Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
176/18.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: ROUBO
SEQUESTRO
CONCURSO
Data do Acordão: 12/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA, J 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, EM PARTE
Legislação Nacional: ART.ºS 210.º; 158.º E 30.º, TODOS DO CP
Sumário: O crime de roubo consome o de sequestro quando e enquanto este serve de meio para a prática daquele. Porém, quando a privação da liberdade ambulatória da vítima ultrapassa a medida necessária à efetiva apropriação dos bens, há que concluir pela existência de concurso real entre os crimes de roubo e sequestro.
Decisão Texto Integral:








I - RELATÓRIO

I- Após audiência pública de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida decisão final de mérito com o seguinte DISPOSITIVO:

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:

- ABSOLVER o arguido FM da prática de quatro crimes de roubo agravado (Inquéritos 397/18.6.1ALRA e 108/18.6GDCNT); e

- ABSOLVER o arguido da prática de quatro crimes de sequestro agravado (Inquéritos 397/18.6JALRA e 108/18.6GDCNT);

- CONDENAR o arguido FM, pela prática de:

- Um crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referência aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP na pena de 6 anos e 6 meses de prisão [Inq. 437/18.9JACBR- ofendido (…)];

- Um crime de roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal na pena de 11 anos de prisão [inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida (…)];

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos de prisão (Inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendido (…);

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos de prisão (Inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida (…).

Em cúmulo jurídico, daquelas penas, foi condenado na pena única de 14 anos e 6 meses de prisão.

CONDENAR o arguido JM, pela prática de:

- Um crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referencia aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP na pena de 6 anos e 6 meses de prisão (Inq. 397/18.6JALRA- ofendido (…);

- Um crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referência aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP na pena de 6 anos e 6 meses de prisão (Inq. 397/18.6JALRA - ofendida (…);

- Um crime de sequestro agravado p e p pelo art 158 nºs 1 e 2 als b) e) do CP na pena de 3 anos de prisão (Inq. 397/18.6JALRA - ofendido (…);

- Um crime de sequestro agravado p e p pelo art 158 nºs 1 e 2 als b) e e) do CP na pena de 3 anos de prisão (Inq. 397/18.6JALRA- ofendida (...) -;

- Um crime de roubo agravado p e p pelos arts 210 nºs 1 e 2 al b) por referência ao disposto nos arts 202 al d) e 204 nº 1 al d) e nº 2 al e) todos do CP na pena de 6 anos e 6 meses de prisão inq. 437/18.9JACBR - ofendido (…);

- Um crime de roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal na pena de 11 anos de prisão [inquérito nº 437/18.9JACBR - ofendida (…)];

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos de prisão (Inquérito nº 437/18.9JACBR - ofendido (…);

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos de prisão (Inquérito nº 437/18.9JACBR - ofendida (…);

Efetuando o cúmulo jurídico daquelas penas, condenar o arguido na pena única de 17 anos de prisão.

CONDENAR o arguido AM, pela pratica de:

- Um crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referencia aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP na pena de 7 anos e 6 meses de prisão [Inq 437/18.9JACBR- ofendido (…)];

- Um crime de roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal na pena de 12 anos de prisão [inquérito nº 437/18.9JACBR - ofendida (…)];

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (Inquérito nº 437/18.9JACBR - ofendido (…);

- Um crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão [Inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida (…)];

Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 16 anos de prisão.

(…)


**

Inconformados com a decisão, dela recorrem:

- os 3 arguidos, fazendo-o separadamente; e

- o digno magistrado do MºPº.


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Perante a referência, não especificada, nas conclusões dos recorrentes (…) e (…), a recursos interlocutórios que teriam interesse em ver apreciados, foram convidados a esclarecer quais, na sequência do que vieram informar que a referência em questão resultou de mero lapso, não tendo interposto qualquer recurso interlocutório.

Corridos vistos, após conferência, cumpre decidir. 


***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Síntese das questões a decidir

Tendo por referência a natureza do recurso (apreciação da existência de erro in judicando ou in procedendo cometido na decisão impugnada que não a realização de um novo julgamento) e o dever de motivação, especificada, que incide sobre o recorrente, nos termos previstos no artigo 412º do CPP, constitui entendimento pacífico que, sem prejuízo daqueles casos em que a lei imponha o dever de conhecimento oficioso de determinadas questões, o âmbito do recurso é definido pelas respetivas conclusões – cfr., designadamente, Germano Marques as Silva, Curso de processo Penal, 2ª ed., III, 335; Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., p. 74; Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196.

Assim, em breve síntese, temos, no caso, como questões a decidir: - matéria de direito: - relação de concurso entre os crimes de roubo e os crimes de sequestro; (…).

(…)

2. A decisão da MATÉRIA DE FACTO com a apreciação da prova que a fundamenta é a seguinte:

A) FACTOS PROVADOS:

DA DECISÃO DE PRONÚNCIA:

1. No dia 13 de Abril de 2018, pelas 3h00m, o arguido J. e dois outros indivíduos de identidade não apurada, de comum acordo e seguindo um plano previamente traçado entre eles, encapuzados e usando luvas, depois de terem estragado a fechadura da porta traseira da residência sita na Rua dos (…), nº 72º, (…), (…), (…), utilizando um ferro e uma chave de fendas, introduziram-se no seu interior pela referida porta, manietaram (…), (nascido a 17.07.1939), que se encontrava a dormir, com o cinto de um robe, amordaçaram-no com fita adesiva à volta de toda a face e apertaram-lhe a cara.

