Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
657/13.2TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CUSTAS DE PARTE
TRÂNSITO EM JULGADO
TAXA DE JUSTIÇA
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
REDUÇÃO
DISPENSA
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.530, 533, 628, 638 CPC, 6 Nº7, 25 RCP
Sumário: 1. Sendo a decisão final suscetível de recurso da matéria de facto, só decorrido o prazo suplementar de 10 dias previsto no art. 638º, nº7, CPC, poderá a parte contar, com alguma segurança, que a mesma não irá ser objeto de recurso.

2. O prazo para a parte vencedora apresentar a sua nota de custas de parte – até cinco dias após o trânsito em julgado – deverá ter em consideração aquele prazo suplementar para interposição de recurso da decisão sobre a matéria de facto.

3. É de isentar ou de reduzir o montante da taxa de justiça remanescente quando aquele se manifestar desproporcionado face à atividade exercida nos autos pelo tribunal e sem que a atitude das partes seja suscetível de censura.

Decisão Texto Integral:







                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum ordinário, em que foi autora S (…)  S.A., e Ré I (…), Lda.,

H (…), S.A., invocando a qualidade de assistente nos autos vem, por requerimento enviado a 27 de fevereiro de 2017, apresentar a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no valor de 2.167,00 €, nota que, em simultâneo, enviou à autora.

A 9 de março de 2017, a Ré I (…)  apresenta também a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no valor de 3.750,00,00.

A autora responde ao requerimento da Assistente H (…) invocando a sua ilegitimidade para requerer a nota de custas uma vez que, embora a ré tenha sido absolvida da instância não se pode afirmar que a Assistente seja uma parte “vencedora”.

Notificada que foi para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, a Ré Isa vem requerer a dispensa do pagamento de tal remanescente, dado o seu valor elevadíssimo – apenas pagou até agora o correspondente ao valor máximo da causa de 250.000,00 €, quando o valor da presente causa é de 2.546.936,00 € –, o que levaria a Ré a requerer a correção e atualização da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, sendo que a as custas do processo deverão ficar a cargo da autora.

Conclui, pedindo a despensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça no valor de 27.846,00 €, ficando a mesma a cargo da autora.

A autora vem reclamar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela Ré, invocando a sua intempestividade, ou caso assim se não entenda, o seu indeferimento por desrespeito dos requisitos legais, mormente do artigo 25º, nº1 do RCP.

Notificada que foi para pagamento do remanescente da taxa de justiça, e uma vez que as custas do processo ficarão a cargo da autora, a Assistente vem, a 23 de março de 2017, também ela, requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no valor de 27.864,00 €.

Também a autora, notificada para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, vem requerer a dispensa do seu pagamento nos termos e para os efeitos do artigo 6º, nº7 do RCP.

Por fim, vem a autora responder ao requerimento da Assistente, alegando que o remanescente da taxa de justiça a suportar pela mesma não corresponde a 27.846,00 €, mas sim de 13.923,00 €, uma vez que se lhe aplica a coluna B e não a coluna A da Tabela I do RCP, pronunciando-se ainda pelo indeferimento dos requerimentos da Ré e da Assistente, na parte em que imputam à autora o pagamento da taxa de justiça devida elo impulso processual daquelas.

O juiz a quo proferiu então o seguinte despacho, aqui sob impugnação:

“Pela reclamação às notas de custas de parte não é devida a obrigação de depósito constante do art. 33.º, n.º2, da Portaria 419-A/2009, de 17.4, já considerado inconstitucional, como mencionado pela A.

Do pedido de custas de parte de H (…)

Esta parte interveio na ação do lado passivo, tendo a sua intervenção sido diretamente suscitada pela Ré mas em função do pedido que a A. formulou quanto a esta e no qual veio a decair.

As custas de parte são pagas pelas partes vencidas (art. 533.º, n.º 1 CPC) e integram no seu valor uma compensação a quem interveio no processo – a título principal ou acessório – das despesas efetuadas por força da ação, designadamente com taxas de justiça.

De modo que cabe à A., que decaiu na ação, efetuar o reembolso das custas das partes que na ação intervieram, não decaindo, e efetuaram despesas por força dessa intervenção, não excluindo a lei desse direito as partes acessórias, até porque o incidente de chamamento, tendo sido formulado pela Ré, foi decidido só depois de ouvido a A. que, a ser aquele incidente infundado, a ele se poderia opor.

