Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5366/09.4T2AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
INCUMPRIMENTO
PRESTAÇÃO
VENCIMENTO
EMPRÉSTIMO
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 405º E 781º DO CC
Sumário: I – Para que um documento particular possa valer como título executivo relativamente a quem nele figura como devedor – em conformidade com o art. 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C. – basta que o mesmo esteja assinado pelo referido devedor, sendo irrelevante para a exequibilidade do título a circunstância de o nome do devedor e demais elementos de identificação não constarem do texto do documento.

II – Para que um documento particular possa valer como título executivo – em conformidade com a norma citada – será ainda necessário que a obrigação pecuniária que nele é constituída ou reconhecida esteja determinada no título ou seja determinável por simples cálculo aritmético em função das cláusulas dele constantes; daí que um contrato de mútuo não possa valer com título executivo relativamente à obrigação de pagamento de juros remuneratórios cuja taxa não ficou ali consignada.

III – Ainda que, face ao disposto no art. 781º do C.C., se deva considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação.

IV – Assim determinando-se no contrato que o incumprimento de qualquer prestação ou obrigação determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., com sede na (...) , Vagos, intentou processo de execução contra B..., Ldª e contra C... e D..., residentes na (...) , pedindo o pagamento da quantia de 40.603,26€ (capital de 29.454,01€, juros remuneratórios e moratórios vencidos de 8.850,96€ e despesas no valor de 2.298,29€), apresentando como título executivo um contrato de empréstimo garantido por fiança outorgado e assinado pela Exequente e pelos Executados em 15/05/1997.

Os Executados, C (...) e D (...) , vieram deduzir oposição a tal execução, alegando, em suma, que: do contrato junto como título executivo não constam os nomes dos oponentes, razão pela qual não poderão ser considerados como partes legítimas na presente execução, sendo manifesta a inexistência ou insuficiência do título executivo; além do mais, não constando do referido contrato a identificação de qualquer proposta de crédito, não poderá ser considerada como parte integrante ou complementar desse título a proposta junta pela Exequente, sendo que tal contrato é omisso no que toca ao prazo do mútuo, número das prestações, data de vencimento e taxa de juro remuneratória ou moratória; alegando que nunca foram interpelados para pagamento, impugnam os factos alegados e o teor dos documentos juntos; na falta de fixação de prazo, atento o disposto no artigo 1148/2 do Código Civil, só pode ser posto termo ao contrato com a antecedência de 30 dias, pelo que, não o tendo feito, não há fundamento legal para a pretensão da exequente, além de que nunca poderiam lhe ser exigidos quaisquer juros ou despesas, atendendo à falta de interpelação para o efeito e que, de qualquer forma, não corresponderiam ao valor peticionado.

Concluem pedindo a extinção da execução.

A Exequente contestou, alegando que: a lei não exige, como requisito de exequibilidade do título, que nele conste o nome ou a identificação dos executados, bastando-se com a sua assinatura e, porque os ora Executados se vincularam no título – pela sua assinatura – como fiadores são partes legítimas na execução; sendo certo que o Oponente marido assinou o contrato em causa quer na qualidade de fiador quer na qualidade de sócio gerente da B (...) , Lda, pelo que não pode invocar o desconhecimento das condições em que foi celebrado o contrato dado à execução, até porque o mesmo foi cumprido durante 9 anos e 6 meses. Alegando ainda que os Oponentes foram interpelados para cumprir e reafirmando o valor dos juros e despesas peticionadas, conclui pela improcedência da oposição, pedindo ainda a condenação dos Oponentes, como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

Os Oponentes vieram responder ao pedido de condenação por litigância de má fé, sustentando a sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de falta de título executivo, decidindo-se que o título apresentado era válido e julgando-se improcedente, nessa parte, a oposição deduzida.

Foi dispensada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória e, após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da execução.

Discordando dessa decisão, vieram os Oponentes interpor o presente recurso de apelação – que abrange também o despacho saneador, na parte em que julgou válido o título executivo, julgando improcedente a excepção que, a esse propósito, era invocada – formulando as seguintes conclusões:

O título dado à execução é um designado «Contrato de Empréstimo Garantido Por Fiança», não constando nele, em parte alguma, o nome e identificação dos opoentes, elementos tais que, atenta a formalidade do título, não poderiam ser extraídos senão do seu teor literal.

Ao considerar válido o título executivo, a douta decisão interlocutória, refª 9499697, de 02.12.2010, violou, com o devido respeito, o disposto no artigo 46º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e declarada extinta a execução quanto aos ora opoentes, sendo tal questão --- manifesta inexistência ou, pelo menos, insuficiência do título executivo --- de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 820º, nº 1, do Código de Processo Civil, atento o preceituado na alínea a), do nº 1, do artigo 812º-E, do mesmo diploma legal.

