Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
797/18.1PBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
LEI DA AMNISTIA
COMPETÊNCIA PARA APLICAR O PERDÃO
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 77º DO CÓDIGO PENAL, 14º DA LEI N.º 38º-A/2023.
Sumário:
O artigo 14º da Lei n.º 38-A/2023 prescreve aplicação do perdão cabe, consoante os casos, ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal, ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação, não sendo o Tribunal da Relação competente para o efeito, sob pena de inviabilizar a interposição de recurso que recaísse exatamente sobre tal matéria, atento o disposto no artigo 400º, nº 1, al. f) do C.P.P..
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo Comum Colectivo nº 797/18.1PBCLD do Juízo Central Criminal de Leiria, ..., foi efectuado o cúmulo jurídico sucessivo de duas penas aplicadas no processo nº 753/18...., ao arguido

AA, filho de BB e de CC, nascido em .../.../1995, na Freguesia ..., Concelho ..., solteiro, residente no Largo ..., ..., atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional ..., tendo sido decidido :

§ cumular as penas parcelares impostas ao arguido AA no Processo 753/18...., do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ..., pela prática, em 19.03.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade (p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 03 01) e de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo artigo 86º, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02, e, em consequência, CONDENAR o arguido na pena única de 2 (DOIS) ANOS E 7 (SETE) MESES DE PRISÃO;
§ NÃO SUSPENDER A EXECUÇÃO DA REFERIDA PENA DE PRISÃO;


§ que a referida pena é de cumprimento sucessivo à pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à razão diária de € 5,00, convertida em 146 dias de prisão subsidiária, determinada na decisão de cúmulo proferida nos presentes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça (conforme fls. 1381 dos autos).

- Aplicada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, bem como a pena de 140 dias de multa (esta já declarada extinta pelo pagamento), das penas aplicadas nos processos nº 53/10...., 36/08.... e 1631/06....;

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

a). O douto acórdão a quo fundamentou a sua decisão no estrito cumprimento do determinado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que ordenou o cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas no âmbito do Processo 753/18...., do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ...:

1. Pena de 2 anos e 6 meses de prisão – pela prática, em 19.03.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22.01 (lei de combate à droga);

2. Pena de 6 meses de prisão – pela prática, em 19.03.2019, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02 (regime jurídico das armas e munições)

b) O douto acórdão a quo fundamentou a sua decisão da pena única de 2 (DOIS) ANOS E 7 (SETE) MESES DE PRISÃO, com base:

- na mediana gravidade de parte dos crimes cometidos pelo arguido; - a data dos factos;

- os bens jurídicos ofendidos; - o dolo direto;

- os antecedentes criminais registados, e

- a sua atual situação pessoal constante dos factos provados

c) Com o devido respeito pelo douto Acórdão, entende o arguido, ora Recorrente que a pena aplicada em primeira instância pelo Tribunal Coletivo é desproporcional, pois a soma das penas parcelares aplicadas ao arguido é de três anos de prisão, não pode, com o devido respeito pela opinião em contrário, balizar-se o cúmulo das mesmas nos 2 anos e ( 7) sete meses de prisão, como o Tribunal “a quo” fez., sendo excessiva e injusta, violando, pelo menos, o disposto nos artºs 40º, 43º, 50º e 71º, todos do Código Penal.

d) E o recurso tem uma única questão em causa, a medida da pena unitária de 2 (DOIS) ANOS E 7 (SETE) MESES DE PRISÃO, que o recorrente considera excessiva, pretendendo que a mesma seja substituída por pena muito inferior de prisão.

e) A pena a aplicar ao arguido deveria ter em conta que os crimes cometidos foram cometidos em Março de 2019, tendo em conta a idade do arguido e a sua história de vida até então, o Tribunal deveria ter aplicado ao mesmo em cúmulo uma pena muito inferior a 2 anos e ( 7) sete meses de prisão.

f) Tanto mais que o arguido já interiorizou o desvalor da sua conduta e perante o Tribunal mostrou verdadeiro e sincero arrependimento. Por outro lado,

g) Em meio prisional, o arguido tem revelado comportamento adequado e convergente com as normas.

h) Em meio prisional, o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade e encontra-se inscrito para prosseguir os estudos, pretendendo concluir o 12º ano de escolaridade.

