Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1205/18.3T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE COLECTIVA
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 334, 762 Nº2 CC
Sumário: 1.- A lei não contém um preceito que preveja exatamente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mas a sua justificação resulta na generalidade dos casos do princípio da boa fé que informa o direito dos contratos, consagrado no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, conjugado com a norma geral do abuso de direito constante do artigo 334.º do mesmo código.

2.- O levantamento da personalidade jurídica da sociedade só deve ser feito quando não há outro modo de salvaguardar os interesses dos credores da sociedade, tendo, por isso, caráter subsidiário.

Decisão Texto Integral:







I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão que condenou os réus a pagarem solidariamente aos autores parte dos prejuízos que estes alegaram terem sofrido em consequência de um incêndio que deflagrou na sua casa de habitação, a qual, à data, estava a ser intervencionada pela ré F (…), Lda., no âmbito de um contrato de empreitada, incêndio esse cuja responsabilidade os autores imputaram aos trabalhadores da referida ré.

E responsabilizam também o casal de réus, porquanto, dizem, estes mantinham uma confusão entre o seu próprio património e o da empresa e, em consequência disso, a empresa não tem capacidade para garantir o pagamento dos prejuízos causados, acrescentando ainda que a sociedade não possuía seguro de responsabilidade civil, contrariamente ao que foi afirmado no contrato.

Concluíram pedindo a condenação solidária dos réus:

- a pagarem-lhes o montante de €110.352,78, relativo aos danos já verificados;

- a indemnizá-los pelos prejuízos decorrentes do incêndio que se venham a verificar ulteriormente;

- a pagarem-lhes o montante de €550,00 mensais desde a data do incêndio em 16/1/2018, até reconstrução do imóvel, a liquidar em execução de sentença.

O casal de réus contestou por exceção, arguindo a ilegitimidade de ambos, negando a confusão de patrimónios e que o prédio dos autores apresentava risco de incêndio, não podendo o mesmo ser atribuído à intervenção dos seus trabalhadores, contestando também os danos e respetivos montantes.

A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência, condeno os réus “F (…), Lda.”, A (…) e M (…) a pagarem solidariamente aos autores J (…) e M (…):

- A quantia de €70.011,05 (setenta mil e onze euros e cinco cêntimos), acrescida de IVA;

- a quantia a liquidar ulteriormente correspondente ao valor dos bens identificados no facto provado nº 6.59 desta decisão;

- a quantia € 1.100,00 (mil e cem euros), acrescida de quantia a liquidar ulteriormente, correspondente ao montante de € 1.100,00 anuais até reparação do imóvel identificado no facto provado nº 6.10, onde ocorreu o incêndio em causa nos autos;

- a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).

Absolvo os réus do demais peticionado nos autos.

Custas por ambas as partes, na parte líquida, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético, e na parte ilíquida provisoriamente em proporção igual (liquidando-se posteriormente o efetivo decaimento) - cfr. artigo 527º, CPC».

b) É desta decisão que vem interposto o recurso por parte dos réus cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) Os Autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso, não sem antes requererem a rejeição do recurso por ter existido cisão entre o requerimento de interposição de recurso e a junção das alegações e por incumprimento dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1. A primeira questão a resolver foi colocada pelos recorridos e respeita à rejeição do recurso por não terem sido apresentadas as alegações no momento em que foi feito o requerimento a interpor o recurso e por inobservância dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto e formulação das conclusões.

2. Em segundo lugar, coloca-se a nulidade de sentença por excesso de pronúncia, porquanto segundo os recorrentes o tribunal terá condenado os recorrentes

3. Em terceiro lugar, vêm as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

Os réus recorrentes pretendem que os factos provados nos pontos 6.7, 6.8, 6.14 (no tocante à habitação) e 6.30, 6.31e 6.32 sejam declarados não provados.

Ou seja, que se declare não provado que a ré M (…) exercia alguma atividade na empresa  (…) Lda.; que existiu confusão de patrimónios e que não foi aplicado cuprinol nas madeiras nem foi acendida a lareira.

4. Em quarto lugar, em sede de aplicação das normas jurídicas, coloca-se a questão de saber se a ré M (…) é parte ilegítima, porquanto nada teve a ver com a empreitada, sendo apenas esposa do gerente e único sócio, não exercendo qualquer função dentro da sociedade, nem de direito nem de facto.

É alheia por isso aos autos.

5. Em quinto lugar cumpre verificar se existe excesso de pronúncia porquanto os Autores pediram a condenação da Ré M (…) enquanto gerente de facto, já que esta assumia segundo os Autores o comando da gerência conjuntamente com o seu marido, dando ordens, instruções, indo aos trabalhos, mas o Tribunal a quo entendeu não a condenar enquanto gerente de facto, mas pela comunicabilidade da divida do gerente seu marido.

6 – Em sexto lugar coloca-se a questão de saber se deve ser afastada a indemnização pedido pelos Autores uma vez que não violou qualquer dever de zelo ou vigilância.

A lareira foi ligada pelos funcionários a pedido da caseira da casa Dona M (…), para aquecer a mesma e desumidificar a casa que estava desabitada e fria

O incendio iniciou-se no telhado junto á chaminé, por isso não era visível de dentro da casa, junto à lareira.

Foram factos ainda por explicar que originaram o incendio

7 – Por fim, em caso de existir responsabilidade do empreiteiro, coloca-se a questão de saber se alguma responsabilidade pode ser assacada às pessoas singulares, porquanto não existiu confusão de patrimónios.

III. Fundamentação

a) Rejeição do recurso

Cumpre aceitar o recurso porquanto a cisão entre o requerimento a interpor o recurso e a apresentação das alegações, desde que ambos os atos decorram dentro do prazo para recorrer não implica a rejeição do recurso.

 Aliás, no caso concreto, os recorrentes no momento em que apresentam as alegações repetem o requerimento de interposição do recurso.

Há aqui algo de inabitual e uma duplicação de requerimentos, mas não implica a sanção desproporcionada de rejeição do recurso.

Relativamente à rejeição do recurso relativamente à impugnação da matéria também é de afastar tal entendimento.

Muito embora se possa fazer bem melhor, afigura-se que foi cumprido o mínimo.

Percebe-se o sentido da impugnação e os respetivos fundamentos.

Não se rejeita pelo exposto, o recurso.

b) Nulidade de sentença

 Uma das questões que vem colocada respeita ao excesso de pronúncia.

Esta questão será tratada mais abaixo, após se decidir a matéria relativa à impugnação da matéria de facto.

c) Impugnação da matéria de facto.

1- A primeira questão respeita ao facto provado 6.7 que tem esta redação:

«A ré M (…) colabora com o réu A (…) na gestão da “F (…), designadamente recebendo pagamentos de obras».

Quanto a esta matéria cumpre excluir o segmento «colabora na gestão da F (…)» por se tratar de matéria factual mas de natureza complexa, isto é conclusiva, que deve ser substituída pelos factos concretos que a possam suportar se existirem.

Nesta parte, provou-se como resulta do depoimento da própria Ré e das cópias dos cheques juntos com a petição que a mesma recebeu dois cheques emitidos pelo autor marido relativos ao pagamento do preço da empreitada que descontou no banco.

Por conseguinte, altera-se o facto ficando com esta redação.

«A ré M (…) recebeu dois cheques emitidos pelo autor marido para pagamentos das obras».

2- A segunda questão respeita ao facto provado 6.8 que tem esta redação:

«Os réus A (…) e M (…) recorrem aos valores que o primeiro recebe pelo exercício da sua atividade de gerente da requerida F(…) para acorrer aos encargos da vida familiar, integrando-os no património familiar e usando-os para pagar as contas do dia-a-dia familiar (alimentação, vestuário, deslocações, saúde, etc.)».