A acessoriedade da parte não a penaliza em termos de reembolso das custas de parte por si despendidas na ação em que interveio, e nem a parte vencedora – no caso, a Ré – é por elas responsável porque a norma refere expressamente que são devidas custas de parte pela parte vencida e não pela parte vencedora

Já assiste razão à A. no que toca aos valores pedidos a título de taxa de justiça que é, na verdade, de 50% e não o referido na nota de custas pela H (…)

As despesas referentes a € 25, 00, não se encontram discriminadas e, assim, não obedecem ao disposto no art. 533.º, nº3, CPC, pelo que não são devidas.


*

A nota de custas de parte foi apresentada pela Ré, a 9.3.2017, quando a sentença transitara já a 22.2.2017, pelo que os cinco dias previstos no art. 25.º, n.º1, RecCProc., há muito tinham decorrido.

Esta nota é, por isso, de indeferir.


*

A dispensa pedida pelas partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art. 6.º, nº 7, RecCProc.: o normativo alude à especificidade da situação e à (ausência de) complexidade da causa como requisitos de tal dispensa. Não verificamos que estes autos mereçam a adjetivação de simplicidade que decorre daqueles dois conceitos: os articulados são extensos, verificou-se um incidente de intervenção, a instrução do processo foi longa e compreendeu diligências realizadas no estrangeiro, com várias sessões de julgamento e necessidade de intérprete.

Termos em que se indefere o requerido pelas partes a este título.”


*

Inconformada com tal decisão, a Ré I (…), Lda., dela interpor recurso de apelação, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

A) No âmbito do processo identificado em epígrafe, o Tribunal a quo proferiu sentença que absolveu a ora Recorrente do pedido formulado, elaborada em 18.01.2017, da qual a Recorrente foi notificada no dia 23.01.2017.

B) Uma vez que a parte vencida poderia ter apresentado recurso tanto da matéria de facto como da matéria de direito, o prazo de recurso in casu seria de 40 dias (sem prescindir, naturalmente, da possibilidade de apresentação de recurso nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo de recurso de 40 dias).

C) O conhecimento pela Recorrente de que a sentença proferida pelo Tribunal seria definitiva só foi efetivamente obtido no 44º dia após a notificação da sentença, pois apenas nesse momento é que a sentença deixou de ser passível de recurso, tendo transitado esta sentença em julgado.

D) A Recorrente apresentou a nota de custas de parte no dia 09.03.2017, ou seja, 43º dia após a notificação da sentença, encontrando-se ainda no prazo concedido para apresentação da nota de custas de parte, que apenas termina no 5º dia após o trânsito em julgado da decisão, a nota de custas de parte deve ser, para os devidos efeitos, deferida.

E) Considerando a conduta da Recorrente no processo identificado em epígrafe, nomeadamente por não lhe ter dado origem, não ter feito uso de expedientes dilatórios e ter respeitado irrepreensivelmente todos os deveres e princípios processuais, aliados à ausência de complexidade do processo, encontram-se reunidos os requisitos previstos no n.º 7 do art. 6º do RCP, devendo ser a Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

F) Caso assim não se entenda, deverá ser determinada a redução do valor devido em, pelo menos, metade, a título de taxa de justiça face à conduta da parte em causa e à natureza do processo, porquanto outra solução seria gravemente atentatória dos princípios da adequação formal e da gestão processual.

G) Não havendo lugar à qualquer redução do valor devido como remanescente da taxa de justiça, considerando a desistência de um dos pedidos pelo Autor e consequentemente a alteração do valor da ação para o montante de € 1.046.936,00, o remanescente da taxa de justiça cifra-se no montante de € 9.486,00.

H) Impondo-se o pagamento de qualquer valor a título de remanescente da taxa de justiça pela Recorrente, deverá correr novo prazo para apresentação de nota justificativa e discriminativa de custas de parte, a contar do trânsito em julgado da decisão proferida em separado, relativamente apenas ao valor pago após o trânsito em julgado da sentença.

Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a Vs. Exas.:

a) Que a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Recorrente no dia 09.03.2016 seja considerada tempestiva, devendo a mesma ser deferida;

b) Que seja concedida à Recorrente a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;

c) Caso assim não se entenda, deverá ser determinada a redução do valor devido como remanescente da taxa de justiça em, pelo menos, metade;

d) Não sendo concedida a dispensa nem a redução do remanescente da taxa de justiça, seja declarado que o remanescente da taxa de justiça se cifra em € 9.486,00;

A Assistente veio aderir ao recurso de apelação interposto pela Ré, ao abrigo do disposto no art. 634º, 2, al. a) CPC, subscrevendo as alegações da Ré, na parte em que lhe são aplicáveis, com a alteração, no que a si diz respeito, que o valor do remanescente da taxa de justiça se enquadra na Tabela I-B, no valor de 4.743,00 €.


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Tempestividade da nota de discriminativa das custas de parte apresentada pela Ré ISA.
2. Isenção ou redução do remanescente taxa de justiça a pagar pela Ré e pela Interveniente.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Tempestividade da apresentação da Nota Discriminativa das Custas de Parte.
O juiz a quo indeferiu a nota apresentada pela Ré, por intempestiva, com a argumentação de que, tendo sido apresentada pela ré a 9 de março, quando a sentença transitara já a 22.02.2017, os cinco dias previstos no nº1 do artigo 25º do RCP haviam decorrido há muito.
Segundo a Ré apelante, uma vez que a parte vencida poderia ter recorrido de facto ou de direito, o prazo de recurso seria de 40 dias, mais os 3 dias úteis subsequentes, só ao 44º dia a decisão transitou em julgado; tendo o seu requerimento dado entrada no 43º dia após a notificação da sentença, encontrar-se ia dentro do prazo de cinco dias previsto no nº1 do artigo 25º do RCP.
Factos a ter em consideração para a decisão em apreço:
- constando do Citius que a notificação eletrónica da sentença foi efetuada às partes a 18 de janeiro de 2017, a notificação tem-se por efetuada à ré no dia 23 de janeiro de 2017 (artigo 248º CPC).
- o requerimento da Ré relativo à nota das custas de parte foi apresentado em Tribunal por requerimento enviado a 9 de março de 2017.
O prazo de 30 dias para interposição de recurso (artigo 638º, nº1 do CPC) terminava a 22 de fevereiro.
Por se tratar de decisão suscetível de recurso da matéria de facto, pretende a Ré socorrer-se ainda do acréscimo de 10 dias, previsto no nº 7 do citado artigo 638º, segundo o qual “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias”.
É certo que se a decisão for suscetível de recurso da matéria de facto, a parte vencedora não terá meio de saber se a parte contrária tem, ou não, intenção de recorrer da matéria de direito ou da de facto, pelo que, a simples circunstancia de ter recorrido aquele prazo de 30 dias não lhe garante que de tal decisão não venha ainda a ser interposto recurso no prazo de 10 dias – sendo as alegações agora juntas com o requerimento de interposição do recurso, o facto de não constar dos autos qualquer requerimento de interposição de recurso não lhe garante que, decorridos 30 dias a contar da notificação da sentença, tal decisão não venha ainda a ser objeto de recurso tempestivo.
Ora, por um lado, tendo-se generalizado a interposição de recurso sobre a decisão proferida quanto à matéria de facto – impugnação que se constata ocorrer em quase todas as decisões que contêm apreciação da matéria de facto na sequência da instrução da causa –, a interposição de tal recurso surge como altamente provável sempre que houve produção de prova gravada.
Por outro lado, se a parte vencedora com receio de ver precludida a possibilidade de apresentar nos autos a sua nota de despesas, a faz juntar aos autos logo que decorridos os referidos 30 dias, corre o risco de, não só estar a praticar um ato inútil como de a parte contrária vir a alegar a intempestividade da mesma, por ter sido apresentada antes do tempo; com efeito, se a parte contrária, aproveitando o prazo suplementar de 10 dias vier ainda a interpor recurso nesse prazo (e pode nesse prazo apresentar não só recurso que envolva a impugnação da matéria de facto mas também de direito), aquela nota de despesas deixa de ter interesse para o reclamante, quer por que a decisão que lhe confere direito ao reembolso pode vir a ser revogada, quer porque, caso venha a ser confirmada, a instância de recurso dará lugar a novas custas de parte que o vencedor terá direito a reclamar.
Como salienta António Abrantes Geraldes[1], dado que a interposição do recurso coincide com a apresentação das alegações uma vez que não existe norma que vincule o recorrente a anunciar previamente a intenção de interpor recurso ou de o limitar objetivamente, mais não resta do que aguardar pelo decurso do prazo adicional, já que, até ao ultimo dia, será legitimo ao recorrente exercer o seu direito.
  A decisão considera-se transitada em julgado logo que nãos seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628º CPC).
No caso em apreço, decorridos os 30 dias a contar da notificação às partes da sentença proferida nos autos, a parte vencedora poderia ainda vir interpor recurso da mesma dentro do prazo de 10 dias, desde que nele impugnasse também a decisão proferida em sede de matéria de facto.
Atentar-se-á em que, nos casos em que a decisão não seja suscetível de recurso a mesma só transita em julgado decorrido o prazo legalmente previsto para a arguição de nulidades ou de dedução do pedido da sua reforma. Ou seja, a preocupação é fixar o momento a partir do qual a decisão estabilizou e não é mais possível a sua revogação, seja pela via do recurso seja pela via de reclamações. Note-se que interposto recurso e ainda que este não venha a ser admitido, a necessidade de aguardar a definitividade do despacho de não admissão do recurso levará a mais uma dilação quanto ao transito em julgado[2].
