Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
237/10.4TBTBU-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.4 Nº3, 46 Nº1 C), 812 CPC
Sumário: 1.- Extrai-se da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil que: a) são exequíveis documentos de natureza meramente particular; b) tais documentos devem conter a assinatura do devedor; c) esses documentos devem patentear a assunção ou a constituição de vínculo jurídico que importe o nascimento de: c.1) obrigações pecuniárias; c.2) obrigações de entrega de coisa certa; c.3) obrigações de prestação de facto; d) Tratando-se de obrigações pecuniárias, as mesmas devem poder ser definidas através de uma simples exegese ou análise directa das cláusulas contratuais (eventualmente associada ao exame de documentos complementares com elas juntos) ou, quando não patentes no que se reporta ao seu montante, devem poder ser determináveis através de meras operações aritméticas;

2. - Ao longo dos anos, foi sendo alargado o rol de documentos configuráveis como títulos executivos e a reforma de 1995 foi momento importante na reconfiguração da respectiva abrangência, sempre com a celeridade da tutela dos direitos em vista. Neste quadro de alargamento de conteúdos, algo se manteve intangível: a finalidade e os contornos, id est: a) a acção executiva busca concretizar diligências de soberania orientadas para a efectiva reparação do tecido social – na expressão no n.º 3 do art. 4,º do Código de Processo Civil a «reparação efectiva do direito violado»; b) o título executivo é o elemento estrutural e central da acção; c) tal título constitui o esteio, a essência e o elemento definidor da dimensão da execução;

3.- Entre as várias consequências que temos que extrair daqui, conta-se a de que o exame do título deve ser suficiente para gerar convencimento no sentido de que a obrigação existe e da sua dimensão.

4. - Atentos os narrados contornos «ontológicos», o título tem que nos indicar não só que a quantia definida é «X» mas também que é devida, e deverá fazê-lo em termos auto-subsistentes, ou seja, que dispensem demonstração complementar não coincidente com meras operações de liquidação – aliás proscritas neste caso;

5. - A validade do título não pode estar dependente da existência de um processado declarativo temporal e logicamente enxertado e de verificação ocasional. Há-de bastar-se por si próprio.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I. RELATÓRIO                  
N (…) UNIPESSOAL, LDA., com a identificação integral constante dos autos de execução, deduziu oposição à execução contra si instaurada por P (…), aí também melhor identificada, tendo peticionado que fosse julgada extinta a execução ou que, caso assim não se entendesse, fosse determinada a anulação do processado posterior à apresentação do requerimento executivo. Subsidiariamente, peticionou que fosse tal execução julgada parcialmente extinta, por procedência da excepção de compensação de créditos. Alegou, para o efeito, que:
O documento particular apresentado pela Exequente não preenche as condições legais de exequibilidade; a obrigação indicada no documento dado à execução não estava vencida à data da apresentação do requerimento executivo; a execução deveria ter início sem dispensa da citação prévia; a Exequente abandonou as suas funções de modo repentino sem comunicação formal de aviso e sem que facultasse à Executada a possibilidade de preparar a sua substituição, tendo-lhe causado prejuízos cujo valor deve ser objecto de compensação.
Na sua contestação, a exequente sustentou estar munida de um título executivo legalmente válido, nos termos previstos no artigo 46.º n.º1 c) do Código de Processo Civil, tendo também concluído pela exigibilidade da obrigação exequenda; a sua saída da formação apenas resultou da vontade da Executada.
Concluiu pela improcedência da oposição.
Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou totalmente improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da instância executiva.
É desta sentença que vem o presente recurso interposto por N (…) L.DA, que apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:
«I. O art. 50.º do CPC permite a formação de títulos executivos complexos quando estão em causa contratos de execução continuada, sendo o título base um documento exarado ou autenticado, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal.
II. Se o contrato de execução continuada se estipula por documento particular, já o art. 50.º, que não é aplicável aos títulos previstos no art. 46.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma, não permite a sua execução, até porque nenhum ciritério permite atribuir maior amplitude certificativa da obrigação a documentos particulares quando comparados com documentos autênticos ou autenticados.
