Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
634/12.0TXCBR-L.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PRESENÇA DO CONDENADO E DEFENSOR NO CONSELHO TÉCNICO
DIREITO DE DEFESA
INCONSTITUCIONALIDADE
PERÍODO DE ADAPTAÇÃO À LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE EXECUÇÃO DE PENAS – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 174º, 175º, 188º, N.º 6 E 146º, N.º 2, DO CÓDIGO DE EXECUÇÃO DE PENAS E DAS MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE; 61º, N.º 1, AL.S A) E B), E 62º DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I. A reunião do conselho técnico não consiste em qualquer diligência de prova, razão pela qual não está prevista a presença do condenado para o exercício do contraditório, podendo os relatórios e pareceres emitidos, que se limitam à recolha de informação a ser fornecida ao juiz do TEP e o habilitar a decidir, ser sempre consultados ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº2, o que permite assegurar as garantias de defesa do recluso – não se encontrando os arts. 174º e 175º, ex vi art. 188º, n.º 6, do CEPMPL feridos de inconstitucionalidade.
II. Não se mostrando verificados os pressupostos de natureza material, designadamente a prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido e sobre a compatibilidade da concessão da liberdade com a defesa da ordem e da paz social, não pode ser concedido o período de adaptação à liberdade condicional a que se refere o art. 62º do Código Penal.
Decisão Texto Integral:

Relatora: Cândida Martinho
1.º Adjunto: João Abrunhosa
2.ª Adjunta: Maria José Guerra

            Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

           

1.

No Tribunal de Execução de Penas ... correm termos os autos para apreciação do pedido de adaptação à liberdade condicional do condenado AA, nos quais, por despacho de 19 de setembro de 2023, foi negada tal possibilidade.

          

2.

Inconformado com o decidido, veio o condenado interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“1. Ainda que tendo vindo a ser admitidos e objecto de decisão pelos Tribunais Superiores, de entre os quais o Tribunal da Relação de Coimbra, recursos interpostos de decisões dos Tribunais de execução das Penas sobre a exacta mesma matéria, sempre se consigna que, sendo, para mais, os artigos 399º e 400º (a contrario) do Código de Processo Penal claros quanto à admissibilidade do presente recurso, interpretação e aplicação do artigo 188º e/ou do artigo 235º do CEPMPL no sentido de não se admitir, enquanto direito próprio do recluso visado, poder recorrer de decisão de não concessão de período de adaptação à liberdade condicional, prevista no artigo 62º do Código Penal, representam violação dos artigos 20º, n.ºs 1 e 2, 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, mais ainda, dos artigos 10º e 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; do artigo14º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; e ainda dos artigos47º e 48º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.     

2. O direito a assistência jurídica efectiva do recluso aquando da realização do conselho técnico, permitindo-lhe conhecer as suas concretas avaliação e motivação, e assegurando-se plenas garantias de defesa, incluindo a possibilidade de efectivo exercício do direito de recurso, num processo que se exige pautado por equidade processual, não é arredado, antes muito pelo contrário, pelo que se prevê nos artigos 6º, 7º, alíneas l) e n), e nos artigos 174º, n.º 2, e 175º, aplicáveis ex vi artigo 188º, n.º 6, todos do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, sendo a privação daquele direito e garantias elementares ditos mínimos incompatível com o que se consagra na Constituição da República Portuguesa e em instrumentos normativos europeus e internacionais de exigidos respeito e aplicação no (e pelo) Estado Português, e, inclusivamente, já na senda e à semelhança de entendimento em que se sustentou condenação de Portugal por violação do artigo 6º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

3. São não só ilegais, com a cominação da nulidade ao abrigo do disposto no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, como inconstitucionais e afrontosas do que são direitos humanos, reconhecidos enquanto tal, interpretação e aplicação do artigo 174º e 175º, ex vi artigo 188º, n.º 6, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, no sentido de se privar o recluso de assistência jurídica efectiva e, assim, de plenas garantias de defesa, incluindo o expediente fundamental do recurso, sem que seja garantida a devida equidade processual, por violação dos artigos 18º, 20º, n.º 4, 32º,n.º 1, e 208º da Constituição da República Portuguesa, e ainda dos artigos 10º e 11º, in fine, da Declaração Universal dos Direitos Humanos; do artigo 6º, n.ºs 1 e 3º, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; do artigo 14º, n.ºs 1 e 3, alínea d), do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; e dos artigos 47º § 2 e 48º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

4. Vistos os relatórios da Técnica dos Serviços Educativos e do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, de ambos se extrai mesmo exemplaridade por parte do ora Recorrente a todos os níveis, considerados tanto os próprios propósitos por que foi norteada a aplicação e medida da pena e, bem assim, os pressupostos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, constatando-se, contudo, que o primeiro é visivelmente contraditório atento tudo o que é reportado e vista a conclusão, e no segundo fazendo-se uso de argumento, a final, que não é atendível no momento actual, pelo que também incoerente e contraditório entre o que é reportado e o que vem o Sr.Técnico dos Serviços de Reinserção Social invocar, para unicamente assim sustentar ali o seu parecer, de forma desfasada da actualidade e do caso concreto.

5. No caso do ora Recorrente, foram aferidos um “arrependimento genuíno” e a interiorização, com autocrítica, da sanção, mas, ainda assim e a contrario do que se pretende com a própria adaptação à liberdade condicional, como prevista e admitida no artigo 62º do Código Penal em prol da própria ressocialização do recluso e em prossecução vincada deste propósito, entendeu-se que deverá o mesmo continuar privado da liberdade afecto a um estabelecimento prisional, como se da permanência em meio prisional, mediante reclusão até potencialmente nociva se para além do tempo visto necessário, adviesse mais e melhor do que o que lhe é propiciado mediante período de adaptação à liberdade condicional, junto da sua companheira e dos seus dois filhos menores, demonstrado que está ser mais do que justificado e adequado no caso (e, precisamente, para casos como o do Recorrente).

6. Para além do que se afigura ser falta de plena noção do que se visa com o antecipação da liberdade condicional, mediante período profícuo e até aconselhável de adaptação a este instituto, como previsto e admitido no artigo 62º do Código Penal, ainda se constata no relatório do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, e reflectido na decisão recorrida, estigma do recluso por força de um passado já muito longínquo, padecendo tal parecer, a final, de alheamento da actualidade e do que deverá estar sob ponderação, a título de pressupostos e requisitos para efeitos do requerido e que, atento o relatado –extremamente positivo a todos os níveis -, claramente se verifica no caso do Recorrente

7. Sendo esse o argumento do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, e também o fundamento para a decisão de não concessão de período de adaptação à liberdade condicional, se é verdade que o recluso vivenciou uma outra única reclusão há 10 anos atrás(há uma década atrás),importa, então, também com rigor e em elementar justiça atentar-se em que os factos porque foi anteriormente punido com pena de prisão suspensa na sua execução remontavam (e remontam) a 2006, quando tinha apenas 18 anos de idade, não se estando, de forma alguma, em face de reincidência como prevista no artigo 75º do Código Penal (como se extrai do Acórdão por que foi condenado na pena ora sob cumprimento e execução); e sem que a revogação da suspensão de execução daquela pena de prisão anterior tenha resultado sequer da prática de qualquer crime.

