Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1051/19.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
TRANSIÇÃO PARA O REGIME DO NRAU
ACTUALIZAÇÃO DA RENDA
PRAZO PARA A RESPOSTA DO ARRENDATÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO A PRESTAR AO ARRENDATÁRIO ACERCA DO CONTEÚDO DA RESPOSTA
OPOSIÇÃO AO VALOR DA RENDA APRESENTADO PELO SENHORIO
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1057.º E 1083,º, 4, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 443.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 26.º, 4, 27.º, 28.º E 30.º A 36.º DO NRAU
ARTIGO 2.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: I- Com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao incidente de habilitação, se formou caso julgado formal quanto à substituição dos autores primitivos pelo habilitado em relação à totalidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos no processo principal.
II- No âmbito do arrendamento para habitação, a transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos e o valor do locado avaliado nos termos dos arts. 38o e ss. CIMI, juntando ainda cópia da caderneta predial urbana (art.º 30º a) b) e c) NRAU)
III- Para além disso, o senhorio terá que informar na comunicação o arrendatário da resposta que pode apresentar, indicando--lhe que o prazo de resposta é de 30 dias, e qual o conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do no 3 do art.º 31º NRAU.
IV- O arrendatário deve ainda ser informado das circunstâncias que pode invocar, isolada ou conjuntamente com essa resposta, e no mesmo prazo, conforme previsto no nº 4 do art.º 31º NRAU, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32º NRAU.
V- Finalmente o arrendatário deve ser informado das consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no nº 4 do art.º 31º NRAU (art.º 30o d) e) f) e g) NRAU).
VI- No caso de se opor ao valor da renda, o arrendatário que tenha no locado a sua residência permanente, ou que só não o tenha devido a força maior ou doença (art.º 31º, nº 5, NRAU), pode ainda invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias, sendo esse o caso (art.º 31º, nº 4, NRAU):
a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado, familiar inferior a cinco retribuições mínimas anuais (RMNA)208 nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 35º e 36º;
b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.
Decisão Texto Integral:

                  Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de ...

                  RELATÓRIO

                  AA e mulher BB intentaram em 12-02-2019 a presente ação sob a forma de processo comum contra CC, e mulher DD, pedindo que seja judicialmente decretada a resolução do contrato de arrendamento melhor identificado nos artigos 4º a 6º supra:

                     a) Por força do não uso do locado, pelos réus, por mais de um ano (e, assim, com base no disposto na alínea d) do nº 2 do art.º 1083º do Código Civil); e/ou,

                  b) Por força da cessão não autorizada do uso do locado pelos réus (e, assim, com base no disposto na alínea e) do nº 2 do art.º 1083º do Código Civil); e/ou,

                  c) Por força do uso do locado, pelos réus, para fim diverso daquele a que se destina (e, assim, com base no disposto na alínea c) do nº 2 do art.º 1083º do Código Civil); e/ou,

                  d) Por força da utilização, pelos réus, do locado contrária à lei (e, assim, com base no disposto na alínea b) do nº 2 do art.º 1083º do Código Civil); e/ou,

                  e) Por força de mora dos réus superior a 3 meses no pagamento das rendas (e, assim, com base no disposto no nº 3 do art.º 1083º do Código Civil); e/ou,

                  f) Por força de mora dos réus superior a 8 dias no pagamento das rendas por mais de quatro vezes ao longo dos últimos 12 meses (e, assim, com base no disposto no nº 4 do art.º 1083º do Código Civil), condenando-se os réus, em consequência, a entregar de imediato o arrendado aos autores livre e devoluto de pessoas e bens e, em qualquer dos casos, a pagar aos autores a quantia de €1.498,12 correspondente às rendas em dívida, acrescida da quantia que se vier a apurar referente às rendas vincendas até efetiva entrega do locado, da quantia de € 9,28 referente aos juros de mora ao presente (2019.02.12) vencidos, bem assim como a quantia a apurar referente aos juros vincendos após esta data e até efetivo e integral pagamento, e ainda a pagar as custas do presente processo, incluindo as de parte aos autores.

                  Alegaram em síntese vários fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado com os réus, entre os quais o da falta de pagamento integral da renda, que foi objeto do procedimento de atualização extraordinária. Está em dívida o valor de €1.498,12, a título de rendas.

                  Os réus contestaram, dizendo em síntese que no que respeita ao pedido de resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, devem julgar-se verificadas, por banda dos RR., as exceções (RABC inferior a 5 RMNA e idade superior a 65 anos) por eles invocadas e previstas no art.º 31º-4, als. a) e b) do NRAU e, nessa medida, ser determinada a impossibilidade, por parte dos AA., de alteração do valor de renda

                  Teve lugar a audiência prévia, com prolação de despacho de saneamento do processo e do despacho que identificou o objeto do processo e enunciou os temas de prova.

                  Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da qual foi proferida sentença de 2.11.2021 com o seguinte dispositivo:

                  “Com fundamento no acima exposto, julgo procedente a presente acção e, em consequência, declaro resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos, nos termos do art.º 1083º nºs 3 e 4 do Código Civil). Mais condeno os réus a entregarem o arrendado aos autores livre e devoluto de pessoas e bens e a pagar aos autores a quantia de €1.498,12 (mil e quatrocentos e noventa e oito euros e doze cêntimos) correspondente às rendas em dívida até à propositura da acção, acrescida da quantia que se vier a apurar referente às rendas entretanto vencidas e as vincendas até efectiva entrega do locado, bem como a pagarem a quantia de € 9,28 (nove euros e vinte e oito cêntimos) referente aos juros de mora devidos até à instauração da acção, bem assim como a quantia a apurar referente aos juros entretanto vencidos e os vincendos até efectivo e integral pagamento.

                  Custas pelos réus.

                  Notifique.

                  Registe.”

                  Por sentença de 12.05.2022 foi julgada válida a transmissão da coisa/objeto em litígio e, consequentemente julgou habilitado o adquirente EE, no lugar dos autores AA e mulher BB, para com o mesmo seguir a causa principal.”

                  Os réus CC e mulher DD interpuseram recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

                  B1. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância que julgou procedente a presente acção e, em consequência, declarou resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos, nos termos do artº 1083º nºs 3 e 4 do Código Civil). Mais condenando os réus a entregarem o local arrendado aos autores livre e devoluto de pessoas e bens e a pagar aos autores a quantia de € 1.498,12 (mil e quatrocentos e noventa e oito euros e doze cêntimos) correspondente às rendas em dívida até à propositura da acção, acrescida da quantia que se vier a apurar referente às rendas entretanto vencidas e as vincendas até efectiva entrega do locado, bem como a pagarem a quantia de € 9,28 (nove euros e vinte e oito cêntimos) referente aos juros de mora devidos até à instauração da acção, bem assim como a quantia a apurar referente aos juros entretanto vencidos e os vincendos até efectivo e integral pagamento.

                  B2. A decisão proferida pelo Tribunal a quo ainda não transitou em julgado, nos termos dos artigos 628.º do CPC e 638.º, n.º 1 e 7 do CPC.