III. Os contratos apresentados, em que se estipula a obrigação da Exequente prestar formação ao longo de um determinado período de tempo e a recíproca obrigação da Executada pagar essa formação, não podem valer como títulos executivos.
IV. Ao decidir de modo diverso, a douta sentença recorrida violou os arts. 46.º, n.º 1, al. c) e 50.º do CPC.
V. Mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que a Executada não estaria dispensada de provar que prestou efectivamente a formação, isto é, a Executada sempre teria de cumprir o ónus probatório previsto no art. 804.º do CPC no sentido de conferir o pressuposto específico material da exigibilidade à obrigação exequenda.
VI. Aliás, o mesmo art. 804.º do CPC sempre teria de ser aplicado quanto à condição contratualmente estipulada para o pagamento da formação, na parte em que se refere que o pagamento está dependente da entrada de fluxos financeiros da entidade pública que financia os cursos.
VII. Com o que, violou a douta sentença o art. 804.º do CPC.
VIII. Não sendo o título executivo judicial, a oposição à execução pode basear-se em qualquer fundamento que pudesse ser invocado em processo de declaração, isto é, o executado pode defender-se por impugnação e por excepção.
IX. A compensação é matéria de excepção peremptória na medida em que traduz um facto extintivo da obrigação e, processualmente, actua como excepção peremptória sempre que o valor do crédito do réu é igual ou inferior ao do autor ou sempre que, sendo superior, o réu não pretenda a condenação do autor a pagar o remanescente.
X. Não obsta à invocação da compensação a circunstância de o contra crédito ser ilíquido, assim como não deve exigir-se que esse mesmo contra crédito tenha sido previamente objecto de reconhecimento e declaração judicial.
XI. Decidindo de outro modo, a douta sentença recorrida violou os arts. 816.º do CPC e 847.º do C Civ.»
Concluiu dever ser concedido provimento ao recurso, substituindo sentença recorrida por outra que, julgando procedente a oposição, declare extinta a execução.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Os contratos apresentados, em que se estipula a obrigação de a Exequente prestar formação ao longo de um determinado período de tempo e a recíproca obrigação da Executada de pagar essa formação, não podem valer como títulos executivos?
2. Mesmo que assim não se entendesse, a Executada não estaria dispensada de provar que prestou efectivamente a formação, isto é, sempre teria de cumprir o ónus probatório previsto no art. 804.º do CPC no sentido de conferir o pressuposto específico material da exigibilidade à obrigação exequenda?
3. O mesmo art. 804.º do CPC sempre teria de ser aplicado quanto à condição contratualmente estipulada para o pagamento da formação, na parte em que se refere que o pagamento está dependente da entrada de fluxos financeiros da entidade pública que financia os cursos?
4. Não obsta à invocação da compensação a circunstância de o contra crédito ser ilíquido, assim como não deve exigir-se que esse mesmo contra crédito tenha sido previamente objecto de reconhecimento e declaração judicial?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil, remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância que a avaliou, ainda que sem fundamentação, com a seguinte excepção:
Dado que não resulta dos escritos dados à execução nem foi devidamente fundamentada pelo Tribunal a cristalização do aí inscrito, suprime-se, entre os factos declarados provados na decisão criticada, os referenciados sob as letras «C.», «F.», «I.»
Face ao conteúdo dos textos dados à execução, não impugnados quanto ao seu conteúdo, e ao alegado em sede de oposição e também não impugado, e considerando ainda o seu relevo para a decisão a proferir, adita-se a tais factos os seguintes:
1)
Consta dos escritos que se pretende executar:
«CLÁUSULA QUINTA

«Iniciada a área de competência-chave/área profissional, o(a) formador(a) tem a obrigatoriedade do cumprimento das horas refendas na cláusula segunda, para que sejam atingidos os objectivos definidos, estando sujeito a processos de avaliação do seu desempenho, podendo a qualquer momento o primeiro outorgante suspender o presente contrato se os níveis exigidos não forem atingidos, sem qualquer indemnização por perdas ou danos,
CLAUSULA SEXTA
Qualquer dos Outorgantes pode fazer cessar o presente contrato, unilateralmente, desde que avise por escrito a outra parte, com antecedência mínima de 60 dias.