Esta factualidade deve manter-se porquanto foi confirmada pela Ré nos termos conclusivos em que está formulada.

Com efeito, aos minutos 03:02 - 03:11 referiu que o marido contribuía para pagar as «dívidas de casa, empréstimos da casa», mas não para as despesas de alimentação e que o dinheiro vinha, segundo supunha da F(…) (minuto 03:23)

Retira-se deste depoimento, de resto em conformidade com as regras da experiência que nos dizem que quando um casal vive como tal, em comunhão, reparte os rendimentos e as despesas, sendo irrelevante quem paga e o que paga.

Cumpre, por isso, manter o facto.

3- A terceira questão respeita ao facto provado 6.14 que tem esta redação:

«Nomeadamente, acordaram que a ré F (…) efetuaria, no telhado/cobertura do imóvel: (…) - limpeza geral das águas furtadas e tratamento da madeira da cobertura com coperinol».

Improcede esta pretensão, porquanto consta expressamente do contrato de e empreitada (cfr. ponto 4.4 do orçamento de fls. 30 verso a 31 verso) que um dos trabalhos orçamentados foi «limpeza geral das águas furtadas e tratamento da madeira da cobertura com coperinol».

Deve, pelo exposto, manter-se o facto.

4 – A quarta questão respeita ao facto provado 6.30, o qual tem esta redação:

«Em dias do mês de janeiro de 2018 que em concreto não foi possível apurar, mas imediatamente anteriores ou contemporâneos do dia 16, os funcionários da ré F(…) aplicaram “cuprinol” (produto inflamável) nas vigas de madeira que suportavam o telhado».

Os recorrentes pretendem que este facto seja declarado não provado com base na circunstância de não ter sido produzida prova no sentido de ter sido aplicado tal produto, resultando do depoimento da testemunha L (…), filho dos Réus, que não foi aplicado cuprinol

É certo que a testemunha L (…) referiu isso. Disse que trabalhou na obra (minuto 08:17); que não foi aplicado cuprinol (minuto 08:28) e que nem sabia ao certo do que se tratava porque apenas tinha ouvido falar dele (minuto 09:03); que nunca aplicaram esse material (minuto 09:25).

Cumpre referir que este depoimento só por si não tem capacidade para formar a convicção no sentido de que não foi aplicado cuprinol (ou outro produto com idênticas caraterísticas, pois o que aqui releva é a natureza inflamável do produto e não o seu nome), porquanto se trata apenas de uma afirmação e uma afirmação tanto pode estar de acordo como em desacordo com os factos que aconteceram em termos históricos, na história.

Acresce que a aplicação de tal produto estava prevista no contrato.

É certo que a testemunha L (…) referiu que o produto não foi aplicado porque as madeiras onde seria aplicado iriam ser substituídas.

Porém, não se fez qualquer prova relativa a tal substituição, nem há factos indiciários disso.

Por outro lado, o seu depoimento é contrariado pelo depoimento da testemunha M (…) (pessoa que tomava conta da casa na ausência dos autores) que se encontrava presente no dia do incêndio (minuto 00:32), a qual referiu (minuto 06:07), perentoriamente, que na 5.ª ou 6.ª feira anteriores ao dia do incêndio foi ao interior da casa, como era seu hábito ir ver diariamente o que estava a ser feito e verificou que os trabalhadores tinham andado a colocar um produto qualquer na madeira do sótão, referindo que tinha visto umas latas que tinham um odor caraterístico de diluente ou de tintas, e que no próprio dia do incêndio esteve no interior da casa (foi lá pedir uma máquina para partir uma pedra que dificultava a colocação de uma vedação que um irmão da testemunha estava a executar na mesma quinta) e viu um funcionário a colocar esse produto no sótão, na madeira, com um pincel ou algo semelhante (minuto 32:23).

Disse mesmo que viu lá as latas no sótão, uma lata era redonda com uns 5 litros, branca, tendo referido que não sabia o que continham, que não verificou isso (minuto 27:35).

A testemunha também referiu que na altura em que se apercebeu das chamas do incêndio deu-se uma «explosão» como se se tivesse deitado gasolina (minuto 10:37) e que o fogo se espalhou muito rápido (minuto 11.30), factos estes que também indiciam a presença de produtos altamente inflamáveis, quer aplicados na madeira (propagação rápida das chamas) ou acondicionados em recipientes (explosão).

Em face do exposto, não há fundamento para alterar o facto em causa, que se manterá.

5 – A quinta questão respeita ao facto provado 6.31, o qual tem esta redação:

«No passado dia 16/01/2018 os funcionários da ré F(…)estavam a trabalhar no imóvel dos autores quando procederam à queima de materiais na lareira do r/c, lareira esta na qual tinha sido acordado com a ré F(…)a colocação de um recuperador de calor».

Deve manter-se este facto.

A própria testemunha L (…), filho dos réus, referiu que nesse dia a lareira foi acesa e colocaram lá materiais para esse efeito (minuto 22:58, 24:22).

A testemunha M (…) referiu também que os trabalhadores acendiam a lareira e queimavam lá desperdícios da obra (minuto 22:51) e que no dia do incêndio andava um trabalhador no sótão e os outros cá em baixo, ao todo, quatro funcionários (minuto 28:59).

Não há fundamento, face ao exposto, para declarar a factualidade em causa não provada.

6 – A sexta questão respeita ao facto provado 6.32, o qual tem esta redação:

«Lareira esta que se encontrava justamente sob a cobertura do telhado em que os trabalhadores da requerida F (…) tinham aplicado “cuprinol”».

Quanto à aplicação do material cuprinol, a questão já ficou respondida anteriormente.

Relativamente à localização da lareira os réus não produzem qualquer argumentação que mostre ser outra a localização da lareira e sendo assim não há justificação para declarar tal localização como não provada.

Permanece, por isso, este facto tal como está redigido.

Resta apenas referir que os réus atribuem a causa do incêndio à instalação elétrica.

Sucede que não existe qualquer facto indiciário que aponte neste sentido, pelo que existindo uma causa (incêndio originado pelo fogo ateado na lareira) que explica a existência do incêndio, não é apropriado atribuir o incêndio a uma causa quanto à qual não se descortinam os passos da sua real ocorrência.

No que respeita ao fogo da lareira como causa explicativa para o incêndio que ocorreu, faz parte da experiência quotidiana que uma lareira acesa aquece o ar e faz elevar a alturas de vários metros labaredas e faúlhas incandescentes capazes de atearem fogo a matérias facilmente inflamáveis, como madeiras secas ou material inflamável aplicado nas madeiras do sótão, pelo que sendo feito um fogo forte na lareira qualquer orifício existente na chaminé podia deixar escapar uma faúlha e atear um fogo.

Mas, no caso, não foi este o processo apontado no «Relatório de Inspeção Judiciária» (cfr. fls. 117 e 118), mas sim o facto de existir um conjunto de traves de madeira «…que serviam de estrutura a uma caixa-de-ar que separava o piso superior do teto, local onde se iniciou o incêndio» e «iniciado, o fogo lavrou lento, sem que alguém tenha dado conta deste até ao momento em que lhe foi fornecido o elemento em falta, oxigénio».

E no «relatório de Exame – Quesitos» de fls. 118 verso a 129 verso também consta, na «Conclusão» que «…o incêndio teve a sua origem junto à chaminé» (fls. 129).