                  B3. Os Recorrentes, no dia 14 de Dezembro de 2021, tiveram conhecimento que os AA. venderam, no dia de 09 Novembro de 2020, a EE, NIF ..., solteiro, natural da freguesia ..., concelho ..., portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 31/12/2022, o prédio urbano composto de edifício destinado a habitação, de rés do chão. 1.º e 2.º andar e águas furtadas e logradouro, situado em ..., Rua ..., n.º ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia ..., actualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...), com o valor patrimonial de €278.922,00.

                  B4. Com efeito e diferentemente do que consta dos factos dados como provados na Sentença, os AA. não são os donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito ao nº ...1 da Rua ..., em ..., destinado a habitação e composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares.

                  B5. Em concreto, os AA. não são os donos e legítimos possuidores do locado correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano identificado.

                  B6. Assim, nos termos do artigo 1057.º do CC, “o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.

                  B7. Ou seja, por efeito do contrato de compra e venda ocorreu automaticamente a trasmissão da posição do locador, deixando os AA. a partir desse momento de figurar na relação jurídica como senhorios.

                  B8. E como se trata de uma transmissão que decorre da lei, o acordo do locatário não é necessário, como seria a regra nos termos do art.º 424º, nº 1, do CC.

                  B9. Verifica-se, portanto, uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador, o «adquirente assume, de todo, a posição jurídica do anterior titular do direito com base no qual foi outorgado o contrato locativo”.

                  B10. Assim, nos termos da citada norma, a transmissão da posição contratual verifica-se ipso iure, sempre que se transmita o direito com base no qual foi celebrado o contrato de locação.

                  B11. Por outro lado, situação jurídica de que é titular o arrendatário subsiste intocada, não obstante a alienação do direito, ocorrendo tão somente uma modificação subjectiva quanto à pessoa do locador.

                  B12. Com efeito, não obstante a propriedade do locado se ter transmitido, o contrato de arrendamento não sofre qualquer modificação, numa manifestação do brocardo emptio non tollit locatum (a venda não rompe a locação) como prevê o art.º 1057.º do CC.

                  B13. Tudo porque a locação é um direito real de gozo, e, por isso, assistido de sequela, ou seja, os direitos (e obrigações) do locatário acompanham o bem durante a vida dos contratos que sobre o bem forem celebrados, não importando quem seja o titular do direito real de base (propriedade).

                  B14. Ora, este facto superveniente (contrato de compra e venda do locado), que os Recorrentes apenas agora tiveram conhecimento e que só agora o podem invocar, os Recorridos deixaram de figurar como senhorios no contrato.

                  B15. Passando a figura na relação contratual como senhorio o adquirente e agora proprietário do locado EE, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide quando ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos AA/Recorridos.

                  B16. Isto porque os Recorridos visavam com os presentes autos obter a resolução do contrato de arrendamento, com os fundamentos supra expostos.

                  B17. Ora, o pedido de resolução do contrato pressupõe que o contrato ainda exista entre as partes, mas tal pressuposto não existe, por modificação subjectiva da posição de locatário, que é imputável aos Recorridos, o que implica a recondução dos autos à inutilidade superveniente da lide, uma vez que a decisão a proferir deixa de ter qualquer efeito útil.

                  B18. Em síntese, os AA./aqui Recorridos deixaram de ser proprietários do imóvel em questão e, consequentemente, de ocupar a posição de senhorios no contrato de arrendamento em discussão, desaparecendo como sujeitos na relação contratual.

                  B19. Neste quadro, a solução do litigio perde o interesse por já não ser possível atingir o resultado visado pelos AA. (a resolução do contrato de arrendamento), desaparecendo o interesse processual dos AA. o que implica necessariamente a inutilidade superveniente da lide.

                  B20. O que se expõe resulta do disposto no artigo 277.º, al. e) do C.P.C., ou seja, a instância extingue-se por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide que ocorre quando “por um facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a acção ter sido atingido por outro meio.”

                  B21. A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade da relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objecto ou à causa.

                  B22.Assim, sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a acção se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar, pelo que se pugna.

                  B23.Com efeito, deve ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos Recorridos, por estes já não figurarem na relação contratual.

                  B24. Em caso de não se verificar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o que não se concede e apenas se adianta por mera cautela patrocínio, alega-se, desde já, que:

                  B25. A Sentença de que se recorre, para além de profundamente injusta face à materialidade julgada provada, incorreu em manifesto erro de julgamento da matéria de facto, bem como, sem prescindir, de incorrecta interpretação da lei e indevida aplicação do direito aos factos dados como provados.

                  B26.Face à factualidade dada como não provada, o único fundamento de resolução do contrato de arrendamento invocado pelos AA./Recorridos que sobreviveu foi a alegada mora no cumprimento do pagamento das rendas.

                  B27.Atenta a factualidade dada como provada o Tribunal a quo entendeu que os Recorrentes, deveriam ter começado a pagar as rendas no montante de 451,39€ e, consequentemente, por não terem passado a pagar as rendas nesse valor, constituíram-se em mora.

                  B28. E, em face disso, o Tribunal a quo julgou a ação procedente e declarou resolvido o contrato de arrendamento.

                  B29.Ora, tal decisão assentou num manifesto erro de julgamento da matéria de facto.

                  B30. Os factos dados como provados e identificados em 1.1, 1.7, 1.8, 1.10, 1.11, 1.12, 1.14, 1.20, 1.21 e 1.25 encontram-se incorretamente julgados.

                  B31.Com efeito, dos depoimentos de parte dos Recorrentes e da inquirição de testemunhas em sede de audiência de julgamento resulta diferente entendimento sobre os factos, pelo que o Tribunal deveria ter decidido de forma diversa.

                  B32.Resulta dos depoimentos dos Recorrentes e do depoimento da testemunha transcritos que:

                  B33. os Recorrentes receberam as iniciativas dos senhorios de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e que sempre cumpriram o prazo de resposta conferido aos arrendatários, opondo-se sempre, em todas as cartas, à transição e à actualização do valor da renda do locado.

                  B34. As respostas foram elaboradas pela filha dos Recorrentes, em quem este confiam o tratamento dos seus assuntos pessoais.

                  A filha dos Recorrentes explicou-lhes a situação, redigiu as cartas e os Recorrentes assinaram e enviaram aos Recorridos.

                  B35.Com as explicações que a filha lhes deu sobre a situação, os Recorrentes ficaram tranquilos e a considerar que o valor da renda era e é o que sempre pagaram (76,42€).

                  B36.E, por isso, continuaram a pagar todos os meses, como sempre pagaram, a renda por depósito bancário na conta da agência imobiliária – “A P..., Lda.” do valor de 76,42€.

                  B37. Resulta ainda da prova produzida que os Recorrentes tem baixos rendimentos, sendo o único sustento destes a reforma que o Recorrente marido aufere, no valor aproximado de 1.100,00€ (mil e cem euros).

                  B38.Os Recorrentes confrontados com a proposta de aumento da renda, invocaram sucessivamente ter uma idade avança, superior a 65 anos e que os seus rendimentos são baixos, comprovando tais factos através do envio do comprovativo do pedido do RABC às finanças e dos seus cartões de cidadão.

                  B39.Os Recorrentes ao assinar as cartas com a invocação dos referidos factos, após ouvirem os esclarecimentos da sua filha, ficaram convencidos que invocavam um direito que salvaguardava a sua situação atendendo à sua idade e rendimentos.