O presente contrato pode cessar, sem necessidade de aviso prévio quando:
O Primeiro Outorgante deixe de realizar o curso objecto do presente contrato:
Houver desistência dos formandos;
Quando o Segundo Outorgante falte um número de horas seguidas ou Interpoladas Superior a 10 % da carga horária da formação ou falte às reuniões para as quais é convocado, com excepção de casos de força maior, justificadas por escrito.»
2)
Tais documentos nada referem sobre se o serviço neles descrito foi efectivamente prestado e em que condições.

Fundamentação de Direito
Os contratos apresentados, em que se estipula a obrigação de a Exequente prestar formação ao longo de um determinado período de tempo e a recíproca obrigação da Executada de pagar essa formação, não podem valer como títulos executivos?
Os escritos dados à execução têm o conteúdo referenciado na matéria de facto provada. Com relevo para a decisão, extrai-se de tais textos que contêm os mesmos a assinatura da exequente e de representante da executada, a palavra «contrato», a referência a terem como «objecto a prestação de serviços pela segunda outorgante para o exercício da função de formadora nas áreas de competência-chave/áreas profissionais de (…)», apenas variando a referência a estas áreas. Consta, ainda, de desses documentos, menção a um número de horas, a um valor de cada hora e a um montante global corresponde aos produtos desses dois factores. As datas indicadas como sendo a da sua elaboração reportaram-se a Outubro de 2008. Releva, também, o conteúdo das cláusulas quinta e sexta supra-aditadas nos termos que melhor se compreenderão infra.
Os textos em apreço são, insofismavelmente, documentos de natureza particular enquadráveis no disposto na alínea c) do art. 46.º do Código de Processo Civil que tem o seguinte conteúdo:
Artigo 46.º
Espécies de títulos executivos
1 - À execução apenas podem servir de base:
(...)
c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto;»
Extrai-se deste preceito que:
a) São exequíveis documentos de natureza meramente particular;
b) Tais documentos devem conter a assinatura do devedor;
c) Esses documentos devem patentear a assunção ou a constituição de vínculo jurídico que importe o nascimento de:
                 c.1) Obrigações pecuniárias;
                 c.2) Obrigações de entrega de coisa certa;
                 c.3) Obrigações de prestação de facto;
d) Tratando-se de obrigações pecuniárias, as mesmas devem poder ser definidas através de uma simples exegese ou análise directa das cláusulas contratuais  (eventualmente associada ao exame de documentos complementares com elas juntos) ou, quando não patentes no que se reporta ao seu montante, devem poder ser determináveis através de meras operações aritméticas.
Dando como seguro concretizarem-se as condições pressuponentes indicadas nas três primeiras alíneas, é ao nível da quarta que se centra a questão em apreço.
Longe vão os tempos dos quais dava nota o Ilustre Juiz Conselheiro Eurico Lopes-Cardoso no seu Manual da Acção Executiva (Lisboa, INCM, 1987), pág. 17, em que o processo de injunção servia para dar cumprimento aos decretos judiciais, ou seja, para fazer cumprir coercivamente as decisões dos Tribunais. Visava-se, então, despoletar um conjunto de mecanismos coercivos orientados para a reparação efectiva do direito declarado violado em termos já firmes e tendencialmente inabaláveis. Estava-se, nesse momento, perante o que se pode chamar de «resíduo seco» de um litígio, esgotada que estava a fase declarativa e quando subsistia apenas a pertinácia em não cumprir por parte do condenado.
Ao longo dos anos, foi sendo alargado o rol de documentos configuráveis como títulos executivos e a reforma de 1995, adequadamente referenciada na sentença recorrida a este nível, foi momento importante na reconfiguração da respectiva abrangência, sempre com a celeridade da tutela dos direitos em vista.