i) Encontra-se inscrito para trabalhar, em meio prisional, aguardando colocação.

j) No Estabelecimento Prisional ..., o arguido trabalhou na construção de janelas.

l) A aplicação de uma pena parcelar de 2 anos e ( 7) sete meses de prisão a cumprir sucessivamente, após a pena de 14 anos e 146 dias de prisão ao arguido, pelas razões supra exposta, vai dificultar a sua reinserção social. Pois,

k) Entrou no EP com 23 anos de idade e vai sair com mais de 40 anos e aí dificilmente irá conseguir entrar no mercado de trabalho e inserir-se.

m) O arguido já interiorizou o desvalor da sua conduta e já adoptou uma postura socialmente aceite, sendo um recluso educado e cumpridor.

n) Estuda e trabalha no EP e mostra profundo arrependimento e vergonha pelo que fez.

o) À data da prática dos factos, em 19.03.2019, o arguido nascido em .../.../1995, tinha 24 anos de idade e está abrangido pela Lei de Perdão de penas e amnistia de infrações, requerendo respeitosamente a V. Exa. que seja perdoado 1 ano de prisão, em caso de condenação em cúmulo jurídico.

Além de que,

p) Conjugada a factualidade dada como provada, a pena de prisão aplicada ao recorrente mostra-se excessiva e deve ser reduzida face à ilicitude e ao grau de culpa e às necessidades de prevenção geral e especial.

q) Na medida em que não foram ponderados nem valorados da forma mais justa nem os factos nem a sua personalidade, conforme determina o artº 70º do Código Penal.

r) Sendo certo que uma correcta valoração dos factos e da personalidade do arguido se mostram imprescindíveis a uma justa decisão condenatória.

s) No que respeita à personalidade do agente, a decisão recorrida limitou-se a decalcar as considerações tidas nas decisões singulares, realizando um mero somatório de factos criminosos e respectivas penas, já considerados nas referidas decisões.

t) Ora, se os factores que determinaram as medidas das penas singulares foram os mesmos que pesaram na determinação da pena conjunta em sede de cúmulo jurídico isso equivale a uma “dupla valoração”, inadmissível no nosso sistema jurídico.

u) Sendo certo o arguido “homem actual” – se trate da mesma pessoa que praticou os crimes singulares -, no momento em que o Tribunal a quo decide o cúmulo jurídico, é já um “homem transformado” no que respeita à personalidade, transformação essa resultante desde logo da sua submissão ao sistema prisional, com o inerente afastamento comunitário, familiar, etc., o que lhe proporcionou múltiplos momentos de reflexão sobre as suas condutas passadas e a uma planificação do dias que ainda lhe restará viver.

w). Não tendo sido tecida qualquer consideração, no âmbito da valoração da personalidade do arguido, relativamente aos efeitos que os sistemas jurídicos-penais e jurídicos-prisionais tiveram sobre a personalidade, que personalidade afinal foi considerada? Tão só a personalidade revelada pelos crimes cometidos?

v) Ficamos sem saber se, por efeito da prisão, o arguido é presentemente mais capaz de conformar o seu agir de acordo com o Direito, pois essa é que é a questão principal a que o sistema prisional tem de dar resposta, a bem do arguido e da comunidade.

x) Ao ser omissa quanto às referidas questões, a decisão condenatória que o presente recurso, com o devido respeito, critica, fica o sistema jurídico-penal e jurídico-prisional como que desacreditado por ineficaz e, em última análise, por inútil.

y) Ora, “o homem” relativamente ao qual, o tribunal a quo foi chamado a tomar uma decisão, está longe de ser o mesmo que praticou aqueles crimes.

z) O Tribunal a quo não considerou na devida medida as actuais circunstâncias pessoais do arguido, que se traduzem em ser um homem melhor, mais ponderado, afável, pacífico, bem comportado e capaz, de futuro, de seguir um itinerário comportamental mais consciencioso e conforme ao Direito, bem diferente do que caracterizou o seu passado, in casu em 19.03.2019.

aa) A decisão recorrida, salvo o devido respeito por opinião contrária, deu total ênfase aos factos criminosos do passado e nenhuma relevância à transformação da personalidade do agente, para melhor, que decorreu ao longo do seu percurso prisional.