Não há, por isso, base factual para atribuir a causa do incêndio ao sistema elétrico.

d) 1. Matéria de facto – Factos provados

1 - Os autores residem desde 2012 em Macau, onde exercem a profissão de consultores jurídicos do (...) , através de contratos bianuais, os quais, à data da interposição da ação, haviam sido renovados pela última vez em maio de 2016.

2 - Os autores regressam todos os anos a Portugal nos períodos de férias, permanecendo na região de x (...) cerca de dois meses por ano.

3 - O réu A (…) e a ré M (…)  contraíram matrimónio, sem convenção antenupcial, em 03/11/1989.

4 - A ré F (…) é uma sociedade comercial, constituída em 2/4/2007, que tem como objeto social a construção civil e obras públicas, comércio de materiais de construção civil, de máquinas e equipamentos para construção, madeiras e carvão.

5 - O capital social desta sociedade é constituído por uma quota única que está registada na Conservatória do Registo Comercial a favor do réu A (…)

6 - O réu A (…) é gerente da ré F(…)desde a sua constituição, sendo o seu único sócio.

7 - A ré M (…) recebeu dois cheques emitidos pelo autor marido para pagamentos das obras.

8 - Os réus A (…) e M (…) recorrem aos valores que o primeiro recebe pelo exercício da sua atividade de gerente da requerida F(…)para acorrer aos encargos da vida familiar, integrando-os no património familiar e usando-os para pagar as contas do dia-a-dia familiar (alimentação, vestuário, deslocações, saúde, etc.).

9 - Estando os autores a ponderar regressar a Portugal em meados de 2018, começaram a procurar um imóvel onde residir na zona de x (...) , que, até ao respetivo regresso definitivo, também serviria para se alojarem durante os períodos de férias.

10 - No cumprimento deste objetivo, no dia 04/08/2017, os autores adquiriram um prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pisos, logradouro e quintal, sito (…), Concelho de (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1357º (anteriormente inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o artigo 756) e inscrito na Conservatória do Registo Predial de (...) com o nº 1282 (artigo 12º da petição inicial);

11 – Imóvel onde passaram a permanecer parte dos períodos de férias que passavam em Portugal, fazendo desta a sua habitação permanente, aí tendo permanecido, com a família, durante cerca de três semanas do período de férias que entretanto tiveram entre 9 de setembro a 7 de outubro, e durante parte das férias do Natal de 2017.

12 - Pretendendo fazer remodelações e melhoramentos no imóvel referido no ponto anterior, em finais de setembro de 2017, os autores entraram em contacto com a ré F (…) na pessoa do seu gerente o réu A (…)

13 - Em resultado deste contacto, acordaram que seria a ré F(…) a efetuar as referidas remodelações.

14 - Nomeadamente, acordaram que a ré F(..) efetuaria, no telhado/cobertura do imóvel:

- lavagem de toda a cobertura com jacto de água; retirar todos os cumes, telhas e beirado à portuguesa, que estiver danificado e substituição por novo; impermeabilização da cobertura com isolante hidrófugo da sika (sika grade 570 sl) a fim de não criar algas e evitar o cascar das telhas com o gelo;

- construção de uma estrutura metálica em ferro galvanizado 40x100 coberta a chapa sandwich imitação da telha com os devidos remates. Área a cobrir – 47 m2, cobrindo cozinha e o restante fica telheiro;

nas paredes exteriores do imóvel:

- limpeza das paredes exteriores com jacto de água a pressão, reparação das massas e pintura com primário de fixação exolite e pintura a 3 de mão de membrana elástica; retirar murete e pilares da varanda, colocar pedra de granito na orla, impermeabilizar e colocar ladrilho novo, fornecer e colocar gradeamento em ferro metálico rústico idêntico ao visto na foto fornecida pelo cliente; aplicação de capoto sistema étics impermeável térmico e acústico 0,40 de espessura acabado a massa à cor pretendida; no interior do imóvel: levantar o soalho e vigamento existente danificado; limpeza da superfície, aplicação de vigamento em ferro metalizado 110x60, colocação de isolamento acústico e assentamento de soalho a madeira de pinho 240mm afagado e envernizado; construção de estrutura metálica galvanizada ripado e vigota de madeira aplicação de lambrim madeira de pinho tratado e lacado à cor branco; arrancar as caixilharias existentes, portas e janelas, colocar parapeitos em granito e fazer ombreira a massa de cimento acabado para receber nova caixilharia; construção de uma escadaria em estrutura metálica galvanizada com degraus e corrimão forrado a madeira;

-construção de um corrimão metálico de proteção à escadaria de acesso ao rés do chão;

-afinar, reparar e lacar portas interiores, portadas, aros das janelas e rodapés, colocação de puxadores e ferragens em aço e inox;

-substituir base de chuveiro wc; colocação de recuperador de calor na lareira da sala com saídas para a sala, a cozinha e o corredor;

- reparação de paredes e pintura geral interior da casa com primário tinta plástica mate à cor pretendida; serviços exteriores da habitação:

- abrir ombreira da porta da garagem e torça a fim de colocar portão existente;

- Fazer rampa de acesso à garagem do anexo;

- limpeza geral das águas furtadas e tratamento da madeira da cobertura com coperinol.

15 - Tendo os autores optado pelo orçamento que incluía a pintura exterior, como contrapartida da realização das obras referidas, os autores comprometeram-se a entregar à ré F (…) o montante de 26.891,00€.

16 - Quer no decurso da negociação dos trabalhos, quer na proposta final feita pela ré F (…) o réu A (…) declarou que sociedade era titular de seguro de responsabilidade civil, conforme expressamente fez constar do orçamento junto a fls 30 v e ss

17 - Ficou ainda acordado que as obras seriam entregues concluídas no dia 15/12/2017.

8 - No momento de efetuar os pagamentos acordados, o réu A (…) pediu aos autores que estes procedessem ao pagamento em numerário.

9 - Não tendo os autores acedido a este pedido, o réu A (…) pediu que os pagamentos fossem feitos em cheque à ordem da sua mulher, a ré M (…)

20 - Assim, os autores entregaram ao requerido A (…) os seguintes montantes:

 - €13.445,00 no dia 06/10/2017, através do cheque, traçado, com o nº 3304544161 titulado à ordem da requerida M (…)

- €10.000,00 no dia 22/12/2017, através do cheque, traçado, com o nº 8608587557 titulado à ordem da requerida M (…), montantes esses que deram entrada na conta da ré M (..).

21 - Para além dos trabalhos contratados com a ré F(…), os autores contrataram com a sociedade J (...) , Lda., a substituição de todas as janelas e portas do imóvel, competindo à ré F(…) a preparação dos trabalhos de alvenaria e carpintaria necessários à aplicação das janelas e portas e coordenar a conveniência das datas da instalação com a sociedade de J (...) .

22 - Pela instalação das referidas janelas os autores comprometeram-se a pagar à J (...) o montante de €17.500,00, tendo entregue até ao momento, pelo menos, o montante de €8.500,00.

23 - Em execução do acordado, em outubro de 2017, a ré F(…) iniciou os trabalhos no imóvel dos autores.

24 - Ficou ainda acordado que, face ao facto de os autores se encontrarem no estrangeiro, a ré F(…)teria liberdade para proceder a outras pequenas reparações que entendesse necessárias, mantendo os autores informados e, a final, cobrar o devido preço (a ajustar).

25 - E, durante a execução dos trabalhos, os autores acordaram ainda com a ré F(…), verbalmente, a realização de alguns trabalhos, nomeadamente: - acordaram que a instalação do telheiro em painel sandwich da parte posterior do imóvel assentaria em dois pilares em pedra; - a colocação de um reforço na parede exterior; - e a substituição de algumas vigotas de madeira do telhado e do beirado que se encontravam mais degradadas.