8. Tal como se verifica também face ao que consta da decisão sob recurso e o que unicamente obstou, no entendimento do Tribunal a quo, a que fosse deferido o requerido pelo condenado, visto tudo o que é relatado pelo Técnico dos Serviços de Reinserção Social e que realmente importa à aferição daqueles que são os pressupostos e requisitos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, ao abrigo do já aludido artigo 62º e também 61º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, estão – e até de forma evidenciada – verificados no caso, sendo, de resto, benéfica para o condenado e coadunando-se com a sua plena ressocialização ser-lhe propiciada aquela adaptação junto da sua família nuclear, composta de companheira e dois filhos menores.

9. O Exmo. Senhor Procurador da República – que, estando de turno, não era já (por isso) o mesmo Magistrado que esteve presente na audição do recluso - emitiu parecer de 4 de Agosto de 2023 nos presentes autos, fê-lo, mediante parcas considerações vagas e mediante perceptível lapso, porque de forma desencontrada do que consta do processo e mesmo do que é referido nos relatórios da Técnica dos Serviços Educativos e do Técnico dos Serviços de Reinserção Social, invocando, o Ministério Público, que o “recluso apresenta postura passiva em meio prisional”, como fundamento para não ser favorável à concessão de período de adaptação à liberdade condicional, o que, de forma alguma, corresponde à realidade, tal como relatada e demonstrada nos autos, antes muito pelo contrário, e até nisso o Recorrente revelando, por actos e diariamente, a postura e o sentimento de arrependimento genuíno e de interiorização da sanção que lhe foram efectivamente reconhecidos.

10.Dizendo-se no parecer que o Ministério Público se pronuncia em “em consonância com o Parecer unânime do Conselho Técnico”, a verdade é que tendo sido outro o Magistrado do Ministério Público a estar presente, porque de turno, na realização do conselho técnico de 31 de Julho de 2023, naturalmente que o Exmo. Senhor Procurador que estava de turno no dia 4 de Agosto de 2023 desconhece, por si próprio, o que tenha sido dito e/ou esclarecido naquela diligência, pelo ficando também privado do conhecimento de informações e/ou respostas, para que se pudesse depois, efectivamente e com devido rigor, pronunciar e emitir parecer.

11. Quanto ao que se consigna a título de factualidade no ponto 17 da decisão sob recurso, o ora Recorrente teve uma licença de saída jurisdicional e já duas licenças de saída administrativas, sempre bem sucedidas, tal como o é o seu desempenho e o seu comportamento em RAI nos espaços abertos da Quinta ..., desde 7 de Novembro de 2022 (por decisão de 3 de Novembro de 2022) e não 7 de Novembro do corrente ano de 2023 (data ainda por advir), como seria objectivamente impossível, mas que, por lapso perceptível, se fez constar do ponto 25 da decisão recorrida.

12. A respeito do que se fez constar do ponto 31 da decisão, no sentido de o ora Recorrente não estar integrado em nenhuma actividade ocupacional específica, certo é que ocupa o seu tempo a laborar, como faxina, na Quinta ..., em meio rural distando quilómetros do edifício do estabelecimento prisional, onde permanece com ínfimo nível de segurança e jamais tendo falhado, de forma alguma, face à confiança que assim diariamente foi nele depositada desde aquela data de 7 de Novembro de 2022, ou seja, ao longo de já praticamente um ano.

13. Também por perceptível lapso no ponto35 – 5, o ora Recorrente foi condenado, no âmbito do processo n.º 66/08...., por factos reportados a 31 de Janeiro de 2008, por decisão proferida em 12 de Fevereiro de 2009 – e não em 9 de Junho de 2012, como feito constar daquele ponto e item da decisão ora recorrida -, transitada em julgado em 21 de Abril de 2009; e que foi declarada extinta por despacho proferido em 9 de Junho de 2012, e não em 6 de Setembro de 2012, como incorrectamente feito constar também do item 5 do ponto 35 da decisão sob recurso (cf. registos n.ºs 13 e 14 do Certificado do Registo Criminal, constante dos autos).

14. Os factos por que o ora Recorrente foi anteriormente condenado remontam a período circunscrito no tempo, coincidente com a sua (ainda) adolescência, entre 22 de Novembro de 2006, mês e ano em que fez 17 anos, até Março de 2009, ou seja, numa fase contida em 3 anos e quando era ainda adolescente.

15. Lida atentamente a decisão proferida e ora sob recurso, com tudo de muito favorável factualmente e de extremamente positivo, a todos os níveis e na actualidade, para efeitos de aferição, também no momento actual, da verificação dos pressupostos e requisitos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional, constata-se que o único motivo invocado pelo Tribunal a quo para não deferir o requerido é o ora Recorrente ter tido contactos anteriores com o sistema de Justiça – de Novembro de 2006 a Março de 2009, pelo que quando era ainda um adolescente - e ter beneficiado de período de adaptação à liberdade condicional há mais de 10 (dez) anos atrás, aquando da única vez que cumpriu pena de prisão, por factos reportados a quando tinha 17 anos e sem que a revogação da suspensão de execução dessa pena tivesse sequer resultado da prática de qualquer crime.

16. É exclusivamente a partir de facto já bem longínquo no tempo, pelo que sequer de “continuidade da prática criminal” se pode ou deverá falar, tanto que nem reincidente o Recorrente é, que se procede, na decisão sob recurso, a uma apreciação dos pressupostos de concessão de adaptação à liberdade condicional, ou seja, sem se atentar sequer na actualidade, e votando o Recorrente a estigma advindo de um passado já distante, no que configura até desincentivo e mesmo subversão dos propósitos por que se rege a aplicação e por que é norteada a execução de uma pena de prisão.