                  B40.Deve ser dado como não provado o facto o seguinte facto: Os Recorridos não são donos e legítimos possuidores dum prédio urbano sito ao nº ...1 da Rua ..., em ..., destinado a habitação e composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares, este último com águas furtadas, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e com a propriedade aí inscrita a seu favor e inscrito a favor dos autores na matriz predial urbana daquela freguesia ..., actualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...).

                  B40.E substituído pelo seguinte facto: EE, NIF ..., solteiro, natural da freguesia ..., concelho ..., portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 31/12/2022, é o dono e legitimo possuidor o prédio urbano composto de edifício destinado a habitação, de rés do chão. 1.º e 2.º andar e águas furtadas e logradouro, situado em ..., Rua ..., n.º ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia ..., actualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...).

                  B41. Devem, ainda, ser aditados aos factos provados, os que se passam a indicar

                  1 - As cartas de respostas enviadas aos senhorios foram elaboradas pela filha dos Recorrentes, em quem estes confiam o tratamento dos seus assuntos pessoais.

                  2- A filha dos RR. explicou-lhes a situação, redigiu as cartas e os RR. assinaram e enviaram aos Recorridos.

                  3 - Os Recorrentes confrontados com a proposta de aumento da renda, invocaram sucessivamente ter uma idade avançada, superior a 65 anos e que os seus rendimentos são baixos, comprovando tais factos através do envio do comprovativo do pedido do RABC às finanças e dos seus cartões de cidadão.

                  4 - Os RR./Recorrentes assinaram as cartas com a invocação dos referidos factos, após ouvirem os esclarecimentos da sua filha e ficaram convencidos que invocavam um direito que salvaguardava a sua situação atendendo à sua idade e rendimentos.

                  5 – Os. Recorrentes tem baixos rendimentos, sendo o único sustento destes a reforma do Recorrente marido aufere, no valor aproximado de 1.100,00€ (mil e cem euros).

                  6- Os Recorrentes sempre se opuseram à transição e actualização das rendas do locado, comunicando-o aos senhorios, através de carta redigidas pela sua filha.

                  B42. Neste conspecto, deve a sentença sob escrutínio ser revogada e substituída por outra que altere a matéria de facto nos termos supra descritos

                  B43. Os Recorrentes não se conformam com decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por esta padecer de manifesto erro na aplicação de direito.

                  B44. O presente contrato foi celebrado antes da vigência do RAU e o que se discute, portanto, é a transição do contrato de arrendamento, celebrado em 1975, para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

                     B45.As normas aplicáveis à transição para o NRAU constam do Capítulo II da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

                  B46.Porém, no que concerne à resolução do contrato pelo motivo invocado pelos Recorridos que ainda subsiste - falta de pagamento de rendas -não existem normas transitórias que prevejam especialidades em relação aos contratos já existentes (cfr. artigos 59.º n.º 1, 26.º, 27.º e 28.º do NRAU).

                  B47.A questão fulcral passa por se apurar se a renda atualizada, proposta pelo senhorio, é devida, apenas porque os Recorrentes não apresentaram o comprovativo do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC).

                  B48. A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, nos termos do artigo 30.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

                  B49. O senhorio deve comunicar a sua intenção de transitar para o NRAU ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia na sua comunicação, os requisitos previsto no artigo 30.º da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.

                  B50. Os Recorridos comunicaram a intenção de proceder à transição do contrato de arrendamento para o novo regime do arrendamento (NRAU), por carta rececionada pelos Recorrentes a 1 de Março de 2018.

                  B51. Nessa mesma data os Recorrentes responderam e consignaram que a referida comunicação não cumpria os requisitos constantes do artigo 30.º do NRAU. e, por isso, era ineficaz.

                  B52. Os Recorrentes não recepcionaram qualquer resposta e preocupados com os prazos que são impostos aos arrendatários comunicaram aos Recorridos, em 28 de Março de 2018, que “não há qualquer acordo entre as partes face à iniciativa contratual proposta por Vossa Excelência”, juntando cópia simples do seu cartão de cidadão.

                  B53. Em 24 de Maio de 2018, por carta aos RR. responderam a nova comunicação de intenção de transição do contrato de arrendamento para o NRAU, informando que a proposta apresentada não se coaduna com a novas alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2017 de 14 de Junho e que iriam efectuar um novo pedido de avaliação do imóvel em apreço junto das Finanças, uma vez que discordam do valor indicado da avaliação do imóvel na caderneta predial. Mais acrescentaram que “(...) eu e minha esposa temos mais de 65 anos, como se comprova em anexo através da cópia dos nossos CC’s”; e, d) “(...) o Rendimento Anual Bruto Corrigido do agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, comprovado com pedido emitido pelo Serviço de Finanças em anexo”.

                  B53. A essa sua carta os Recorrentes anexaram: a) Documento emitido pelo Serviço de Finanças ... comprovativo de que ali havia solicitado a emissão da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) relativo ao ano de 2017 do seu agregado familiar (...); b) Fotocópias simples dos seus Cartões de Cidadão; e c) Impressão de simulação de Valor Patrimonial Tributário de um prédio.

                  B54. Novamente, em 24 de Setembro de 2018, por carta de resposta os Recorrentes oposeram-se à pretensão dos senhorios de transitar para o NRAU e de atualização das rendas.

                  B55. Os Recorrentes cumpriram sempre o prazo de resposta aos arrendatários, demonstrando sempre opor-se à transmissão do contrato para o NRAU e à atualização do valor da renda.

                  B56. Ora, nos termos do artigo 33.º, n.º 2 e 3 do NRAU: “a oposição do arrendatário ao valor da renda proposto pelo senhorio não acompanhada de proposta de um novo valor vale como proposta de manutenção do valor da renda em vigor à data da comunicação do senhorio. A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário.”

                  B56. Neste sentido, os Recorrentes sempre entenderam, de acordo com a lei, que ao opor-se, sucessivamente, às iniciativas dos Recorrido, o contrato de arrendamento não transitaria para o NRAU.

                  B57. Ademais, invocaram, ainda, com fundamento da sua oposição as circunstâncias alternativas indicadas no n.º 4 e do artigo 31.º do NRAU, por as preencherem.

                  B58. Em concreto, os Recorrentes que tem idade superior a 65 anos e o invocaram, só com o seu acordo é que o contrato de arrendamento transitaria para o NRAU, nos termos do artigo 36.º do NRAU.

                  B59. Ademais, o seu agregado familiar tem um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA) e só ficaria, neste caso, o contrato submetido ao NRAU mediante acordo, ou, na falta deste, no prazo de oito anos a contar da receção, pelo senhorio, da resposta do arrendatário nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º do NRAU. – cfr. artigo 35.º, n. º 1 do NRAU.

                  B60. As circunstâncias excecionais, previstas no art.º 31.º, n.º 4 do NRAU, procuram proteger os arrendatários em situação de maior fragilidade, ou seja, visam proteger os arrendatários que em função da sua idade e das suas limitações físicas geradoras de significativas limitações ao nível da angariação de rendimentos possam aceder ao mercado de arrendamento.

