Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4278/15.7T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CRÉDITO LABORAL
GARANTIA
LEI APLICÁVEL
IMÓVEL
LOCAL DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. COMÉRCIO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTº 333º DO CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI Nº 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO.
Sumário: I – Tem sido entendido de forma pacífica que a lei aplicável à graduação de créditos em processo de insolvência é a que se encontra em vigor na data do trânsito em julgado da sentença que a declara.

II - Segundo a previsão normativa – artº 333º C. Trabalho -, atendendo à causa do crédito - emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação - o mesmo goza de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador em que o trabalhador/credor presta a sua actividade.

III – Nesse conceito não estão abrangidos à partida todos os imóveis que integram o património do empregador, devendo existir e sendo cognoscível a necessária conexão entre o crédito e o(s) bem(ns) onerado(s) com a garantia: trata-se dos imóveis que pelo empregador estejam afectados de forma estável à sua organização empresarial, tendo em vista o desenvolvimento da sua actividade, para a qual contribui a prestação de que emerge o crédito laboral garantido.

Decisão Texto Integral:





I-Relatório

Por sentença proferida em 22 de Maio de 2015, já transitada em julgado, foi decretada a insolvência de M..., SA e fixado em 20 dias o prazo para a reclamação de créditos.

Findo o prazo para a reclamação, o administrador da insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE.

U..., S.A. impugnou a lista de créditos reconhecidos, com fundamento na incorrecção do montante do crédito que lhe foi reconhecido, a par da I..., Lda., esta com fundamento na exclusão do seu crédito, que invocou ascender a €11.453,54.

O Sr. Administrador da Insolvência não respondeu às impugnações, vindo as mesmas a ser julgadas procedentes.

Julgados verificados os créditos reconhecidos e não impugnados e, bem assim, aqueles que, tendo sido objecto de impugnação, não obtiveram resposta por banda do Sr. AI, tendo sido apreendidos para a massa cinco imóveis, uma viatura, móveis e acções, foram os mesmos créditos objecto da seguinte graduação:

“1.º sobre o produto da venda dos imóveis relacionados nas verbas nºs 1 e 2:

Em primeiro lugar os créditos laborais dos ex-trabalhadores ...;

Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

Em terceiro lugar os créditos hipotecários do Banco C..., S.A.;

Em quarto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

Em quinto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS e IRC;

Em sexto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com excepção dos créditos subordinados;

Em sétimo lugar, os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE;

2.º sobre o produto da venda do imóvel relacionado na verba nº 3:

Em primeiro lugar os créditos laborais dos ex-trabalhadores ...;

Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

Em terceiro lugar os créditos hipotecários da C..., S.A.;

Em quarto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

Em quinto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS e IRC;

Em sexto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos, com excepção dos créditos subordinados;

Em sétimo lugar, os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE;

3.º sobre o produto da venda dos imóveis relacionados nas verbas nºs 4 e 5:

Em primeiro lugar os créditos laborais dos ex-trabalhadores...;

Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

Em terceiro lugar os créditos hipotecários da C..., S.A.;

Em quarto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

Em quinto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS e IRC;

Em sexto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com excepção dos créditos subordinados;

Em sétimo lugar, os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE;

4º sobre o produto da venda da 750 acções da G...:

Em primeiro lugar o crédito pignoratício da G..., S.A.;

Em segundo lugar os créditos dos ex-trabalhadores;

Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e os créditos da Fazenda Nacional a título de IVA, IRS e IRC;

Em quarto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com excepção dos créditos subordinados;

Em quinto lugar os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE;

5º sobre o produto da venda dos restantes bens móveis:

Em primeiro lugar os créditos dos ex-trabalhadores;

Em segundo lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e os créditos da Fazenda Nacional a título de IVA, IRS e IRC;

Em terceiro lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com excepção dos créditos subordinados;

Em quarto lugar os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE.”

Inconformada, apelou a credora C... e, tendo desenvolvido em sede de alegações as razões da sua discordância com o decidido, condensou-as a final nas seguintes necessárias conclusões:

...

Com tais fundamentos pretende que na procedência do recurso seja revogada a sentença recorrida e sua substituição por outra que reconheça a prioridade do crédito da recorrente.

Não houve contra alegações.

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1 do CPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente nos termos do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Assim, considerando o teor das conclusões acima transcritas, a única questão submetida à apreciação deste Tribunal consiste em determinar se os créditos dos identificados trabalhadores gozam de privilégio imobiliário sobre os imóveis identificados no auto de apreensão como verbas 3, 4 e 5.