17. Estabelece-se no n.º 5 do artigo 3º do CEMPL, enquanto princípio orientador da execução das penas, que “A execução, na medida do possível, evita as consequências nocivas da privação da liberdade e aproxima-se das condições benéficas da vida em comunidade.”, sendo com tanto se se coaduna também o instituto de adaptação à liberdade condicional, direcionado para a ressocialização do indivíduo, não sendo, como é evidente, a permanência em meio prisional e sujeição a reclusão, do contacto e da aproximação da família, da comunidade, verificando-se já, como é manifestamente o caso do Recorrente, o que claramente permite juízo de prognose favorável, consistente, atentos os pressupostos, vistos e apreciados na (e com) actualidade, do que se veio acautelar e prever no artigo 62º do Código Penal.

18. Como explanado e concluído, nomeadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Julho de 2023 (processo n.º 6803/10.0TXLSB-AG.C1), “A colocação em período de adaptação à liberdade condicional, do artigo 62º do C.P., consubstancia uma prévia adaptação à liberdade condicional, que forçosamente decorrerá em obrigação de permanência na habitação com sujeição a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, o que implica menor risco de compromisso da satisfação das exigências de prevenção, tanto geral como especial, e assim uma atenuação significativa do rigor da ponderação em ambos os planos concitada” e, mesmo no que importa de arrependimento e consciencialização da conduta e da sanção aplicada, como aprofundado no mesmo acórdão, o ora Recorrente revelou-se e revela-se exemplar.

19. Verificam-se todos os pressupostos e requisitos de concessão de período de adaptação à liberdade condicional no caso concreto, como admitido no artigo 62º do Código Penal (e por alusão ao artigo 61º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do mesmo diploma), exemplar mesmo que o caso do Recorrente é do que justificou essa previsão legal, não se concebendo como fundamento (e único) para o indeferimento do requerido o que configure estigma do Recorrente por referência ao que remonta a um passado já bem longínquo, seja por alusão a factos praticados aquando da sua adolescência e em período temporalmente delimitado, seja ao que se reporta já a mais de uma década atrás.”

3

            O Ministério Público na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência

4.

            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, aderindo à argumentação contida na motivação do condenado, emitiu parecer, concluindo pela procedência do recurso.

            5.

Cumprido o art. 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

           

6.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º, nº3, al. c), do diploma citado.

            Cumpre decidir.

II. Fundamentação


A) Delimitação do objeto do recurso

Sendo pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam, no caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, as questões a decidir passarão pelo seguinte:

- Da violação das garantias de defesa e do direito a um processo justo e equitativo por o condenado/recluso e o seu defensor não terem intervenção no conselho técnico e inconstitucionalidade das normas dos artigos 174º  175º, ex vi artigo 188º,nº6, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade quando interpretadas no sentido de se privar o recluso de assistência  jurídica efetiva e, assim, de plenas garantias de defesa, por violação dos artigos 18º, 20º, n.º 4, 32º,n.º 1, e 208º da Constituição da República Portuguesa.

- Da verificação (ou não) dos pressupostos da concessão do período de adaptação à liberdade condicional.


B) Decisão recorrida

“(…)

III- FUNDAMENTAÇÃO

A. De Facto

1.O recluso AA cumpre a pena de 4 anos e 3 meses de prisão que lhe foi aplicada, no âmbito do processo comum colectivo nr.º 72/15...., que corre termos no JC Criminal de Leiria - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, por acórdão proferido em  2018/10/19, transitado em julgado em 2022/01/05, pela pratica em 2016/10/11, em co-autoria de um crimes(s) de falsificação ou contrafacção de documento, p.p. pelo art.º 256º , nº 1 al. b) do CP e de um crimes(s) de furto qualificado, p.p. pelo art.º 203º, nº 1 e 204º , nº 1 als. a) e f) do CP.

2. O meio de tal pena terá lugar a 06.03.2024, os 2/3 terão lugar em 20.11.2024 e o termo em 21.04.2026.

3. O condenado pretende residir com a cônjuge, BB, de 33 anos, com a qual mantém vivencia conjugal há cerca de 14 anos, tendo o casal dois filhos menores, atualmente com 12 e 6 anos de idade.

4. Desde o inicio da reclusão, que a esposa de AA tem procurado manter as visitas regulares ao cônjuge no E.P. ..., com periocidade semanal, levando os filhos, mencionando que a reclusão não interferiu com o relacionamento conjugal, mantendo a coesão e apoio mútuo.

5. A dinâmica familiar é percecionada como favorável e caracterizada por sentimentos de entreajuda, nomeadamente no que diz respeito à disponibilidade para apoio ao condenado.

6.AA conta ainda com o apoio de outros familiares (irmãos, cunhados e sogra), com os quais mantem relação de proximidade afetiva.

7. A habitação encontra-se inserida em meio rural, não sendo identificadas problemáticas relevantes. O agregado familiar reside na localidade do ..., onde o condenado já vivia, a família beneficia de uma imagem positiva no meio.

8. AA é descrito como educado e respeitador, apresentando uma adequada integração no meio comunitário.

9. AA trabalha desde 2010 na firma “A... Lda., empresade extração e produção de óleo alimentar, sita em ... e onde exercia funções de auxiliar de produção. Os responsáveis reconhecem-lhe hábitos de trabalho e estão disponíveis para o integrar novamente nas suas anteriores funções.

10. AA apresenta proposta concreta de trabalho, onde irá receber um ordenado mensal entre750/800 euros. A esposa trabalha como auxiliar de serviços gerais na Santa Casa da Misericórdia ... (atividade que decorre no período noturno), auferindo o ordenado mensal entre 900/950 euros, trabalha ainda em part-time como empregada de limpeza na ... (...), auferindo com essa atividade cerca de 500/600 euros mensais (dependendo do numero de horas mensais efetuadas).

11. Pagam mensalmente 400 euros de empréstimo contraído para aquisição da habitação.

12. Os familiares estão disponíveis para ajudar o condenado nas suas necessidades até que este receba o primeiro ordenado.

13. Não são conhecidos problemas de saúde ou aditivos por parte do condenado.

14. AA apresenta um discurso de arrependimento e consciência critica sobre a pratica dos factos pelos quais foi condenado.

15. Apresenta hábitos de trabalho e no exterior pretende continuar com a sua atividade laboral, contando com o apoio da esposa e outros familiares.

16. O condenado refere disponibilidade/motivação para prosseguir com um estilo de vida normativo e cumprir com as condições judiciais que lhe venham a ser impostas.

17. Já beneficiou de uma Licença de Saída Jurisdicional, passando a mesma junto da esposa e dos filhos, decorrendo esta de forma adequada.

18. AA caracteriza-se como sendo uma pessoa educada com capacidades comunicativas. Apresenta o seu estilo comunicacional de tendência assertivo, sabe do expor corretamente os seus intentos e também sabendo ouvir os pontos de vista dos outros, respeitando opiniões de terceiros. Demonstra ter pensamento com alguma flexibilidade de raciocínio, com aceitação de novas ideias e ponderação de conclusões. Não são videntes traços de personalidade antissocial nem indícios de hostilidade ou de raiva, mantendo um comportamento adequado.