Por fim, apelamos ainda à consideração de que o atual prazo de cinco dias previsto no artigo 25º, nº1, RegCProc., se afigura extramente curto, quer por contrariar o atual prazo geral de 10 dias para a prática de qualquer ato processual (artigo 153º, nº1 CPC), quer porque o anterior Código das Custas Processuais consagrava para tal efeito (interpelação da parte contrária para pagamento das custas de parte) um prazo de sessenta dias (artigo 33-A, nº1 CCJ), sem a invocação de qualquer motivo para tal redução drástica.
Tendo a nota em questão sido apresentada no 43º dia após a notificação do requerente, dentro do prazo dos cinco dias contados a partir dos 30 + 10 dias, tem-se a mesma por tempestiva.
2. Isenção ou redução do remanescente da taxa de justiça a pagar pela Ré e pela Interveniente
O Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de dezembro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, manifestou a sua intenção de adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça pelos respetivos utilizadores[3]”.
Em concretização de tal propósito, o artigo 6º nº1 do RCP estabelece a regra geral de que a taxa de justiça é fixada “em função do valor e da complexidade da causa” e o artigo 530º, nº7, do atual Código de Processo Civil esclarece o que é considerado de especial complexidade, nomeadamente para efeito da aplicação da tabela referida no art. 6º, nº5, RCP.
O regime das custas estabelece um sistema misto que assenta no valor da ação até um determinado limite máximo e na possibilidade de correção da taxa de justiça, prevendo a possibilidade de:
- proceder ao agravamento do respetivo valor, quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor atribuído à causa (art. 6º, nº5, RCP e 530º, nº7, do CPC);
- isenção ou redução do respetivo valor nos processos de valor especialmente elevado, quando a especificidade da situação assim o justificar (artigo 6º, nº 7, RCP).
Dispõe o atual nº7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais[4], relativamente ao pedido de isenção de custas, aqui em apreço:
Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
A referida norma consagra o princípio basilar ínsito no atual Regulamento das Custas de que deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça[5].
E, como se afirma no Acórdão do STJ de 12-12-2013[6], tal norma deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça  devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 275.000,00 €, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
Tendo à presente ação sido fixado o valor de 2.546.936,00 €, a Ré veio requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, num valor que calcula inicialmente em 27.846,00 € e que, nas suas alegações de recurso, retifica para 9.486,00 €, requerendo ao tribunal que declare ser apenas este o valor a pagar de remanescente da taxa de justiça no caso de lhe vir a ser indeferido o pedido de dispensa ou de redução do valor remanescente da taxa de justiça.
Antes de mais, haverá que esclarecer não incumbir a este tribunal de recurso a decisão sobre qual o valor da taxa de justiça a pagar a final pela aplicação das normas contidas na Tabela I-A do RCP, uma vez que o tribunal recorrido nunca se pronunciou sobre tal questão (nem aí terá sido colocada), tendo surgido nos autos o valor de 27.846,00 €, a indicação e segundo o cálculo que as próprias partes efetuaram.
Ora, não cabe ao tribunal de recurso a apreciação em primeira mão de tal questão, mas tão só a reapreciação do decidido em 1ª instância.
Passemos, então, à questão de determinar se é de isentar ou reduzir o valor remanescente da taxa de justiça a pagar pelas recorrentes, atendendo à especificidade da situação, baseada no grau de complexidade da causa e conduta processual das partes.
Da análise do processo[7] de que o presente translado constituiu um apenso que subiu em separado, salientamos os seguintes pontos:
- Na ação foram apresentados três articulados – petição inicial (com 126 artigos), contestação (com 128 artigos) e réplica (185 artigos) – e ainda um articulado superveniente, através do qual a autora se limitou a dar conta nos autos do resultado de determinada ação interposta pelo aqui réu contra a aqui autora.
- Na contestação a Ré defendeu-se invocando a ilegitimidade da autora, o caso julgado, a prescrição e a litispendência. Não foi deduzido pedido reconvencional.
- Foi deduzido um incidente de intervenção de terceiros pelo qual interveio nos autos a assistente, também recorrente.
- Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções de caso julgado, prescrição e litispendência, tendo sido fixados os temas de prova.
- Foram ouvidas várias testemunhas por carta rogatória, a pedido da autora.
- A autora desistiu parcialmente do pedido (na parte atinente aos lucros cessantes), desistência que foi devidamente homologada.
- Procedeu-se a audiência final, no decurso da qual foram ouvidas seis testemunhas a indicação da ré e uma a requerimento da assistente, tendo a autora sido ouvida em declarações de parte.
- Foi proferida sentença (na qual foram dados como provados 58 factos), a julgar a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido, da qual não foi interposto recurso.
- Em tal sentença o juiz a quo afirmou a inexistência de má-fé por parte da Ré.
Vemos assim que, para além do facto de terem sido ouvidas algumas testemunhas através de carta rogatória (a pedido da autora), não se afigura que os presentes autos apresentem uma especial complexidade – apesar da extensão dos factos objeto de instrução –, sendo que, as questões de direito nele levantadas pelas partes não apresentavam uma dificuldade fora do habitual – encontrava-se em causa um contrato misto de compra e venda e prestação de serviços, em que o adquirente invocou a existência de defeitos.
Poderemos mesmo adiantar que a complexidade da causa fica largamente aquém do respetivo valor da ação, sendo que nada de especial temos a apontar à conduta processual da Ré e da assistente, pelo que, a taxa de justiça que resultará da simples aplicação das regras do valor da causa – taxa de justiça de valor fixo (16 Ucs) que progressivamente se agrava, sem qualquer limite máximo, na proporção direta do valor da ação (em acréscimos de 3 UCs, por cada 25.000,00 € ou fração) – surge como manifestamente desproporcional à atividade desenvolvida nos autos.
Como tal, considera-se adequado conceder a redução do remanescente da taxa de justiça a pagar por cada uma das recorrentes, na proporção de 60%.