ab) Foram, assim, violados, pelo menos, os artº 40º, 43º, 50º, 70º e 71º do Código Penal e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

ac) As exigências de prevenção e o critério de escolha da pena impõem uma dosimetria que atenda sempre à Reinserção Social - artigos 70, 71, 40 e 41 do Código Penal.

ad) Pugnar por penas sucessivas, elevadas e incertas na sua função social não traduz JUSTIÇA! A JUSTIÇA NÃO PODE NEM DEVE SER VINGATIVA…

ae) Devendo a pena parcelar de 2 anos e ( 7) sete meses de prisão, ser perdoada em 1 ano de prisão, pois os factos foram praticados em 19.03.2019 e o arguido nascido em .../.../1995, tinha 24 anos de idade e está abrangido pela Lei de Perdão de penas e amnistia de infrações.

af) Mais deve a pena parcelar de 2 anos e ( 7) sete meses de prisão, ser alterada para pena muito inferior de tempo de prisão, por ser aquela que, pelas razões apontadas, se mostra mais justa e adequada e que melhor tem em conta os factos e a personalidade do arguido.

ag) Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada justiça!

                                              

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma (transcrição) :

1. A pena única de 2 anos e 7 meses de prisão aplicada ao recorrente respeita os critérios          legais  para     a          sua      6 determinação, sendo adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto exige.

2. Conhecido o concurso superveniente de penas, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, há que determinar a pena única, cumulando-se as penas parcelares em que o recorrente foi condenado.

3. No   âmbito do        Processo         753/18....,       o          recorrente foi condenado, para além do mais, pela prática de um crime de detenção     de     arma proibida e um    crime  de        tráfico     de estupefacientes de menor gravidade, nas penas parcelares de seis meses de prisão e dois anos e seis meses de prisão, respectivamente.

4. Na moldura abstracta da pena única do caso recorrido, o limite mínimo fixa-se em dois anos e seis meses de prisão e o limite máximo, em três anos de prisão.

5. A pena única alcançada resulta do acréscimo de um mês ao limite mínimo da moldura do concurso, pelo que não pode ser considerada excessiva, e consequentemente deverá ser mantida.

6.         A Lei n.º 38-A/2023 apenas entrou em vigor no dia 01 de Setembro de 2023, já após o presente acórdão ter sido proferido.

7.         Sem prejuízo, verificam-se os pressupostos de aplicação previstos, na medida em que o arguido praticou os factos com idade inferior a 30 anos, em data anterior a 19 de Junho de 2023 e os crimes em causa não estão excluídos do perdão, pelo que a pena única      em       causa,  deverá ser perdoada em um ano de prisão e determinado o cumprimento de um ano e sete meses de prisão.

1.2.3. O Exmº Procurador-geral Adjunto teve vista do processo e foi de parecer que o recurso deva ser julgado improcedente e que a primeira instãncia proceda à aplicação da Lei nº 38-A/2023 de 2/8.

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Excesso da pena única aplicada;

- Aplicação do perdão.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) :

« (…)

Foi, nos presentes autos, proferida decisão de cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido no âmbito dos processos 753/18.... e 437/18...., e o arguido condenado na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão (refª 100664319 fls. 1301 e ss).


*

Na sequência de recurso interposto da referida decisão, decidiu o Venerando Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1365 e ss):

Conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pelo recorrente AA, quanto à pena de concurso, revogando se o acórdão recorrido e condená lo na pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à taxa de cinco euros por dia, esta convertida em 146 dias de prisão subsidiária, abrangendo as penas parcelares aplicadas nos processos nº 437/18...., cujos factos ocorreram em 28.11.2018, nº 797/18.1PBCLD, cujos factos ocorreram em 22.12.2018 e nº 753/18...., mas apenas quanto aos factos praticados nos dias 21.12.2018 e 30.12.2018;

Determinar o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância, com vista a nar o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância, com vista a proceder ao cúmulo jurídico abrangendo as penas parcelares aplicadas no processo nº 753/18...., quanto aos factos praticados em 19.03.2019, a cumprir sucessivamente à primeira pena do concurso, ora aplicada.

Ressalvando que o tribunal não poderá agravar a situação punitiva global resultante do primeiro julgamento, devendo para isso ter em consideração o somatório do conjunto das penas únicas aplicadas a cada concurso, de modo a não ultrapassar o limite de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo por referência o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, conforme ar.º 409º do CPP..