19. AA, mostra-se adaptado ás diversas exigências do quotidiano prisional, tendo vindo a manter uma postura e atitude comportamental isenta de qualquer reparo disciplinar, mantendo uma postura consentânea com as obrigações que lhe são impostas.

20. No estabelecimento das suas relações interpessoais, tem vindo a demonstrar uma atitude positiva e responsável sabendo aplicar as regras de interação social e estabelecimento de relações interpessoais de forma adequada.

21. Apresenta-se sempre com a imagem limpa e cuidada, demostrando hábitos de higiene.

Possui também o documento de identificação válido no EP, verificando-se por parte do recluso preocupação cívica.

22. AA, em meio contido investiu no seu percurso escolar, frequentou o ensino, EFAB3, até 03/11/2022, data essa em que foi colocado na Quinta ....

23. Relativamente à formação profissional em meio livre, apenas há referência a um curso de jardinagem, feito na APPC de ....

24. AA, em meio livre, ingressou no mercado do trabalho com 15 anos de idade, como aprendiz de calceteiro e manteve esta atividade durante 2 anos. Posteriormente, efetuou vários trabalhos indiferenciados na área da mecânica automóvel e construção civil. Atualmente, antes da reclusão, encontrava-se no ativo, na empresa "B..., Lda".

25. Em meio prisional desde logo manifestou vontade em ter uma ocupação laboral, pelo que, em 07/11/2023, foi colocado na Quinta ..., onde desempenha funções de faxina.

26. Durante o seu percurso prisional ainda não integrou em qualquer programa.

27. AA, não apresenta por ora outros problemas de saúde relevantes.

28. No tocante ao seu comportamento prisional, o mesmo é ajustado, sem indicadores de desadequabilidade. Adaptado ás dinâmicas internas e recetivo ao cumprimento de normas de conduta. Reconhece hierarquias revelando respeito perante os mesmos.

De igual modo, compreende também o sentido punitivo da reclusão não tecendo critica destrutiva face ao sistema nem revela sentimentos de hostilidade ou de raiva, conseguindo gerir as suas emoções de uma forma adequada.

29. AA não averba no seu registo disciplinar qualquer infração/sanção disciplinar. Tem até à presente data mantido um percurso isento de reparos

30. Gere de forma adequada os valores monetários que dispõe, não contraindo dividas. Os rendimentos que aufere são fruto do vencimento do seu trabalho na Quinta ....

31. AA, não está integrado em nenhuma atividade ocupacional especifica.

32. AA, encontra-se em regime aberto desde o dia 03/11/0022. À data de elaboração deste relatório AA ainda não beneficiou de qualquer saída de licença jurisdicional.

33. AA reconhece, assume e demonstra arrependimento genuíno. Refere que foi longe demais e não soube quando parar. Manifesta empatia pelas vítimas e suas famílias em particular pela sua esposa e filhos que estão a sofrer com a sua reclusão e com dificuldade financeiras. O recluso reconhece as suas más práticas do passado e demonstra um sentido crítico em relação às mesmas.

Adicionalmente, AA refere ter dificuldade em perdoar-se a si mesmo por ter submetido a sua família a ter que visitá-lo na prisão e por se encontrarem a passar dificuldades financeiras.

34. AA está atualmente a cumprir a sua segunda pena de prisão, tendo a primeira decorrido entre 19/02/2013 e 04/12/2013.

35. O arguido AA foi julgado nos seguintes processos:

1- processo comum colectivo nº 294/06...., da Vara Mista de Coimbra, onde foi condenado, por acórdão de 05.11.2007,transitado em julgado em 30.11.2007, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 22.11.2006, na pena de dois anos e dois meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;

2- processo comum singular nº 7/07...., do Tribunal da Comarca de Condeixa-a- Nova, onde foi condenado, por sentença de 21.05.2008,transitada em julgado em 20.06.2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 17.07.2007, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros; em 13.05.2009, foi efectuado cúmulo jurídico englobando a pena imposta no processo 294/06...., ficando o arguido condenado na pena única de dois anos e dois meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; em 21.12.2010, foi revogada a suspensão da pena de prisão, tornando-se a mesma efectiva; em 03.12.2013 foi-lhe concedida a liberdade condicional em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica; em 18.03.2014 foi-lhe concedida a liberdade condicional; em 16.06.2015 foi-lhe concedida a liberdade definitiva e em 22.06.2015 tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por referência a 18.04.2015;

3- processo abreviado nº 230/08...., do 3º Juízo Criminal de Coimbra, onde foi condenado, por sentença de 16.01.2009, transitada em julgado em 03.02.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 12.08.2008, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros; em 12.04.2010, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento;

4- processo comum singular nº 731/07...., do 3º Juízo Criminal de Coimbra, onde foi condenado, por sentença de 09.02.2009, transitada em julgado em 12.03.2009, pela prática de um crime de falsificação de documento, um crime de furto simples e um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 20.03.2007, na pena única de um amo de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova; em 11.10.2012, tal pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57º, do Código Penal;

5- processo comum singular nº 66/08...., do Tribunal da Comarca de Montemor-o-Velho, onde foi condenado, por sentença de 09.06.2012, transitada em julgado em 21.04.2009, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 31.01.2008, na pena de dez meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 06.09.2012, tal pena foi declarada extinta nos termos do artigo 57º, do Código Penal;

6- processo sumário nº 61/09...., do 1º Juízo Criminal de Coimbra, onde foi condenado, por sentença de 31.03.2009, transitada em julgado em 11.05.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 13.03.2009, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 10,00 euros; em 02.09.2008, tal pena de multa foi substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade; em 06.11.2012, tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento, por referência ao dia 18.10.2012.

 B.Motivação

Os factos dados como provados resultam do teor do relatório da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino, nas suas percepções como observadores privilegiados do quotidiano do recluso; das posições manifestadas pelos elementos do Conselho Técnico; das declarações do próprio recluso; e do teor da decisão condenatória, do CRC e da ficha biográfica. Da  conjugação de todos estes elementos, extraíram-se os factos necessários à compreensão do seu percurso prisional, suas condições de vida, bem como o modo como o mesmo conduzirá a sua vida uma vez restituído à liberdade.

IV- DIREITO

De acordo com o n.º 1 do artigo 188.º, CEPMPL, relativo à adaptação à liberdade condicional, “o condenado pode requerer ao tribunal de execução das penas a concessão de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a partir de dois meses antes do período máximo previsto para esse efeito no artigo 62.º do Código Penal.”

