Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
499/11.0TBLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
Data do Acordão: 09/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 21º A 31º DO DEC.LEI Nº 231/81, DE 28/07.
Sumário: I – O contrato de associação em participação, cujo regime jurídico se encontra actualmente definido nos artºs 21º a 31º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07, traduz-se em o associante dever prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação ( nº 1) e na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (nº 4).

II - Três são os elementos - de conformidade com a noção do art. 21º do Decreto-Lei nº 231/81 - que nos permitem caracterizar a associação em participação: a actividade económica de uma pessoa, participação de outra pessoa nos lucros e, não sendo dispensado, nas perdas daquela actividade, e a estrutura associativa.

III - A associação em participação (contrato assim designado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, que revogou os artigos 224.º a 227.º do Código Comercial que o nominava de conta em participação) caracteriza-se pela associação de uma pessoa (sócio oculto) a uma actividade económica exercida por outra (sócio ostensivo) participando nos lucros (ou, também, nas perdas) resultantes daquele exercício, prestando, ou obrigando-se a prestar, uma contribuição de natureza patrimonial.

IV – Integra contrato de associação em participação o acordo mediante o qual a A. se associou à actividade económica exercida pela R., ficando, como contrapartida da transmissão para esta do direito à realização das obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e execução de arruamentos de determinados loteamentos, a participar, na proporção acordada, nos lucros resultantes da actividade que a feitura daquelas obras importasse;

V – De acordo com o nº 4 do artº 31º do diploma citado, na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014º e seguintes do Código de Processo Civil (artº 31º, nº 4).

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO

B…, LDA., pessoa colectiva n.º …, com sede …, intentou acção especial de prestação de contas contra A…, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede ...

Alegou, em síntese, que lhe foram adjudicadas três empreitadas, a executar na Nazaré, denominadas “Urbanização N…”, “Urbanização P…” e “Urbanização C…”, nas quais caberia à Autora a execução de obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e arruamentos.

Não tendo a Autora capacidade de executá-las, ajustou com a Ré realizá-las esta, com o assentimento dos donos das obras, ficando um representante da Autora a dirigi-las juntamente com o pessoal ao serviço da Ré, nos termos seguintes: a Ré pagaria à Autora uma comissão de cinco por cento sobre o valor global das empreitadas “Urbanização P…” e “Urbanização C…”, e de três por cento sobre o valor global da empreitada “Urbanização N…”; a Ré facturaria directamente aos donos da obra e, com a emissão de cada factura, deveria emitir também à Autora uma nota de crédito, na proporção ajustada.

Em Junho de 1999 a Ré entregou à autora um auto de medição relativo à obra da “Urbanização N…” com a epígrafe “Trabalhos de Acompanhamento Técnico”, onde referia ter já executado trabalhos no valor de 44.898.066 escudos, ali constando que “ao valor de referência aplicar o índice acordado entre as partes, para o efeito de pagamento da factura de serviços técnicos na obra “Urbanização N…”.

Por sua vez, em 16 de Junho de 1999 a Autora emitiu a factura respectiva, com o n.º 21, no montante de 1.575.922$00 (7.860,67 euros), correspondente à percentagem de 3% sobre os trabalhos já realizados e, logo de seguida, o respectivo recibo, tendo a Ré lançado aquele valor nas suas contas.

Após esse “encontro de contas”, a Ré não mais forneceu à Autora quaisquer elementos relativos à facturação nas obras em causa.

Ao que a Autora sabe, na obra “Urbanização N…”, a Ré facturou ao dono da obra 798.349,73 euros (excluindo IVA), tendo a pagar à Autora 23.950,49 euros; na obra “Urbanização C…”, facturou 848.927,41 euros (excluindo IVA), tendo a pagar à Autora 42.446,37 euros; na obra “Urbanização P…”, facturou 1.316.848,72 euros (excluindo IVA), tendo a pagar à Autora 65.842,22 euros.