                  B61. Como efeito, respondendo o arrendatário nos termos antes expostos e invocando aquelas circunstâncias, nomeadamente que tem 65 anos (ou mais), incapacidade ou o valor do RABC, o contrato de arrendamento para habitação, anterior ao RAU, mantém-se em vigor sem alteração do regime que lhe é aplicável.

                  B62. O que é demonstrativo da importância que, quer o valor do RABC, quer a idade ou o grau de incapacidade do arrendatário têm para a salvaguarda do seu interesse na estabilidade e continuidade do seu direito à habitação anteriormente consolidado na base de um arrendamento celebrado ao abrigo do regime vinculístico e, consequentemente, para a sua autonomia pessoal – interesses esses com expresso reconhecimento constitucional (cfr. os artigos 65.º, n.º 3, e 72.º, n.º 1, da Constituição)

                  B63. A transição do contrato de arrendamento para o NRAU, como contrato a prazo certo, pode culminar com a cessação do contrato de arrendamento para habitação que foi celebrado muito antes da entrada em vigor do RAU, colocando-se, pois, nesse contexto, em causa as expectativas dos arrendatários, sendo certo que estes podem, como é o caso dos autos, serem pessoas já com alguma idade (mais de 65 anos), sujeitas a alguma vulnerabilidade e com dificuldades em obter no mercado de arrendamento uma alternativa compatível com os seus rendimentos, sabendo-se, como se sabe, que muitas destas pessoas auferem pensões de reforma ou apoios sociais de reduzido valor.

                  B64. A questão que se coloca agora é a de saber se, atentas as consequências gravosas para os interesses em causa do arrendatário – como, sublinhe-se, o direito à habitação e a proteção à terceira idade (respetivamente, artigo 65º e artigo 72º, ambos da Constituição) – e exigência de prova documental (referente à idade, incapacidade e rendimentos anuais brutos), não será excessiva.

                  B65. O Tribunal a quo entendeu que a não comprovação documental das circunstâncias que se invocam para impedir ou limitar a transição para o NRAU, constantes do n.º 4 do artigo 31.º do NRAU, faz precludir essa salvaguarda que é conferida aos inquilinos.

                  B66. O que se expõe agora é a consequência associada ao não cumprimento do ónus de comprovação das circunstâncias relativas ao rendimento e à idade ou incapacidade do arrendatário – e só deste – num dado momento, isto é, na resposta à comunicação do senhorio efetuada nos termos do artigo 30.º do NRAU.

                  B67. Com efeito, segundo a interpretação dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do NRAU feita pelo tribunal a quo os inquilinos por não terem enviado os documentos comprovativos do regime de exceção invocado – quanto aos seus rendimentos - ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias.

                  B68. Ora, quanto a esta questão o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 277/2016, de 04.5.2016, em análise ao procedimento de transição para o NRAU e de atualização das rendas emitiu o seguinte juízo de inconstitucionalidade:“ Julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição”

                  B69. Na fundamentação do referido Acórdão o Tribunal Constitucional expôs, ainda, que: “A solução consubstanciada na norma objeto do presente recurso (artigo 30.º, 31.º e 32.º) revela-se, além disso, desproporcionadamente onerosa para o arrendatário, por comparação com os benefícios que a mesma traz para o senhorio e para o interesse comum. Aliás, estes não seriam excessivamente lesados caso tal norma não vigorasse. Com efeito, o senhorio não perde nem o seu direito a promover a transição para o NRAU, nem o direito a eventuais compensações devidas pela demora na efetivação dessa mesma transição. Já o arrendatário que reúna as condições que alega – RABC inferior a cinco RMNA e idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60% – sem as comprovar no momento devido e que até à comunicação da intenção do senhorio de fazer transitar o seu contrato de arrendamento para o NRAU gozava de um direito consolidado ao locado, com uma certa renda, fica, por força de tal norma, numa situação muito precária, já que o seu direito à habitação no locado e a garantia de uma renda ajustada ao seu rendimento ficam dependentes da boa vontade do senhorio. Ou seja, numa fase já muito avançada da vida, e em que dificilmente encontrará soluções equivalentes à que tinha por consolidada, o arrendatário pode, contra a sua vontade, ver-se confrontado com um contrato de arrendamento com prazo certo e, portanto, sujeito a caducidade, e, ou, com uma renda de valor demasiado elevado para o seu nível de rendimentos”.

                  B70. Por tudo exposto, mal andou o Tribunal a quo em julgar procedente a presente ação e em declarar o contrato de arrendamento resolvido, por simplesmente considerar incumprido o ónus da prova dos Recorrentes, ou seja, por não remeterem ao senhorio o documento comprovativo do rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar.

                  B71. Tal decisão é, por isso, manifestamente excessiva e inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança, integrantes no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.

                  B72. Ademais, os aqui Recorrentes invocaram também ter idade superior a 65 anos, comprovada pelos seus cartões de cidadão, e diga-se que tal facto era claramente do conhecido pelos Recorridos.

                  B73. A agora referida circunstância invocada é fundamento bastante de oposição dos arrendatários à transição para NRAU, nos termos do artigo 31.º, n.º 4 do NRAU.

                  B74. Que dispõe o seguinte:

                  “Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

                  a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º e 36.º;

                  b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct., nos termos e para os efeitos  previstos no artigo 36.º”

                  B75.Portanto, a circunstância de os Recorrentes terem mais de 65 anos, por eles invocada, é condição suficiente para estes se oporem à transição para o NRAU e esta não ocorrer de forma imediata.

                  B76. Como não ocorreu!

                  B77. Isto porque os Recorrentes sempre responderam em tempo às missivas dos Recorridos e sempre demonstraram opor-se à transição, alegando, entre o mais, os baixos rendimentos que auferem anualmente e a idade avançada de ambos.

                  B78.Logo, a transição para o NRAU só pela ausência de entrega da declaração do RABC é manifestamente excessiva, desproporcional e contraria à lei.

                  B79. O Tribunal de 1º instância aplicou incorretamente a lei, nomeadamente os artigos 30.º, 31.º, 32.º, 35.º e 36.º do NRAU, e decidiu que o contrato de arrendamento em escrutínio transitou para NRAU, só porque os Recorrentes não diligenciaram pela entrega aos Recorridos da declaração do RABC e que, por isso, as rendas actualizaram para o montante proposto pelo

senhorio no valor de 451,39€.

                  B79. E, como os Recorrentes não procederam ao pagamento das rendas com o valor actualizado (451,39€) constituíram-se em mora.

                  B80. E como a mora é fundamento de resolução do contrato, nos termos do artigo 1083.º, n.º 3 e 4 do CC, o Tribunal de 1º instância declarou resolvido o contrato.

                  B81. Por tudo dito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo que declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou os Recorrentes a pagar aos Recorridos a quantia de 1.498,12 (mil quatrocentos e nove e oito euros e doze cêntimos), correspondente ao valor actualizado das rendas que não foi pago, apenas porque os Recorrentes não diligenciaram pela entrega aos Recorridos da declaração do RABC, é inconstitucional por ser violadora dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança, integrantes no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição.

                  B82. Nessa medida, deve a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que, em conformidade com a argumentação expendida, julgue a acção improcedente e absolva os Recorrentes do pedido de resolução do contrato de arrendamento, com todas as legais consequências.