(…)

Dos Factos:

Discutida a causa, e com interesse para a boa decisão da mesma, e no estrito cumprimento do determinado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça , cumpre proceder ao cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas no âmbito do Processo 7 53/18.... , do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ...:

1. Pena de Pena de 2 anos e 6 meses de prisão –– pela prática, em 19.03.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22.01 (lei de combate à droga);

2. Pena de 6 meses de prisão –– pela prática, em 19.03.2019, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02 (regime jurídico das armas e munições).

As referidas penas respeitam aos seguintes factos::

1) No dia 19.03.2019, pelas 10h45m, o arguido detinha, na sua residência:

a. uma munição de calibre 9 mm Prabellum, de marca ...;

b. uma bolsa contendo do seu interior: um saco plástico com € 100,00 em notas do BCE; 15 pacotes plásticos, de cor castanha, contendo 2,463 gramas de heroína, com grau de pureza de 18%, correspondendo a 4 doses individuais; e 20 pacotes plásticos, de cor branca, contendo 4,064 gramas de cocaína, correspondente a 9 doses individuais;

2) O arguido conhecia a natureza e caraterísticas dos produtos referidos e agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de deter tais bens;

3) O arguido agiu com intenção de deter e ceder as substâncias estupefacientes a terceiros, a troco de uma compensação monetária, bem sabendo que a detenção, uso, distribuição, cedência, oferta e venda das mesmas são atividades proibidas por lei;

4) O arguido sabia que, por não ser titular de licença de uso e porte de arma ou de qualquer autorização de detenção de armas, lhe estava vedada a detenção de munições das referidas armas, no entanto, quis agir do modo descrito, o que fez de forma livre e consciente]


*

Das condições pessoais do arguido:

Das declarações prestadas pelo arguido em audiência e dos demais elementos constantes dos autos, nomeadamente das condições económicas e sociais do arguido dadas como provadas nos autos, e do certificado de registo criminal atualizado do arguido, resulta que:

1. O arguido residiu, os primeiros anos de vida, com a família biológica, em ..., em contexto marcado pela problemática de alcoolismo do pai, com comportamento violento sobre a mãe, o que determinou a separação do casal, quando o arguido tinha cerca de 7 anos de idade.

2. O arguido ficou, nessa altura, juntamente com um irmão mais velho, aos cuidados da mãe.

3. Não obstante a separação, o arguido manteve sempre relação próxima com o pai, que o apoiou emocional e financeiramente até falecer, em 2015.

4. O pai do arguido era a principal referência afetiva do mesmo.

5. Quando o arguido tinha cerca de 13 anos, a sua mãe refez a sua vida conjugal com novo companheiro.

6. Não obstante tenha beneficiado de um enquadramento harmonioso e estruturado junto da mãe, o arguido manifestou dificuldades de comportamento, tanto na esfera familiar como escolar, manifestando revolta e inconformismo com a separação dos pais.

7. Na adolescência, associou-se a pares antissociais, tendo o seu agregado fraca capacidade de regular e supervisionar, de forma contentora, as atitudes disruptivas do arguido.

8. O arguido ingressou no sistema de ensino em idade regular, apresentando uma trajetória desinvestida, marcada pela instabilidade comportamental, fraca assiduidade e fraco aproveitamento escolar, assinalando várias reprovações.

9. Abandonou o ensino regular durante a frequência do 5º ano.

10. Na adolescência, e no quadro de instabilidade comportamental assinalado, o arguido esteve institucionalizado dos 15 aos 16 anos de idade.

11. Durante a permanência na instituição, concluiu o 6º ano de escolaridade, com vertente profissional na área de tipografia e informática.

12. Após a saída da instituição, regressou ao agregado da mãe e padrasto, em ..., tendo permanecido sem atividade estruturada, a nível laboral, até aos 19 anos de idade, idade em que começou a trabalhar em duas fábricas de fornos industriais, destinados à construção

13. O arguido regista um percurso laboral irregular e instável, desenvolvido em torno de trabalhos indiferenciados, maioritariamente na área da construção civil. O arguido trabalhou ainda numa oficina de mecânica, na pintura de jantes de automóveis (durante cerca de um ano), em diferentes empresas de construção civil, em trabalhos de serventia (por curtos períodos de tempo), tendo estado no desempenho dessas funções em França, Bélgica e Suécia.