Tudo num total de 132.239,30 euros, ao que, deduzindo 1.575.922$00 (7.860,67 euros), se encontra um total a pagar à Autora de 124.378,63 euros.

A Ré concluiu aquelas empreitadas no ano de 2001.

O acordo celebrado entre as partes consubstancia uma associação em participação, havendo obrigação de prestação de contas por parte da Ré.

A R. contestou alegando, em resumo, que no final de Fevereiro de 2001 a Autora lhe devia a quantia 69.949,50 euros, por conta de serviços da sua especialidade prestados por aquela a esta e não pagos.

Por sua vez, a Autora também forneceu à Ré serviços da sua especialidade, que foram pagos por esta, correspondendo ao valor de 1.575.922$00 referido na petição inicial.

Em Março de 2004, a ora Ré intentou contra a aqui Autora uma acção ordinária para cobrança do dito valor de 69.949,50 euros, a qual correu na 3.ª Secção da 7.ª Vara Cível de Lisboa, com o número ...

Na contestação que a ora Autora apresentou na dita acção, confessou a dívida, e deduziu reconvenção, no sentido de lhe ser reconhecido o direito de crédito no valor de 73.000,00 euros, referente à sua comissão no acompanhamento da execução das obras de infra-estruturas das urbanizações "N…", "P…" e "C…", todas na Nazaré.

Produzida a prova, considerou o Tribunal, no âmbito da mencionada acção ordinária, que não foi demonstrada a existência de qualquer acordo entre as partes, nos termos do qual se estabeleceu que a ora Ré pagaria à aqui Autora aquela quantia, pelo que a aqui Autora foi condenada a pagar à ora Ré a quantia de 62.088,84 (sessenta e dois mil e oitenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros, sendo o pedido reconvencional julgado totalmente improcedente.

Concluiu pela verificação da excepção do caso julgado.

Subsidiariamente, sustentou não ter obrigação de prestar contas, por o acordo descrito – e que impugnou – não consubstanciar associação em participação.

Terminou pedindo a condenação da Autora como litigante de má fé.

                A A. respondeu, sustentando a diversidade da causa de pedir, pelo que não se verificaria a excepção do caso julgado e pugnando pela verificação da obrigação de prestar contas, bem como pela não verificação da litigância de má fé, pedindo outrossim a condenação da Ré a este título.

Em sede de saneamento foi proferida decisão julgando procedente a excepção de caso julgado e absolvendo a R. da instância.

Inconformada, a A. recorreu, tendo a decisão recorrida sido revogada pelo acórdão desta Relação de 2013/03/12.

Os autos prosseguiram os seus termos na 1ª instância e, produzidas as provas necessárias, foi, em 03/02/2014, proferida a decisão de fls. 177 a 196, cujo dispositivo se transcreve:

“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente, e, em consequência:

- Condena-se a Ré a apresentar à Autora, no prazo de 20 dias, as contas referentes às empreitadas “Urbanização N…”, “Urbanização C…” e “Urbanização P…”, nos montantes (percentagens) ajustados com a segunda, tendo em consideração os valores totais facturados que constam em 17, 18 e 19 dos factos provados (descontando o montante já facturado, mencionado em 15), acrescidos todos os montantes dos respectivos juros de mora, contados a partir de 01 de Setembro de 2001, de acordo com as taxas legais aplicáveis às obrigações comerciais, sob pena de, não o fazendo, no sobredito prazo, não poder contestar aquelas que a Autora venha a apresentar”.

A R., cuja denominação social foi entretanto alterada para O…, S. A., interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

A apelada respondeu, pugnando pela manutenção do julgado.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

Tendo em consideração que:

                - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 635º, nº 4, 637º, nº 2 e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil aplicável[1]);

                - Nos recursos se apreciam questões e não razões;

                - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

                à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as seguintes questões:

                a) Qualificação do contrato celebrado pelas partes;

                b) Obrigação de prestar contas;

                c) Inclusão dos juros nas contas a prestar.