                  Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos Recorridos, em conformidade com as “conclusões” tecidas;

                  Ou, caso assim não se entenda o que não se admite e apenas se adiante por mera cautela, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogando-se a Sentença recorrida, em conformidade com as “conclusões” tecidas;

                  Fazendo-se, assim, a acostumada JUSTIÇA!

                  Não foram apresentadas contra-alegações.

                  O recurso foi admitido.

                  Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                 

                  OBJETO DO RECURSO

                  Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:

                  1. Admissão de documento junto com as alegações de recurso.

                  2. Inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos recorridos.

                  3. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

                  4. Falta de pagamento das rendas.

                  FUNDAMENTOS DE FACTO

                  No Tribunal de 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma (que se reproduz):

                  “Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

                  Os autores são donos e legítimos possuidores dum prédio urbano sito ao nº ...1 da Rua ..., em ..., destinado a habitação e composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares, este último com águas furtadas, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e com a propriedade aí inscrita a seu favor e inscrito a favor dos autores na matriz predial urbana daquela freguesia ..., actualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...). Os três pisos daquele imóvel (rés-do-chão, 1º andar e 2º andar com sótão ou águas furtadas), constituem, cada um deles, um andar com utilização independente.

                  Por contrato de arrendamento escrito celebrado em 1 de Outubro de 1975, FF (então proprietário do prédio) deu de arrendamento aos réus a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão do dito prédio.

                  Tal contrato teve início nesse mesmo dia 01.10.1975 e termo em 30.09.1976, prorrogável por sucessivos e iguais períodos de doze meses, caso as partes não o denunciassem nos termos legais.  A renda mensal, inicialmente fixada em 2.500$00 (dois mil e quinhentos escudos), por força das actualizações que foi conhecendo era ultimamente, até Outubro de 2018, no montante de € 76,42, a pagar no primeiro dia útil do mês a que dissesse respeito.

                  Os réus destinam - e sempre destinaram - a fracção autónoma correspondente ao r/chão do prédio sito na Rua ..., ... ... a habitação própria, permanente e habitual, onde têm a sua casa de morada de família desde 01.10.1975.  Nesse locado, os réus educaram e criaram os seus quatro filhos comuns.  Actualmente, fazem parte do agregado familiar dos réus e com eles habitam no locado, de forma permanente e estável, dois dos seus filhos.  Todos aí pernoitam no locado, aí fazem as suas refeições, recebem os seus amigos e familiares, têm todos os seus pertences e objectos pessoais, recebem aí toda a sua correspondência postal. O locado possui contrato de fornecimento de água com a empresa AC Águas de Coimbra, EM contrato de fornecimento de energia eléctrica, sinal de televisão. O locado contém toda a mobília necessária para suporte de vida dos réus e seus filhos.

                  Em Fevereiro de 2018 os autores deram início ao procedimento de actualização extraordinária de rendas previsto nos artºs 30º e segs. do Novo Regime do Arrendamento Urbano. Para o efeito enviaram aos réus, em 21 de Fevereiro de 2018, sob registo e com aviso de recepção, duas cartas que, para além de todas as demais menções exigidas por lei, comunicavam aos réus que o contrato em causa transitava para o regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano, passando a renda a ser no montante de € 451,39 mensais, com fim habitacional e prazo certo de 5 anos. Aquelas duas cartas foram enviadas num único sobrescrito, endereçado ao réu marido e sujeito a um único registo postal. Tais cartas foram, contudo, devolvidas, não recebidas por aquele destinatário. Em 28 de Fevereiro de 2018 os autores repetiram o envio das mesmas cartas, agora em sobrescrito endereçado à ré mulher, o qual foi por esta recepcionado no dia 1 de Março de 2018.  Com data desse mesmo dia 1 de Março de 2018, a ré mulher respondeu aos autores enviando cópia do texto do art.º 30º do Novo Regime do Arrendamento Urbano e dizendo, a propósito da comunicação recebida dos autores, que “a pronúncia acerca do conteúdo da mesma será feita cumprida a lei, nomeadamente, os requisitos enunciados no artigo em questão”.  Foi então que os autores verificaram que, ao contrário do que deveriam, não tinham feito acompanhar as cartas que enviaram com cópia da caderneta predial urbana do prédio locado.  Então os autores reiniciaram o procedimento, enviando em 15 de Março de 2018, novas cartas, também registadas e com aviso de recepção, desta vez uma autónoma (i. é, em sobrescrito autónomo) para cada um dos réus e acompanhadas da caderneta predial do prédio.  Acontece que também estas cartas vieram devolvidas, não recebidas por aqueles destinatários. Entretanto, por carta datada de 28 de Março de 2018, a ré mulher veio dar nova resposta à carta que em 1 de Março de 2018 havia recebido dos autores, referindo que “não há qualquer acordo entre as partes face à iniciativa contratual proposta por Vossa Excelência” e juntando uma cópia simples do seu cartão de cidadão. Face à devolução, por não recebidas, das cartas por si expedidas a 15 de Março de 2018, os autores, nos termos do disposto no art.º 10º, nº 2, al. a), e nº 3 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, em 23 de Abril de 2018, enviaram a cada um dos réus novas cartas, registadas e com avisos de recepção, com o mesmo teor. Cartas essas que foram recepcionadas nos dias 26 de Abril de 2018 (pelo réu marido) e 27 de Abril de 2018 (pela ré mulher). Uma vez mais, os autores, em tais cartas (tal como nas anteriormente enviadas) comunicavam aos réus que o contrato em causa transitava para o regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano, passando a renda a ser no montante de € 451,39 mensais, com fim habitacional e prazo certo de 5 anos - ali referindo também expressamente (como exige a alínea f) do art.º 30º do Novo Regime do Arrendamento Urbano) que os réus podiam, “sendo caso disso, invocar, isolada ou conjuntamente, que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º e 36.º; ou que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36.º, devendo, em qualquer dos casos, juntar documentos comprovativos das circunstâncias que invocar (que, quando sejam as de um RABC do agregado familiar inferior a cinco RMNA, deverá consistir em documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, nos termos do disposto no art.º 32º do NRAU)”. A essas missivas dos autores, datadas de 23 de Abril de 2018, vieram os réus responder por carta datada de 24 de Maio de 2018, com os documentos a ela juntos) aí referindo, no que aqui importa, que: a) “(...) relativamente ao assunto em apreço, transição do regime contratual ao NRAU, venho informar que a Lei nº 43/2017 de 14 de Junho vem proceder a alterações que não se coadunam com a proposta de Vossa Excelência”; b) “(...) irá ser efectuado um novo pedido de avaliação do imóvel em apreço junto das Finanças uma vez que discordamos do valor indicado da avaliação do imóvel na caderneta predial”; c) “(...) eu e minha esposa temos mais de 65 anos, como se comprova em anexo através da cópia dos nossos CC’s”; e, d) “(...) o Rendimento Anual Bruto Corrigido do agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, comprovado com pedido emitido pelo Serviço de Finanças em anexo”. A essa sua carta datada de 24 de Maio de 2018 os réus anexaram: a) Documento emitido pelo Serviço de Finanças ... comprovativo de que o réu marido ali havia solicitado “a emissão da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) relativo ao ano de 2017 do seu agregado familiar (...)”; b) Fotocópias simples dos seus Cartões de Cidadão; e c) Impressão de simulação de Valor Patrimonial Tributário de um prédio. Face àquela declaração emitida pelo Serviço de Finanças ... (que atestava que o réu marido havia requerido a emissão da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) relativo ao ano de 2017 do seu agregado familiar, os autores esperaram que os réus lhe fizessem chegar uma tal declaração. Como não foi enviada tal declaração, em 17 de Setembro de 2018 os autores enviaram aos réus novas cartas, uma vez mais registadas e com avisos de recepção, comunicando-lhes que se tinha tornado definitivo o valor mensal da renda anteriormente comunicado de € 451,39 e que o mesmo seria devido a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção daquela comunicação - i. é, a partir do dia 1 de Novembro de 2018.