II. Fundamentação

De facto

Conforme resulta do disposto no art.º 154.º, n.º 1, todas as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo terão de ser devidamente fundamentadas, impondo-se a indicação na sentença dos factos provados e não provados (cf. artºs 607º, nº3).

Ora, da análise da sentença proferida, e para lá da remissão, no que refere aos créditos reconhecidos, para a lista “junta de fls. 85 a 96”, cujos dizeres foram dados por integralmente reproduzidos “no que concerne à origem, montante e natureza dos créditos”, é a sentença proferida omissa quanto aos factos idóneos a permitirem a qualificação de cada um dos créditos reconhecidos e, nomeadamente, dos créditos laborais -omissão que, de resto, é absoluta, uma vez que não procedeu a Mm.ª juíza à enunciação, de forma destacada e autónoma, de quaisquer factos como adquiridos. Com efeito, a propósito da questão que nos ocupa, limitou-se a Mm.ª juíza a referir, já em sede de fundamentação jurídica, que “os trabalhadores ... prestaram serviço nos imóveis relacionados nas verbas 1. a 5., conforme esclarecimento prestado pelo administrador da insolvência a fls. 102”.

Ora, devendo entender-se que a consideração do facto pressupõe que o mesmo foi tido como assente, certo é que a recorrente contrapõe que tal situação não se verificava já desde o ano de 2008, data a partir da qual os ditos imóveis se encontravam arrendados a terceiros, tal como consta do relatório elaborado pelo mesmo Sr. AI, certificado de fls. 144 a 149 dos presentes autos e não impugnado.

Estamos assim perante impugnação de facto considerado pela Mm.ª juíza, sendo certo que, vistos os termos da aludida informação prestada pelo Sr. Administrador, que alude aos elementos colhidos junto de cada um dos trabalhadores, todos aqueles que prestaram serviço nos imóveis aqui em causa fizeram-no apenas até 1996, com excepção da trabalhadora M..., que ali se terá mantido até 2009, não havendo notícia da permanência de qualquer um dos trabalhadores naqueles imóveis depois desta data. Acresce que, conforme consta do relatório elaborado pelo Sr. Administrador, sem impugnação conhecida, tais imóveis terão sido arrendados pela insolvente no ano de 2008, situação em que se mantinham à data da declaração da insolvência, factualidade esta a que terá de se atender.

Deste modo, porque dos autos resultam elementos que permitem colmatar a omissão constante da sentença recorrida, atento o disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, aplicável aos acórdãos por força do disposto no n.º 2 do art.º 663.º, ambos os preceitos do CPC, são os seguintes os factos a considerar com pertinência para o conhecimento da questão suscitada em sede de recurso:
1. A devedora foi constituída em Abril de 1920, tendo por actividade o “comércio de papelarias, material gráfico e de escritório e material técnico e de desenho” (cf. relatório de fls. 144 a 149 dos autos).
2. A devedora foi declarada insolvente por sentença proferida em 22 de Maio de 2015, transitada em julgado.
3. Foram apreendidos para a massa insolvente, para além do mais, os seguintes imóveis:
verba n.º 3:
Fracção autónoma designada pela letra “A”, ...;
verba nº 4:
Fracção autónoma designada pela letra “B”, ...:
Fracção autónoma designada pela letra “D”, ...
A devedora exerceu a sua actividade nos imóveis identificados em 3., instalações que deixou em 2008, tendo-as arrendado a terceiros, e transferiu a sua sede para outro edifício, igualmente de sua propriedade, sito na localidade de ..., em Coimbra (relatório de fls. 144 a 149 do presentes autos).
4. Nos últimos 3 anos a insolvente desenvolveu a sua actividade, nas vertentes de comércio por grosso e a retalho, nas aludidas instalações, sitas em ..., explorando também um estabelecimento comercial -armazém de revenda- em local arrendado na Zona Industrial de Tortosendo.
5. Sobre os imóveis identificados em 3. incide hipoteca para garantia do crédito reconhecido à C... no montante de €521 698,33.
7. Foram reconhecidos os seguintes créditos a trabalhadores da insolvente:
...
8. Os trabalhadores ... trabalharam no imóvel relacionado na verba n.º 3 até 1996, com excepção de M..., que ali se manteve até 2008-2009, altura em que foi arrendado a terceiro.
9. Os trabalhadores ... prestaram o seu trabalho nos imóveis relacionados nas verbas nºs 4 e 5 até 1996, com excepção de M..., que ali se manteve até 2008-2009, altura em que foram arrendados a terceiros.
De Direito
Conforme enunciado, em causa está apenas o reconhecimento de que os créditos reconhecidos aos trabalhadores identificados nos pontos 8. e 9. gozam de privilégio imobiliário especial sobre os imóveis descritos nas verbas 3., 4. e 5. do auto de apreensão, segmento da decisão contra o qual se insurge a recorrente.