                2. FUNDAMENTAÇÃO

                2.1. De facto

                A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão são as que decorrem do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido, e ainda o seguinte:

1) A autora dedica-se à actividade de construção civil (acordo);

2) A ré dedica-se à actividade de construção civil, obras públicas, aluguer de equipamento e compra de imóveis para revenda;

3) A ré foi constituída em 21.05.1997, correspondendo-lhe o nº de matrícula …, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o capital inicial de Esc. 2.500.000$00, dividido por duas quotas, uma no valor de Esc. 2.400.000$00 pertença da sócia M…, e outra no valor de Esc. 100.000$00 pertencente ao sócio D…, nela constando como tendo a sua sede social na Rua …, e obrigando-se perante terceiros com a assinatura de qualquer dos referidos sócios, ambos denominados gerentes;

4) Em 19.05.2000 foi registada (Aps. 25 e 26), na matrícula da sociedade ré, a transmissão (por cessão) das quotas de Esc. 20.000$00 e Esc. 80.000$00 (resultantes da divisão da quota de Esc. 100.000$00) pertencentes a D… a favor de M…, a primeira, e da própria sociedade, a segunda, bem como (Ap. 27) a cessação de funções de gerente do D…, por renúncia ocorrida em 08.08.2000, e ainda (Ap. 29) a alteração parcial do contrato de sociedade com reforço do capital no montante de Esc. 47.500.000$00, em dinheiro e subscrito pela sócia M…, ficando o capital (agora no valor de Esc. 50.000.000$00) dividido por duas quotas, uma de Esc. 49.920.000$00 pertencente à referida sócia, e outra no valor de Esc. 80.000$00 pertencente à própria sociedade;

5) Em 30.01.2002 foi registado (Ap. 22), na matrícula da sociedade ré, o reforço de capital no montante de Esc. 120.500$00 por incorporação de reservas, passando a ser de € 250.000,00, sendo a quota da sócia M… no valor de € 249.600,00 e a quota da própria sociedade no valor de € 400,00;

6) Em 18.11.2002 foi registado (Ap. 44), na matrícula da sociedade ré, novo reforço de capital (para € 1.000.000,00), a sua transformação em sociedade anónima (sendo o capital representado por 1.000.000 de acções, nominativas ou ao portador, no valor nominal de € 1,00 cada), bem como a designação do Conselho de Administração (a quem incumbe a administração por mandatos de 4 anos) e do Fiscal Único, incumbindo a administração, para o triénio 2002/2005, à Presidente do CA, M…, cujo cargo se manteve nos triénios 2006/2009 (Ap. 27/220060712) e 2010/2013 (Ap. 22/20100920);

7) Pela Ap. 6/20120120 foi registada a alteração da sede da sociedade ré para …; e pela Ap. 138/20120420 foi registada a alteração da denominação da sociedade ré para “O… SA;

8) A ré tem o seu principal centro de actividades em Monte Redondo, Leiria, freguesia da qual é natural o seu ex-sócio e gerente D…, sendo este que, pelo menos até ao ano de 2001, negociava e dirigia a execução de todas as obras, e, em geral, definia os negócios em que a mesma participava, sendo considerado por todos aqueles com quem negociava como representante da ré;

9) Por sentença datada de 20.10.2004, proferida no processo nº …, foi declarada a insolvência de D…;

10) Nos anos de 1998/1999, a autora foi incumbida de executar as obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e execução de arruamentos dos loteamentos sitos na Nazaré, denominados “Urbanização N…”, “Urbanização P…” e “Urbanização C…”;

11) Em 1999, por conversa entre os legais representantes da autora e ré, A… e D…, a primeira ajustou com a segunda que esta procederia à execução dos trabalhos relativos aos mencionados loteamentos, nos termos em que foi incumbida pelos respectivos donos, e com o assentimento destes (que eram os Srs. … – do loteamento “…”; … sob a condição de ser o legal representante da autora a dirigi-las juntamente com o pessoal ao serviço da ré, e nos seguintes termos: a ré pagaria à autora uma comissão de 5% sobre o valor global das empreitadas nos loteamentos …; a ré facturaria directamente aos donos da obra e, com a emissão de cada factura, deveria emitir à autora uma nota de crédito, na proporção ajustada;