Neste quadro de alargamento de conteúdos, algo se manteve intangível: a finalidade e os contornos, id est:
a) a acção em apreço busca concretizar diligencias de soberania orientadas para a efectiva reparação do tecido social – na expressão no n.º 3 do art. 4,º do Código de Processo Civil a «reparação efectiva do direito violado»;
b) o título executivo é o elemento estrutural e central da acção;
c) Tal título constitui o esteio, a essência e o elemento  definidor da dimensão da execução – nas palavras do legislador, lançadas no n.º 1 do art. 5.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Função do título executivo», «1 - Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva».
Entre as várias consequências que temos que extrair daqui conta-se a de que o exame do título deve ser suficiente para gerar convencimento no sentido de que a obrigação existe e da sua dimensão.
 É assim qualquer que seja a tese que se abrace quanto à natureza do título executivo, face à apontada referência legal, isto é, quer se considere constituir o mesmo a causa de pedir da acção executiva ou, meramente, «especial condição (probatória, necessária e suficiente) da possibilidade de recurso imediato a tal espécie de acções, enquanto base da presunção da existência do correspondente direito» – nas palavras usadas no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 25.01.2011, Processo n.º  906/10.9TBACB.C1, in http://www.dgsi.pt .
Sob um tal contexto, quando supra se disse que se torna necessário, para que o documento particular se possa considerar título válido para efeitos de sustentar uma acção executiva, que, tratando-se de obrigações pecuniárias, as mesmas possam ser definidas através de uma simples exegese ou análise directa das cláusulas contratuais  ou definidas através de mera operações aritméticas, não se quis referir que sempre que as partes assinem um contrato, indiquem um objecto, escolham uma espécie contratual, inscrevam um conteúdo e indiquem números que, adicionados ou multiplicados gerem um produto ou uma soma estamos perante um título válido. Não é assim e não devemos quedar-nos por uma leitura do preceito que se detenha no seu elemento mais saliente que parece ser a referência ao cálculo aritmético.
Com efeito, atentos os narrados contornos «ontológicos» ou axilares do título, o mesmo tem que nos indicar não só que a quantia definida é «X» mas também que é devida, e deverá fazê-lo em termos auto-subsistentes, ou seja, que dispensem demonstração complementar não coincidente com meras operações de liquidação – aliás proscritas neste caso, como bem lembra FREITAS, José Lebre, in A Acção executiva, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pág. 46.
Não se confunda esta demonstração com a confirmação de aspectos parcelares ou relativos à globalidade do mesmo, feita em sede de eventual oposição ulterior.
A validade do título não pode estar dependente da existência de um processado declarativo temporal e logicamente enxertado e de verificação ocasional. Há-de bastar-se por si próprio.
Por assim ser, revela tanto acerto o sumariado noutro ponto do aresto jurisprudencial acima referido, ainda que num contexto fáctico distinto, nos seguintes termos:
«Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c) do C.P.C.»
No descrito enquadramento técnico que se afigura inafastável, não nos basta saber que, face aos documentos dados à execução podemos multiplicar o número de horas lectivas pelo valor horário e assim obter um produto facilmente cognoscível ou apurável e não é, também, suficiente encontrar-se o documento firmado por ambas as partes e conter o mesmo referência a prestações recíprocas na área da formação. É fulcral, ainda, que, ao analisarmos esses textos, fiquemos com a convicção de que as quantias obtidas por operação aritmética são devidas.
Ora, ainda que abstraindo da oposição e do facto de sabermos que a sociedade oponente põe em causa o cumprimento do contrato e sustenta a existência de responsabilidade civil contratual em função do alegado incumprimento (que sempre justificaria, ao menos, ulterior indagação em sede instrutória e não um imediato e precipitado desfecho em sede de saneador-sentença), só da análise dos documentos dados à execução, concretamente das cláusulas ora consideradas provadas, extrairíamos que a natureza do pactuado e as condições de execução contratual fixadas não nos permitem concluir, com base numa mera análise física e textual, que se tenham cristalizado as condições que tornariam devido o sinalagma da executada e sua real dimensão.
Não está em causa o linear curso de uma execução contratual que resulte segura à luz do título, não se extrai da simples formalização do negócio jurídico a ulterior «vida» do contrato.