14. O arguido regista consumos regulares de haxixe, durante a sua adolescência, favorecidos pelos convívios com pares. A partir dos 23 anos de idade, regista consumos ocasionais de cocaína.

15. No período precedente à reclusão, o arguido residia no agregado familiar da mãe (entretanto separada do padrasto), com esta e o irmão mais velho, em habitação arrendada, situada na zona central de ....

16. A dinâmica familiar era harmoniosa e isenta de conflitualidade.

17. Antes da reclusão, o arguido trabalhava, há cerca de um mês, em empresa de montagem de pladur, em empresa de construção civil. Anteriormente, tinha trabalhado em ..., durante 5 a 6 meses, em empresa do mesmo ramo.

18. O agregado familiar que o arguido integrava apresentava uma situação económica modesta, mas compatível com as necessidades financeiras. A mãe trabalhava como empregada de balcão e o irmão do arguido como cozinheiro.

19. O arguido continua a usufruir de suporte familiar e habitacional estável junto daquele agregado, manifestando a mãe disponibilidade em apoiá-lo e acolhê-lo, em meio livre.

20. Em meio prisional, o arguido tem revelado comportamento adequado e convergente com as normas.

21. Em meio prisional, o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade e encontra-se inscrito para prosseguir os estudos, pretendendo concluir o 12º ano de escolaridade.

22. Encontra-se inscrito para trabalhar, em meio prisional, aguardando colocação.

23. No Estabelecimento Prisional ..., o arguido trabalhou na construção de janelas.

24. No Estabelecimento Prisional ..., teve dois processos disciplinares, por uso de telemóvel.

25. Em meio prisional, não tem recebido visitas da sua mãe (por dificuldade de deslocação da mesma), contactando telefónica e regularmente com a mesma.

26. Além das condenações supra descritas, o arguido foi, ainda, condenado:

o Por decisão proferida em 03.04.2017 e transitada em julgado em 12.05.2017, no Processo Comum Singular nº 184/14...., do Juízo de Competência Genérica ..., pela prática, em 09.04.2014, de um crime de condução sem habilitação legal (p.e p. pelo artigo 3º do DL 2/98, de 03.01), na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 450,00 (declarada extinta, pelo cumprimento);

o Por decisão proferida em 10.03.2019 e transitada em julgado em 23.04.2019, no Processo Abreviado nº 622/18...., do Juiz 1 do Juízo Local Criminal ..., pela prática, em 12.11.2018, de um crime de desobediência (p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do CP), na pena de 90 dias de multa, à razão diária de € 6,50, num total de € 585,00;

o Por decisão proferida em 20.07.2020 e transitada em julgado em 05.01.2021, no Processo Comum Coletivo nº 753/18...., do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ..., pela prática, em Dezembro de 2018, de três crimes de detenção de arma proibida (p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei 5/2006, de 23.02), quatro crimes de roubo qualificado (p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b) do CP), um crime de falsificação de documentos (p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a) e e) e nº 3 do CP) e um crime de tráfico de menor gravidade (p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22.01), na pena única de 16 anos de prisão;

o Por decisão proferida em 17.04.2018 e transitada em julgado em 17.05.2018, no Processo Sumário nº 73/18...., do Juízo de Competência Genérica ..., pela prática, em 16.03.2018, de um crime de condução sem habilitação legal (p. e p. pelo artigo 3º do DL 2/98, de 03.01), na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 500,00 (declarada extinta, pelo cumprimento);

o Por decisão proferida em 12.12.2018 e transitada em julgado em 04.02.2019, no Processo Sumário nº 437/18...., do Juízo de Competência Genérica ..., pela prática, em 28.11.2018, de um crime de condução sem habilitação legal (p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do DL 2/98, de 03.01), na pena de 220 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 1.100,00;

o Por decisão proferida em 24.05.2019 e transitada em julgado em 24.06.2019, no Processo Comum Singular nº 50/17...., do Juízo de Competência Genérica ..., pela prática, em 12.02.2017, de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alíneas c) e d) da Lei 5/2006, de 23.02), na pena de 300 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 1.500,00;