12) Na ocasião do ajuste referido em 11), o legal representante da ré redigiu, pelo seu punho, uma declaração, que assinou, datada de 14.10.1999, também assinada pelo legal representante da autora, com o seguinte teor: “acertei com o A… sobre o valor da facturação dos dois loteamentos, …

13) A ré deu início às obras de realização das infra-estruturas nos três loteamentos, nos termos combinados, que foram sendo executados (até ao final) sob a orientação e coordenação do legal representante da autora, sendo perante ele que os donos das obras faziam algumas reclamações sobre o andamento ou a execução dos trabalhos;

14) Em Junho de 1999 a ré entregou à autora um auto de medição, designado nº 1, relativo à obra do Pinhal … (“Urbanização N…”) com a epígrafe “Trabalhos de Acompanhamento Técnico”, onde referia ter já executado trabalhos no valor de Esc. 44.898.066$00, ali constando «ao valor de referência aplicar o índice acordado entre as partes, para o efeito de pagamento da factura de serviços técnicos na obra ‘Urbanização N…’»;

15) Em 16 de Junho de 1999, a autora emitiu a factura respectiva, com o nº 21, no montante de Esc. 1.575.922$00 (€ 7.860,67), correspondente à percentagem de 3% sobre os trabalhos já realizados e, logo de seguida, o respectivo recibo, tendo a ré lançado aquele valor nas suas contas (com a nota de lançamento com o nº 380), procedendo ao respectivo acerto com a autora;

16) Após tal acerto, no indicado valor, a ré deixou de fornecer à autora quaisquer elementos relativos à facturação obtida nas mencionadas obras;

17) Na obra denominada “Urbanização N…” a ré facturou ao respectivo dono o montante de € 798.349,73 (sem IVA) – correspondendo 3% ao valor de € 23.950,49;

18) Na obra denominada “Urbanização C…” a ré facturou ao respectivo dono o montante de € 848.927,41 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 42.446,37;

19) Na obra “Urbanização P…” a ré facturou ao respectivo dono € 1.316.848,72 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 65.842,22;

20) A ré concluiu os trabalhos referentes aos loteamentos no ano de 2001 (em Janeiro de 2001 a “N…”; em Junho de 2001 a “C…” e em Agosto de 2001 a “P…”).

                2.2. De direito

                2.2.1. Qualificação do contrato celebrado pelas partes

                Concluiu-se na sentença sob recurso que, em face da factualidade provada, entre a A. e a R. foi assumido um compromisso verbal, no ano de 1999, juridicamente qualificável como contrato de associação em participação, cujo regime jurídico se encontra actualmente definido nos artºs 21º a 31º do Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07. E, dispondo o artº 31º do mencionado diploma legal que “o associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação” ( nº 1) e que “na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil” (nº 4), decidiu-se condenação da R. a apresentar contas à A.

A recorrente discorda, sustentando que “a relação contratual celebrada entre a Autora e a Ré não contém manifestamente os elementos essenciais de um contrato de associação em participação, por um lado, porque a Autora não se associou à actividade económica exercida pela Ré, e, por outro lado, não se vislumbra no negócio celebrado entre as partes qualquer entendimento no sentido da Autora participar nos lucros que a Ré viesse a obter com a execução dos trabalhos prestados no âmbito das obras nos loteamentos em causa” [conclusão c)] e que “o negócio celebrado entre a Ré e a Autora, tendo em conta a matéria dada como assente, e a vontade hipotética que resulta da aplicação do artº 236º, nº 1 do Código Civil, pode-se subsumir a um contrato atípico, no qual a Autora, a quem foram entregues as diversas obras pelos respectivos donos, e responsável pelas mesmas perante estes até final, cede a respectiva execução à Ré, mediante o pagamento por esta de uma comissão fixa e pré-definida” [conclusão d)].

                Vejamos, pois, se à recorrente assiste ou não razão.