2. De seguida, o arguido (…) e os referidos indivíduos, com umas mangas de camisa, ataram as mãos de (…) (nascida a 01.07.1942) e desferiram diversos socos com muita força no corpo da mesma, designadamente, na cabeça, face, tórax (murros nas costelas dos dois lados e peito do lado esquerdo), na anca do lado esquerdo, pernas e braços, dizendo, em simultâneo, que lhes desse o ouro e o dinheiro, senão matavam-na.

3. Após, o arguido (…) e os referidos indivíduos abandonaram o local, levando com eles diversas peças em ouro, como: um fio de ouro grosso, uma libra de ouro com um aro bordado à volta em forma de coração, um fio de ouro fino com uma medalha de Nossa Senhora da Conceição, um terço em ouro, a aliança de (…), a aliança de 50 anos de casado de (…), uma medalha pequena de Nossa Senhora da Conceição, um anel em ouro branco, uns brincos em forma de argolas em ouro e uma pulseira de ouro, no montante total de € 1.737,50 (mil setecentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) e levaram ainda com eles numerário no montante total de € 3.320,00 (três mil trezentos e vinte euros).

4. A atuação do arguido (…) e dos demais indivíduos produziu em (…) as seguintes lesões:

- No crânio: duas escoriações coronais, com crosta na região parietal, a maior com 13 cm x 1 cm; duas escoriações na região frontal, a maior com 1 cm x 3 mm; uma equimose roxa frontal e bi-palpebral bilateral, medindo no seu conjunto 11 cm x 19 cm; uma equimose arroxeada em toda a hemiface esquerda com 12 cm x 10 cm e uma equimose horizontal com 8 cm x 0,5 cm, que atravessa a hemiface direita horizontal, que foram causa direta e necessária de um período de 20 (vinte) dias para a cura, com afetação da capacidade de trabalho geral por 20 dias, tendo o mesmo sido assistido no Hospital de (...) .

5. A atuação do arguido (…) e dos demais indivíduos que o acompanhavam produziu em (…) as seguintes lesões:

- Na face: duas equimoses arroxeadas esverdeadas no canto direito de ambas as pálpebras, a maior das esquerdas com 3 cm x 2 cm;

- No tórax: uma equimose roxa retangular, com halo esverdeado, medindo 6 cm x 4 cm;

- Na mama esquerda: conglomerado de equimoses roxas esverdeadas redondas sobrepostas na face lateral esquerda, medindo no seu conjunto 11 cm x 9 cm;

- No membro inferior direito: duas equimoses esverdeadas com 5 cm x 3 cm, no terço superior da face anterior da perna;

- No membro inferior esquerdo: duas equimoses arroxeadas esverdeadas no terço médio e inferior da perna, a maior medindo 6 cm x 4 cm, no terço inferior da face medial;

que foram causa direta e necessária de 15 (quinze) dias para a cura, com afetação da capacidade de trabalho geral, tendo a mesma sido assistida no Hospital de (...) .

(…)

11. No dia 22 de Julho de 2018, pela 1 hora, os arguidos (…), (…) e (…), de comum acordo e seguindo um plano previamente traçado entre eles, encapuzados e usando luvas, depois de terem arrancado a porta de entrada na residência sita na Rua da (…), nº 21º, (…), (…), introduziram-se no interior da mesma, abordaram (…) (nascido em 16.02.1933), desferiram-lhe uma joelhada nas costelas, murros na face, cabeça, braços e tronco, pontapés no corpo, puseram-se em cima das suas costas e, apertando-lhe o pescoço, disseram-lhe que lhes entregasse o ouro e o dinheiro, pois se não o fizesse cortavam-lhe o pescoço e matavam-no.

12. De seguida, os arguidos (…), (…) e (…) manietaram as mãos e pés de (…), colocando-lhe a cabeça no meio das pernas para que não se pudesse mover e desferiram, com muita força, murros na sua cabeça, face e tronco e pontapés nas pernas.

13. Depois, os referidos arguidos encostaram ao pescoço de (…) uma faca de cozinha, dizendo-lhe “Corto-te o pescoço e mato-te”, e, utilizando a faca, fizeram golpes nas mãos do mesmo, exigindo que lhes dissesse onde estava o ouro e o dinheiro, tendo-lhes (…) dito que não tinha ouro e apenas tinha € 150,00 (cento e cinquenta euros) em dinheiro.

14. De seguida, e com o intuito de que (…) lhes dissesse onde estava guardado o ouro, os arguidos (…), (…) e (…) arrancaram a trança de cabelo da mesma, bateram com a cabeça da mesma com muita força de encontro a uma parede, e desferiram-lhe, com muita força, diversas pancadas por todos o corpo, designadamente na cabeça, face, braços e tórax, e pontapés nas pernas, tendo ainda arrancado as argolas de ouro que a mesma tinha nas orelhas.

15. Depois, os referidos arguidos ataram as mãos de (…) com um lenço que a mesma trazia.

16. Após, os arguidos abandonaram o local, levando com eles: € 150,00 (cento e cinquenta euros) em numerário, um relógio de sala, de valor não apurado, e as referidas argolas em ouro, de valor não apurado.