Aliás, a Exequente, quando instaurou a execução, bem sabia não ter havido uma execução contratual em estrito cumprimento do pactuado, Aliás, admitiu na contestação da oposição – art. 43.º – que «não ministrou todas as horas de formação constantes dos contratos».
Estamos, pois, bem longe de um quadro justificativo da mera multiplicação do número de horas pactuado pelo valor horário definido no seio dos negócios jurídicos. Bem conhecia a parte geradora da execução a patologia dos contratos e o carácter não linear da materialização dos sinalagmas. Não podia pretender, nunca, que os documentos espelhavam, de forma directa, segura e claramente apreensível, uma imagem rigorosa dos direitos que pretendia invocar e cobrar com coacção e deveria saber que não podia completar os documentos com meras declarações unilaterais de emanação processual.
Não se concretiza, assim, o adequadamente dito pelo último Autor citado – ibidem – nos seguintes termos: «a obrigação tem que constar do título, isto é, (…) dele resultar directamente». A obrigação não pode, pois, apenas emergir se ...
Os documentos que se pretende terem a natureza de títulos executivos não conferem aos direitos cuja cobrança coerciva se peticionou o «grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva» indicado como imprescindível no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2011, proferido no processo n.º 44450/04.3YYLSB-A.L1.S1, in http://www.dgsi.pt.
Não estamos, consequentemente, no caso em apreço, perante documentos configuráveis como títulos executivos, ou seja, enquadráveis na invocada norma de Direito adjectivo.
A falta de título é fundamento de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 812.º-E do Código de Processo Civil.
Esta resposta à questão proposta dispensa que nos pronunciemos sobre as perguntas ulteriores.
Sumário:
1. Extrai-se da al. c) do n.º 1 do art. 46.º do Código de Processo Civil que: a) são exequíveis documentos de natureza meramente particular; b) tais documentos devem conter a assinatura do devedor; c) esses documentos devem patentear a assunção ou a constituição de vínculo jurídico que importe o nascimento de:  c.1) obrigações pecuniárias; c.2) obrigações de entrega de coisa certa; c.3) obrigações de prestação de facto; d) Tratando-se de obrigações pecuniárias, as mesmas devem poder ser definidas através de uma simples exegese ou análise directa das cláusulas contratuais (eventualmente associada ao exame de documentos complementares com elas juntos) ou, quando não patentes no que se reporta ao seu montante, devem poder ser determináveis através de meras operações aritméticas;
2. Ao longo dos anos, foi sendo alargado o rol de documentos configuráveis como títulos executivos e a reforma de 1995 foi momento importante na reconfiguração da respectiva abrangência, sempre com a celeridade da tutela dos direitos em vista. Neste quadro de alargamento de conteúdos, algo se manteve intangível: a finalidade e os contornos, id est: a) a acção executiva busca concretizar diligencias de soberania orientadas para a efectiva reparação do tecido social – na expressão no n.º 3 do art. 4,º do Código de Processo Civil a «reparação efectiva do direito violado»; b) o título executivo é o elemento estrutural e central da acção; c) tal título constitui o esteio, a essência e o elemento  definidor da dimensão da execução;
3. Entre as várias consequências que temos que extrair daqui conta-se a de que o exame do título deve ser suficiente para gerar convencimento no sentido de que a obrigação existe e da sua dimensão.
4. Atentos os narrados contornos «ontológicos», o título tem que nos indicar não só que a quantia definida é «X» mas também que é devida, e deverá fazê-lo em termos auto-subsistentes, ou seja, que dispensem demonstração complementar não coincidente com meras operações de liquidação – aliás proscritas neste caso;
5. A validade do título não pode estar dependente da existência de um processado declarativo temporal e logicamente enxertado e de verificação ocasional. Há-de bastar-se por si próprio.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação da Autora totalmente procedente e, em consequência, revogamos a decisão impugnada e, com fundamento na falta de título executivo válido, julgamos extinta a execução objecto de oposição.
Custas pela Exequente.
*

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Alberto Ruço (1.º Adjunto)
Judite Pires (2.ª Adjunta)