São aplicáveis à tramitação subsequente de tal procedimento os artigos 174.º a 178.º e a alínea b) do artigo 181.º

Nos termos do art.º 62.º do CPenal, “para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.”

Mostra-se assim, necessário a verificação dos requisitos enunciados no art.º 61.º do CP, relativo à aplicação da liberdade condicional. Esta assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

Assim, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional:

a) que o condenado tenha cumprido 1/2 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 2),

ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (n.º 4);

b) que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (n.º 1).

Por seu turno, são requisitos materiais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do n.º 4):

a) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade,

conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto). Ou seja trata-se da formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (art 61.º, nº 2, al a) do C.Penal);

b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do n.º 3). Ou seja, trata-se de um o juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (art 61.ºnº2, al b) do C.Penal).

Posto isto, cumpre apreciar se será então possível formular um juízo de prognose favorável, ajustado à “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização” (art 61.º, nº2, do C.Penal).

Ou seja, verificados os requisitos formais, a concessão da liberdade condicional decorrerá de um favorável juízo de prognose, quando for razoável concluir pela satisfação das finalidades preventivas da pena (prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração).

Para o efeito, dever-se-ão ter em atenção as repercussões que o cumprimento da pena está a ter na personalidade do arguido e podem vir a ter na sua vida futura.

Tal só será possível mediante um juízo de prognose assente na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, adopte um comportamento socialmente responsável, o que deverá ser aferido de acordo com as circunstâncias do caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à respectiva condenação, bem como a sua própria personalidade, designadamente a evolução verificada ao longo do cumprimento da pena de prisão.

Importa, por isso, verificar os enunciados pressupostos de natureza material, designadamente a prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguid0 e sobre a compatibilidade da concessão da liberdade com a defesa da ordem e da paz social.

Compulsando todos os elementos probatórios carreados, entendemos que não se encontram verificados os pressupostos legais necessários para colocação do arguido em regime de adaptação à liberdade condicional, que no momento será prematura.

Estamos perante um condenado que antes da atual reclusão, apresentava uma situação familiar, social e laboral estável.

No exterior conta com o apoio da família e a entidade patronal continua disponível para o reintegrar na empresa.

Durante o processo avaliativo, AA, apresenta uma postura de arrependimento face à prática dos factos pelos quais cumpre a presente reclusão e desgaste pela mesma, principalmente pelo afastamento à família.

Contudo o condenado apresenta anteriores contactos com o sistema de Justiça, tendo cumprido pena efetiva de prisão. No âmbito do cumprimento dessa pena já beneficiou de semelhante medida de flexibilização da pena, a qual não surtiu o efeito dissuasor da continuidade da prática criminal.

Além disso tem várias condenações pela pratica do mesmo crime de furto, demonstrando indiferença ao dever ser e cumprimento das regras penais, e dos bens jurídicos alheios.

Entendemos que, neste momento, não é possível efectuar um juízo de prognose favorável, que permita concluir que a personalidade do condenado e a evolução desta durante a reclusão, gerou um efectivo processo de mudança, em moldes tais que no futuro se pode fundadamente esperar que não volte a cometer crimes.

Ou seja, em termos de prevenção especial, não é possível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que, em caso de libertação, ocorrerá a sua reintegração social, conduzindo a sua vida de modo socialmente responsável.

Por outro lado, nesta fase de apreciação da liberdade condicional, cabe apelar às finalidades de execução das penas (finalidades de prevenção geral (positiva) o que, de acordo com o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, consiste na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Ora, em termos de prevenção geral, a liberdade condicional deve, unicamente, ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e quando se verificar que a libertação se irá revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social, atento o alarme social e medo que este tipo de crimes de furto provocam na população.

Assim, não pode deixar de se concluir que as circunstâncias do caso, as consequências do crime praticado e a necessidade de reposição da confiança nas normas violadas, são factores que não se bastam com a colocação do arguido em período de adaptação à liberdade condicional.

As exigências de prevenção geral – mesmo na vertente da reiteração contrafáctica da validade imanente aos bens jurídicos violados – não se mostram satisfeitas com o período de cumprimento de pena. Com efeito, a concessão da liberdade condicional neste momento ainda seria inequivocamente encarada como uma – injustificada – indulgência.

Nestes termos, não se pode afirmar que a defesa da ordem social seja compatível com o por si requerido.

(…)”.

C)Apreciação do recurso

- Da violação das garantias de defesa e do direito a um processo justo e equitativo por o condenado/recluso e o seu defensor não terem intervenção no conselho técnico e inconstitucionalidade das normas dos artigos 174º e  175º, ex vi artigo 188º,nº6, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade quando interpretadas no sentido de se privar o recluso de assistência  jurídica efetiva e, assim, de plenas garantias de defesa, por violação dos artigos 18º, 20º, n.º 4, 32º,n.º 1, e 208º da Constituição da República Portuguesa.

De acordo com o disposto no artigo 188º, nº6, do CEPMPP (diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da origem), são aplicáveis à tramitação do pedido de concessão à adaptação da liberdade condicional em regime de permanência na habitação, o disposto nos artigos 174º a 178º.

 Assim, encerrada a instrução, o juiz, por despacho, convoca o conselho técnico para um dos 20 dias seguintes e designa hora para a audição do recluso, a qual tem lugar em ato seguido à reunião daquele órgão (nº1 do artigo 174º). O despacho é notificado ao Ministério Público, ao recluso, ao defensor, quando o tenha, e comunicado ao estabelecimento prisional e aos serviços de reinserção social (nº2, do mesmo precito legal).

O conselho técnico é presidido pelo juiz, sendo membros do mesmo, o diretor do estabelecimento prisional, que tem voto de qualidade, o responsável para a área do tratamento penitenciário, o chefe de serviço de vigilância e segurança e o responsável da competente equipa dos serviços de reinserção social (art.143º).

Os membros do conselho técnico prestam os esclarecimentos que lhes forem solicitados, designadamente quanto aos relatórios que os respetivos serviços hajam produzido (art.175º, nº1). O conselho técnico emite parecer, apurado através de cada um dos seus membros, quanto à concessão da liberdade condicional e às condições a que a mesma deve ser sujeita (nº2 do mesmo preceito legal).

E como resulta do artigo 142º, nº1, o conselho técnico é um órgão auxiliar do tribunal de execução das penas, cujas funções são meramente consultivas.