                  Tais cartas foram efectivamente recebidas pelos réus a 18 de Setembro de 2018, tal como expressamente admitem logo no início daquela que eles próprios, em resposta, enviaram aos autores. Com efeito, os réus enviaram aos autores, com data de 24 de Setembro de 2018, carta em que, opondo-se uma vez mais às pretensões daqueles, referiam, entre o mais, que “O documento comprovativo de RABC do agregado familiar inferior a 5 RMNA será facultado apenas com ordem judicial uma vez que o direito à privacidade se encontra constitucionalmente consagrado”.

                  Os autores há muito que contrataram uma agência imobiliária - a “A P..., Ld.ª” - para tratar de alguns dos assuntos que se relacionam com o arrendamento de parte do seu património. Por assim ser, de há muito que os réus pagam as rendas aos autores através de depósito na conta bancária daquela sociedade. Isto é, os autores não têm forma de controlar o que os réus depositam ou não nessa conta; nem têm forma de recusar o recebimento de qualquer valor que os réus ali entendam por bem depositar.

                  Por carta datada, por manifesto lapso, de 20.11.2019, quando se queria escrever 20.11.2018, a P..., enquanto entidade que processa, por ordem dos autores, todas as obrigações contratuais referentes ao pagamento de rendas e emissão dos respectivos recibos de pagamento, procedeu ao envio da actualização da renda para o ano de 2019, consoante o quociente anual legalmente estipulado, fixando o montante da renda, a partir de 01.01.2019, em € 77,30 (setenta e sete euros e trinta cêntimos). Tal comunicação foi efectuada sem que os autores tenham dado qualquer instrução nesse sentido e sem que disso soubessem. Foi por iniciativa própria e sem previamente consultar os autores, que a P... expediu para os réus aquela carta. Por isso, a P..., em 22 de Novembro de 2018, enviou nova carta aos réus, informando-os que aquela anterior carta (de 20/11/2018) deveria “ser considerada sem efeito uma vez que foi gerada de forma automática sem que para tal tenhamos recebido quaisquer instruções do senhorio”. E mais ali comunicaram que, “Assim, o montante da renda devido é o que lhe foi oportunamente comunicado pelo senhorio e não o que consta da nossa carta”.

                  Até ao presente, nunca os réus pagaram renda no valor de € 451,39.

                  Com efeito,

                  a) No dia 7 de Novembro de 2018 os réus depositaram naquela conta a importância de €76,42;

                  b) No dia 7 de Dezembro de 2018 os réus depositaram naquela conta a importância de €76,42;

                  c) No dia 3 de Janeiro de 2019 os réus depositaram naquela conta a importância de €77,30;

                  d) No dia 8 de Fevereiro de 2019 os réus depositaram naquela conta a importância de € 77,30.

                  O réu marido nasceu em .../.../1945.

                  A ré mulher nasceu em .../.../1951.

                                                                                         *

                  Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente não se provou:

                  - que os réus deixaram de residir no locado, tendo a sua residência noutro local e apenas ali se deslocam (e não diariamente) para outros efeitos que não o de, eles próprios, ali residirem;

                  - que os réus se servem do locado para outros fins que não os da sua habitação;

                  - que uma filha dos réus tem tido a residir no locado pessoas idosas (senhoras), de quem trata e se ocupa, sendo essas idosas as pessoas quem ali tem vivido em permanência;

                  - que os réus cederam, pelo menos parcialmente, o uso habitacional do locado a terceiros sem que para tanto tivessem tido qualquer autorização dos autores e destinaram aquele rés-do-chão a um fim distinto;

                  - que os réus estão a fazer do prédio uma utilização contrária à lei, destinando-o a um uso para o qual não têm as autorizações administrativas bastantes.”

                  FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Admissão de documento com as alegações de recurso

Os recorrentes vieram com as alegações de recurso requerer a junção de documento (certidão emitida pela 1ª Conservatória do Registo Predial), alegando que só tiveram conhecimento da existência do contrato de compra no dia 14-12-2021. Invocam para o efeito o disposto nos artigos 651º, nº 1 e 425º do CPC.

Vejamos:

De harmonia com o disposto no artigo 443º, nº 1, do CPC, o juiz pode recusar a junção aos autos de documentos que sejam impertinentes ou desnecessários.

São desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou, por dizerem respeito a factos que já se encontram devidamente comprovados ou por respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar do processo documento de igual ou superior relevo[1].

   Compulsados os autos, constata-se que o documento que os ora recorrentes pretendem juntar já encontra junto ao incidente de habilitação de adquirente ou cessionário (proc. 105/19....).

   Assim sendo, e tendo em conta o preceito acima citado, não se admite a junção, porque se trata de um documento desnecessário.

Após trânsito em julgado desta decisão, restitua-se o mesmo ao seu apresentante, condenando-se o mesmo em multa que se fixa pelo mínimo.

2. Inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos recorridos

                  Sustentam os recorrentes que deve ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de resolução do contrato de arrendamento formulado pelos recorridos, por estes já não figurarem na relação contratual.

                  Dispõe o artigo 1057º do Código Civil que “O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.”

                  “Relativamente ao objeto da transmissão, parece que salvo acordo em contrário, apenas se transmitirão para o adquirente os direitos e obrigações do senhorio respeitantes à execução futura do contrato, permanecendo na esfera do anterior senhorio os direitos e obrigações respeitantes ao período locativo anterior à transmissão. Assim, a menos que ocorra simultaneamente uma cessão de créditos a rendas vencidas não poderá o novo senhorio reclamar o pagamento de rendas respeitantes ao período de tempo anteriores à transmissão, nem requerer a resolução do contrato com este fundamento”[2]/[3].

                  Ou seja, por outras palavras, “salvaguardam-se os efeitos já produzidos, pelo que salvo estipulação em contrário, o locador inicial continua a ter na sua esfera jurídica os direitos e obrigações respeitantes ao período anterior à transmissão. Deste modo, se estiver em atraso o pagamento de rendas aquando da transmissão, continua o transmitente credor daquelas quantias, a menos que a transmissão da coisa, haja convencionado a cessão do crédito”[4].

                  Pelo teor da sentença de habilitação constata-se que foi decidida a substituição dos autores primitivos AA e mulher BB pelo adquirente EE, reconhecendo-se a este legitimidade para com o mesmo seguir a causa principal, deixando os autores a presente ação, e deixando os autores primitivos de serem partes na lide.