26 - E, estando atrasada a entrega das obras na data acordada em virtude de atrasos na execução dos trabalhos, quer pela ré F(…), quer por parte da referida J (...) , e tendo em conta que os autores estiveram de férias no período do Natal, acordaram aditar alguns outros trabalhos que iriam ser formalizados em novo acordo a enviar aos autores, nomeadamente:

- colocação de aquecimento central;

- e alteração de fichas de eletricidade, de pontos de luz e respetivos interruptores.

27 - Trabalhos estes que a ré F(…) aceitou realizar e iniciou logo que os autores se ausentaram para Macau em finais de dezembro de 2017.

28 - Em janeiro de 2018, devido aos referidos atrasos nas obras e aos aditamentos aos trabalhos previstos, o imóvel ainda não tinha sido entregue aos autores pela ré F (…)

29 - Assim, durante o mês de janeiro, a ré F (…) recorrendo a trabalhadores por si contratados, ainda se encontrava a realizar trabalhos no imóvel dos autores, estando nomeadamente a proceder a preparativos para instalar sistema de aquecimento central na cave, a executar os trabalhos de eletricidade e a executar trabalhos atrasados como aplicar o pavimento no r/c.

30 – Em dias do mês de janeiro de 2018 que em concreto não foi possível apurar, mas imediatamente anteriores ou contemporâneos do dia 16, os funcionários da ré F(…) aplicaram “cuprinol” (produto inflamável) nas vigas de madeira que suportavam o telhado.

31 - No passado dia 16/01/2018 os funcionários da ré F(…) estavam a trabalhar no imóvel dos autores quando procederam à queima de materiais na lareira do r/c, lareira esta na qual tinha sido acordado com a ré F(…) a colocação de um recuperador de calor.

32 - Lareira esta que se encontrava justamente sob a cobertura do telhado em que os trabalhadores da requerida F(…)tinham aplicado “cuprinol”.

33 - Naquele momento, na divisão da sala onde se encontra a referida lareira, a ré F(…) já tinha cortado no teto uma abertura destinada à colocação da escadaria cuja colocação havia sido acordada e que dava diretamente para as águas furtadas e para o vigamento impregnado de “cuprinol”.

34 – Devido ao excesso de material combustível que colocaram a arder na lareira, e devido à presença do “cuprinol” nas traves de madeira que suportavam o telhado, estas incendiaram-se na zona da sala por cima da lareira.

35 - Não estando a lareira vigiada, os trabalhadores da ré F(…) não se aperceberam do incêndio no exato momento em que este deflagrou.

36 - Tendo-se o incêndio propagado para as restantes traves do telhado.

37 - Quando os trabalhadores da ré F(…) verificaram que as traves do telhado estavam a arder, já o telhado estava tomado pelas chamas.

38 - Na presença do incêndio, os trabalhadores da ré F(…) começaram a retirar e a guardar na carrinha todo o equipamento que tinham no imóvel.

39 - Os bombeiros foram chamados por um vizinho que se encontrava próximo ao imóvel em causa, o Sr. (…), encarregado da fábrica de serração localizada em frente do imóvel, que relatou ter visto primeiro um fumo negro intenso e que, quando foi ver o que se passava, o telhado do imóvel estava a arder na zona da chaminé traseira, tendo depois ouvido uma espécie de explosão e tendo o fogo alastrado rapidamente a todo o telhado de forma extremamente rápida.

40 - Para extinguir o incêndio foi necessária a presença de oito viaturas de combate a incêndio e a intervenção de vinte e quatro bombeiros, os quais, recorrendo a mangueiras de água, lançaram água sobre as chamas e para o interior do imóvel dos autores.

41 - O incêndio, a água necessária para o extinguir e a exposição do interior da habitação aos elementos, danificou o prédio dos autores e bens aí existentes.

42 - O telhado do imóvel (telhas, vigas, estrutura, janelas, forros, beirais, etc.) ficou totalmente destruído, incluindo parte do acrescento traseiro em painel sandwich imitação de telha, que ficou queimado nas zonas que se encostavam junto ao telhado que ardeu.

43 - A pintura exterior também foi danificada pelo fumo, pelos detritos e pela água.

44 - O sótão do imóvel (paredes, chão, teto, portas, sistema elétrico) ficou totalmente destruído.

45 - As salas do r/c sofreram os seguintes danos:

- teto (pladur e teto de madeira original onde assentava) totalmente destruído, bem como a iluminação e sistema elétrico;

- paredes danificadas;

- rodapés danificados/irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas;

- chão de madeira em parquet irrecuperável, danificado pela cinza e detritos caídos do teto, águas dos bombeiros e posteriormente pela chuva;

- janelas novas danificadas/queimadas irrecuperáveis;

-portadas das janelas, em madeira, danificadas pelos detritos e fogo; porta da sala, em madeira e vidro, danificada pelas chamas e água;

-parapeitos interiores das janelas, em madeira, irrecuperáveis;

- Sistema elétrico destruído;

- estrutura externa da lareira, em pedra de granito polido, marcada por detritos caídos do teto/telhado.

46 - O hall da entrada sofreu os seguintes danos:

- Intercomunicador/videoporteiro destruído; teto (o teto de pladur e o teto original que estava por baixo) ardeu completamente consumido pelo fogo, bem como a iluminação, sistema elétrico;

- paredes danificadas; telheiro de entrada parcialmente danificado pelo fogo e água; porta principal de entrada da casa, nova, danificada pelos detritos, pelo fogo e pela água;

- porta para o corredor, em madeira e vidro, danificada pelas chamas e pela água; rodapés danificados/irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas;

- chão de soalho de madeira irrecuperável, danificado pela cinza e detritos caídos do teto e pelas águas dos bombeiros e posteriormente pela chuva.

47 - O corredor do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto (o teto novo de pinho e o teto original que estava por baixo) ardeu/completamente consumido pelo fogo, bem como a iluminação, sistema elétrico;

- paredes danificadas;

- rodapés danificados/irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas;

- vigas de suporte do chão com integridade afetada por exposição à água e detritos caídos do telhado (estavam expostas, sem soalho, porque se preparava a colocação de novo).

48 - O primeiro quarto do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto (o teto novo de pinho e o teto original que estava por baixo) ardeu/completamente consumido pelo fogo, tal como a iluminação, sistema elétrico;

- paredes danificadas; rodapés danificados/irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas;

- chão de soalho de madeira novo irrecuperável, danificado pela cinza e detritos caídos do teto e águas dos bombeiros e posteriormente pela chuva;

- janela nova danificada/vidros partidos; portadas das janelas e da porta de sacada, em madeira, danificadas pelos detritos;

- porta de sacada nova (para a varanda) com vidros partidos, moldura PVC e/ou ferragens danificados;

- parapeito interior da janela e base interior da varanda, ambos em madeira, irrecuperáveis;

- porta do quarto danificada pelas chamas e pela água; sistema elétrico destruído.

49 - O segundo quarto do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto (o teto novo de pinho e o teto original que estava por baixo) ardeu/completamente consumido pelo fogo, iluminação, sistema elétrico;

- paredes danificadas;

- rodapés danificados e irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas; chão de soalho de madeira novo irrecuperável, danificado pela cinza, detritos caídos do teto, águas dos bombeiros e posteriormente pela chuva;

- janelas novas danificadas (marcas causadas pelos detritos);

- portadas das janelas, em madeira, danificadas pelos detritos e pela água; parapeito interior da janela, em madeira, irrecuperável;

- porta do quarto danificada pelas chamas e pela água;

- sistema elétrico destruído.