Relegou a douta decisão interlocutória impugnada, para sede de decisão final, a excepção suscitada de ilegitimidade passiva dos opoentes, que invocada na sua oposição por, não constando o seu nome e identificação no título executivo, serem partes ilegítimas na execução, pois a execução tem de ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedora --- artigo 55º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Na impugnada douta sentença final, refª 16216428, de 12.12.2012, o Tribunal recorrido, porém, também não se pronunciou, relativamente à excepção de ilegitimidade passiva invocada, sendo tal decisão, com o devido respeito, nula, atento o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que se invoca, devendo ser revogada e julgada procedente a excepção suscitada, com as consequências legais.

Caso se entenda que a douta sentença recorrida conheceu implicitamente a excepção de ilegitimidade, declarando-a improcedente, violou, com o devido respeito, o disposto no artigo 55º, nº 1, do Código de Processo Civil, devendo ser revogada e julgada procedente a excepção suscitada, com as consequências legais.

Não consta do título executivo, na respectiva cláusula segunda, a identificação de qualquer proposta de crédito, não sendo mencionado o respectivo número, pelo que, a proposta de crédito junta pela exequente, com o número 10581, não poderá ser considerada, com o devido respeito, parte integrante ou complementar do título dado à execução.

O título executivo, como, aliás, também a mencionada proposta de crédito, não fazem qualquer menção quer ao prazo do mútuo, quer ao número e data de vencimento de prestações, quer a qualquer taxa de juro remuneratória ou moratória ou penalização devida pelo mútuo, encontrando-se todos os espaços dos referidos documentos destinados a tais menções em branco.

Como tal, e sabendo-se que a única prova produzida nos presentes autos, quanto aos factos A a D, foi a prova documental --- como consta da fundamentação da resposta dada à matéria de facto, Refª 16130109, de 17.10.2012, « A resposta positiva aos factos A- a D- tem por fundamento o contrato de empréstimo com fiança dado à execução. » --- , impugna-se expressamente, por incorrectamente julgada, a matéria de facto dada como provada nas alíneas:

- A) ( apenas quanto ao segmento « outorgado », referido aos opoentes );

- B) ( apenas quanto ao segmento « na qualidade de fiadores, obrigando-se »;

- D) ( quanto ao seu teor integral ).

O referido contrato de empréstimo com fiança impõe, atento o seu teor literal, decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, não podendo tais factos, com o devido respeito, ser dados como provados face à única prova produzida, ou seja, face ao título executivo, devendo, em consequência, ser declarada procedente a oposição ou extinta a execução contra os opoentes por falta de título executivo ou serem estes declarados partes ilegítimas na execução, revogando-se a douta sentença recorrida.

10ª A invocada falta ou insuficiência do título executivo não carecia de ser provada pelos opoentes, devendo ser conhecida e decidida pelo Tribunal perante a análise do título e a verificação da omissão do mesmo quanto às obrigações dos opoentes que o exequente invoca na execução, bem como quanto à identificação dos mesmos como obrigados.

11ª Refira-se, ainda, que o documento de fls. 42 dos autos, subscrito pelo opoente marido e a transmissão, reconhecida por este, aos demais executados, dos pontos 3 e 8 do mesmo, em nada contende com o invocado, pois resulta do seu teor que o mesmo se refere a negociações envolvendo diversos empréstimos, não identificando as qualidades dos intervenientes nem as condições existentes para as operações em causa.

12ª Sem prescindir, a exequente não tem direito às despesas que alega, impugnadas na oposição quanto ao seu valor, por não corresponderem a quaisquer despesas efectivas para a cobrança judicial ou extrajudicial do crédito, não alegando, aliás, a exequente, qual a sua origem e discriminação.

13ª A douta sentença recorrida é omissa quanto a tal questão, sendo, pois, com o devido respeito, nula, atento o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que se invoca, devendo ser revogada e julgada procedente a oposição deduzida.

14ª Pois exequente, em sede de requerimento inicial de execução, indicou despesas no montante de 2.298,29 euros, não discriminando o montante e a origem de cada uma das despesas que entendia realizadas, não permitindo, desde logo, que os opoentes as pudessem impugnar de forma precisa e discriminada.

15ª Tal quantia não deverá ser considerada exequível, por não se verificarem os requisitos do artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, revogando-se sempre, em conformidade a douta sentença recorrida --- Cfr. douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 23.06.2009, processo 486/07.2TBOBR-A.C1 .

16ª Por fim, e sem prescindir, no que respeita ao decidido quanto à questão da exigibilidade imediata das obrigações, mantêm os opoentes que, apenas após interpelação, que não se provou nos autos, poderia a exequente exigir, de imediato, as prestações vincendas, não tendo direito a quaisquer juros ou penalizações até ocorrer tal interpelação, violando a douta sentença recorrida o disposto no artigo 781º, do Código Civil e, como tal, devendo ser revogada.