17. A atuação dos arguidos (…), (…) e (…) produziu em (…) as seguintes lesões:

o Na face: equimose arroxeada com orça amarelada, estendendo-se na hemiface direita à região cervical anterior do pescoço e região esternal, medindo 35 cm x 17 cm, e equimose amarelada na região malar esquerda, medindo 3 cm x 2 cm;

o No tronco: equimose arroxeada com orla amarelada na região lombar esquerda, medindo 10 cm x 6 cm; equimose arroxeada com orla amarelada no 1/3 distai da região torácica antero lateral direita, que se prolonga no hipocôndrio direito, medindo 20 cm x 9 cm e escoriação coberta de crosta cicatricial sobre a anca esquerda, medindo 5 cm x 3 cm;

o Na região nadegueira: equimose arroxeada nos quadrantes inferomediais de ambas as nádegas, medindo na esquerda 5 cm x 4 cm, e na direita 6 cm x 3 cm;

o No membro superior direito: penso de adesivo no dorso da mão direita que não foi removido para não prejudicar a cura do corte ali existente;

o No membro superior esquerdo: equimose amarelada na região deltoideia, medindo 6 cm x 5 cm, abaixo da qual se visualiza escoriação com crosta cicatricial com 2 cm x 5 mm, ferimento cicatriciado na eminência tenar, medindo 2,5 cm, rodeado de crosta cicatricial com 1,5 cm x 2,5 cm;

o No membro inferior direito: escoriação com crosta cicatricial no 1/3 distal da face anterior da coxa, com 3 mm de diâmetro;

o No membro inferior esquerdo: equimose arroxeada na região maleolar lateral e bordo lateral do pé, medindo 7 cm x 9 cm, e equimose arroxeada no antepé, medindo 9 cm x 6 cm, sobre a qual assentam duas escoriações punctiformes com crosta cicatricial;

que foram causa direta e necessária de um período de 20 (vinte) dias de doença, com afetação da capacidade para o trabalho geral por 10 (dez) dias, tendo o mesmo sido assistido no Hospital de (...) .

18. Em consequência das agressões físicas descritas, (…) sofreu as seguintes lesões (exame ao hábito externo):

o Na cabeça: ferida contusa, longitudinal, com 12 mm de comprimento na metade posterior distai do pavilhão auricular direito, rodeada de equimose arroxeada com 5 cm x 2,4 cm de maiores eixos, com hematoma subjacente (visível após dissecção); equimose arroxeada na sobrancelha esquerda lateral com 1,5 cm x 1 cm; ligeira tumefacção com equimose esverdeada/amarelada da região orbitária esquerda e região zigomática esquerda; equimose arroxeada palpebral superior esquerda e metade medial palpebral inferior esquerda, prolongando-se para a comissura; equimose arroxeada palpebral superior direita e medial da pálpebra inferior direita medial; ponteado hemorrágico na região bucal direita distai com 6 cm x 3 cm de maiores eixos; ponteado hemorrágico na região bucal esquerda (inferior), com 7 cm de maior eixo transversal e 4 cm de maior eixo longitudinal; equimoses arroxeadas na metade esquerda dos lábios superior e inferior, a maior no lábio inferior com 3 cm x 2 cm de maiores eixos com escoriação com sangue coagulado no lábio inferior com 8 mm x 5 mm de maiores eixos;

o No tórax: escoriação linear no quadrante supero-medial da região mamária esquerda com 8 mm de comprimento, rodeada de equimose arroxeada/esverdeada com 2 cm x 1 cm de maiores eixos;

o Nos membros superiores: sinais de picadas, tais como os que são próprios da punção de vasos, na flexura entre o braço e antebraço direitos, no antebraço esquerdo, no dorso da mão esquerda, recobertos por gaze a algodão, e, no punho direito, ligeiras alterações tróficas dos antebraços e mãos; equimose arroxeada/esverdeada no terço médio da região braquial (transição da face anterior e posterior), com 5 mm de diâmetro; escoriação com crosta no terço distal da região antebraquial posterior direita lateral com 5 mm de diâmetro; equimose arroxeada/esverdeada nos dois terços proximais da região braquial posterior esquerda com 22 cm de maior eixo longitudinal e 12 cm de maior eixo transversal; equimose arroxeada/esverdeada no terço médio da região antebraquial direita com 2 cm de diâmetro;

o Nos membros inferiores: equimose arroxeada/esverdeada no quadrante supero-medial da região nadegueira direita, com 5 cm x 8 cm de maiores eixos; alterações tróficas das pernas; atrofia muscular na perna esquerda (perímetro = 26 cm, medindo no terço médio da perna esquerda; perímetro = 30,5 cm, medindo no terço médio da perna direita).