Trata-se de um órgão que coadjuva o tribunal, numa reunião em que são prestados esclarecimentos sobre a situação individual e prisional de cada condenado e os elementos do conselho emitem o seu voto no sentido favorável ou não à concessão da medida (art.175º,nº1), voto esse que não tem de ser fundamentado, porquanto os pareceres do conselho técnico não são nem atos administrativos, nem decisões judiciais e, como tal, não se lhes aplicam as exigências de fundamentação referidas nos artigos 146º do CEPMPL,  152º do Código de Procedimento Administrativo e 205º,nº1, da CRP, não sendo, aliás, vinculativos para o tribunal.

Tal diligência, traduzida na reunião do conselho técnico, não consiste assim em qualquer diligência de prova, razão pela qual não está prevista a presença do condenado para o exercício do contraditório, o qual nem sequer se justifica.

Ademais, inexiste qualquer norma que imponha a sua presença na reunião do conselho técnico, podendo, porém, os relatórios e pareceres, os quais também se limitam à recolha de informações para ser fornecida ao juiz do TEP e o habilitar a decidir, ser sempre consultados ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº2, permitindo assim assegurar as garantias de defesa do recluso.

Acresce que na apreciação do incidente está também prevista a possibilidade do condenado juntar aos autos elementos que julgue pertinentes para a instrução da decisão, a obrigatoriedade de ser ouvido e a presença do defensor na sua audição, sendo o recluso questionado pelo juiz sobre os aspetos que considere pertinentes para a decisão a tomar, diligência esta reduzida a auto, cfr. artigo 175º,nº5.

E sendo recorrível a decisão que  incide sobre a concessão da adaptação à liberdade condicional, fica assegurado o direito do recluso ao recurso, o qual entendemos ser admissível (cfr. despacho proferido aquando da inscrição em tabela do presente recurso), como, aliás, assim entendeu o Exmo Juiz do TEP, mesmo nos casos, como o presente, em que está em causa um pedido de adaptação à liberdade condicional, comungando-se do entendimento sustentado no recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº764/2022, de 15/11/2022, proferido no âmbito do processo 125/2022, o qual julgou inconstitucional a norma contida no artigo no artigo 235º, do Código de Execução  das Penas e Medidas Privativas da liberdade, na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão  que indefere o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, e dai que a questão da inconstitucionalidade suscitada neste segmento do direito ao recurso se mostre prejudicada.

Sem necessidade de quaisquer outras considerações, não vislumbramos, pois, qualquer diminuição das garantias de defesa do recluso, qualquer nulidade ou irregularidade, ou inconstitucionalidade das normas dos artigos 174º e 175º, ex vi artigo 188º, nº6, do Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade, em virtude do recluso e o seu defensor não terem participado na reunião do conselho técnico.

- Da verificação (ou não) dos pressupostos da concessão da adaptação à liberdade condicional.

Regulada nos artigos 61º a 64º do Código Penal e 173º a 188º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, a liberdade condicional assume hoje a natureza de um incidente de execução da pena de prisão.

Neste particular da execução da pena de prisão, mais concretamente no que tange às suas finalidades, resulta do artigo 42º, nº 1, do Código Penal que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Sem descurar a exigência geral-preventiva, o que decorre da lei é que a finalidade essencial da execução da pena de prisão é a prevenção especial da socialização, que se traduz em oferecer ao recluso as condições objetivas necessárias, não à sua emenda ou sequer a determinar a aceitação ou reconhecimento por aquele dos critérios de valor da ordem jurídica, mas à prevenção da sua reincidência por reforço dos padrões de comportamento e de interação na vida comunitária.

Como salientou Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 528, foi desde o seu surgimento “uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional”.

No caso vertente, o recluso cumpre uma pena de 4 anos e 3 meses de prisão que lhe foi aplicada, por acórdão proferido em  2018/10/19, transitado em julgado em 2022/01/05, pela pratica em 2016/10/11, em coautoria de um crimes(s) de falsificação ou contrafacção de documento, p.p. pelo art.º 256º , nº 1 al. b) do CP e de um crimes(s) de furto qualificado, p.p. pelo art.º 203º, nº 1 e 204º , nº 1 als. a) e f) do CP.

O meio de tal pena terá lugar a 06.03.2024, os 2/3 em 20.11.2024 e o termo em 21.04.2026.

 Está em causa o instituto da adaptação à liberdade condicional previsto no artigo 62º do Código Penal, tendo o recluso prestado o seu consentimento expresso à eventual concessão da adaptação à liberdade condicional.

Dispõe o n.º 1 do artigo 188.º, relativo à adaptação à liberdade condicional, que “o condenado pode requerer ao tribunal de execução das penas a concessão de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a partir de dois meses antes do período máximo previsto para esse efeito no artigo 62.º do Código Penal.”

De acordo com este último preceito legal:

«Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no artigo anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.»

Pressupostos ou requisitos formais da concessão do período de adaptação à LC são, assim, os seguintes:

- Ter o recluso cumprido 6 meses de prisão;

- Faltar um ano ou menos para o cumprimento de metade, dois terços ou cinco sextos, da pena de prisão;

- Consentimento do recluso;

- Mostrarem-se satisfeitas as demais condições de que a Lei 122/99 de 20 de agosto faz depender a aplicação efetiva da vigilância eletrónica (v.g. existência de meios necessários e eventual consentimento de terceiros), por ser esta a única forma de cumprir o período de adaptação à LC prevista na Lei.

A estes requisitos de ordem formal, acrescem os pressupostos de ordem material previstos a que se referem as als a) e b) do nº 2 do art. 61º C. Penal.
Temos assim que os pressupostos de natureza material do instituto da adaptação à liberdade condicional são os mesmos que a lei estabeleceu para a concessão da liberdade condicional, variando consoante o momento de execução da pena em que ela seja apreciada.

Assim, como decorre do estatuído no artigo 61º nº2 alíneas a) e b) do Código Penal,  se o momento da apreciação do incidente for o meio da pena, exige-se que seja “fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” – alínea a) – e que “a libertação se revele compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social” – alínea b).

Já se tal momento se situar nos 2/3 da pena, atento o previsto no nº3 do artigo 61º do Código Penal, a concessão da adaptação à liberdade condicional depende apenas, daquele primeiro pressuposto material, isto é, que se mostrem satisfeitas as exigências de prevenção especial sendo o condenado merecedor de um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento em liberdade.

Mostrando-se verificados os pressupostos de natureza formal, por se encontrar a decorrer o ano anterior ao meio da pena que o recluso se encontra a cumprir, vejamos então se tal verificação também ocorre no que respeita aos pressupostos de natureza material.

Entendeu a decisão recorrida que não.

(…)

Compulsada a decisão recorrida, evola da mesma que o tribunal recorrido entendeu não se mostrarem verificados os pressupostos de natureza material, “designadamente a prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido e sobre a compatibilidade da concessão da liberdade com a defesa da ordem e da paz social”.