50 - O terceiro quarto do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto (o teto novo de pinho e o teto original que estava por baixo) ardeu, completamente consumido pelo fogo, bem como a iluminação, sistema elétrico;

- paredes danificadas;

- rodapés danificados/irrecuperáveis pelos detritos, cinzas e águas;

- chão de soalho de madeira nova irrecuperável, danificado pela cinza, detritos caídos do teto, águas dos bombeiros e posteriormente pela chuva;

- janelas novas danificadas com pega de abertura e moldura em PVC arranhada e marcada por telhas e outros detritos; portadas das janelas, em madeira, danificadas pelos detritos e pela água;

- parapeito interior da janela, em madeira, irrecuperável;

- porta do quarto danificada pelas chamas e água; - sistema elétrico destruído.

51 - O quarto (quarto das janelas) do r/c sofreu os seguintes danos:

- telhado danificado pelo fogo; teto caiu e com ele a iluminação, sistema elétrico;

- chão de madeira em parquet irrecuperável, danificado pelos detritos e pelas águas dos bombeiros;

- porta do quarto danificada pela água;

- 6 janelas, novas danificadas;

- 1 porta para o exterior, nova, danificada.

52 - O primeiro quarto de banho do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto ardeu completamente consumido pelo fogo, iluminação, sistema elétrico;

- móvel do lavatório queimado/danificado (incluindo o espelho);

- porcelanas destruídas por detritos caídos do telhado (bidé, sanita, lavatório);

 - revestimento das paredes (azulejos e suporte) danificados/arderam/caíram;

- mosaicos do chão danificados pelos detritos caídos e pela água;

- porta danificada pela água e pelo fogo; - sistema elétrico ardeu;

- banheira queimada/derretida, completamente destruída; canalizações danificadas pelo fogo, águas e detritos.

53 - O segundo quarto de banho do r/c sofreu os seguintes danos:

- teto ardeu, completamente consumido pelo fogo, iluminação, sistema elétrico; móvel do lavatório danificado e com o tampo em mármore partido por detritos caídos do teto/telhado;

- porta danificada pela água/fogo;

- sistema elétrico ardeu;

- porcelanas, espelho, base de chuveiro nova e resguardo danificadas pelos detritos caídos;

- mosaicos do chão danificados pelos detritos caídos e pela água;

- canalizações danificadas pelo fogo, águas e detritos.

54 - A cozinha sofreu os seguintes danos:

- paredes e chão escurecidos pelos fumos e pela água e cinzas; - sistema elétrico ardeu;

- porta nova para o exterior irrecuperável, danificada pelos bombeiros para terem acesso à habitação.

55 - A varanda do r/c ficou com o corrimão/gradeamento danificado por detritos vindos do telhado e necessita ser reparado e pintado.

56 - O salão da cave sofreu os seguintes danos:

- teto falso, em madeira, irrecuperável, danificado pela água e também por cinzas e impurezas;

- escadas em madeira danificadas por detritos e água vindos do telhado/teto;

- no compartimento de acesso à escada pelo r/c, o teto desapareceu consumido pelas chamas, danos na janela nova e no parapeito interior, danos na porta de sacada nova para a varanda, rodapés e soalho;

- iluminação destruída pela água e cinzas; porta dupla (de grandes dimensões – 4 folhas e 2 laterais) para o exterior, nova, em PVC, danificada com vidros partidos e empenada na estrutura de PVC, forçada pelos bombeiros para combater o incêndio.

57 - O portão principal da quinta em ferro com duas portas motorizadas foi danificado porquanto teve que ser forçado para permitir a entrada dos bombeiros.

58 – Por força dos danos sofridos com o incêndio é necessário proceder às seguintes reparações, no valor global de €70.011,05, acrescido de IVA:

1. Instalação de estaleiro:

1.1 - Instalações, equipamentos e pessoal do estaleiro, no valor de €600,00;

2. Trabalhos Preparatórios, no valor global de €2.385,00:

2.1 Remoção de caibros e barrotes de madeira existentes na cobertura, no valor de €360,00;

2.2 - Remoção da cobertura em telha cerâmica, no valor de €180,00;

2.3 Remoção da cobertura da cozinha/alpendre em painel de sandwich, no valor de €180,00;

2.4 Remoção do rodapé existente, no valor de €90,00;

2.5 Remoção do pavimento em madeira (soalho e tacos), no valor de €180,00;

2.6 Remoção do forro em madeira do teto da cave, no valor de €90,00;

2.7 Remoção dos peitoris interiores em madeira que se encontrem danificados, no valor de €45,00;

2.8 Transporte dos produtos sobrantes a vazadouro autorizado, incluindo o armazenamento temporário em contentores, no valor de €1.260,00;

3. Betão, cofragem e armaduras, no valor global de €14.532,15:

3.1 - Execução da laje do teto do R/C (Laje aligeirada de vigotas pré-esforçadas com abobadilha de bloco de cimento), de acordo com o projeto de estabilidade, numa área de 142,28 2, ao custo de € 39,00 por m2, no valor global de €5.548,89;

3.2 - Execução da laje de cobertura (Laje aligeirada de vigotas pré-esforçadas com abobadilha de EPS), de acordo com o projeto de estabilidade, numa área de 156,51 m2, ao preço de €39,00 cada m2, no valor global de €6.103,78;

3.3 - Execução de vigas, linteis, cornija e pilares em betão armado, de acordo com o projeto de estabilidade, no valor de €2.879,48 €14.532,15

4. Carpintarias, no valor global de €17.251,17:

4.1 – Aplicação de 7 portas interiores em madeira, incluindo aros, no valor de €300,00 cada, no valor global de €2.100,00;

4.2 – Aplicação de novas portadas interiores em madeira, incluindo aros:

4.2.1 - Portadas Janelas, em 6 unidades ao valor de €282,00, cada, no valor global de €1.692,00;

4.2.2 - Portadas de Porta, em duas unidades, a €300,00 cada, no valor global de € 600,00;

4.3 - Fornecimento e aplicação de soalho em madeira de pinho, afagado e envernizado, no pavimento dos quartos e no corredor, numa área de 60,44 m2, ao valor de € 42,00/m2, no total de €2.538,54;

4.4 - Fornecimento e aplicação de tatos de madeira, afagados e envernizados, nas salas 1 e 2, ao valor de €26,30/m2, numa área de 30,00 m2, no valor global de €788,92;

4.5 - Fornecimento e aplicação de rodapé em madeira, semelhante ao existente, numa área de 116,21m, ao valor de €14,40 cada metro, no valor global de €1.673,42;

4.6 - Fornecimento e aplicação de uma escada em estrutura metálica, de acesso ao sótão, com degraus e corrimão forrados a madeira maciça, no valor de €1.200,00;

4.7 - Fornecimento e aplicação de peitoris interiores em madeira, numa área de 14,51 m, ao valor de €42,00, cada, no valor global de €609,42;

4.8 - Fornecimento e aplicação de forra em madeira em tetos, numa área de 158,04 m2, ao valor de €36,00, cada, no valor global de €5.689,27;

4.9 - Afagar e envernizar a escada em madeira de acesso à cave, no valor de €360,00;

5. Serralharias, no valor global de €1317,12:

5.1 - Metalizar e pintar a guarda da varanda, numa área de 8,40m, ao valor de €54,00/metro, no valor global de €453,60;