17ª Nestes termos, deverá o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, revogadas as decisões nele impugnadas.

A Apelada apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1 – Estão preenchidos os requisitos mencionados no art. 46º, al. c) do C.P.C., a saber:

- o contrato dado à execução está assinado pelos executados aqui recorrentes;

- importa a constituição ou reconhecimento de obrigações e

- por outro lado, tais obrigações reportam-se ao pagamento de uma quantia determinada ou determinável através de simples cálculo aritmético.

2 – A lei não exige, como requisito de admissibilidade do título executivo que nele conste o nome ou a identificação dos executados, bastando-se com a sua assinatura.

3 – Por isso, nenhum dos recorrentes pode invocar, com sucesso, que a falta de menção ao seu nome, dactilografado no título, é razão suficiente para que o mesmo não possa ser executado contra si.

4 – Por outro lado, ultrapassada a questão da falta ou insuficiência do título no que respeita à identificação dos fiadores, automaticamente fica resolvida a excepção de ilegitimidade dos recorrentes, seja ao nível adjectivo, seja substantivo.

5 – Foi na qualidade de sócio gerente da executada “ B (...) ” que o recorrente C (...) negociou com a recorrida os termos e condições a que obedeceria o contrato de mútuo (à semelhança do que já fizera em inúmeras operações anteriores em que também negociou e foi fiador da “ B (...) ”).

6 – Além disso, com o requerimento executivo, onde alegou o valor da dívida, a entrada em mora em 22 de Novembro de 2006 (ao fim de 57 prestações bimestrais pagas ao longo de 9 anos e 6 meses de cumprimento do plano de reembolso, cfr. referido em 20º e 21º da contestação da oposição, embora aí por lapso de escrita se refiram 45 prestações) e a existência de várias interpelações (o que resulta também do doc. de fls. 42 dos autos), a recorrida juntou 4 documentos, a saber:

e) Contrato de empréstimo (doc. nº1), datado de 15 de Maio de 1997;

f) Proposta de crédito (doc. nº2), datado de 14 de Maio de 1997;

g) Disponibilização do dinheiro (doc. nº3), em 23 Maio de 1997;

h) Nota de lançamento do crédito, de 23 Maio de 1997.

7 – Assim, além de alegar os factos constitutivos do seu direito, a aqui recorrente juntou também, no requerimento executivo, vários documentos, entre os quais o que tem o nº4, do qual se extrai a taxa remuneratória contratada: 10,50% ao ano.

8 – Acresce que, na cláusula 7ª do doc. n.º 1 dado à execução se refere expressamente que «em caso de mora no pagamento, capital, juros ou quaisquer despesas ou encargos, acrescerá à taxa contratada a sobretaxa de 4% sobre as quantias em mora, a título de cláusula penal, pelo período que esta durar».

9 – Ademais, sendo a oposição à execução uma verdadeira acção, incumbe ao “autor-oponente”, de acordo com a regra que resulta do art. 342º,nº2 do Cód. Civil, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.

10 – Relativamente ao alegado a propósito da eventual não ligação ente o contrato e a proposta juntos aos autos, faz-se notar que esta tem data de 14-04-1997, enquanto que aquele é datado de 15-05-1997 (dia seguinte) e os valores (sempre 10.000.000$00) foram disponibilizados em 25-05-1997 (cfr. documentos anexos à petição inicial de execução, esclarecendo-se, tal como já consta de 3 dessa peça, que apenas fora, disponibilizados 9.999.500$00, dado que esc. 500$00 foram para despesas de processamento do empréstimo).

11 – Assim, de tal proximidade de datas e identidade de valores, decorre que a proposta só pode ser parte integrante do título dado à execução ao contrário do pretensamente invocado pelos recorrentes.

12 – Na cláusula oitava do contrato de empréstimo consta o seguinte “Os mutuários obrigam-se ainda ao pagamento de todas as despesas que a A (...) venha a ter de suportar para garantir a cobrança dos seus créditos, incluídas as com honorários de advogados ou outros mandatários da A (...) .

13 – As despesas de cobrança peticionadas, além de contratadas, resultam da dificuldade da acção e dos estilos da comarca.

14 – Aliás, a quantia peticionada a este título – 2.298,29€ - é até bem inferior ao que seria normal.

15 – O art. 1148º, n.º 2 do Cód. Civil tem em vista os casos de empréstimo em que nenhuma outra dilação existe além da que é conatural a todo o mútuo, para que o mutuário se possa servir da coisa emprestada e prover à restituição do tantum diem, tendo a interposição da acção executiva tido o efeito pretendido pela norma legal referida.