19. Em consequência da conduta dos arguidos, (…) sofreu ainda as seguintes lesões (exame ao hábito interno):

o Na cabeça:

i. Nas partes moles: infiltração sanguínea da metade esquerda da região frontal, da região parietal direita e da metade direita da região occipital; duas zonas de infiltração sanguínea da aponevrose do músculo temporal direito: uma na inserção superior e outra na porção distal;

ii. Nos ossos do crânio (abóboda): infiltração sanguínea de sutura parieto-occipital, sem sinais de fratura;

iii. Nas meninges: hematoma subdural coagulado supra-tentorial esquerdo com 15 mm de espessura máxima e 120 gramas de peso, determinando efeito de massa, zonas de hemorragia subaracnoideia fronto-temporo-parietal esquerdas;

iv. No encéfalo: hemisférios cerebrais com apagamento dos sulcos, achatamento das circunvoluções cerebrais e assimetria à esquerda (presença de concavidade fronto-temporo-perietal esquerda);

determinando:

1. Desvio da linha média esquerda para a direita;

2. Apagamento do ventrículo lateral esquerdo e alargamento do ventrículo lateral direito;

3. Herniação subfálcica esquerda de 4-5 mm;

4. Herniação uncal esquerda, sinais de aterosclerose;

5. Algumas placas amarelas nas carótidas internas e com 17 x 6 mm de maiores eixos;

v. No tronco cerebral:

1. Compressão do mesencéfalo da esquerda para a direita;

2. Zonas hemorrágicas mesencefálicas (tegmentum e tectum);

3. Zonas hemorrágicas na ponte (parte basilar e tegmentum, mais acentuado à esquerda),

4. Presença de sangue no 4º ventrículo,

5. Cerebelo com hematoma nos pedúnculos cerebeloso superior e médio esquerdo;

o No pescoço:

i. Nos vasos e nervos: artérias carótidas comuns com manchas e estrias amareladas;

o Na laringe e tranqueia: zonas hemorrágicas infra cordas vocais;

o Na faringe e esófago: infiltração sanguínea dos dois terços proximais retroesofágicos;

o No tórax: na clavícula, costelas e cartilagens esquerdas: fratura pelo arco anterior da 2.ª costela rodeada de infiltração sanguínea;

o No pericárdio e cavidade pericárdica: cavidade pericárdica continha cerca de 20 mililitros de líquido amarelo cíctrico, folhetos lisos e brilhantes;

o No coração (exame externo): com o formato românico, com 14 cm de maior comprimento transversal e 15 cm de maior comprimento longitudinal; sobrecarga adiposa no trajeto das coronárias; epicárdio liso, transparente e brilhante;

o No coração (exame interno): espessura do ventrículo direito igual a 4 mm; espessura do ventrículo esquerdo igual a 15 mm; perímetros de válvula tricúspide igual a 110 mm, da válvula pulmonar igual a 80 mm, da válvula mitral igual a 90 mm, da válvula aórtica igual a 60 mm; miocárdio acastanhado com ligeira invasão de tecido adiposo na parede posterior do ventrículo esquerdo;

o Na artéria aorta: algumas manchas e placas amareladas;

o Na artéria pulmonar: algumas estrias amarelas nos ramos da pulmonar;

o Na traqueia e brônquios: zonas hemorrágicas na carina, espuma de finas bolhas à superfície das mucosas;

o Na pleura parietal e cavidade pleural direita: com vestígios de líquido seroso;

o Na pleura parietal e cavidade pleural esquerda: com vestígios de líquido seroso;

o No pulmão direito e pleura visceral: composto por dois lobos, antracose ligeira e moderada, bolhas enfisematosas no bordo medial, parênquima com edema no lobo superior e congestão ligeira no lobo inferior, sinal de digito-pressão negativo (inexistência de friabilidade pulmonar);

o No pulmão esquerdo e pleura visceral: antracose ligeira a moderada, parênquima com edema acentuado no lobo superior, congestão e edema ligeiros no lobo inferior, sinal da digito-pressão negativo (inexistência de friabilidade pulmonar);

o No abdómen:

i. Paredes: panículo adiposo com 3,5 cm de espessura, infiltração sanguínea do tecido adiposo na metade superior esquerda da região umbilical.

20. As referidas lesões traumáticas meningo-encefálicas foram causa direta, necessária e adequada da morte de AN.

(…)

22. Os arguidos (…), (…) e (…) agiram de modo livre, voluntário e consciente, de forma concertada, em comunhão de esforços e vontades, seguindo o plano que haviam delineado em momento prévio e de comum acordo, sendo a atuação de cada um decisiva para o que pretendiam alcançar.

23. Os arguidos agiram com intenção de se apropriarem e fazerem seus os referidos numerário e bens que se encontravam na posse dos ofendidos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que atuavam contra a vontade dos seus legítimos proprietários.

24. Sabiam igualmente os arguidos que apenas lograriam concretizar os seus desígnios mediante violência que utilizaram sobre os ofendidos, nos moldes supra descritos.

25. Bem sabiam ainda que apenas lograriam introduzir-se nas habitações das vítimas se destruíssem as fechaduras das portas e as portas das mesmas, pois as casas encontravam-se fechadas.

26. Sabiam ainda que os ofendidos eram pessoas de muita idade e, como tal, de especial debilidade, tendo os arguidos atuado aproveitando-se dessa situação, pois as vítimas não se podiam defender.

27. Sabiam igualmente os arguidos que as agressões físicas que exerceram sobre AN eram de tal forma graves e violentas que das mesmas poderia resultar a morte da mesma, como resultou.

28. Não obstante tal conhecimento, os arguidos quiseram e agiram da forma supra descrita.

29. Sabiam os arguidos que, ao atarem os pés e as mãos dos ofendidos, os privavam da sua liberdade de movimentos, bem sabendo que, antes e enquanto os atavam, os agrediam fisicamente, torturando-os e exercendo sobre estes tratamento cruel e desumano.

30. Sabiam os arguidos que as vítimas eram pessoas especialmente vulneráveis e indefesas em razão da idade.

31. Não obstante tal conhecimento, os arguidos quiseram e agiram da forma supra descrita.

32. Sabiam os arguidos que (…) era pessoa particularmente indefesa, atenta a sua idade avançada, que a torturavam e exerciam atos de forte crueldade sobre a mesma para aumentar o seu sofrimento.