5.2 - Fornecimento e aplicação de uma guarda na escadaria de acesso à cave, numa área de 3,70 m, ao preço de €120,00 cada metro, no valor global de €443,52;

5.3 - Reparação do portão de acesso à propriedade no valor de €420,00;

6. Portas e janelas de PVC, no valor global de €6.455,52:

6.1 - Substituição de portas e janelas exteriores:

6.1.1 - Janela basculante de 2 folhas (Sala 1 e 2), em 3 unidades ao valor de €701,88, cada, no valor global de €2.105,64;

6.1.2 - Porta (Cozinha, no valor de € 993,00;

6.1.3 - Porta de vidro (Quarto 1), no valor de €358,44;

6.1.4 - Porta de vidro (Escadas de acesso à cave), no valor de €358,44;

6.1.5 - Estimativa de custo para as restantes reparações necessárias: €1.800,00;

6.2 - Fornecimento e aplicação de Janela basculante de 4 folhas (Sótão), no valor de €840,00;

7 – Revestimento de paredes, pavimentos e tetos, no valor global de €5.478,86:

7.1 - Revestimento de paredes interiores

7.1.1 - Fornecimento e aplicação de azulejos nas I.S., incluindo remoção do existente. (considerado 20€/m2 para o fornecimento de cerâmica), numa área de 53,08, m2, ao valor unitário de €46,38, no valor global de €2.462,04;

7.1.3 - Pintura de paredes interiores, nas demãos necessárias a um perfeito acabamento, incluindo a reparação de algumas irregularidades, numa área de 313,85 m2, no valor unitário de €6,00 e no valor global de €1.883,09;

7.2 - Revestimento de pavimentos interiores

7.2.1 - Fornecimento e aplicação de mosaicos nas I.S., incluindo remoção do existente. (considerado 20€/m2 para o fornecimento de cerâmica), numa área de 11,16 m2, ao preço de €46,38 cada, no valor global de €517,72;

7.3 - Revestimento de tetos interiores

7.3.1 - Fornecimento e aplicação de teto falso em gesso cartonado hidrófugo, nas I.S. e cozinha, numa área de 23,88 m2., ao preço de €19,80 cada, no valor global de €472,75;

7.3.2 - Pintura de tetos interiores nas demãos necessárias a um perfeito acabamento, numa área de 23,88 m2, ao valor de €6,00 cada m2, no valor global de €143,26;

8. Revestimento de coberturas inclinadas, no valor global de €5.430,83:

8.1 - Fornecimento e aplicação de telha cerâmica, incluindo todos os materiais e acessórios necessários a um perfeito acabamento, numa área de 156,51 m2, no valor de €32,40 cada, no valor global de €5.070,83;

8.3 - Reaplicação do alpendre em painel de sandwich, no valor de €360,00;

9. Instalações de canalização, no valor global de €6.420,00:

9.1 - Execução de uma nova canalização de águas sanitárias e de esgoto, na cozinha e instalações sanitárias:

9.1.1 - A canalização de abastecimento de água é executada em tubo multicamada cravado, sendo que os diâmetros a utilizar serão os necessários para garantir uma pressão uniforme em todos os pontos;

9.1.2 - A canalização de esgoto é executada em tubo pvc, sendo que os diâmetros a utilizar serão os necessários para garantir o bom funcionamento da mesma, no valor global de €2.160,00;

9.2 - Equipamento sanitário:

9.2.1 - Fornecimento e aplicação de banheira e misturadora na I. S. 1. No valor de €780,00;

9.2.2 - Fornecimento e aplicação de base de duche, misturadora e respetivo resguardo na I. S. 2. No valor de €1.380,00;

9.2.3 - Fornecimento e aplicação de lavatório, misturadora e móvel, em duas unidades, no valor de €762,00 cada, no valor global de €1.524,00;

9.2.4 - Fornecimento e aplicação de sanita, incluindo tanque e tampo, em duas unidades no valor de €162,00 cada e no valor global €324,00;

9.2.5 - Fornecimento e aplicação de bidé, incluindo misturadora em duas unidades no valor de €126,00, cada, no valor global de €252,00;

10. Instalações elétricas, no valor global de € 7.680,00:

10.1 - Execução de uma nova instalação elétrica nos quartos, cozinha, salas, instalações sanitárias e sótão:

10.1.1 - Instalação composta por um quadro geral e por um quadro parcial por piso.

10.1.2 - Todos os quadros dotados de proteção diferencial, para garantir a seletividade entre os mesmos.

10.1.3 - Mecanismos de comando e tomadas, da marca EFAPEL, com acabamentos EFAPEL série Logus branca, no valor de €7.680,00;

11 – Instalações de telecomunicações em edifícios:

11.1 - Execução de uma nova instalação de telecomunicações:

11.1.1 - Tomadas da marca EFAPEL, com acabamentos EFAPEL série Logus branca, no valor de €1.560,00;

13 – Diversos, no valor global de €900,00:

13.1 - Execução de remates, em gesso, necessários a um perfeito acabamento, entre as novas caixilharias e a alvenaria existente, no valor de €360,00;

13.2 - Reconstrução da lareira existente na sala no valor de €540,00.

59 - O fogo e a água usada na extinção do incêndio provocaram danos nos seguintes bens que os autores recentemente haviam adquirido para mobilar o imóvel: pelo menos dois colchões, em valor que em concreto não foi possível apurar, uma cama de casal nova, estrutura e cabeceira forrada em tecido, de valor que em concreto não foi possível apurar, uma cama de casal nova, estrutura e cabeceira forrada em tecido, com estrado elevatório e arrumação, de valor concreto não apurado, pelo menos um estrado de cama de casal de valor concretamente não apurado.

60 – O prédio dos autores não tem condições para ali permanecerem enquanto não forem concluídas as obras de reparação, não dispondo eles de outro para residir naquela zona para onde planearam regressar.

66 – O arrendamento de um prédio com caraterísticas semelhantes ao dos autores, naquela zona, implica o pagamento de uma renda de cerca de €550,00.

67 – Os autores, residindo no estrangeiro há cerca de seis anos, ansiavam regressar definitivamente a Portugal.

68 – Os autores, com as economias que amealharam, compraram o prédio supra descrito, iniciaram a remodelação e mobilaram a casa onde sonhavam morar.

69 – Porém, por força do incêndio, esse projeto dos réus foi adiado.

70 – Os autores, com o incêndio, perderam as inovações que fizeram no prédio e viram destruídas mobílias que para o mesmo haviam adquirido.

71 - A autora, que é paciente de alto risco confirmado, seguida na Clínica (…), iria viajar para Portugal em abril 2018 para se sujeitar a uma intervenção cirúrgica, da qual pretendia recuperar em sua casa, hipótese que, com o incêndio, ficou afastada.

72 - Os réus não assumiram a responsabilidade pelos prejuízos, pelo que os autores tiveram encarar a possibilidade de terem que suportar os custos de reconstrução do seu imóvel.

73 - Nesse sentido, após o incêndio descrito, contra os planos que tinham, os autores voltaram a renovar os contratos de trabalho que têm em Macau.

74 - Os factos supra descritos causaram aos autores preocupações, tristeza, incómodos e ansiedade.

75 – Tais sentimentos são agravados pela distância a que os autores se encontram e pelas diferenças horárias que, para além de lhes impedirem o contacto direto com os factos, implicam que tenham de mobilizar a família para os auxiliar com a situação descrita.

76 - Desde o incêndio, o filho do autor J (…) deslocou-se de Lisboa para x (...) , para casa de familiares.