16 – Soma-se que, mesmo que a credora apenas “avisasse” os fiadores por via da acção judicial (o que não aconteceu, pois interpelou-os por diversas vezes antes disso, cfr. resulta até do doc. de folhas 42, também assinado pelo recorrente marido) a responsabilidade destes nunca poderia deixar de ser o preciso montante da responsabilidade da mutuária.

17 – Porém, quer a mutuária, quer os fiadores, foram avisados para pagar desde a entrada em mora.

18 – Além disso, o d. acórdão invocado pelos oponentes não tem aplicação no caso sub judice, pelo facto de, contratualmente, existir uma convenção que dispensa a interpelação dos devedores.

19 – Tal posição tem respaldo no Ac. R.C. tirado no processo nº3078/08.5TJCBR, de 10 de Março de 2009, e publicado in www.dgsi.pt.

20 – Com efeito, o título dado à execução é um título executivo complexo composto por dois elementos:

c) o doc. nº1 (contrato de empréstimo garantido por fiança) e

d) o doc. nº2 (proposta de crédito).

21 – De ambos esses documentos (contrato de empréstimo e proposta de crédito) consta o seguinte:

- Doc. nº1, cláusula sexta: “Em caso de incumprimento pelo(s) MUTUÁRIO(S) de qualquer uma das suas obrigações, e não havendo lugar ao previsto na cláusula anterior, vencer-se-á automaticamente todo o empréstimo tornando-se exigível, e, em mora, a globalidade do crédito da A (...) ”

- Doc. nº2, clásula 10: “no caso de incumprimento pelo(s) mutuário(s) de qualquer das suas obrigações vencer-se-á automaticamente toda a dívida, tornando-se consequentemente exigível e em mora tudo o que constituir crédito da CCAM e perdendo o(s) mutuário(s) o direito à bonificação dos juros em dívida.”

22 – Assim, e de acordo com o supra citado acórdão, o texto de ambos esses documentos torna desnecessária a interpelação dos devedores (que, repete-se, ocorreu várias vezes).

23 – Em suma, a d. sentença posta em crise pelos recorrentes aplicou as normas legais correctas e perfilha a jurisprudência prevalecente acerca das questões em apreciação, pelo que não merece qualquer censura. 

Conclui pela improcedência do recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a circunstância de o título executivo não mencionar, no respectivo texto, o nome dos devedores – apesar de por eles estar assinado – é bastante para lhe retirar a sua força executiva e para considerar que os Oponentes não têm legitimidade para a execução por não figurarem no título como devedores;

• Saber se a sentença recorrida padece do vício de nulidade que lhe é imputado pelos Apelantes;

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função disso, importa alterar a matéria de facto;

• Apurar as consequências emergentes da circunstância de o título (contrato de mútuo) não aludir ao prazo do mútuo, ao número e data de vencimento das prestações e à taxa de juro aplicável e saber se, por força dessas omissões, o título executivo é insuficiente para fundamentar a execução relativamente a alguma das obrigações aqui exigidas;

• Saber se a Exequente tem ou não o direito às despesas que vem exigir e cuja origem não foi alegada e discriminada no requerimento executivo;

• Saber se a sentença recorrida violou o disposto no art. 781º do C.C., por se dever considerar que a Exequente apenas podia exigir as prestações vincendas, bem como os juros e penalizações, após a interpelação dos Oponentes, que não se demonstrou ter sido efectuada.


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III.

Como decorre das alegações, o presente recurso tem como objecto duas decisões: a sentença final e a decisão que, em sede de despacho saneador, concluiu pela validade do título executivo.

Apreciemos, pois, cada uma dessas decisões.

Despacho saneador

Consideram os Apelantes – em desacordo com a decisão recorrida – que o título executivo não pode valer como tal por não conter o seu nome e demais elementos de identificação.

Sendo certo que o referido título – contrato de empréstimo garantido por fiança – não contém a identificação dos Oponentes (encontrando-se por preencher o espaço que ali estava reservado à identificação dos fiadores), a verdade é que, conforme se considerou na decisão recorrida, essa circunstância não é idónea para lhe retirar a sua força executiva.

De facto, e como decorre do disposto no art. 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C., podem servir de base à execução (e, portanto, constituem título executivo) “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto”.   

Ou seja, o que é indispensável para que o documento particular possa valer como título executivo é que esteja assinado pelo devedor, pois que é com essa assinatura que subscreve o seu teor, assumindo ou reconhecendo a obrigação que nele é mencionada.

E, portanto, estando reconhecida ou demonstrada a autoria dessa assinatura, tanto basta para que o seu autor seja responsável pelas declarações exaradas no documento, ainda que, além dessa assinatura, não conste do documento qualquer outro elemento de identificação, designadamente o nome do seu subscritor.