33. Não obstante tal conhecimento, os arguidos quiseram e agiram da forma supra descrita.

34. Os arguidos quiseram praticar os fatos supra descritos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

(…)

3. 4. Qualificação jurídico-penal

Na decisão instrutória foi apreciada uma questão jurídica pertinente de eventual concurso entre o crime de homicídio qualificado e o crime de roubo agravado pelo resultado morte na pessoa de (…), imputados na acusação, decidindo o arquivamento dos autos quanto ao crime de homicídio qualificado e pronunciando, apenas, pelo crime de roubo agravado pelo resultado morte. Qualificação esta que foi mantida no acórdão recorrido que não suscita qualquer reparo.

Permanece a questão da verificação dos pressupostos dos crimes de sequestro e da relação de concurso efetivo ou aparente com os crimes de roubo.

Pratica o crime de roubo, nos termos do disposto no artigo 210º, nº1 do Código Penal “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.”

Trata-se de um crime complexo, protegendo simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, mas apresenta-se juridicamente uno, integrando na sua estrutura vários factos que constituem em si mesmos crimes. Encerra no seu tipo fundamental, fundidos em unidade jurídica, o furto (que constitui o crime fim), o constrangimento ilegal e a lesão corporal leve, que por sua vez é absorvida pelo constrangimento ilegal, dentro dos chamados crimes famulativos – cfr. Leal Henriques, Simas Santos, C. Penal Anotado, 2ª ed., II vol., 495, citando Nelson Hungria.

   A violência tanto pode ser física como moral. A simples ameaça de violência moral é igualmente relevante para efeitos deste artigo. Trata-se de uma ameaça que procura criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, injusto ou justo, capaz de, no caso concreto, paralisar a ação contra o agente. A eficácia virtual da ameaça, terá que ser aferida tendo em conta a psicologia média de indivíduos do mesmo meio e da mesma condição do sujeito passivo. Devendo ser avaliada de acordo com a teoria da causalidade adequada, ou, na definição de Teresa Beleza, Lições de Direito Penal policopiadas, 144: há que imaginar uma pessoa média, colocada nas circunstâncias concretas em que o facto é praticado, perguntando se, nessas circunstâncias concretas, era previsível que da conduta do agente derivasse aquele resultado.
O crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo LO, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluri-ofensivo, em que os valores jurídicos em apreço são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – e sobretudo de ordem eminentemente pessoal – direito à liberdade individual de decisão e ação, à própria liberdade de movimentos, à segurança, à saúde, à integridade física e mesmo à própria vida alheia – cf. Acs. do STJ de 18-05-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 185, de 24-05-2006, Proc. n.º 1049/06 - 3.ª, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06 - 3.ª, e de 24-01-2007, Proc. n.º 4066/06 - 3.ª.)

A ameaça pode consistir também numa violência psíquica que terá de específico o facto de constranger através da provocação de medo, inquietação, insegurança, de forma a afetar a liberdade de decisão e ação do ameaçado. Todavia, no tipo legal de roubo apenas releva a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física. A ameaça de que se trata é grave, capaz, no caso concreto, de paralisar a reação contra o agente.

Por outro lado, pratica o crime de sequestro, nos termos do nº1 do art. 158º do CP “Quem detiver, prender, mantiver presa, ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade (…)”.

Constitui um crime de dano, quanto à lesão do em jurídico, e de resultado quanto ao objeto da ação. Aplicando-se a teoria da adequação ou da causalidade adequada entre à ação típica e o resultado.

O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de movimentos da pessoa, no sentido da liberdade de deslocação de um lado para outro, atual ou potencial e de auto e hétero-locomoção – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, ed. U.C., p. 485, em anotação ao art. 159º.

Constitui um crime de execução livre, admitindo “qualquer forma” adequada a privar alguém da liberdade.

No entanto, como formas de realização do mesmo crime, as formas de privação da liberdade de execução livre, não tipificadas no preceito, devem conter, em termos de adequação social, a mesma dignidade ou densidade axiológica das formas de privação da liberdade típicas enunciadas no preceito – “deter, prender, manter presa”.

Seja qual for o meio de privação da liberdade, esta privação deve ser absoluta. “O tipo objetivo do crime de sequestro consistirá, assim, na privação absoluta da liberdade de movimentação da pessoa. Não basta que a liberdade de locomoção da vítima seja dificultada. Havendo alternativa razoável que permita à vítima a deslocação, não se verifica o crime” – cfr. Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 486.

No que toca ao critério sobre a unidade ou pluralidade de crimes, estabelece o artigo 30º do Código Penal:

1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

Com tal redação, introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09, o nº3 do art. 30º consagrou a redação aprovada na Comissão Revisora do C. Penal, em sessão de 08.02.1964 (que não tinha sido reproduzia na versão originária do C. Penal, por se entender ser desnecessária): O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados conta bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma pessoa.  

No entanto a Lei 40/2010 de 03.09, voltou a eliminar a expressão “salvo tratando-se da mesma pessoaque havia sido aditada em 2007, consagrando, de novo a redação inicial.  

Como ensina EDUARDO CORREIA (Direito Criminal, II vol., 202) quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários atos.