77 - Após o incêndio, os autores, através do seu mandatário e através do filho do autor J (…), procuraram junto do réu A (…), enquanto gerente da ré F (…) que esta assumisse a responsabilidade pelos danos e pela sua reparação.

78 – Porém, o réu A (…) recusou qualquer responsabilidade pelo sucedido e recusou-se a continuar a obra ou proceder a qualquer reparação do imóvel sem o pagamento de tais trabalhos.

79 - Revelou ainda que, ao contrário do que havia declarado aquando da fixação dos termos da empreitada, a sociedade não tinha subscrito qualquer seguro de responsabilidade civil.

80 - Em conformidade com esta posição assumida pelo seu gerente, até ao presente a ré F (…) não fez qualquer reparação no imóvel dos autores para recuperar os danos provocados pelo incêndio, tendo-se limitado a colocar toldos no topo das paredes de forma a diminuir entrada de água das chuvas.

81 – A ré F(…) tem sua sede instalada no domicílio dos requeridos A (…) e M (…).

82 - Uma das carrinhas usada para o transporte dos trabalhadores (Nissan Vanette de matrícula (...) ), está registada em nome da ré M (…)

83 - Os réus A (…) e M (…) integram os valores recebidos pela ré F (…) diretamente no seu património, sem fazer passar tais pagamentos pelo património da sociedade, nem os contabilizando.

84 – Os réus a (…) e M (…) recebem em numerário o pagamento dos créditos resultantes das obras feitas pela ré F(…), o que sucedeu no ano de 2017, a pedidos dos réus, relativamente ao preço de obras de remodelação num apartamento, executadas por ordem da Sra. (…).

85 – A ré F (…) desde 2012, não faz a sua apresentação anual de contas, tendo nesse ano feito apenas a apresentação de contas de 2010.

86 - A ré F(…) não é proprietária de qualquer bem (móvel ou imóvel) ou direito capaz de garantir o pagamento dos prejuízos causados aos autores.

87 – Tendo, além do mais, ficado destruído o telhado do prédio dos autores com o incêndio, revela-se inviável a finalização da obra acordada sem uma reconstrução do prédio.

88 – O réu A (…) mencionou expressamente no orçamento de fls. 30 v que a empresa possuía seguro, embora soubesse que tal não correspondia à verdade.

89 – A ré M (…) cuida da lida da casa onde habita com o seu agregado familiar, composto por si, pelo marido e pelos netos, e cuida de pessoas idosas, mediante uma remuneração.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Os alegados nos artigos - 8º (parcialmente), 9º (parcialmente), 14º (parcialmente), 15º (parcialmente), 36º (parcialmente), 43º (parcialmente), 46º (parcialmente), 73º (parcialmente), 74º parcialmente), 75º (parcialmente), 85º (parcialmente), 87º (parcialmente), 89º (parcialmente), 98º, 100º, 113º (parcialmente) da petição inicial;

- 2º, 6º, 9º, 11º, 12º, 13º, 14º, 24º, 28º, 40º (parcialmente), 43º, 44º, 45º, 45º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 65º, (parcialmente da contestação;

e) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

Não se farão considerações sobre o enquadramento jurídico geral dos factos, por estar já feito na sentença e não ter sido colocada em causa no recurso, seguindo-se diretamente para análise das questões colocadas no recurso.

1. Vejamos se a ré M (…) é parte ilegítima, porquanto nada teve a ver com a empreitada, sendo apenas esposa do gerente e único sócio, não exercendo qualquer função dentro da sociedade, nem de direito nem de facto.

A este respeito, verifica-se que os autores nos artigos 117 e seguintes da petição, sob a epígrafe «Da responsabilidade dos réus…» também fundam a responsabilidade da ré mulher no facto de estar casada com o réu marido e no facto dos valores auferidos por este na sua atividade industrial e comercial integrarem o património comum do casal (cfr. artigo 125.º da p. i.).

Por conseguinte, em sede processual que é o campo onde a legitimidade se coloca, portanto independentemente da prova dos factos que seja feita, a ré mulher tem legitimidade passiva para ser demandada com fundamento no n.º 1 do artigo 1691.º (Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges) do Código Civil, onde se dispõe que «São da responsabilidade de ambos os cônjuges: a)…; b)….; c) …; d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens;…».

Por conseguinte, a esta luz a ré mulher é parte legítima, pelo que improcede pelo exposto esta argumentação recursiva.

2. Cumpre verificar agora se existiu excesso de pronúncia porquanto os autores pediram a condenação da ré M (…) enquanto gerente de facto, já que esta assumia, segundo os autores, o comando da gerência conjuntamente com o seu marido, dando ordens, instruções, indo aos trabalhos.

Não se verifica excesso de pronúncia porque o Tribunal a quo entendeu não condenar a ré enquanto gerente de facto, mas sim pelo facto da dívida contraída pelo gerente seu marido lhe ser comunicável e como acima já se referiu os autores também invocaram na petição inicial este fundamento jurídico.

Passando à questão seguinte.

3 – Coloca-se agora a questão de saber se deve ser afastada a indemnização pedida pelos autores uma vez que os réus, segundo eles, não violaram qualquer dever de zelo ou vigilância.

Não assiste razão aos recorrentes pelos seguintes motivos.

Em primeiro lugar, olhando aos factos, verifica-se que os funcionários da ré procederam à queima de materiais na lareira (facto provado 31) e «Devido ao excesso de material combustível que colocaram a arder na lareira, e devido à presença do “cuprinol” nas traves de madeira que suportavam o telhado, estas incendiaram-se na zona da sala por cima da lareira» (facto provado 34), «Não estando a lareira vigiada, os trabalhadores da ré F(…) não se aperceberam do incêndio no exato momento em que este deflagrou» (facto provado 35), «Tendo-se o incêndio propagado para as restantes traves do telhado» (facto provado 36).

Em segundo lugar, face a estes factos, cumpre concluir que existiu culpa por parte da ré, concretamente dos respetivos trabalhadores.

Com efeito, nos termos do n.º 1, do artigo 483.º, do Código Civil, «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 800.º (Atos dos representantes legais ou auxiliares) do Código Civil estabelece que «O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor».

No que respeita à culpa, o artigo 487.º do Código Civil determina que «A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso».

Ora, agir com culpa «significa atuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» ([1]) e no âmbito da negligência cabem em primeiro lugar os casos «em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» ([2]).

No caso, os trabalhadores da ré colocaram materiais na lareira em excesso, atearam-lhe fogo e a intensidade do fogo assim gerado, devido à presença de cuprinol das traves em madeira, incendiaram-se na zona da sala situada por cima da lareira, sem que os trabalhadores se tivessem apercebido do ateamento do fogo.

Existiu aqui a omissão de um dever de controlo sobre a intensidade das chamas e do respetivo calor por elas irradiado, pois é sabido que quanto maior for a quantidade de material combustível, maior é o volume das chamas e do calor e esse maior volume pode propagar-se a outros materiais inflamáveis, como foi o caso.

Existiu, pois, a omissão de um dever, do dever de colocar na lareira uma quantidade de material combustível adequada a manter as chamas e o calor num nível de fraca intensidade, o que tinha sido conseguido se os trabalhadores tivessem colocado uma quantidade diminuta de material combustível, como ocorre quando se acende uma lareira para aquecimento dos presentes.

A omissão desde dever foi causal para o ateamento do fogo ao telhado, pois resulta claro que o mesmo se deu devido à intensidade do fogo que resultou da quantidade excessiva de material combustível.

Improcede, por conseguinte, este fundamento recursivo.