Tem sido entendido de forma pacífica, e não se questiona neste recurso, que a lei aplicável à graduação de créditos em processo de insolvência é a que se encontra em vigor na data do trânsito em julgado da sentença que a declara (Cf., a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 22 de Outubro de 2009, proc. nº 6054/04.0TJVNF-A-S1, de 8 de Junho de 2010, proc. nº 3147/04.0TBSTS-A.P1.S1 e ainda de 7/2/2013, proc. n.º 148/09.6 TBPST.F.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Deste modo, e mantendo tal entendimento, do qual não se vê razão para dissentir, ao caso em apreço é aplicável o disposto no artigo 333.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Epigrafado de “Garantias de créditos do trabalhador”, dispõe o preceito em referência:

Privilégios creditórios

1 – Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:

a) Privilégio mobiliário geral;

b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.

2 – A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:

a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;

b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social”.

Segundo a previsão normativa, atendendo à causa do crédito -emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação- o mesmo goza de privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador em que o trabalhador/credor presta a sua actividade.

Faz-se notar, antes de mais, que o legislador não define o que seja o local de trabalho. Do labor doutrinário emerge o conceito, que se tem por aceite, de que se trata do local onde o trabalhador, de forma estável ou permanente, cumpre a sua prestação, sendo certo que a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias que a lei, enquanto tal, lhe reconhece. Todavia, a ser este o conceito acolhido no transcrito art.º 333, conforme cedo notaram doutrina e jurisprudência, número importante de trabalhadores veria os seus créditos postergados e não satisfeitos -pensemos naquelas actividades cuja natureza não se compadece com a existência de um local de trabalho único ou preponderante, como ocorre com os motoristas, ou em que o local de trabalho se altera em função da actividade desenvolvida, caso dos trabalhadores da construção civil-, abrindo ainda caminho a situações de injustiça relativa entre os trabalhadores de um mesmo empregador: nos exemplos apontados, os créditos dos trabalhadores administrativos que, por hipótese, prestassem serviço na sede da empresa, gozariam de privilégio imobiliário especial sobre o produto da venda do edifício, ao passo que os créditos dos motoristas ou dos pedreiros, tendo a mesmíssima origem, seriam tratados como créditos comuns.

A constatação de que um tal entendimento literal conduziria à violação do princípio da igualdade, pondo ainda em causa o direito à retribuição, também ele com dignidade constitucional (cf. art.º 59.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da CRP), ditou uma interpretação estendida do preceito, dispensando uma ligação naturalística do trabalhador ao local da prestação e bastando-se com uma ligação funcional, de modo que abrangida pelo privilégio fica a universalidade dos bens imóveis existentes no património da insolvente, enquanto unidade empresarial, e por esta afectados de forma estável à sua actividade industrial, e não apenas um específico prédio onde o trabalhador presta efectivamente o seu trabalho, isto supondo que o património da empresa é constituído por vários prédios.

Tal interpretação extensiva, assente nos enunciados princípios da igualdade e não discriminação injustificada dos trabalhadores, vem sendo persistentemente defendida pela nossa jurisprudência, dando resposta a todas as situações em que uma interpretação meramente literal do preceito conduziria a uma iníqua desprotecção de uns trabalhadores face a outros da mesma entidade patronal, comprometendo mesmo o direito à retribuição daqueles que fossem excluídos da protecção conferida pela norma. Trata-se de uma interpretação conforme à Constituição, consentida à luz dos critérios interpretativos consagrados no art.º 9.º do CC, tanto mais que o preceito em causa se inscreve numa clara evolução legislativa no sentido de garantir aos trabalhadores um efectivo direito à retribuição, dada a sua reconhecida relevância social.

E não se diga que o entendimento preconizado faz renascer o antigo privilégio imobiliário geral e com ele o espectro da desconformidade à Lei Fundamental por violação do princípio da confiança que o assombrava. Com efeito, não só não estão abrangidos à partida todos os imóveis que integram o património do empregador, como existe e é cognoscível a necessária conexão entre o crédito e o(s) bem(ns) onerado(s) com a garantia: trata-se dos imóveis que pelo empregador estejam afectados de forma estável à sua organização empresarial, tendo em vista o desenvolvimento da sua actividade, para a qual contribui a prestação de que emerge o crédito laboral garantido.