                A figura da associação em participação tem já uma longa tradição entre nós, tendo sido inicialmente regulada pelo Código Ferreira Borges como sociedade (nos artigos 571.º a 576.º), sob a designação “associação em conta de participação” (também designada de sociedade “momentânea e anónima”), e posteriormente pelo Código Veiga Beirão, que previa a “conta em participação” (nos artigos 224.º a 227.º, normas que foram revogadas pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho)[2].

                Actualmente, como na sentença recorrida se refere, o contrato em questão – associação em participação – encontra-se regulado no Decreto-Lei nº 231/81, de 28/07.

                De acordo com o citado diploma legal, associação em participação é a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda (artº 21º, nº 1); é elemento essencial do contrato a participação nos lucros, podendo a participação nas perdas ser dispensada (artº 21º, nº 2); o contrato não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que o associado contribuir (artº 23º, nº 1), mas só podem ser provadas por escrito a cláusula que exclua a participação do associado nas perdas do negócio e aquela que, quanto a essas perdas estabeleça a responsabilidade ilimitada do associado (artº 23º, nº 2); o associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante (artº 24º, nº 1), podendo, contudo, ser dela dispensado se participar nas perdas (artº 24º, nº 2); o associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação (artº 31º, nº 1); na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (artº 31º, nº 4).

                “Destina-se esta figura jurídica - refere o Prof. Ferrer Correia - a permitir que um comerciante ou industrial possa granjear os capitais de que necessite para as suas operações lucrativas, repartindo com quem lhos cede os riscos do empreendimento e guardando para si a inteira e exclusiva direcção do negócio, sem que fique a caber ao capitalista qualquer direito de intromissão na actividade do associante. Ao capitalista oferece este contrato, em vez da certeza do juro, a perspectiva mais aliciante de um lucro porventura bem maior do que o máximo legal da taxa de juro, embora com a contrapartida da assunção de uma parte do risco do negócio”[3].

                Três são os elementos - de conformidade com a noção do art. 21º do Decreto-Lei nº 231/81 - que nos permitem caracterizar a associação em participação: a actividade económica de uma pessoa, participação de outra pessoa nos lucros e, não sendo dispensado, nas perdas daquela actividade, e a estrutura associativa[4].

A associação em participação (contrato assim designado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, que revogou os artigos 224.º a 227.º do Código Comercial que o nominava de conta em participação) caracteriza-se pela associação de uma pessoa (sócio oculto) a uma actividade económica exercida por outra (sócio ostensivo) participando nos lucros (ou, também, nas perdas) resultantes daquele exercício, prestando, ou obrigando-se a prestar, uma contribuição de natureza patrimonial[5].

“Como ensina Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 410 (citado no Ac. STJ de 09/07/2014 – Proc. 1918/07.5TBACB.C1.S1):

“Relativamente ao objecto da associação em participação, encontramos dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24.°) e a participação nos lucros e perdas (art. 25.°) por parte do associado.

Desde logo, elemento constitutivo da figura contratual é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial assumida pelo associado.

Tal contribuição – que é normal mas não essencial (podendo ser afastada pelos contraentes no caso de o associado participar nas perdas: cfr. art. 24. °, n.º 2) – pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja em dinheiro (a contado ou fiduciário), em espécie (v.g., direitos de propriedade ou usufruto de bens móveis ou imóveis, créditos, assunção de dívidas) ou em serviços (“maxime”, trabalho). Em qualquer caso, sempre que tal prestação consista na constituição ou transmissão de um direito (real ou creditício), o contrato tem por efeito a sua transmissão para o património do associante (art.24.°, n.º l, “in fine”).

Absolutamente nodal, na economia da figura em apreço, é a participação do associado na esfera de risco da empresa do associante, traduzida na sua comunhão nos lucros e perdas”.