Ora, os Oponentes não impugnaram as assinaturas que constavam do aludido documento e que lhe eram imputadas e, como tal, atendendo ao disposto no art. 374º, nº 1, do C.C., tais assinaturas têm que ser consideradas como verdadeiras.

E, se tais assinaturas são verdadeiras e pertencem aos Oponentes, é óbvio que os mesmos assumiram as obrigações que emergem daquele documento, assumindo a posição de devedores relativamente a essas obrigações.

Daí que, estando em causa um documento particular que foi assinado pelos devedores (ora Oponentes) e que importa a constituição de determinadas obrigações, tal documento constitua título executivo relativamente aos Oponentes e no que toca às obrigações dele emergentes, cujo montante seja determinado pelo título ou determinável por mero cálculo aritmético (importando aqui esclarecer que, não obstante a validade do título executivo, o mesmo – como veremos mais adiante – não será suficiente ou não será exequível relativamente a todas as obrigações que são exigidas na presente execução, embora por razões diversas daquelas que, relativamente a esta decisão, são invocadas pelos Apelantes).

Improcede, pois, nesta parte, o presente recurso.

 

Sentença

Nulidade e ilegitimidade

No que toca à sentença, os Apelantes começam por invocar a sua nulidade, ao abrigo do disposto no art. 668º, nº 1, alínea d), do C.P.C., por ter omitido a apreciação da excepção de ilegitimidade que haviam invocado, mais alegando que, caso se entenda que a sentença apreciou implicitamente essa questão, sempre teria sido violado o disposto no art. 55º do C.P.C., porquanto, não constando do título os nomes dos Oponentes, estes não têm, em face do título, a posição de devedores e, portanto, não têm legitimidade para a execução.

Esta questão não é diversa daquela que analisamos supra, já que, os fundamentos invocados pelos Apelantes para a sua pretensa ilegitimidade são os mesmos que haviam invocado para sustentar a falta de título e, porque a questão é a mesma, não nos parece que a sentença esteja ferida de qualquer nulidade, na medida em que a questão já havia sido apreciada no despacho saneador, quando ali se concluiu que o documento que fundamentava a execução constituía título executivo relativamente aos Oponentes.

De acordo com o disposto no art. 55º, nº 1, do C.P.C., a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.

Mas, ao contrário do que sustentam os Apelantes e como decorre do que referimos supra, a indicação do nome e elementos de identificação do devedor no texto do documento não é necessária para determinar a pessoa que nele figura como devedor, desde que, pela respectiva assinatura e pelo teor do documento, se consiga estabelecer, sem qualquer dúvida, a identidade da pessoa que nele assumiu a posição de devedor.

Ora, se os Oponentes não impugnaram as assinaturas que lhes são imputadas e que constam do referido documento no local destinado à assinatura dos fiadores – razão pela qual se impõe considerar, como já referimos, que tais assinaturas lhes pertencem – é claro e evidente que ali assumiram as obrigações inerentes à qualidade de fiadores e, portanto, são eles que constam do título na posição de devedores.

Os Oponentes são, pois, partes legítimas para a presente execução.

Matéria de facto

Os Oponentes impugnam ainda a matéria de facto dada como provada nas alíneas:

- A) (apenas quanto ao segmento «outorgado», referido aos opoentes);

- B) (apenas quanto ao segmento «na qualidade de fiadores, obrigando-se»;

- D) (quanto ao seu teor integral).

Alegam, para o efeito, que a única prova produzida relativamente a esses factos foi o contrato de empréstimo dado à execução, sendo certo que não consta desse contrato, nem da proposta de crédito (proposta esta que nem sequer poderá ser considerada parte integrante ou complementar do título dado à execução, por não estar nele identificada), o prazo do mútuo, o número e data de vencimento de prestações, a taxa de juro remuneratória ou moratória ou penalização devida pelo mútuo, encontrando-se todos os espaços dos referidos documentos destinados a tais menções em branco.

Parece, em primeiro lugar, que terá existido lapso dos Apelantes quando aludem às alíneas A) e B), pois os factos a que se reportam constam das alíneas B) e C), respectivamente.

Não têm razão os Apelantes quando pretendem – no que toca às alíneas B) e C) – que não seja dado como provado que outorgaram o referido contrato e que nele se obrigaram como fiadores.

Com efeito, tal como já referimos – e reafirmamos – os Apelantes não impugnaram as assinaturas que lhes são imputadas e que constam do referido contrato, no lugar reservado à assinatura dos fiadores. Tais assinaturas consideram-se, por isso, verdadeiras e, portanto, é claro que os Apelantes subscreveram o referido contrato, nele assumindo a posição de fiadores e assumindo as obrigações inerentes. É certo, portanto, que os Apelantes outorgaram no referido contrato, obrigando-se na qualidade de fiadores e, como tal, nada justifica a pretendida alteração à matéria de facto que consta das alíneas B) e C).