Decorrência do entendimento exposto, não será atingido pelo privilégio especial de que nos ocupamos, a ele sendo subtraído, “o património do empregador não afecto à sua organização empresarial, notadamente os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho” (do acórdão do STJ de 13/9/2011, revista n.º 504/2008.7 TBAMR-D.G1.S1, 1.ª secção, em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/insolvencia.pdf[1].

No caso em apreço, conforme decorre da factualidade assente nos autos, tendo embora os imóveis identificados como verbas 3., 4. e 5. estado afectados à organização empresarial da insolvente, certo é, porém, que desde 2008 se encontram arrendadas a terceiros, passando a actividade daquela a desenvolver-se num imóvel próprio, sito em ..., e num outro armazém, este arrendado, localizado na Zona Industrial de Tortosendo, locais nos quais os trabalhadores reclamantes passaram a prestar o seu trabalho, não existindo nos autos o mínimo indício de que aqueles outros imóveis tenham tido, desde então, qualquer conexão com esta mesma actividade. Deste modo, afigura-se que tendo por referência a data da insolvência nenhum dos referidos imóveis se encontrava afectado à organização empresarial da insolvente ou fazia parte das estruturas produtivas da mesma, sendo certo que a insolvente não tinha por objecto social o arrendamento de imóveis, tendo portanto tais contratos com terceiro sido celebrados à margem daquela que era a actividade por si desenvolvida”.

Ora, em nosso entender, para que sobre os prédios em causa pudesse incidir o privilégio imobiliário especial de que nos ocupamos, era necessário que a afectação à actividade desenvolvida pela insolvente se verificasse e subsistisse à data da declaração da insolvência, conforme parece resultar dos termos do enunciado art.º 333.º do CT. A este respeito, afirmou-se no aresto do STJ de 10/11/2011, proferido no processo 278/10.1 TBFND, acessível em www.dgsi.pt, que “(…) para o que aqui importa, a lei confere privilégio imobiliário especial aos créditos laborais dos trabalhadores, sobre os bens imóveis do empregador nos quais ao tempo da declaração de insolvência eles exerciam a sua actividade (al. b) do n.º 1 da disposição)” (é nosso o destaque), entendimento com o qual concordamos. Decorrência do que vem de se expor, serão de excluir tais imóveis do privilégio imobiliário especial de que gozam os créditos reconhecidos aos mencionados trabalhadores, assim fazendo proceder o recurso.

III Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso e, em consequência, alteram a sentença recorrida no segmento impugnado, graduando os créditos sobre as verbas n.ºs 3, 4 e 5 pelo seguinte modo:

2.º sobre o produto da venda do imóvel relacionado na verba nº 3:

Em primeiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

Em segundo lugar os créditos hipotecários da C..., S.A.;

Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

Em quarto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS e IRC;

Em quinto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos, incluindo os dos trabalhadores, com excepção dos créditos subordinados;

Em sexto lugar, os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE;

3.º sobre o produto da venda dos imóveis relacionados nas verbas nºs 4 e 5:

Em primeiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

Em segundo lugar os créditos hipotecários da C..., S.A.;

Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

Em quarto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS e IRC;

Em quinto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos, incluindo os dos trabalhadores, com excepção dos créditos subordinados;

Em sexto lugar, os créditos subordinados, ou seja, os créditos reclamados por ... e os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência, pela ordem a que alude o art.º 48º do CIRE.

Sem tributação autónoma.


Relator:
Maria Domingas Simões
Adjuntos:
1º - Jaime Ferreira
2º - Jorge Arcanjo


***

[1] De que se destacam os seguintes pontos do sumário: “III - Os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente a todos os imóveis integrantes do património da insolvente afectos à sua actividade empresarial, e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalharam (v.g., edifício destinado às instalações administrativas, edifício de armazenamento de stocks, ou o ocupado com a linha de produção), e independentemente do seu particular posto e local de trabalho ser no interior ou exterior das instalações (operário fabril, operador de bancada, informático ou porteiro).
IV - Mas apenas sobre os prédios que integram a mesma actividade e não sobre outros que, porventura, a insolvente tenha afectos a diferente e diversa actividade empresarial ou para sua fruição pessoal (…).

No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, acórdãos desta Relação de 16.10.2007-processo 3213/04.2TJCBR-AL.C1; 28 de Junho de 2011, processo n.º 494/09.9 TBNLS.C.C1; de 12/6/2012, processo n.º 1087/10.3 TJCBR.C1, relatado pelo aqui 1.º Adjunto; de 26/11/2013, processo n.º 2534/709.2 TBVIS.C1, relatado pela ora Relatora; TRG de 11/5/2015, processo n.º 1919/14.7 TBVCT.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt