstâncias, foi omitido um acto prescrito por lei e o despacho configura.se como acto proibido por lei na medida em que foi proferido sem observância do contraditório;

· Que essa irregularidade corresponde a nulidade processual;

· Que, além do mais, havia razões para não admitir o plano, uma vez que – pelas razões que explica e concretiza – era manifestamente inexequível e a sua posterior homologação era manifestamente inverosímil, além de violar, de forma injustificada, o princípio da igualdade dos credores.

Com esses fundamentos, pediu:

i. Que se declarasse a nulidade do Despacho por violação do princípio do contraditório, com os efeitos legais daí decorrentes;

ii. Que se revogasse o Despacho quanto à decisão de admissão do Plano de Insolvência, substituindo-o por outro que rejeite a admissão do Plano.

A Devedora e o Administrador da insolvência responderam, sustentando o indeferimento da pretensão formulada pela referida credora.

Na sequência desses factos, foi proferido despacho – em 22/08/2023 – onde se decidiu indeferir a arguição da referida nulidade por parte da credora B..., S.A.

Inconformada com essa decisão, a credora B..., S.A. veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. A Decisão é recorrível nos termos do artigo 630.º, n.º 2, in fine do CPC, uma vez que, ainda que decida sobre uma nulidade arguida ao abrigo do artigo 195.º, n.º 1 do CPC, a Decisão contende com o princípio do contraditório.

B. Por força do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1 do CIRE, os intervenientes processuais no processo de insolvência da Devedora tinham o direito de se pronunciar sobre a admissão do Plano de Insolvência antes que o Tribunal a quo decidisse sobre essa admissão.

C. Porém, o despacho de 06.07.2023 decidiu quanto à admissão do Plano numa altura em que ainda corria prazo para os intervenientes no processo de insolvência da Devedora, querendo, se pronunciarem sobre essa questão admissão do Plano, o que consubstancia uma nulidade nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.º 1 do CIRE.

D. Todavia, na Decisão o Tribunal a quo entendeu que não deveria ser declarada a nulidade arguida na medida em que estaríamos perante uma situação admissível de contraditório diferido, em que a pronúncia dos credores ocorre apenas posteriormente à admissão do Plano de Insolvência em sede de assembleia de credores para discussão e votação do Plano.

E. Contudo, não há qualquer diferimento do contraditório quanto à questão da admissão da junção aos autos do Plano, uma vez que não há lugar a um adiamento para momento posterior desse contraditório, mas tão só a preterição do mesmo, dado que o Plano já foi admitido.

F. O que ocorre num momento posterior é apenas a discussão dos credores relativamente ao conteúdo do Plano e respetiva votação, em sede de assembleia de credores.

G. Por outro lado, não se verifica uma situação de manifesta desnecessidade do contraditório, atenta a circunstância de, caso a Decisão não venha a ser revertida, os intervenientes no processo de insolvência da Devedora não terão, futuramente, oportunidade de se pronunciar quanto à admissão do Plano.

H. Ainda que se entenda que estamos perante um contraditório diferido – no que não se concede –, esse contraditório diferido não é exercido “em pleno”, mas em condições mais desvantajosas, que retiram à Recorrente a possibilidade de influenciar o desfecho do processo neste tocante, porque o contraditório será realizado de modo oral e durante a assembleia de credores, ao invés de ser feito por escrito e em momento anterior.

I. Deste modo, a possibilidade de, com o exercício desse contraditório, influenciar os demais intervenientes presentes na assembleia é intoleravelmente menor, não havendo sequer possibilidade de influenciar os intervenientes no processo de insolvência da Devedora que não estejam presentes em assembleia de credores.

J. Do mesmo modo, o juiz não poderá ser influenciado quanto à decisão de admissão do Plano de Insolvência, que foi proferida em momento anterior.

K. Por fim, diga-se que é o próprio CIRE, através da remissão operada para o CPC, que impõe contraditório prévio à decisão de admissão ou não admissão do Plano.

L. Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se que V. Ex.as revoguem a Decisão, substituindo-a por outra que declare, de acordo com os artigos 3.º, n.º 3 e 195.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 17.º, n.º 1 do CIRE, a nulidade do despacho de 06.07.2023 por violação do princípio do contraditório, com os efeitos legais daí decorrentes.

A devedora A..., S.A. apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se está (ou não) configurada nos autos uma nulidade processual pelo facto de o despacho de 06/07/2023 – que, nos termos previstos no art.º 207.º do CIRE, admitiu a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora – ter sido proferido sem facultar previamente aos credores (designadamente à Apelante) o exercício do contraditório.


/////

III.

Está em causa no presente recurso uma pretensa nulidade que teria sido cometida pelo facto de o plano de insolvência ter sido admitido – por despacho de 06/07/2023 – sem prévia observância do contraditório e, portanto, sem dar aos intervenientes processuais, designadamente à Apelante (credora), a possibilidade de se pronunciar sobre essa questão.

A decisão recorrida entendeu não estar configurada a referida nulidade, considerando, no essencial, que o contraditório é observado após a admissão da proposta de plano de insolvência, não exigindo a lei qualquer contraditório prévio a tal admissão.

A Apelante, por seu turno, pugna pela existência da referida nulidade, sustentando:

· Que o princípio do contraditório – aplicável no âmbito do processo de insolvência por força do art.º 17.º, n.º 1, do CIRE – tinha que ser observado antes da admissão do plano, sendo certo que é o próprio CIRE, através da remissão operada para o CPC, que impõe contraditório prévio à decisão de admissão ou não admissão do Plano;

· Que o contraditório posterior à admissão do plano não é realizado em pleno, mas sim em condições mais desvantajosas que retiram à Recorrente a possibilidade de influenciar o desfecho do processo, uma vez que:

- Nesse momento, os intervenientes já não terão oportunidade de se pronunciar quanto à admissão do plano;

- Esse contraditório será realizado de modo oral e durante a assembleia de credores, ao invés de ser feito por escrito e em momento anterior e a possibilidade de, com o exercício desse contraditório, influenciar os demais intervenientes presentes na assembleia é intoleravelmente menor, não havendo sequer possibilidade de influenciar os intervenientes no processo de insolvência da Devedora que não estejam presentes em assembleia de credores e não havendo possibilidade de influenciar o juiz quanto à decisão de admissão do plano, que foi proferida em momento anterior.

Salvo o devido respeito, pensamos não assistir razão à Apelante.

Não pomos em causa, naturalmente, a aplicação ao processo de insolvência – por via, designadamente, da aplicação subsidiária do CPC consagrada no art.º 17.º do CIRE – do princípio do contraditório que está consagrado no art.º 3.º do CPC.

Tal princípio – actualmente entendido, como dizem José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[1], como “...como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – envolve, não só o direito de resposta de uma parte em relação á alegação e pretensão da outra (n.º 1 do citado art.º 3.º), mas também o direito da parte de se pronunciar previamente sobre qualquer questão, de facto ou de direito, que o tribunal pretenda decidir (n.º 3.º do mesmo artigo).

Mas esse princípio – aplicável ao processo de insolvência desde que não contrarie as disposições do CIRE, como manda o respectivo art.º 17.º – além de não ser absoluto (sendo certo que tem as excepções que são consagradas na lei), não implica – como nos parece óbvio – que todo e qualquer despacho, independentemente do seu conteúdo, tenha que ser objecto de prévio contraditório das partes.

Ora, salvo o devido respeito, pensamos não existir qualquer fundamento para entender que o despacho aqui em causa tinha que ser objecto de prévio contraditório.

Vejamos.

O despacho em questão é o despacho previsto no art.º 207.º do CIRE que, como parece claro, se configura como um despacho liminar, ou seja, um despacho através do qual o juiz faz um primeiro controlo acerca da eventual existência de circunstâncias – eventuais vícios (formais ou relacionados com o conteúdo do plano) ou a eventual verificação manifesta de qualquer outra das situações ali previstas – que obstem à efectiva homologação do plano apresentado e que, nessa medida, tornem perfeitamente inútil o procedimento legal destinado à aprovação e homologação desse plano e a própria observância do contraditório. Trata-se, portanto, de permitir ao juiz, em nome da economia e celeridade processuais, a rejeição liminar de propostas manifestamente inviáveis cuja discussão (pelos credores) seria perfeitamente inútil por ser manifesto que elas não seriam aprovadas ou não poderiam ser homologadas.

Ora, sendo – como é – um despacho liminar, ele não estará sujeito a contraditório prévio dos interessados, seja ele um despacho de indeferimento ou de deferimento (liminar).

Com efeito, sendo normalmente entendido pela nossa jurisprudência que o despacho de indeferimento liminar não depende de contraditório prévio[2], não fará sentido, por maioria de razão, exigir esse contraditório em relação ao despacho de deferimento liminar que, em princípio, nem sequer contém a apreciação e decisão de qualquer questão (contendo apenas a declaração/constatação – expressa ou implícita – de que não foram detectados vícios ou circunstâncias susceptíveis de determinar o indeferimento liminar); e muito menos sentido faria que a prolação de um despacho liminar exigisse a consulta prévia da parte contra quem a pretensão é formulada quando é certo que esse despacho se destina precisamente a verificar se estão reunidas as condições necessárias para o prosseguimento da acção, incidente ou procedimento e, consequentemente, para a citação ou notificação da parte contra quem a pretensão é dirigida. Não faria sentido, naturalmente, que um despacho de admissão liminar de uma acção que, nessa medida, ordena a citação do réu para contestar tivesse que ser antecedido de contraditório prévio do réu, nos mesmos termos em que não faz sentido que os credores tenham que ser ouvidos previamente para o efeito de proferir despacho liminar em relação ao plano de insolvência apresentado pelo devedor, quando é certo que o despacho liminar serve precisamente para verificar se existem vícios ou circunstâncias que obstem ao prosseguimento da acção, incidente ou procedimento e que, como tal, tornem inútil a observância do contraditório em relação à pretensão formulada ou ao plano de insolvência apresentado.

Refira-se que o despacho aqui em causa – por se configurar, como se disse, como um despacho de admissão liminar – não contém sequer a efectiva apreciação e decisão de qualquer questão que, por essa razão, impusesse a observância do contraditório nos termos previstos no art.º 3.º, n.º 3, do CPC.

Na verdade, o despacho de admissão (liminar) da proposta do plano de insolvência, nos termos previstos no art.º 207.º do CIRE, significa apenas que o juiz não detectou a existência de nenhuma das circunstâncias que, nos termos aí previstos, poderiam justificar a rejeição liminar do plano. Isso não equivale, no entanto, a dizer que essas situações ou circunstâncias não existam ou que o despacho em causa tenha efectivamente decidido que elas não existem.

O despacho recorrido não decidiu que não existia qualquer vício formal ou de conteúdo do plano, não decidiu que a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz eram verosímeis e não decidiu que o plano era exequível. O despacho em causa não fez qualquer apreciação sobre essas questões e nada decidiu a propósito; o que dele resulta é apenas que, naquele momento, não foi detectada a existência de qualquer vício e que o juiz não encontrou razões para considerar que o plano era manifestamente inexequível ou que era manifestamente improvável a sua aprovação e posterior homologação, nada obstando, naturalmente, a que a homologação do plano venha a ser recusada com qualquer um desses fundamentos, desde que eles não tenham sido contrariados pela aprovação do plano em assembleia de credores (como acontecerá com a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 207.º cuja inexistência se tornará evidente caso o plano seja aprovado pela assembleia de credores).

O despacho em causa não estava, portanto, sujeito a contraditório prévio dos credores, não assistindo, por isso, qualquer razão à Apelante quando afirma que os intervenientes processuais no processo de insolvência – mais concretamente, os credores – tinham o direito de se pronunciar sobre a admissão do Plano de Insolvência antes que o Tribunal a quo decidisse sobre a sua admissão (liminar).

Estando em causa – como está – um despacho de admissão liminar é na sequência desse despacho, e não antes, que se observa o contraditório. É na sequência da admissão liminar de uma acção, incidente ou qualquer outro procedimento que o réu/requerido/interessado é citado ou notificado para contradizer a pretensão formulada e, portanto, também aqui, é na sequência do despacho de admissão liminar do plano de insolvência apresentado pelo devedor que o contraditório é facultado aos credores, mediante a discussão e votação do plano que lhes é facultada em assembleia de credores para o efeito convocada e mediante a possibilidade de suscitarem ao juiz as questões que entendam relevantes para o efeito de ser recusada a respectiva homologação (cfr. artigos 215.º e 216.º do CIRE).

Diz a Apelante que o contraditório posterior ao despacho não lhe dá as mesmas oportunidades e vantagens na medida em que:

- Já não permite a efectiva pronúncia quanto à admissão do plano;

- Já não confere a possibilidade de influenciar o desfecho do processo neste tocante, porque o contraditório será realizado de modo oral e durante a assembleia de credores, ao invés de ser feito por escrito e em momento anterior;

- É menor a possibilidade de influenciar os demais intervenientes presentes na assembleia, não havendo sequer possibilidade de influenciar os intervenientes que não estejam presentes em assembleia de credores;

- O Juiz já não poderá ser influenciado quanto à decisão de admissão do Plano de Insolvência, que foi proferida em momento anterior.

A Apelante parece argumentar como se o despacho em causa tivesse efectivamente emitido qualquer pronuncia sobre o plano de insolvência, que, nessa medida, já não poderia ser influenciada por contraditório posterior.

Mas, salvo o devido respeito, já vimos que não é assim.

Na verdade, o despacho em questão não contém (nem expressa, nem implicitamente) qualquer pronuncia efectiva sobre o plano; o que nele se contém é apenas uma admissão formal da proposta do plano para o efeito de dar início ao procedimento com vista à sua discussão, votação e eventual aprovação e homologação, nada obstando a que a homologação do plano venha a ser recusada (oficiosamente ou a requerimento dos interessados, nos termos previstos nos artigos 215.º e 216.º do CIRE) com fundamentos que poderiam ter determinado a rejeição liminar da proposta.

Não há, portanto, razões para afirmar – como afirma a Apelante – que o contraditório subsequente ao despacho não lhe dá as mesmas garantias que lhe seriam dadas pelo contraditório anterior. O contraditório posterior ao despacho dá à Apelante (e aos demais credores) as garantias que o legislador entendeu necessárias para a defesa dos seus direitos, sendo certo que, na sequência desse contraditório, os credores (designadamente a Apelante) têm a oportunidade de discutir a proposta em assembleia de credores, têm a oportunidade de exercer o seu direito de voto e de influenciar/condicionar, por essa via, a sua aprovação e têm ainda a oportunidade de suscitar ao juiz quaisquer questões que possam conduzir à recusa da homologação do plano nos termos previstos nos citados artigos 215.º e 216º.

Entendemos, portanto, em face de tudo o exposto, – tal como se entendeu na decisão recorrida – que não existiu qualquer nulidade por violação do princípio do contraditório.

Assim sendo, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                   (Arlindo Oliveira)

                                                     (Paulo Correia)


[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, pág. 7.
[2] cfr. Acórdãos do STJ de 31/01/2023 e de 24/02/2015, proferidos nos processos n.ºs 8986/12.6T2SNT-A.L1-A.S1-A e 116/14.6YLSB, respectivamente; Acórdão da Relação do Porto de 23/05/2022, proferido no processo n.º 15598/20.9T8PRT.P1 e Acórdãos da Relação de Coimbra de 15/02/2022 e de 27/02/2028, proferidos nos processos n.ºs 543/17.7T8FND.1.C1 e 5500/17.0T8CBR.C1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.