O mesmo não acontece com a alínea D).

Refere-se, na citada alínea, que “o empréstimo deveria ser reembolsado em 100 prestações, de capital e juros bimestrais, com vencimento no dia 22, inicialmente no valor de 931,70€ ena data de entrada em mora, no valor de 971,70€”, sendo que, como decorre da respectiva fundamentação, a decisão da matéria de facto – no que respeita a esse facto – decorreu apenas do contrato de empréstimo dado à execução.

A verdade é que o referido contrato não alude aos factos que foram dados como provados na alínea D) e, portanto, não vislumbramos como poderia o citado documento fundamentar aquela decisão. E, se é certo que o contrato não alude àqueles factos, a proposta de contrato também não o faz e nem sequer foi junto qualquer outro documento que pudesse, de algum modo, comprová-los.

Assim, sendo certo que nenhuma prova foi produzida que possa sustentar os factos constantes da alínea D), não poderão estes factos ser considerados provados.

Elimina-se, portanto, a alínea D).


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Após a alteração efectuada, a matéria de facto provada é a seguinte:

A-) Foi dado à execução o contrato constante de fls. 15 PP dos autos principais, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.

B-) Nos termos do referido contrato de empréstimo garantido com fiança, outorgado e assinado pela exequente e pelos executados, em 15 de Maio de 1997, aquela emprestou à primeira executada a quantia de 10.000.000$00 (49.879,79€) da qual esta confessou ser devedora.

C-) Tal contrato foi assinado pelos opoentes, na qualidade de fiadores, obrigando-se, nos termos da cláusula nona do mesmo, a garantir “expressa e pessoalmente o bom e pontual cumprimento pelo(s) MUTUÁRIO(S) das obrigações aqui assumidas obrigando-se solidariamente com ele(s), e como principal(ais) pagador(es) pessoalmente perante a A (...) , a pagar, logo que avisados por esta, a totalidade da quantia mutuada, bem como os respectivos juros e despesas, conforme estipulado neste contrato, renunciando a todo e qualquer benefício, designadamente os de prévia excussão, que por qualquer forma possa restringir ou limitar as suas obrigações, autorizando desde já a compensação e/ou retenção de quaisquer saldos credores de contas existentes nesta A (...) ou em qualquer A (...) do Sistema Integrado do Crédito (...) .

D-) – (eliminado)

E-) Em 11 de Novembro de 2008 o opoente C (...) assinou o documento constante de fls. 43 PP dos presentes autos, que foi entregue à exequente.

F-) O opoente transmitiu as propostas que constam dos pontos 3. a 8. do referido documento aos demais executados.


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Insuficiência do título por falta de menção ao prazo do mútuo, número e data de vencimento de prestações, taxa de juro remuneratória ou moratória e penalização.

Sustentam os Apelantes que, não obstante terem o ónus de prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, esse ónus termina nos precisos limites do teor do título executivo, pois é este que define e limita o direito do exequente, razão pela qual deveria o Tribunal ter verificado a omissão do título no que toca às obrigações dos Oponentes que o Exequente invoca na execução.

É verdade que o contrato em causa – que corresponde ao título executivo – não alude ao prazo do mútuo e não alude ao número e data de vencimento de prestações.

Não nos parece, porém, que essa circunstância tenha interferência com a exequibilidade do título no que toca à obrigação de restituição do capital mutuado que, conforme ali se menciona, era de 10.000.000$00.

Sendo evidente que tal contrato – subscrito pelos Oponentes – envolve a constituição da obrigação, a cargo do mutuário, de devolver aquela quantia (obrigação igualmente assumida pelos fiadores), é claro que esse contrato constitui título executivo bastante para exigir o cumprimento dessa obrigação, importando notar que o Exequente apenas pede parte dessa obrigação (confessando que a restante já se encontra satisfeita).

O prazo do mútuo e o número e data de vencimento das prestações apenas teriam interferência com o efectivo vencimento e exigibilidade da obrigação.

Todavia, uma vez demonstrada – pelo título executivo – a constituição da obrigação, era aos Apelantes que incumbia o ónus de provar que a mesma não era exigível por não se encontrar ainda vencida, sendo que a mera circunstância de o título ser omisso relativamente a esses elementos não lhe retira a sua exequibilidade relativamente à obrigação que ali foi constituída – e que se encontra perfeitamente determinada – de devolver a aludida quantia de 10.000.000$00 e que o próprio Exequente já reduziu para valor inferior em virtude de tal obrigação já ter sido parcialmente cumprida.