4 – Concluindo-se como se concluiu pela responsabilidade do empreiteiro, no caso uma sociedade, coloca-se a questão de saber se deverão isentar-se de responsabilidade os réus, pessoas singulares, porquanto não existiu confusão de patrimónios.

Não assiste razão aos réus.

Com efeito, resultou provada a confusão de patrimónios como se mostra pelos factos provados dos n.º 81 a 89:

Em especial os factos provados 83 a 86 «Os réus A (…) e M (…) integram os valores recebidos pela ré F(…) diretamente no seu património, sem fazer passar tais pagamentos pelo património da sociedade, nem os contabilizando»;

«84 – Os réus A (…) e M (…) recebem em numerário o pagamento dos créditos resultantes das obras feitas pela ré F(…), o que sucedeu no ano de 2017, a pedidos dos réus, relativamente ao preço de obras de remodelação num apartamento, executadas por ordem da Sra. (…)»;

«85 – A ré F(…), desde 2012, não faz a sua apresentação anual de contas, tendo nesse ano feito apenas a apresentação de contas de 2010»;

«86 - A ré F (…) não é proprietária de qualquer bem (móvel ou imóvel) ou direito capaz de garantir o pagamento dos prejuízos causados aos autores».

Face a estes factos, vejamos a importância que a lei e o direito lhe atribuem.

Nas palavras de Menezes Cordeiro, «A personalidade colectiva permite imputar condutas humanas a entes abstractos» e, por via disso, «Ela permite exonerar de responsabilidade os agentes visíveis das pessoas colectivas. Tais agentes, desde que observem determinadas regras de funcionamento interno, não são incomodados pelo que façam: os danos são imputados à própria pessoa colectiva. Além disso, a responsabilidade patrimonial – e portanto: a adstrição dum património ao pagamento de dívidas – das pessoas colectivas limita-se, em princípio, ao próprio património delas. Trata-se de mais uma gama de vantagens potenciadas pela personalidade colectiva.

Mas tudo isto terá limites. Bem se compreende que não seja possível, ao abrigo da personalidade colectiva, provocar sem consequências danos ilícitos. Tão-pouco é pensável, sempre ao abrigo dessa personalidade, contrair dívidas em pura perda dos credores. Em certas circunstâncias, a Ciência do Direito permite o “levantamento da personalidade” de modo a surpreender os verdadeiros responsáveis por certos efeitos. Esse “levantamento” é particularmente requerido perante sociedades que controlem outras sociedades» ([3]).

Continuando com o mesmo autor, este indica-nos os principais grupos de casos suscetíveis de cair sob a alçada do instituto:

«-situações de violação não-aparente de norma jurídicas: a pretexto da personalidade colectiva, são descuradas normas de contabilidade, de separação de patrimónios ou de clareza nas alienações;

-situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios: as pessoas que têm a seu cargo a administração de pessoas colectivas agem sem a diligência legalmente requerida para tais funções;

-situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger interesses alheios, sob invocação da existência duma pessoa colectiva;

-situações de emulação nas quais, sem razões justificativas, alguém usa uma pessoa colectiva para causar prejuízos a terceiros;

-situações de violação da confiança ou de atentado às valorações subjacentes, através duma pessoa colectiva;

-situações em que pessoas colectivas são usadas fora dos objectivos que levaram as normas constituintes respectivas a estabelecê-las;

-situações em que jogos de pessoas colectivas são montados ou actuados para além dos princípios básicos do sistema» ([4]).

É em situações enquadráveis nestes tipos que o instituto tem aplicação, permitindo juridicamente afastar o «escudo» da personalidade colectiva e alcançar os responsáveis pelas situações concretas ofensivas dos valores que sustentam o sistema jurídico, que de outra forma seriam inalcançáveis.

Como se ponderou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Maio de 2002 ([5]) a desconsideração da personalidade jurídica traduz-se no desrespeito pelo princípio da separação entre ela e os sócios e origina a responsabilidade directa e ilimitada dos sócios e dos membros sociais com base no abuso de direito.

Mais recentemente, o STJ, no seu acórdão de 7-11-2017, no processo 919/15.4T8PNF.P1.S1 (Alexandre Reis), reafirmou este entendimento:

«I - O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros.

II - Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam» – (sumário), consultável em  www.dgsi.pt

No mesmo sentido, entre vários outros, o acórdão do STJ de 10-05-2016 no processo 136/14.0TBNZR.C1.S1 (Fonseca Ramos), «…IX - A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação.

X - Nos casos de deliberada confusão patrimonial, bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis» – (sumário), consultável em www.dgsi.pt.

A lei não contém um preceito que preveja exatamente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mas a sua justificação resulta na generalidade dos casos do princípio da boa fé que informa o direito dos contratos, consagrado no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil, conjugado com a norma geral do abuso de direito constante do artigo 334.º do mesmo código.

Resta apenas acrescentar que o levantamento da personalidade jurídica da sociedade só deve ser feito quando não há outro modo de salvaguardar os interesses dos credores da sociedade, ou seja, em caso de necessidade, tendo. Por isso, caráter subsidiário [«…IV - O recurso ao instituto do levantamento da personalidade colectiva é de carácter subsidiário, só assumindo cabimento caso não exista outro fundamento legal que invalide a conduta desrespeitosa» - Acórdão do STJ de 19-06-2018 no processo 446/11.9TYLSB.L1.S1 (Graça Amaral)].

Vejamos agora o caso dos autos.

Como se retira dos factos provados acima transcritos, os réus gerem a sociedade e têm-se servido desta para angariar proventos em benefício próprio, utilizando a personalidade da sociedade para realizar negócios, mas dispondo do património desta como se fosse deles próprios.

Assim, há anos que não publicitam contam, pois a última apresentação de contas da sociedade data de 2010; os réus têm recebido em numerário o pagamento dos créditos resultantes das obras feitas pela ré F (…) (facto provado 84) e a ré F(…) não é proprietária de qualquer bem (móvel ou imóvel) ou direito capaz de garantir o pagamento dos prejuízos causados aos autores (facto provado 86).

Verifica-se, pois uma situação contrária ao estipulado pela lei que determina a separação efetiva entre o património da sociedade e o dos seus órgãos representantes resultando desta atuação abusiva prejuízo para os credores (os autores) porque devido a esta atuação os autores não encontram no património da sociedade bens que possam responder pelas dívidas da sociedade.

Verifica-se, pelo exposto, que a decisão tomada na decisão recorrida, no sentido de desconsidera a personalidade jurídica da sociedade ré, para deste modo responsabilizar também os réus, pessoas singulares, se encontra devidamente fundamentada.

Improcede, pois, este último argumento recursivo, cumprindo manter a sentença recorrida.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.


*

Coimbra, 14 de janeiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª Ed., pág. 480.

[2] Prof. Antunes Varela, Ob. Cit., pág.491 e 492.

[3] O Levantamento da Personalidade Colectiva. Coimbra: Almedina, 2000, pág. 9 e 10, respetivamente. Sobre o tema ver também Catarina Serra, «Afastamento da personalidade jurídica», em especial fls. 113 a 120 relativamente ao enquadramento dogmático da figura; Armando Manuel Triunfante/Luís Lemos Triunfante, «Desconsideração da Personalidade Jurídica; e Suarez Robledano, «Utilizacíon Abusiva de las Personas Jurídicas», na Revista Julgar, n.º 9 (Setembro/Dezembro de 2009), pág. 111-130, 131-146 e 191-202, respetivamente.
[4] Ob. cit., pág. 147-148.

[5] Colectânea de Jurisprudência (S.T.J.). Ano X, Tomo II, pág. 53.