O conceito de ação aceite pelo C. Penal como critério para distinguir entre unidade e pluralidade de infrações é o conceito normativo de ação: não um conceito naturalístico, mas antes o conceito teleológico, reportado aos valores jurídicos violados – cfr. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, pp. 74 e 84.

Consagra-se não o conceito naturalístico da ação, mas o chamado critério teleológico, reportado aos bens jurídicos/valores violados, em que, para distinguir entre unidade e pluralidade de infrações, releva o número de tipos legais de crime efetivamente preenchido pela conduta do agente ou o número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime.

Existe concurso efetivo de crime nos casos de concurso real e de concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo) de infrações.

O comando formulado no nº 1 sofre, porém, duas importantes restrições: os casos do concurso aparente e de crime continuado.

No concurso aparente, apenas formalmente existe a violação de múltiplos preceitos incriminadores ou a violação múltipla do mesmo preceito.

O concurso aparente de crimes constitui uma questão de qualificação jurídica e não fáctica, suscitando-se fundamentalmente quando uma única ação é suscetível de integrar mais que um tipo de crime que proteja, nuclearmente, o mesmo bem jurídico. A violação de vários preceitos é apenas aparente e não real ou efetiva, na medida em que, formalmente são violados vários preceitos, mas, numa interpretação criteriosa dos preceitos legais concorrentes, apenas uma delas tem cabimento, por, de uma forma completa, redonda, esgotar toda a ilicitude do facto/ação. A relação de especialidade e consumpção é jurídica e não fáctica – a mesma ação está prevista em dois tipos distintos de crime, sendo que um deles abrange de forma completa “todos” os elementos do crime concorrente ou apenas lhe acrescenta um grau “superior” de ilicitude. Daí que, punindo o mais, engloba/consome o menos que naquele está contido.

Os casos típicos de concurso aparente são aqueles em que existe uma relação de especialidade ou de consumpção entre os tipos de crime concorrentes, suscetíveis de, em abstrato, serem preenchidos pela ação, em que a infração mais grave engloba ou “consome” a menos grave, reproduzindo, teleologicamente, todos os elementos da menos grave.

O concurso aparente fica, porém, afastado quando a disposição legal violada protege bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, que não se podem desligar da personalidade e apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir – cfr. EDUARDO CORREIA, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, p. 123.  Em tal caso, os tipos legais desdobram-se em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a proteção da lei – EDUARDO CORREIA, Unidade e Pluralidade, cit., p. 123.

A tipificação do crime de sequestro insere-se no Capítulo IV “Dos crimes contra a liberdade pessoal” que prevê outros crimes contra o mesmo bem jurídico.

Daí que a distinção, em concreto, entre vários crimes que protegem, em diferentes níveis a mesma “liberdade pessoal”, designadamente para efeito de concurso de crimes, suscite dificuldades na medida em que possa afrontar o princípio ne bis in iden ou da proibição da dupla valoração do mesmo facto.

Está subjacente uma certa tensão entre o interesse na salvaguarda da liberdade de decisão e de ação protegida, em diferentes níveis, pelos múltiplos tipos de crime previstos no mesmo capítulo.

Como antecipado supra, o crime de sequestro protege a privação absoluta da liberdade de deslocação para qualquer local, exercício do jus ambulandi enquanto tal.

Por sua vez no crime de roubo, a violência/constrangimento da liberdade constitui o processo causal adequado ao resultado da apropriação de bens alheios. Pelo que esgota a proteção ou consume a privação da liberdade inerente ao crime de sequestro quando a privação da liberdade da vítima se cinge ao necessário à consumação do roubo.

Quando o agente apenas visa garantir a realização de crime de roubo e a privação da liberdade de movimentos da vítima não ultrapassa a medida associada causalmente à ação típica do roubo, haverá uma relação de concurso aparente entre o crime-meio (sequestro) e o crime-fim (roubo).

O crime de roubo consome o de sequestro quando e enquanto este serve de meio adequado à prática daquele. Quando a privação da liberdade ambulatória da vítima ultrapassa a medida necessária à efetiva apropriação dos bens, há que concluir pela existência de concurso real entre os crimes de roubo e sequestro - cfr. acórdão do TRP de 13.12.2010, proferido no processo n.º 703/08.1 JAPRT, acessível em www.dgsi.pt. Em conformidade, aliás, com a jurisprudência consolidada do STJ sobre o tema, amplamente referenciada na anotação 24 do Comentário ao C. Penal de Pinto de Albuquerque, ed. UC., p. 488.

Se a privação da liberdade ultrapassar a medida necessária e adequada à consumação do roubo, existirá uma relação de concurso efetivo. No pressuposto de que se verificam ainda os elementos do tipo subjetivo doloso. 

Com efeito, aos elementos do tipo objetivos dos crimes acrescem os pressupostos da imputação subjetiva, dolosa.

O dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo - intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível, nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - direto, necessário e eventual). A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, Ano 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.

A distinção do elemento intelectual reveste especial interesse nas duas formas menos intensas de dolo (necessário e eventual) em que o resultado típico não emerge como consequência imediata ou direta da ação, mas apenas como sua consequência mediata - necessária ou provável.

O mesmo pode dizer-se quando a mesma ação pode reportar-se a diferentes modos de violação do mesmo bem jurídico – como sucede com a liberdade da vítima, cerceada tanto no crime de roubo como no crime de sequestro. De onde que também aqui a representação e a vontade do agente constituirão critério decisivo na imputação de um ou múltiplos crimes.