                  Assim sendo, na presente ação contra os réus CC e mulher DD, passou o habilitado a ocupar o lugar dos autores primitivos.

                  Com o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao incidente de habilitação, formou-se caso julgado formal quanto à substituição dos autores primitivos pelo habilitado em relação à totalidade dos direitos que viessem a ser reconhecidos no processo principal[5].

                  A inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objeto do processo ou à causa [na relação substancial que lhe está subjacente).

                  Concluímos assim, que tendo o adquirente sido habilitado para prosseguir na presente ação no lugar dos autores primitivos, não tem qualquer fundamento, invocar-se uma situação de inutilidade superveniente da lide. Quanto muito podiam os réus, ora recorrentes ter recorrido da sentença de habilitação, pugnando pela não admissibilidade da habilitação[6].                            
3. Alteração da matéria de facto

Alegam os recorrentes que os factos dados como provados e identificados em 1.1., 1.7, 1.8, 1.10, 1.11, 1.12, 1.14, 1.20, 1.21 e 1.25 encontram-se incorretamente julgados (B. 30).

Factos postos em causa:
1.1. Os autores são donos e legítimos possuidores dum prédio urbano sito ao nº ...1 da Rua ..., em ..., destinado a habitação e composto por rés-do-chão, 1º e 2º andares, este último com águas furtadas, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e com a propriedade aí inscrita a seu favor e inscrito a favor dos autores na matriz predial urbana daquela freguesia ..., atualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...).

Segundo os recorrentes deve ser substituído pelo seguinte facto: EE, NIF ..., solteiro, natural da freguesia ..., concelho ..., portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 31/12/2022, é o dono e legitimo possuidor o prédio urbano composto de edifício destinado a habitação, de rés do chão. 1.º e 2.º andar e águas furtadas e logradouro, situado em ..., Rua ..., n.º ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia ..., atualmente sob o artigo ...46, (tendo tido originariamente o artigo ...) (conc. B.40).

                  Já se encontra comprovado nos autos (incidente de habilitação de adquirente) de que em 9-11-2020 foi transmitida a propriedade sobre o imóvel em causa para EE.

                  Assim sendo, torna-se irrelevante a pretendida alteração, até porque aquela transmissão não produz efeitos no contrato de arrendamento.
.
1.7. Em Fevereiro de 2018 os autores deram início ao procedimento de actualização extraordinária de rendas previsto nos artºs 30º e segs. do Novo Regime do Arrendamento Urbano.
1.8. Para o efeito enviaram aos réus, em 21 de Fevereiro de 2018, sob registo e com aviso de recepção, duas cartas que, para além de todas as demais menções exigidas por lei, comunicavam aos réus que o contrato em causa transitava para o regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano, passando a renda a ser no montante de € 451,39 mensais, com fim habitacional e prazo certo de 5 anos.
1.10. Com data desse mesmo dia 1 de Março de 2018, a ré mulher respondeu aos autores enviando cópia do texto do artº 30º do Novo Regime do Arrendamento Urbano e dizendo, a propósito da comunicação recebida dos autores, que “a pronúncia acerca do conteúdo da mesma será feita cumprida a lei, nomeadamente, os requisitos enunciados no artigo em questão.
1.11. Foi então que os autores verificaram que, ao contrário do que deveriam, não tinham feito acompanhar as cartas que enviaram com cópia da caderneta predial urbana do prédio locado.

                  1.12.  Então os autores reiniciaram o procedimento, enviando em 15 de Março de 2018, novas cartas, também registadas e com aviso de recepção, desta vez uma autónoma (i. é, em sobrescrito autónomo) para cada um dos réus e acompanhadas da caderneta predial do prédio.

                  1.14. Entretanto, por carta datada de 28 de Março de 2018, a ré mulher veio dar nova resposta à carta que em 1 de Março de 2018 havia recebido dos autores, referindo que “não há qualquer acordo entre as partes face à iniciativa contratual proposta por Vossa Excelência” e juntando uma cópia simples do seu cartão de cidadão.

                  1.20. Face àquela declaração emitida pelo Serviço de Finanças ... (que atestava que o réu marido havia requerido a emissão da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) relativo ao ano de 2017 do seu agregado familiar, os autores esperaram que os réus lhe fizessem chegar uma tal declaração.

                  1.25. Por carta datada, por manifesto lapso, de 20.11.2019, quando se queria escrever 20.11.2018, a P..., enquanto entidade que processa, por ordem dos autores, todas as obrigações contratuais referentes ao pagamento de rendas e emissão dos respectivos recibos de pagamento, procedeu ao envio da actualização da renda para o ano de 2019, consoante o quociente anual legalmente estipulado, fixando o montante da renda, a partir de 01.01.2019, em € 77,30 (setenta e sete euros e trinta cêntimos).

                  Relativamente a estes factos, constata-se que os recorrentes não deixaram expressa, quer, na motivação, quer nas conclusões, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[7].

                  Conforme refere Abrantes Geraldes, a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

                  a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641.º, nº 2, al. b))

                  b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a)).

                  c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.).

                  d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda.

                   e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

                  Assim sendo, rejeita-se a impugnação da matéria de facto relativamente aos factos dados como provados que os recorrentes identificaram sob os pontos 1.1., 1.7, 1.8., 1.10., 1.11., 1.12. 1.14, 1.20., 1.21. e 1.25.

                  Os recorrentes consideram ainda que devem ser aditados aos factos provados, os seguintes factos:
1. As cartas de respostas enviadas aos senhorios foram elaboradas pela filha dos Recorrentes, em quem estes confiam o tratamento dos assuntos pessoais.
2. A filha dos RR. explicou-lhes a situação, redigiu as cartas e os RR. assinaram e enviaram aos Recorridos.
3. Os Recorrentes confrontados com a proposta de aumento da renda, invocaram sucessivamente ter uma idade avançada, superior a 65 anos e rendimentos baixos, comprovando tais factos através do envio do comprovativo do pedido do RABC às finanças e dos seus cartões de cidadão.
4. Os RR/Recorrentes assinaram as cartas com a invocação dos referidos factos, após ouvirem os esclarecimentos da sua filha e ficaram convencidos que invocavam um direito que salvaguardava a sua situação atendendo à sua idade e rendimentos.
5. Os Recorrentes têm baixos rendimentos, sendo o único sustento destes a reforma do Recorrente marido aufere, no valor aproximado de 1.100,00€ (mil e cem euros).
6. Os Recorrentes sempre se opuseram à transição e actualização das rendas do locado, comunicando-o aos senhorios, através de cartas redigidas pela sua filha.
Invoca para o efeito os depoimentos dos recorrentes e dos depoimentos da testemunha DD, filha dos autores.
Os pontos 1, 2 e 4 consubstanciam factos não alegados pelos réus na sua contestação.
O ponto 3 consubstanciam factos que já foram dados como provados. Cf. “A essas missivas dos autores, datadas de 23 de Abril de 2018, vieram os réus responder por carta datada de 24 de Maio de 2018, com os documentos a ela juntos) aí referindo, no que aqui importa, que: a) “(...) relativamente ao assunto em apreço, transição do regime contratual ao NRAU, venho informar que a Lei nº 43/2017 de 14 de Junho vem proceder a alterações que não se coadunam com a proposta de Vossa Excelência”; b) “(...) irá ser efectuado um novo pedido de avaliação do imóvel em apreço junto das Finanças uma vez que discordamos do valor indicado da avaliação do imóvel na caderneta predial”; c) “(...) eu e minha esposa temos mais de 65 anos, como se comprova em anexo através da cópia dos nossos CC’s”; e, d) “(...) o Rendimento Anual Bruto Corrigido do agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, comprovado com pedido emitido pelo Serviço de Finanças em anexo”.
O ponto 5 consubstancia factos essenciais que não foram alegados pelos réus na sua contestação (cf. art.º 5º, nº 1, do CPC), pelo que não podem ser atendidos na matéria de facto.
O ponto 6 consubstancia uma conclusão, que como tal não deve constar do elenco da matéria de facto.