“Não nos podemos esquecer que a associação em participação é um «contrato associativo» no qual o associado ou participe irá beneficiar dos lucros (e perdas) da actividade desenvolvida pelo associante ou titular, contribuindo para isso com um determinado apport, onde a existência de um juro remuneratório como contrapartida do investimento feito é elemento estranho à estrutura contratual que o não comporta, cfr Galvão Telles, Conta Em Participação, in O Direito, 89º/5 «(…) O associado apenas adquire o direito de receber do outro contraente a parte dos lucros que lhe competir, além porventura da faculdade de controle da gestão da empresa ou do negócio (faculdade esta que aliás é duvidosa, ou cujos termos são duvidosos, em caso de silêncio do contrato) (…)»”[6].

                Assim delineado, ainda que resumidamente, o regime jurídico do contrato de associação em participação, há que apurar se, face à factualidade assente, foi esse o tipo contratual celebrado pelas partes.

                Está assente que a A. se dedica à actividade de construção civil e a R. se dedica à actividade de construção civil, obras públicas, aluguer de equipamento e compra de imóveis para revenda.

                Nos anos de 1998/1999, a autora foi incumbida de executar as obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e execução de arruamentos dos loteamentos sitos na Nazaré, denominados “Urbanização N…”, “Urbanização P…” e “Urbanização C…”.

Em 1999, por conversa entre os legais representantes da autora e ré, A… e D…, a primeira ajustou com a segunda que esta procederia à execução dos trabalhos relativos aos mencionados loteamentos, nos termos em que foi incumbida pelos respectivos donos, e com o assentimento destes (que eram os Srs. …”), sob a condição de ser o legal representante da autora a dirigi-las juntamente com o pessoal ao serviço da ré, e nos seguintes termos: a ré pagaria à autora uma comissão de 5% sobre o valor global das empreitadas nos loteamentos “P…” e “C…” e de 3% sobre o valor global da empreitada na urbanização “N…”; a ré facturaria directamente aos donos da obra e, com a emissão de cada factura, deveria emitir à autora uma nota de crédito, na proporção ajustada.

A ré deu início às obras de realização das infra-estruturas nos três loteamentos, nos termos combinados, que foram sendo executados (até ao final) sob a orientação e coordenação do legal representante da autora, sendo perante ele que os donos das obras faziam algumas reclamações sobre o andamento ou a execução dos trabalhos.

Em Junho de 1999 a ré entregou à autora um auto de medição, designado nº 1, relativo à obra do Pinhal … (“Urbanização N…”) com a epígrafe “Trabalhos de Acompanhamento Técnico”, onde referia ter já executado trabalhos no valor de Esc. 44.898.066$00, ali constando «ao valor de referência aplicar o índice acordado entre as partes, para o efeito de pagamento da factura de serviços técnicos na obra ‘Urbanização N…’».

Em 16 de Junho de 1999, a autora emitiu a factura respectiva, com o nº 21, no montante de Esc. 1.575.922$00 (€ 7.860,67), correspondente à percentagem de 3% sobre os trabalhos já realizados e, logo de seguida, o respectivo recibo, tendo a ré lançado aquele valor nas suas contas (com a nota de lançamento com o nº 380), procedendo ao respectivo acerto com a autora.

Após tal acerto, no indicado valor, a ré deixou de fornecer à autora quaisquer elementos relativos à facturação obtida nas mencionadas obras.

Na obra denominada “Urbanização N…” a ré facturou ao respectivo dono o montante de € 798.349,73 (sem IVA) – correspondendo 3% ao valor de € 23.950,49.

Na obra denominada “Urbanização C…” a ré facturou ao respectivo dono o montante de € 848.927,41 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 42.446,37.

Na obra “Urbanização P…” a ré facturou ao respectivo dono € 1.316.848,72 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 65.842,22.

A ré concluiu os trabalhos referentes aos loteamentos no ano de 2001 (em Janeiro de 2001 a “N…”; em Junho de 2001 a “C…” e em Agosto de 2001 a “P…”).

Face à indicada factualidade, parece-nos estarem presentes no acordo celebrado em 1999 entre os legais representantes da A. e da R. os elementos ou requisitos essenciais do contrato de associação em participação.