Radicando o crime de roubo na subtração de bens alheios mediante violência, a privação da liberdade de movimentos ou deambulação típica do crime de sequestro não se inscreve, como tal, no núcleo de bens jurídicos protegidos.

Em contrapartida a privação da liberdade apenas poderá integrar a violência do crime de roubo quando se limita ou confunde com a ação causal e vontade do agente inerentes ao crime de roubo, como meio e pelo tempo estritamente necessário à consumação da subtração dos bens.

Estabelecidos os critérios, cumpre proceder à sua aplicação ao caso dos autos.

Compulsando a matéria de facto provada suscetível de preencher os elementos dos crimes de sequestro, em relação aos 4 ofendidos naqueles crimes, verifica-se que:

a) – Ofendido (…)

Resulta provado que “os arguidos (…), (…) e (…) manietaram as mãos e pés de (…), colocando-lhe a cabeça no meio das pernas para que não se pudesse mover”.

Existe assim, uma descrição, objetiva, da privação da liberdade de movimentos, de deambulação, absoluta, de se movimentar de um lugar para outro, elemento nuclear do tipo objetivo de sequestro. Com efeito além de uma atípica e desnecessária para a consumação do roubo, o ofendido não podia movimentar-se fosse como fosse, muito menos de um lugar para outro. Verificou-se uma privação absoluta (atado de pés e mãos) da capacidade de deambulação,

Por outro lado, resulta da matéria provada, ainda, que tal atuação foi levada a cabo “para que não se pudesse mover”. O mesmo é dizer, o elemento objetivo encontra-se coberto pelo elemento subjetivo do dolo direto.

Acresce que os arguidos abandonaram o lugar deixando-o naquele estado, de mãos e pés atados. Sendo certo, até, que a mulher, no estado lastimável em que foi deixada (veio a falecer por efeito das lesões sofridas) não era de esperar que pudesse libertá-lo em tempo razoável. O que, ainda que pudesse acontecer não inviabiliza que tenha, efetivamente, estado privado, em absoluto, da faculdade de se mover ou movimentar, de forma irrelevante para o crime de roubo, desde que assim foi colocado e até ela conseguir libertá-lo.

Em conclusão, em relação ao ofendido (…), verificam-se todos os pressupostos do tipo objetivo, bem como do tipo subjetivo – dolo direto – do crime de sequestro, em concurso efetivo com o crime de roubo.

b) - Ofendida (…)

Resulta provado, apenas, que os arguidos lhe “ataram as mãos com um lenço”.

Não resulta da matéria provada, em relação a (…) (ao contrário do que sucedeu com o marido), que os arguidos lhe tivessem atado os pés, ou que da atuação dos arguidos tivesse resultado a total privação ou uma privação absoluta da faculdade de se movimentar ou deambular de um lado para outro, designadamente a pé.

Pelo contrário, em sentido oposto, resulta da matéria provada que foi ela quem, ainda que no limite das suas forças, foi socorrer o marido. O que aponta no mesmo sentido de que não ficou impossibilitada de deambular de um lado para o outro.

Acresce, em relação ao elemento subjetivo, que, também ao contrário do que sucedeu com o marido, (…) (em relação ao qual resulta provado que os arguidos atuaram “para que não se pudesse mover”), não resulta da matéria provada que tivesse existido um móbil ou uma atuação consciente dos arguidos dirigida no sentido de privá-la da liberdade de deambulação enquanto tal.

O constrangimento da liberdade de (…) fica, assim, aquém do nível de privação absoluta da liberdade de movimentos ou deambulação, mantendo-se dentro do âmbito da proteção do crime do crime de roubo.

Conclui-se, pois, que a matéria de facto provada em relação à vítima (…) não preenche, autonomamente, os elementos do tipo objetivo nem do tipo subjetivo do crime de sequestro imputado aos arguidos. 

 

c) Ofendido (…)

Resulta provado apenas que “manietaram (…) que se encontrava a dormir, com um cinto de robe, amordaçaram-no com fita adesiva à volta de toda a face”.

Não resulta da matéria provada que tenha existido privação ou absoluta impossibilidade de deambulação ou de o ofendido se poder levantar da cama e mudar-se para outro lugar dentro de casa, designadamente que tenha sido atado de mãos e pés [ao contrário do que sucedeu no caso de ML].

Aliás, admitindo uma situação de dúvida sobre se o “manietar” abrange os pés ou somente as mãos (manietar deriva de mãos) sempre seria de aceitar a perspetiva fáctica favorável ao arguido, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, vigente na apreciação da matéria de facto.

Acresce, em relação à imputação subjetiva, que não resulta da matéria provada que através da atuação descrita os arguidos tenham representado ou querido privar (…) da sua liberdade de movimentos ou deambulação. Ou, como sucede no caso de (…), “para que não se pudesse mover”.

Assim, além de não resultar provada uma privação absoluta da faculdade de deambulação, não resulta tão-pouco provado qualquer intuito ou vontade, para além obrigá-lo a entregar os bens valiosos que os arguidos procuravam para deles se apropriar.  

Conclui-se, pois, também aqui, que a matéria de facto provada em relação à vítima (…) não preenche os elementos do tipo objetivo e do tipo subjetivo do crime de sequestro imputado aos arguidos, mantendo-se a violência utilizada dentro do âmbito da proteção do crime de roubo agravado.

d) Ofendida AR

Resulta provado, apenas, que o arguido (…) e outros dois indivíduos não identificados “com uma mangas de camisa ataram as mãos de (…) e desfeririam murros (…)”.