o Por decisão proferida em 22.09.2021 e transitada em julgado em 25.10.2021, no Processo Comum Coletivo nº 797/18.1PBCLD, do Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Leiria, pela prática, em 22.12.2018, de um crime de furto simples (p. e p. pelo artigo 203º, nº 1 do CP) e de um crime de furto qualificado (p. e p. pelo artigo 204º, nº 2, alínea e) do CP), na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão;

o Por decisão proferida em 16.01.2020 e transitada em julgado em 17.02.2022, no Processo Comum Singular nº 254/19...., do Juiz 2 do Juízo Local Criminal ..., pela prática, em 18.11.2018, de um crime de desobediência (p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, alínea b) do CP), na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 600,00 (declarada extinta, pelo cumprimento);

o Por decisão proferida em 08.10.2015 e transitada em julgado em 09.11.2015, no Processo Comum Singular nº 617/12...., do Juízo Local Criminal (extinto) de ..., pela prática, em 14.08.2012, de um crime de furto simples (p. e p. pelo artigo 203º do CP), na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sujeita a regime de prova (com prorrogação da suspensão por 1 ano e, posteriormente, declarada extinta, pelo cumprimento);

o Por decisão proferida em 21.10.2020 e transitada em julgado em 20.11.2020, no Processo Comum Singular nº 36/19...., do Juízo de Competência Genérica ..., pela prática, em 29.01.2019, de um crime de condução sem habilitação legal (p. e p. pelo artigo 3º, nº 2 do DL 2/98, de 03.01), na pena de 200 dias de multa, à razão diária de € 5,00, num total de € 1.000,00.

i. No âmbito dos presentes autos, e por força da decisão proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, e supra descrita, foi aplicada ao arguido, em cúmulo jurídico de penas, a pena única de pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à taxa de cinco euros por dia, esta convertida em 146 dias de prisão subsidiária, abrangendo as penas parcelares aplicadas nos processos nº 437/18...., cujos factos ocorreram em 28.11.2018, nº 797/18.1PBCLD, cujos factos ocorreram em 22.12.2018 e nº 753/18...., mas apenas quanto aos factos praticados nos dias 21.12.2018 e 30.12.2018.


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Do Direito:

O artigo 30º, nº 1, do Código Penal, ao dispor sobre a epígrafe “concurso de crimes” que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, está a tratar da pluralidade de infrações e não da sua punição.e infrações e não da sua punição.

Do ponto de vista da sua punição, o concurso de crimes pode conduzir ao concurso de penas [que dá lugar a uma pena única, resultante do cúmulo de penas parcelares] ou à sucessão de penas [em que diversas penas permanecem autónomas].

A justificação do concurso de penas, admitindo a realidade de um sistema imperfeito [porque não consegue respeitar a cronologia da descoberta e punição sucessiva de todos os crimes que se cometem], radica na ideia de que quando uma pessoa é punida o deve ser por todos os crimes que, até então, tenha praticado, por referência a um ato tido por significativamente determinante da conduta do arguido –– a solene advertência que constitui uma condenação judicial.

Essa realidade e a referida opção legislativa só podem conduzir a uma das seguintes situações: ou se conhecem todos os atos praticados anteriormente a esse processo e se aplica a todos uma única pena; ou só se toma conhecimento desses factos posteriormente e, então, toma-se uma nova decisão para proceder a essa unificação de penas.

Pressuposto essencial para a efetivação de cúmulo jurídico de diversas penas parcelares é a prática de diversas infrações pelo mesmo agente antes de transitar em julgado a condenação por qualquer delas.

E este é o entendimento que se encontra consagrado nos artigos 77º e 78º do Código Penal.

Efetivamente, dispõe o artigo 77º que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena.

Ou seja, para haver lugar a cúmulo jurídico importa a verificação dos seguintes requisitos:

 prática, pelo mesmo arguido, de diversos crimes;

  prática de crimes antes da condenação por qualquer um deles.

E o artigo 78º do Código Penal limita-se a afirmar como se aplica a regra acabada de enunciar, se a situação vier a ser conhecida depois da primeira condenação, e não a enunciar qualquer outra regra.

Assim, não resta senão concluir que relevante para a determinação de um concurso de penas é o trânsito em julgado da primeira condenação por um dos crimes que integra essa acumulação.