 Pese embora reconhecendo estar perante um condenado que antes da atual reclusão apresentava uma situação familiar, social e laboral estável, que conta com o apoio da família e da entidade patronal, a qual continua disponível para o reintegrar na empresa e que durante o processo avaliativo apresenta uma postura de arrependimento face à prática dos factos pelos quais cumpre a presente reclusão, e desgaste pela mesma, principalmente pelo afastamento à família, defendeu-se na decisão recorrida que a colocação do arguido em regime de adaptação à liberdade condicional é ainda prematura. 

Como aí se fez constar “o condenado apresenta anteriores contactos com o sistema de Justiça, tendo cumprido pena efetiva de prisão. No âmbito do cumprimento dessa pena já beneficiou de semelhante medida de flexibilização da pena, a qual não surtiu o efeito dissuasor da continuidade da prática criminal.

Além disso tem várias condenações pela prática do mesmo crime de furto, demonstrando indiferença ao dever ser e cumprimento das regras penais, e dos bens jurídicos alheios.

Entendemos que, neste momento, não é possível efectuar um juízo de prognose favorável, que permita concluir que a personalidade do condenado e a evolução desta durante a reclusão, gerou um efectivo processo de mudança, em moldes tais que no futuro se pode fundadamente esperar que não volte a cometer crimes.

Ou seja, em termos de prevenção especial, não é possível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável, no sentido de que, em caso de libertação, ocorrerá a sua reintegração social, conduzindo a sua vida de modo socialmente responsável.

Por outro lado, nesta fase de apreciação da liberdade condicional, cabe apelar às finalidades de execução das penas (finalidades de prevenção geral (positiva) o que, de acordo com o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, consiste na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Ora, em termos de prevenção geral, a liberdade condicional deve, unicamente, ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e quando se verificar que a libertação se irá revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social, atento o alarme social e medo que este tipo de crimes de furto provocam na população.

Assim, não pode deixar de se concluir que as circunstâncias do caso, as consequências do crime praticado e a necessidade de reposição da confiança nas normas violadas, são factores que não se bastam com a colocação do arguido em período de adaptação à liberdade condicional.

As exigências de prevenção geral – mesmo na vertente da reiteração contrafáctica da validade imanente aos bens jurídicos violados – não se mostram satisfeitas com o período de cumprimento de pena. Com efeito, a concessão da liberdade condicional neste momento ainda seria inequivocamente encarada como uma – injustificada – indulgência.

Nestes termos, não se pode afirmar que a defesa da ordem social seja compatível com o por si requerido.

(…)”.

Entende o recorrente que tal argumentação sem atentar na atualidade e votando o recorrente ao estigma advindo de um passado já distante, configura até um desincentivo e mesmo subversão dos propósitos por que se rege a aplicação e execução da pena de prisão.

Vejamos então.

No que tange ao juízo de prognose favorável, ou seja, da possível capacidade do condenado para, uma vez em liberdade, ser capaz de conduzir  a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes, os elementos a ter em conta na sua formulação são as circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e, sobretudo, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão ou, como se refere no Ac. da Relação de Lisboa, de 24/2/2010, em que foi Rel. Des. Maria José da Costa Pinto, disponível in www.dgsi.pt, “importa considerar na decisão respetiva as circunstâncias do caso (onde se inclui a valoração do crime cometido, a sua natureza, e, genericamente, as realidades quer serviram para a determinação da medida concreta da pena de acordo com os critérios do artigo 71º,nº1, e nº2, do C.Penal), a vida anterior do recluso ( que se relaciona, nomeadamente, com a existência ou não de antecedentes criminais), a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (percetível através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre e que, não se esgotando numa boa conduta prisional, também se revelam na mesma), desta ponderação se extraindo o prognóstico quanto ao sucesso  do objetivo da liberdade condicional: a efetiva reinserção social”.

Evidencia-se, para além do mais, da factualidade apurada que:

- O condenado é descrito como educado e respeitador, apresentando uma adequada integração no meio comunitário.

- Trabalhava desde 2010 na firma “A... Lda., empresa de extração e produção de óleo alimentar, sita em ..., onde à data da reclusão exercia funções de auxiliar de produção, reconhecendo-lhe os responsáveis hábitos de trabalho, estando disponíveis para o integrar novamente nas suas anteriores funções.

- Os familiares estão disponíveis para o ajudar nas suas necessidades até que este receba o primeiro ordenado.

- Não lhe são conhecidos problemas de saúde ou aditivos.

- Apresenta um discurso de arrependimento e consciência critica sobre a prática dos factos pelos quais foi condenado.

-  Apresenta hábitos de trabalho e no exterior pretende continuar com a sua atividade laboral.

- Refere disponibilidade/motivação para prosseguir com um estilo de vida normativo e cumprir com as condições judiciais que lhe venham a ser impostas.

- Já beneficiou de uma Licença de Saída Jurisdicional que decorreu de forma adequada.

- Tem vindo a manter uma postura e atitude comportamental isenta de qualquer reparo disciplinar, mantendo uma postura consentânea com as obrigações que lhe são impostas.

- Investiu no seu percurso escolar, frequentando  o ensino, EFAB3, até 03/11/2022, data essa em que foi colocado na Quinta ....

 - Não averba no seu registo disciplinar qualquer infração/sanção disciplinar, mantendo um percurso isento de reparos.

- Encontra-se em regime aberto desde o dia 03/11/2022.

- Assume e demonstra arrependimento genuíno.

- Manifesta empatia pelas vítimas e suas famílias em particular pela sua esposa e filhos que estão a sofrer com a sua reclusão e com dificuldade financeiras.

- Reconhece as suas más práticas do passado e demonstra um sentido crítico em relação às mesmas.

Tendo-se presente que com a colocação em período de adaptação à liberdade condicional não se trata ainda da direta e efetiva libertação condicional do condenado, mas de uma prévia adaptação a ela, a qual decorrerá forçosamente em obrigação de permanência na habitação com sujeição a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a verdade é que tais circunstâncias não são suficientemente fortes para se ajuizar positivamente acerca da capacidade do recluso para se  manter afastado de condutas de risco de reincidência na prática criminosa, sendo antes necessário que tal percurso que o mesmo vem trilhando seja consolidado.

Como se diz no acórdão do TRC de 25/02/2015, proferido no âmbito do proc.108/11.7TXCBR:

 «I - Para se poder concluir por um juízo de prognose favorável tendente à concessão da liberdade condicional, não basta que o condenado tenha em reclusão bom comportamento, e que aparente uma perspetiva de vida de acordo com as regras sociais vigentes.