Com efeito, não há dúvida de que, mediante tal acordo, a A. se associou à actividade económica exercida pela R., ficando, como contrapartida da transmissão para esta do direito à realização das obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e execução de arruamentos dos loteamentos sitos na Nazaré, denominados “Urbanização N…”, “Urbanização P…” e “Urbanização C…”, a participar, na proporção acordada, nos lucros resultantes da actividade que a feitura daquelas obras importasse.

Nega-se, portanto, razão à recorrente, no que a esta questão respeita, mantendo-se o entendimento adoptado pela 1ª instância, isto é, qualificando o contrato celebrado por A. e R. como uma associação em participação.

                2.2.2. Obrigação de prestar contas

                Como se referiu, de acordo com o artº 31º, nº 1 do Decreto-Lei nº 231/81, o associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação. E, de acordo com o nº 4 da mesma disposição legal, na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (artº 31º, nº 4).

Da matéria de facto assente resulta com clareza que a R., associante, se comprometeu a facturar directamente aos donos da obra e, com a emissão de cada factura, a emitir à autora uma nota de crédito, na proporção ajustada.

No entanto, a R. apenas cumpriu tal compromisso em Junho de 1999, relativamente à obra “Urbanização N…”, tendo entregue à A. um auto de medição onde referia ter já executado trabalhos no valor de Esc. 44.898.066$00, ali constando «ao valor de referência aplicar o índice acordado entre as partes, para o efeito de pagamento da factura de serviços técnicos na obra ‘Urbanização N…’».

                Em 16 de Junho de 1999, a autora emitiu a factura respectiva, com o nº 21, no montante de Esc. 1.575.922$00 (€ 7.860,67), correspondente à percentagem de 3% sobre os trabalhos já realizados e, logo de seguida, o respectivo recibo, tendo a ré lançado aquele valor nas suas contas (com a nota de lançamento com o nº 380), procedendo ao respectivo acerto com a autora.

Após tal acerto, no indicado valor, a ré deixou de fornecer à autora quaisquer elementos relativos à facturação obtida nas mencionadas obras.

                Sabendo-se que a R. na obra denominada “Urbanização N…” facturou ao respectivo dono o montante de € 798.349,73 (sem IVA) – correspondendo 3% ao valor de € 23.950,49; na obra denominada “Urbanização C…” facturou ao respectivo dono o montante de € 848.927,41 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 42.446,37; e na obra “Urbanização P…” facturou ao respectivo dono € 1.316.848,72 (sem IVA) – correspondendo 5% ao valor de € 65.842,22 e que concluiu os trabalhos referentes aos loteamentos no ano de 2001 (em Janeiro de 2001 a “N…”; em Junho de 2001 a “C…” e em Agosto de 2001 a “P…”), é manifesto que omitiu a apresentação de contas à A., associada, tendo perfeito cabimento legal o recurso, por parte desta, ao processo prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do anterior Código de Processo Civil (actuais artºs 941º a 947º).

                Também no que a esta questão tange se nega razão à recorrente.

                2.2.3. Inclusão dos juros nas contas a prestar

A sentença recorrida condenou a R. “a apresentar à Autora, no prazo de 20 dias, as contas referentes às empreitadas “Urbanização N…”, “Urbanização C…” e “Urbanização P…”, nos montantes (percentagens) ajustados com a segunda, tendo em consideração os valores totais facturados que constam em 17, 18 e 19 dos factos provados (descontando o montante já facturado, mencionado em 15), acrescidos todos os montantes dos respectivos juros de mora, contados a partir de 01 de Setembro de 2001, de acordo com as taxas legais aplicáveis às obrigações comerciais, sob pena de, não o fazendo, no sobredito prazo, não poder contestar aquelas que a Autora venha a apresentar” (sublinhado nosso).