Ou seja, só os crimes (e todos os crimes) cometidos anteriormente ao trânsito em julgado da primeira sentença se encontram numa relação de concurso de penas, independentemente das datas das sentenças posteriores e do eventual cometimento de crimes posteriores [que poderão integrar outra acumulação de crimes, distinta da primeira].


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No caso dos autos, e conforme supra exposto, importa proceder ao cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas no âmbito do Processo 753/18.... do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ...:

 Pena de 2 anos e 6 meses de prisão –– pela prática, em 19.03.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22.01 (lei de combate à droga);

 Pena de 6 meses de prisão  –– pela prática, em 19.03.2019, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02 (regime jurídico das armas e munições);

Há, assim, lugar à realização de cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido no âmbito do referido Processo, sendo este Tribunal competente para a sua realização.


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Nos termos do artigo 77º, nº 1 e nº 2, do Código Penal, a pena a aplicar tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e na sua determinação concreta ponderar--se-ão, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente.

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Tendo em conta as penas aplicadas e a cumular, a pena única a aplicar situa-se entre 2 anos e 6 meses e 3 anos de prisão.

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Importa, pois, considerar:

 a mediana gravidade de parte dos crimes cometidos pelo arguido;

 a data dos factos;

 os bens jurídicos ofendidos;

 o dolo direto;

 os antecedentes criminais registados, e

 a sua atual situação pessoal constante dos factos provados.

Considerando o exposto, entendemos adequada a imposição ao arguido AA da pena única de 2 (DOIS) ANOS E 7 (SETE) MESES DE PRISÃO.


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Atenta a natureza dos crimes cometidos e das penas cumuladas, e a situação pessoal do arguido descrita nos fatos provados, entende-se que a ameaça de execução de qualquer da referida pena não é apta a afastar o arguido do cometimento de fatos ilícitos, pelo que se decide não ser de suspender a execução da pena única supra definida.

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A referida pena é de cumprimento sucessivo à pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à razão diária de € 5,00, convertida em 146 dias de prisão subsidiária (conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça – fls. 1381 dos autos).

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DECISÃO:

Nos termos e pelos fundamentos supra enunciados, acordam os Juízes que constituem este Tribunal Coletivo:

 Em cumular as penas parcelares impostas ao arguido AA no Processo 753/18...., do Juiz 6 do Juízo Central Criminal ..., pela prática, em 19.03.2019, de um crime de tráfico de menor gravidade (p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 03 01) e de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo artigo 86º, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02, e, em arma proibida (p. e p. pelo artigo 86º, alínea e) da Lei 5/2006, de 23.02, e, em consequência, CONDENAR o arguido na pena única de 2 (DOIS) ANOS E 7 (SETE) MESES DE PRISÃO;

 NÃO SUSPENDER A EXECUÇÃO DA REFERIDA PENA DE PRISÃO;

 A referida pena é de cumprimento sucessivo à pena única de 14 anos de prisão e 220 dias de multa à razão diária de € 5,00, convertida em 146 dias de prisão subsidiária, determinada na decisão de cúmulo proferida nos presentes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça (conforme fls. 1381 dos autos).

(…) ».


IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1.  Excesso da pena única aplicada:

O recorrente entende que a pena única que lhe foi aplicada, em cúmulo jurídico, de 2 anos e 7 meses de prisão efectiva, é excessiva, dado que os crimes foram praticados em Março de 2019, revelou sincero arrependimento, em meio prisional tem revelado comportamento adequado, estuda e já trabalhou, e está um homem diferente no que respeita à personalidade .

De acordo com o artigo 40º do C.P. a finalidade das penas é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade .

O artigo 71º, nº 1, do mesmo código estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado pelo julgador, através da ponderação dos conceitos de «culpa» e «prevenção», sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável da punição concreta.

No caso em apreço, as penas parcelares do recorrente foram fixadas em:

- 2 anos e 6 meses de prisão para o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do processo 753/18....;

- 6 meses de prisão para o crime de detenção de arma proibida do mesmo processo.

De acordo com o artigo 77º do C.P., a pena única do concurso de crimes resulta das penas aplicadas aos crimes em concurso, segundo um princípio de cúmulo jurídico .

Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 13/2/2019, processo 1205/15.5t9vis.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, in www.dgsi.pt, «... com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.».