A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedentes as apelações da Ré e da Assistente e revogando-se a decisão recorrida:

1. considera-se tempestiva a reclamação de custas de parte apresentada pela Ré;

2. concede-se à Ré e à assistente uma redução de 60%, do remanescente da taxa de justiça a pagar por cada uma delas.

Sem custas.                

                                                                Coimbra, 12 de dezembro de 2017


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Sendo a decisão final suscetível de recurso da matéria de facto, só decorrido o prazo suplementar de 10 dias previsto no art. 638º, nº7, CPC, poderá a parte contar, com alguma segurança, que a mesma não irá ser objeto de recurso.
2. O prazo para a parte vencedora apresentar a sua nota de custas de parte – até cinco dias após o trânsito em julgado – deverá ter em consideração aquele prazo suplementar para interposição de recurso da decisão sobre a matéria de facto.
3. É de isentar ou de reduzir o montante da taxa de justiça remanescente quando aquele se manifestar desproporcionado face à atividade exercida nos autos pelo tribunal e sem que a atitude das partes seja suscetível de censura.



Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016-3ª ed., Almedina, p. 125.
[2] Abrantes Geraldes, obra citada, p. 35.
[3] Cfr., Preâmbulo do citado diploma.
[4] Introduzido pela Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro.
[5] Acórdão do TRG de 19-04-2014, relatado por António Sobrinho, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão relatado por Lopes do Rego, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Processo a que se acedeu mediante autorização para o seu seguimento através do Citius.