II - Para além da vontade subjetiva do condenado, o que releva decisivamente é a sua “capacidade objetiva de readaptação”, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade».

Não sendo exigível uma certeza de que, uma vez concedida a adaptação à liberdade condicional ou mesmo esta, o recorrente não voltará a delinquir, torna-se, porém, necessário, um juízo de prognose positiva efetivo.

É isto que se impõe mesmo para a colocação do condenado em período de adaptação à liberdade condicional.

Ora, no que tange, desde logo, aos mencionados enquadramento familiar e integração profissional, convirá lembrar que os mesmos também não evitaram a prática dos crimes pelos quais cumpre agora a pena de prisão que lhe foi imposta e daí que não seja um fator decisivo na hora de ajuizar sobre o seu comportamento futuro (neste sentido, Ac. do TRP, de 3/3/2021, proc.1022/17.8TXPRT-H.P1).

 Ademais, não podemos esquecer que na apreciação do mencionado juízo de prognose importa ter presente também a personalidade do recluso, na avaliação da qual não podemos fazer tábua rasa dos seus antecedentes criminais (ao contrário do que parece querer o recorrente), nem do que a respeito dela evidenciam os factos do processo à ordem do qual cumpre a atual pena de prisão.

Ainda que a vida anterior do recluso não se confine ao período em que cometeu crimes, mas a uma análise detalhada do seu percurso vivencial, tais antecedentes, na medida em que refletem também o tipo de personalidade do condenado, não podem, de facto, ser ignorados, ainda que seja bastante positivo o seu comportamento prisional, a sua forma de estar em ambiente de reclusão, como meio de ressocialização, sem esquecer a sua postura de arrependimento e consciência critica sobre a prática dos factos pelos quais condenado.   

            Importa assim ponderar, pese embora o tempo já decorrido, que o recluso já teve outros confrontos com a justiça, tendo sofrido condenações pela prática de 3 crimes de furto qualificado, um crime de furto simples, um crime de falsificação de documento e três crimes de condução sem habilitação legal. Já cumpriu uma pena efetiva de prisão, na sequência da revogação da suspensão de uma pena única de prisão de 2 anos e 2 meses, pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de condução sem habilitação legal, vindo a ser-lhe concedida em 3/12/2013 a adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, em 18/3/2014 a liberdade condicional e em 16/6/2015 a liberdade definitiva.

De salientar ainda que os factos em apreço pelos quais cumpre a presente pena de prisão (consubstanciadores de um crime de furto qualificado, cometido, em coautoria, numa residência, e de um crime de falsificação de documento) foram cometidos em 11 e 12 de outubro de 2016, volvido pouco mais de um ano da data em que lhe foi concedida a referida liberdade definitiva.

 O recluso revela assim pelo seu caminho uma falta de adesão interna aos valores sociais, tendo assim evidenciado não ser permeável às várias reações penais que lhe foram aplicadas, o que torna difícil contrariar uma prognose de futuros comportamentos socialmente desconformes

Cremos, pois, que a personalidade do recluso não nos permite ainda fazer um juízo de prognose de comportamento socialmente conforme, devendo o mesmo consolidar o seu percurso em meio prisional, aprofundando a sua capacidade reflexiva, para que, fora dele, consiga controlar todas as componentes da sua atividade e os impulsos que lhe subjazem.

 Ainda que assim não fosse, cremos igualmente que não se verifica o segundo pressuposto material de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional ao meio da pena, isto é, a compatibilidade da sua adaptação à liberdade condicional com a defesa da ordem e da paz social.

Ora, tal pressuposto, como já referimos, a que alude a alínea b) do nº 2 do art. 61º do C. Penal, prende-se com as exigências de prevenção geral positiva ou de integração no seu grau mínimo, ou seja, com as exigências de tutela do ordenamento jurídico.

A este propósito, fez-se constar da decisão recorrida que “(…) não pode deixar de se concluir que as circunstâncias do caso, as consequências do crime praticado e a necessidade de reposição da confiança nas normas violadas, são factores que não se bastam com a colocação do arguido em período de adaptação à liberdade condicional.

As exigências de prevenção geral – mesmo na vertente da reiteração contrafáctica da validade imanente aos bens jurídicos violados – não se mostram satisfeitas com o período de cumprimento de pena. Com efeito, a concessão da liberdade condicional neste momento ainda seria inequivocamente encarada como uma – injustificada – indulgência.

Nestes termos, não se pode afirmar que a defesa da ordem social seja compatível com o por si requerido”.

Também neste particular não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido.

De facto, são muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva, tendo em conta o tipo de ilícitos cometidos, entre os quais, conta-se um crime de furto qualificado, gerador de grande alarme social e cujo cometimento vem aumentando,  a forma de lesão dos bens jurídicos, impondo-se, por isso, reafirmar a validade e vigência das normas violadas aos olhos da comunidade em geral, sendo certo que, como se fez constar no Ac. da RE de 5/02/2019, proferido no processo 669/16.4TXTEVR-H,  “A compatibilidade da liberdade condicional com a defesa da ordem e da paz social referida na al.b), do nº2, do art. 61º do C.Penal, não deve ser aferida apenas por referência ao meio social onde o crime foi cometido, ou onde vivia o agente, ou onde se prevê que o agente passe a viver ou, mesmo onde vivia ou vive a vítima ou outras pessoas relacionadas com o crime”.

Em suma, aos olhos da comunidade em geral, mesmo estando em causa a adaptação à liberdade condicional, a cumprir em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, tal possibilidade, neste momento, seria incompreensível, porque, claramente, afrontaria tais exigências de prevenção, não podendo o instituto em causa constituir uma forma enviesada de modificar a condenação.

            Por conseguinte, concluímos não estarem verificados os pressupostos da concessão da adaptação à liberdade condicional, previstos nas alíneas a) e b) do nº2, do artigo 61º do Código Penal, pelo que, tem de manter-se a decisão de não concessão da adaptação à liberdade condicional ao recluso/ recorrente, a qual respeitou os critérios legais e não violou as normas invocadas pelo recorrente.

            Improcede, pois, o recurso.

           

III. Dispositivo

           

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em:

- Proceder à correção dos lapsos de escrita constantes dos pontos 25 e 35.5 da factualidade provada, determinando-se que onde consta, no ponto 25, a data de 7/11/2023 e no ponto 35.5, as datas de 09.06.2012 e 06.09.2012, passem a constar, respetivamente, as seguintes: 7/11/2022, 12.02.2009 e 9.06.2012, anotando-se no local próprio.

- Negar provimento ao recurso interposto pelo condenado/recorrente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.

- Condenar o recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 153º, nºs 1 e 6 do CEPMPL, e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e tabela III, anexa).