Também aqui não resulta da matéria provada que tenha havido uma privação absoluta da liberdade de movimentos ou de deambulação, designadamente que lhe tenham sido atados os pés, ou uma atuação dos arguidos dirigida no sentido de privá-la da liberdade de se movimentar de um lugar para outro.

Tão-pouco resulta da matéria provada que através da atuação descrita tenham os arguidos representado ou querido privá-la da liberdade de deambulação (como no caso de (…) em que resulta provado que foi atado de pés e mãos “para que não se pudesse mover”).

Assim, também aqui, a matéria de facto provada em relação à vítima (…) não preenche os elementos do tipo objetivo nem do tipo subjetivo do crime de sequestro imputado aos arguidos, relevando a privação da liberdade no âmbito do crime de roubo.

Em função da apreciação acabada de efetuar, impõe-se a absolvição:

- dos três arguidos, da prática, em coautoria, do crime de sequestro agravado na pessoa da ofendida (…);

- do arguido JM , dos dois crimes de sequestro agravado, nas pessoas de (…) e mulher (…).

Crimes de roubo agravado

Resulta provado a este respeito que os arguidos penetraram na casa de habitação de pessoas idosas, fragilizadas e indefesas, e, mediante os atos de violência física, apropriaram-se de bens alheios, a saber:

- ofendida (…) (crime agravado pelo resultado morte, além das circunstâncias especial debilidade da vítima e penetração em habitação); e – ofendido (…) (crime agravado pelas circunstâncias especial debilidade das vítimas e penetração em habitação – crimes praticados pelos 3 arguidos, em coautoria.

- ofendidos (…) e mulher (…) – crimes agravados pelas circunstâncias especial debilidade das vítimas e penetração em habitação - provados apenas em relação ao arguido (…);

Com efeito, com inusitada violência, contra dois casais de idosos, sozinhos, de noite, penetrando nas suas habitações, pessoas visivelmente fragilizadas e debilitadas pela idade, apropriaram-se dos bens valiosos que eles tinham guardados, que levaram consigo.

Pelo que, não tendo sido rebatidos os demais fundamentos jurídicos da decisão recorrida neste âmbito, não sofre dúvida a verificação de todos os pressupostos dos crimes de roubo agravados pelos quais os arguidos foram condenados no acórdão recorrido. 

(…)


***

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se:

(…)

2. Conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos FM, JM e AM e assim:

- Absolver aqueles três arguidos - FM, JM e AM - da prática, em coautoria material, do crime de sequestro agravado na pessoa da ofendida (…);

- Absolver ainda o arguido (…) dos dois crimes de sequestro agravados em que são ofendidos (…) e mulher (…);

3. Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos em tudo o mais não previsto no nº anterior, mantendo-se as condenações pela prática dos restantes crimes nas penas parcelares impostas pelo acórdão recorrido.

4. Proceder à reformulação dos cúmulos jurídicos (dele retirando as penas impostas pelos crimes de sequestro agravados dos quais os arguidos vão absolvidos – cfr. ponto 2, supra), condenando:

- o arguido FM, em cúmulo jurídico das penas aplicada no acórdão recorrido pelos crimes remanescentes [- roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referência aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP (ofendido ML, inq. 437/18.9JACBR); - roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal (inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida AN); - crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP (ofendido ML)]: - na pena única de 13 (treze) anos de prisão. ----

- o arguido AM, em cúmulo jurídico das penas impostas no acórdão recorrido pelos crimes remanescentes [ - crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referencia aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP  (inq 437/18.9JACBR- ofendido ML); - crime de roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal (inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida AN); - crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP (inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendido ML)] - na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão. ---

- o arguido JM, em cúmulo jurídico das penas impostas no acórdão recorrido pelos crimes remanescentes [- crime de roubo agravado p e p e pelo art. 210 nº 1 e 2, al. b) por referencia aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP (Inq. 397/18.6JALRA, ofendido ….); - crime de roubo agravado p e p e pelo artº 210 nº 1 e 2, al. b) por referência aos arts 202 al d) e 204 nº 1, al d) e nº 2 al e), todos do CP (Inq. 397/18.6JALRA - ofendida ….); - crime de roubo agravado p e p pelos arts 210 nºs 1 e 2 al b) por referência ao disposto nos arts 202 al d) e 204 nº 1 al d) e nº 2 al e) todos do CP (inq. 437/18.9JACBR- ofendido …) - crime de roubo agravado em função do resultado morte, p e p pelos arts 210 nº1 e 2 al b) e nº 3, por referência ao disposto nos artigos 202 al. d) e 204 nº 1 al d) nº 2 al e) todos do Código Penal (inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendida ….); - crime de sequestro agravado p e p. pelo art 158, nº 1 e nº 2 b) e e) do CP (inquérito nº 437/18.9JACBR- ofendido ….)]: - na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão. ----

Sem tributação (o MºPº está isento e parcial provimento dos recursos interpostos pelos arguidos).

Coimbra, 09 de dezembro 2020

Acórdão elaborado em processador de texto, revisto e assinado eletronicamente.

Belmiro Andrade (relator)

Luís Ramos (adjunto)