A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes .

Ou seja, no caso em apreço, a moldura do concurso tinha o mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 3 anos .

Desde já se adianta que, nesta moldura, não se justifica fixar a pena única do arguido no mínimo da moldura (2 anos e 6 meses).

Neste âmbito, o tribunal recorrido considerou em conjunto os factos e a personalidade do arguido, remetendo para os factos provados que acabara de enunciar.

Ou seja, atendeu ao seguinte :

«à mediana gravidade de parte dos crimes cometidos pelo arguido; à data dos factos; aos bens jurídicos ofendidos; ao dolo direto; aos antecedentes criminais registados, e à sua atual situação pessoal».

Assim, não é verdade que o tribunal recorrido não tenha tido em conta que os crimes foram praticados em Março de 2019 .

Por outro lado, não resultou da factualidade apurada – que o recorrente não impugna – o seu invocado arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta .

Acresce que o seu comportamento em meio prisional não tem sido exemplarmente adequado e convergente com as normas – veja-se o ponto 24 dos factos provados.

Mais, os estudos e o trabalho que desenvolveu e pretende prosseguir no E.P. foi considerado pelo tribunal de primeira instância quando se reporta aos factos provados a propósito da sua situação pessoal actual.

Aqui chegados, vemos que a pena única foi fixada em um sexto da moldura do concurso, pelo que inexiste fundamento para a alterar.

É que foram ponderadas todas as circunstâncias relevantes do caso e aplicados os critérios legais fixados nos artigos 40º e 71º do C.P..

Aliás, dado que o mínimo a aplicar seria 2 anos e 6 meses de prisão, perante a pena única de 2 anos e 7 meses de prisão, não vemos como é que o tribunal poderia ter aplicado uma pena «muito inferior» (nas palavras do recorrente) !

Por outro lado, em face da ausência de prova do seu alegado arrependimento e interiorização do desvalor da conduta e dado que o recorrente teve dois processos disciplinares no E.P. ..., não vislumbramos a que «homem transformado», no sentido de homem melhor, mais ponderado, trabalhador, bem comportado e capaz, é que o recorrente se refere nas suas alegações de recurso .

Em suma, a pena única determinada pela primeira instância não é, nem exagerada, nem desproporcionada, pelo que não se justifica minimamente a sua redução.

Por fim, relativamente à alteração, em sede de recurso, da medida das penas fixadas, tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência do S.T.J. que sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, o quantum concreto de pena já escolhido deve manter- se intocado, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ver, a propósito, os seguintes acórdãos : 29/5/2008, processo 08P1001, relatado pelo Conselheiro Soares Ramos; de 8/10/2008, processos 08P2878 e 08P3068, relatados pelo Conselheiro Pires da Graça; de 15/10/2008, processo 08P1964, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, todos in www.dgsi.pt..No mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197.

No caso concreto, não vemos que tenham sido violadas regras de experiência, e a pena única encontrada não é, de todo, desproporcionada, como se afirmou atrás.

Tudo visto, decide-se manter o decidido quanto à pena única aplicada ao recorrente.

4.2.  Aplicação do perdão:

O recorrente, invocando ter 24 anos de idade à data da prática dos factos, ocorridos em 19/3/2019, defende estar abrangido pela Lei de perdão de penas e amnistia de infracções, requerendo que lhe seja perdoado 1 ano de prisão .

A Lei nº 38-A/2023 de 2/8 veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

Contudo, a própria Lei, no seu artigo 14º, prescreve que a sua aplicação cabe, consoante os casos, ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal, ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação.

Ora, este Tribunal da Relação não é o juiz do julgamento ou da condenação, pelo que a aplicação do disposto na Lei nº 38-A/2023 sempre caberia à primeira instância .

Acresce que a aplicação, por este foro, da mencionada lei poderia inviabilizar a interposição de recurso que recaísse exactamente sobre tal matéria, atento o disposto no artigo 400º, nº 1, al. f) do C.P.P..

Nesta linha, mantém-se o decidido quanto à pena única aplicada ao recorrente, sem prejuízo da ponderação, oportunamente, na primeira instância, do perdão emergente da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.C. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).

Coimbra, 10 de Janeiro de 2024


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(Helena Lamas - relatora)



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(Cândida Martinho)



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(Fátima Sanches)