Quanto à taxa de juro moratória ou penalização, não têm razão os Apelantes, uma vez que, ao contrário do que afirmam, a mesma está referida no título, ali se referindo – na cláusula sétima – que tal taxa – devida em caso de mora, a acrescer à taxa contratada e a título de cláusula penal – é de 4% sobre as quantias em mora.

Mas já assiste razão aos Apelantes no que respeita à taxa de juro remuneratória.

De facto, embora resulte do contrato a obrigação de pagamento de juros remuneratórios, não é mencionada a respectiva taxa e tal menção também não consta da proposta de crédito que foi junta aos autos.

E isso significa que a obrigação referente a juros remuneratórios não está determinada no título e nem tão pouco é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, como exige o art. 46º, nº 1, alínea c) do C.P.C.. E, portanto – como decorre da norma que acabamos de citar – o referido contrato não constitui título executivo relativamente a essa obrigação.

E, ao contrário do que sustenta a Apelada, o documento que juntou com o requerimento executivo sob o nº 4 não é bastante para suprir aquela omissão, já que tal documento foi elaborado pela Exequente sem qualquer intervenção dos Apelantes e, portanto, não estando assinado pelos devedores não envolve a constituição ou o reconhecimento da obrigação de pagamento dos juros à taxa aí mencionada.

Assim e no que toca a essa obrigação, não existe qualquer documento que, reunindo os requisitos exigidos pelo citado art. 46º, nº 1, alínea c), possa valer como título executivo, o que implica, nesta parte, a procedência do recurso e da oposição deduzida à execução.      

As despesas

Alegam ainda os Apelantes que a Exequente não tem direito às despesas que alega, impugnadas na oposição quanto ao seu valor, por não corresponderem a quaisquer despesas efectivas para a cobrança judicial ou extrajudicial do crédito, sendo certo que a Exequente nem sequer discriminou o montante e origem dessas despesas de forma a que os Apelantes as pudessem impugnar e, alegando que a sentença é omissa no que toca a esta questão, invocam a sua nulidade com fundamento no disposto no art. 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

É verdade que a sentença não aludiu a esta questão – que havia sido suscitada na oposição – e, portanto, será, efectivamente, nula por omissão de pronúncia, nos termos do citado art. 668º, nº 1, alínea d).

E, apreciando essa questão – em substituição do tribunal recorrido – temos que reconhecer que a razão está com os Apelantes.

Vejamos.

A Exequente pediu, no requerimento executivo, o pagamento da quantia de 2.298,29€, a título de despesas, alegando apenas que ascenderam a esse valor as despesas efectuadas e que estavam a cargo dos Executados, nos termos da cláusula 8ª do contrato.

Constava, efectivamente, da referida cláusula a obrigação de pagamento de todas as despesas e encargos resultantes do contrato, bem como de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a A (...) viesse a ter de suportar para garantir a cobrança dos seus créditos, incluídas as respeitantes a honorários de advogados e outros mandatários da A (...) .

Mas, como se constata facilmente, a obrigação aqui em causa não está determinada no título; em face do título, é uma obrigação ilíquida. E a sua liquidação não depende de mero cálculo aritmético; antes exige a prova e efectiva demonstração das concretas despesas ou encargos que foram suportadas.

E, estando em causa uma obrigação que não está determinada no título e que nem sequer é determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as clausulas constantes do contrato, impõe-se concluir, em conformidade com o disposto no art. 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C., que este contrato não tem força executiva relativamente a essa obrigação.

Mas, ainda que o contrato constituísse título executivo no que toca a essa obrigação, é indiscutível que, estando em causa uma obrigação ilíquida, ela teria que ser previamente liquidada, em conformidade com o disposto no art. 805º do citado diploma, e, portanto, a Exequente teria que especificar os valores que considerava compreendidos na prestação devida, concluindo com um pedido líquido.

Sucede que, apesar de ter formulado um pedido líquido, a Exequente não especificou nem discriminou, de forma alguma, as aludidas despesas. De facto, a Exequente limitou-se a alegar que havia suportado despesas de determinado valor sem que as tivesse discriminado e sem que alegasse sequer qual a sua origem e a que se reportavam e, não o tendo alegado, também não o poderia provar – como era seu ónus – como, efectivamente, não provou.

Ou seja, ainda que o referido contrato constituísse título executivo relativamente a essas despesas, a verdade é que essa obrigação era ilíquida, em face do título, e permaneceu ilíquida com a presente execução, porquanto a Exequente não procedeu à respectiva liquidação, e, como tal, não poderá, por ora, ser exigida aos Executados/Apelantes.

Nesta parte, terá, pois, que proceder o recurso e a oposição deduzida à execução.

 

Falta de interpelação e alegada violação do art. 781º do C.C.