                A recorrente discorda, defendendo que está fora do âmbito do objecto da acção de prestação de contas o cálculo dos juros de mora que possam eventualmente incidir sobre o saldo que vier a apurar-se a favor de qualquer das partes e que, nos termos do disposto no artº 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, a decisão recorrida não pode condenar a Ré a apresentar contas de juros de mora, quando tal pretensão não foi sequer peticionada pela Autora.

                O pedido formulado pela A. no final da petição inicial tem a seguinte redacção:

                “Nestes termos, e nos melhores de direito, deve a ré ser citada para, no prazo de trinta dias, apresentar à autora as contas das empreitadas de realização das infra-estruturas nos loteamentos “N…”, “P…” e “C…”, sob pena de, não o fazendo, não poder deduzir oposição às contas que a autora apresente”.

                Não é, pois, feita, no pedido, qualquer referência a juros de mora.

                De acordo com o artº 609º, nº 1, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

                A violação dessa disposição legal gera, nos termos do artº 615º, nº 1, al. e), nulidade da sentença.

                Na parte em que condenou a R. a, nas contas a apresentar, ter em consideração os montantes dos juros de mora, contados a partir de 01 de Setembro de 2001, da acordo com as taxas legais aplicáveis às obrigações comerciais, a acrescer aos valores totais facturados, a sentença enferma, pois, de nulidade, não podendo ser mantida.

                Quanto a esta questão dá-se, nos termos referidos, razão à recorrente.

                Sumário:

I – Integra contrato de associação em participação o acordo mediante o qual a A. se associou à actividade económica exercida pela R., ficando, como contrapartida da transmissão para esta do direito à realização das obras de redes de água, esgotos, gás, electricidade e execução de arruamentos de determinados loteamentos, a participar, na proporção acordada, nos lucros resultantes da actividade que a feitura daquelas obras importasse.

II – De acordo com o artº 31º, nº 1 do Decreto-Lei nº 231/81, o associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação.

III – De acordo com o nº 4 da mesma disposição legal, na falta de apresentação de contas pelo associante, ou não se conformando o associado com as contas apresentadas, será utilizado o processo especial de prestação de contas regulado pelos artigos 1014.º e seguintes do Código de Processo Civil (artº 31º, nº 4).

IV – Não tendo a A., no pedido formulado, feito qualquer alusão aos juros de mora a acrescer ao saldo das contas a apresentar, não podia o tribunal proferir condenação sobre tal matéria.

                3. DECISÃO

                Face ao exposto, acorda-se em:

                a) Considerar nula a sentença – e, consequentemente, revogá-la – na parte em que condenou a R. a, nas contas a apresentar, ter em consideração os montantes dos juros de mora, contados a partir de 01 de Setembro de 2001, da acordo com as taxas legais aplicáveis às obrigações comerciais, a acrescer aos valores totais facturados;

                b) Manter, no mais, a sentença recorrida.

                As custas da apelação ficam a cargo de recorrente e recorrida, na proporção do decaimento, que se fixa em 4/5 (quatro quintos) para a primeira e 1/5 (um quinto) para a segunda.

                Coimbra, 2014/09/09


Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo

[1] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06.
   São desse diploma todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Sumários Desenvolvidos, Contratos Civis e Comerciais, Ano Lectivo de 2011/2012, Doutor Alexandre Mota Pinto com a colaboração da Drª Joana Torres Ereio, in www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/AMP_MA_15386.pdf.
[3] Ac. STJ de 15/05/2003 – Proc. 03B1255 – in www.dgsi.pt.
[4] Ac. STJ de 15/05/2003 (Proc. 03B1255), citado; Ac. STJ de 18/09/2003 (Proc. 03B1729); Ac. RL de 07/05/2009 – Proc. 4397/08-2; Ac. STJ de 09/07/2014 – Proc. 1918/07.5TBACB.C1.S1; Ac. STJ de 01/03/2012 – Proc. 1742/06.2TBABF.E1.S1.



[5] Ac. STJ de 25/03/2010 – Proc. 682/05.7TBOHP.C1.S1

[6] Ac. STJ de 01/03/2012 – Proc. 1742/06.2TBABF.E1.S1.