Sustentam, por último, os Apelantes que a sentença recorrida violou o disposto no art. 781º do C.C., já que apenas após interpelação, que não se provou nos autos, poderia a exequente exigir, de imediato, as prestações vincendas, não tendo direito a quaisquer juros ou penalizações até ocorrer tal interpelação.

O art. 781º do C.C. – que, na perspectiva dos Apelantes, a sentença teria violado – dispõe que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Prevendo-se na citada norma a perda do benefício do prazo concedido ao devedor nas obrigações pagáveis em prestações, tem sido entendido – como se refere, aliás, na sentença recorrida – que o que aqui se estabelece é apenas a possibilidade de o credor poder exigir de imediato o pagamento de todas as prestações e não a imediata constituição em mora do devedor relativamente a todas elas. Ou seja, estando em causa um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.

A este propósito, refere Antunes Varela[1] que assim deve ser interpretado o art. 781º “…e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento, ao arrepio da doutrina geral do art. 805º, nº 1, a responder pelos danos moratórios”. E, acrescenta, “o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não decreta ela própria – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor (…) A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”.

Tem sido esse também o entendimento da nossa jurisprudência maioritária[2] e não encontramos razões para não o adoptar.

Significa isto, portanto, que o vencimento imediato daquelas prestações e a constituição em mora do devedor relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação para cumprir a totalidade da obrigação (imediatamente vencida e exigível em consequência da falta de pagamento de uma das prestações).

Mas isso não significa que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta (art. 405º do C.C.), não possam regular a situação em termos diversos, dispensando a realização da interpelação e convencionando, desde logo, que a falta de pagamento de uma das prestações implica, de forma automática, a constituição do devedor em mora relativamente a todas as prestações.

Ora, foi isso que aconteceu, no caso sub júdice e foi com esse fundamento que a sentença recorrida considerou não ser necessária a realização da interpelação.

Com efeito, a cláusula sexta do contrato (que serve da base à presente execução) determina que “em caso de incumprimento pelo(s) MUTUÁRIO(S) de qualquer das suas obrigações, e, não havendo lugar ao previsto na cláusula anterior, vencer-se-á automaticamente todo o empréstimo tornando-se exigível e, em mora, a globalidade do crédito da A (...) ”. Determinando-se nesta cláusula que o incumprimento determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora.

Assim, conforme se considerou na sentença recorrida – e ao contrário do que pretendem os Apelantes – a Exequente poderia exigir, de imediato e independentemente de interpelação, as prestações vincendas, tal como tem o direito de exigir os juros e penalizações que são inerentes à mora que, em conformidade com o convencionado pelas partes, ocorria imediata e automaticamente com o incumprimento de uma das prestações.

Improcede, portanto, o recurso, no que toca a esta questão.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Para que um documento particular possa valer como título executivo relativamente a quem nele figura como devedor – em conformidade com o art. 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C. – basta que o mesmo esteja assinado pelo referido devedor, sendo irrelevante para a exequibilidade do título a circunstância de o nome do devedor e demais elementos de identificação não constarem do texto do documento.

II – Para que um documento particular possa valer como título executivo – em conformidade com a norma citada – será ainda necessário que a obrigação pecuniária que nele é constituída ou reconhecida esteja determinada no título ou seja determinável por simples cálculo aritmético em função das cláusulas dele constantes; daí que um contrato de mútuo não possa valer com título executivo relativamente à obrigação de pagamento de juros remuneratórios cuja taxa não ficou ali consignada.

III – Ainda que, face ao disposto no art. 781º do C.C., se deva considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação.

IV – Assim determinando-se no contrato que o incumprimento de qualquer prestação ou obrigação determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora.


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IV.
Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso, revoga-se a sentença recorrida na parte respeitante aos juros remuneratórios e despesas que foram peticionados pelo Exequente, julgando-se procedente a oposição deduzida no que toca a essas quantias e determinando-se, consequentemente, a extinção da execução, nessa parte.
No mais – e, mais concretamente, no que toca ao capital e respectivos juros moratórios, à taxa de 4% - confirma-se a sentença recorrida, mantendo-se, por isso, a improcedência da oposição e o prosseguimento da execução no que toca a essas quantias.
Custas a cargo dos Apelantes e Apelada, na proporção do decaimento.
Notifique

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., págs. 53 e 54.
[2] Cfr., designadamente, os Acórdãos do STJ de 16/10/2008, 06/02/2007 e 14/11/2006, nos processos 08A343, 06A4524 e 06B2911, respectivamente; os Acórdãos da Relação do Porto de 21/03/2013 e 25/01/2010, nos processos nºs 144/09.3TBVLP.P1 e 5664/08.4TBVNG.P1, respectivamente, e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/03/2009 e 01/04/2009, nos processos nºs 2316/08.9TJCBR.C1 e 6195/06.2TVLSB.C1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.