                  No que concerne à alegação e atendibilidade da matéria de facto, na contestação, o réu deverá expor as razões de facto por que se opõe à pretensão do autor e alegar os factos essenciais em que se baseiam as eventuais exceções.

                  Em conclusão, mantém-se a matéria de facto, tal como foi fixada pela 1ª instância.


4. Mora no pagamento das rendas

Na sentença recorrida considerou-se o seguinte:

“Ora, cabendo aos réus/inquilinos o ónus de comprovar perante os autores/senhorios os factos que invocaram, estavam obrigados a agir de forma diligente na obtenção da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) e estarem atento aos prazos. Mas os réus, conscientemente, recusaram facultar aos senhorios tal documento, dizendo/escrevendo que “(...) será facultado apenas com ordem judicial uma vez que o direito à privacidade se encontra constitucionalmente consagrado”. Com tal conduta, incumpriram com a sua obrigação - estabelecida no referido art.º 32º - pelo que não podiam prevalecer-se das circunstâncias que invocaram (cfr. art.º 32º nº 4). Assim, deveriam ter começado a pagar as rendas no montante de € 451,39 mensais. E não pode colher o argumento/justificação relativa à carta remetida por lapso, pela P.... Como referiram os autores, os réus/inquilinos já poderiam e deveriam ter apresentado o documento aos senhorios muito antes do recebimento de tal carta e logo em 24 de Setembro de 2018 os réus recusaram enviar aos autores o documento emitido pela administração fiscal comprovativo do seu RABC, alegando que tal documento “(...) será facultado apenas com ordem judicial uma vez que o direito à privacidade se encontra constitucionalmente consagrado”.

Por outro lado, conforme alegado pelos autores, o invocado nº 6 do art.º 1083º do Código Civil foi aditado ao referido artigo (que antes não continha qualquer norma paralela ou similar) pela Lei nº 13/2019, de 12 de Fevereiro, lei que nos termos do seu art.º 16º, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação - ou seja, no dia 13 de Fevereiro de 2019.

Tendo a petição inicial dos autos dado entrada em juízo em 12 de Fevereiro de 2019 (antes da entrada em vigor daquela alteração ao art.º 1083º do Código Civil), não existia para os senhorios qualquer obrigação de comunicar aos arrendatários, previamente à instauração da acção de despejo, a sua intenção de proceder a este com base na mora no pagamento das rendas.

Por tudo o exposto, não tendo os réus cumprido com as suas referidas obrigações legais, e não tendo passado a pagar as rendas no montante de € 451,39 mensais, existe mora dos réus.”

Os recorrentes alegam que “sempre responderam em tempo às missivas dos recorridos sempre demonstraram opor-se à transição, alegando entre o mais, baixos rendimentos que auferem anualmente e a idade avançada de ambos.

Logo, a transição para o NRAU só pela ausência de entrega da declaração do RABC é manifestamente excessiva, desproporcional e contraria a lei.”

Alegam os recorrentes que o Tribunal de 1ª instância aplicou incorretamente a lei, nomeadamente os artigos 30º, 31º, 32º, 35º e 36º do NRAU, e decidiu que o contrato de arrendamento em escrutínio transitou para NRAU, só porque os recorrentes não diligenciaram pela entrega aos recorridos da declaração do RABC e que, por isso, as rendas atualizaram para o montante proposto pelo senhorio no valor de €451,39. Além ainda que a decisão proferida pelo Tribunal a quo que declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou os Recorrentes a pagar aos recorridos a quantia de €1.498,12, correspondente ao valor atualizado das rendas que não foi pago, apenas porque os recorrentes não diligenciaram pela entrega aos recorridos da declaração do RABC, é inconstitucional por ser violadora dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes no principio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição.

                  No caso concreto, estamos perante um contrato de arrendamento celebrado em data anterior à vigência do RAU (aprovado pelo DL-Lei nº 321-B/90, DE 15 de Outubro) pelo que, por força dos artigos 27º e 26º, nº 4 da Lei nº 6/2006 de 27 de fevereiro (que aprovou o NRAU), são aplicáveis as regras dos contratos de duração indeterminada, com as especificidades das alíneas a), b) e c) do citado nº 4, bem como com as especificidades dos números seguintes e dos artigos 30º a 37º do NRAU (cf. art.º 28º).

                  Nesta medida, pretendendo o senhorio promover a transição para o NRAU e atualização da renda, teria que cumprir o disposto no art.º 30º da citada Lei (entretanto, sucessivamente, alterado pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto, pela Lei nº 79/2014 de 19 de dezembro, pela Lei nº 42/2017 de 14 de junho e, por último, pela lei nº 13/ 2019 de 12 de fevereiro).

                  Na altura em que o senhorio promoveu essa comunicação (2018) era o seguinte o teor do aludido preceito legal aqui em aplicação:

                  A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia da sua comunicação:

                  a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;

                  b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;

                  c) Cópia da caderneta predial urbana;

                  d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;

                  e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;

                  f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32.º;

                  g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.

                  Artigo 31.º Resposta do arrendatário

                  1 - O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior.

                  2 –(…).

                  3 - O arrendatário, na sua resposta, pode:

                  a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio;

                  b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33.º;

                  c) Em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e à duração do contrato propostos pelo senhorio;

                  d) Denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 34.º

                  4 - Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias:

                  a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35.º e 36.º;

                  b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct., nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36.º

                  5 - As circunstâncias previstas nas alíneas do número anterior só podem ser invocadas quando o arrendatário tenha no locado a sua residência permanente ou quando a falta de residência permanente for devida a caso de força maior ou doença.

                  6 - O arrendatário pode, no prazo previsto no n.º 1, reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado, nos termos do disposto no artigo 130.º do CIMI, junto do serviço de finanças competente.

                  7 - A reclamação referida no número anterior não suspende a atualização da renda, mas, quando determine uma diminuição do valor da mesma, há lugar à recuperação pelo arrendatário da diminuição desse valor desde a data em que foi devida a renda atualizada.

                  8 - O montante a deduzir a título de recuperação da diminuição do valor da renda, calculado nos termos do número anterior, não pode ultrapassar, em cada mês, metade da renda devida, salvo quando exista acordo entre as partes ou se verifique a cessação do contrato.

                  9 - A falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao do termo do prazo previsto nos n.os 1 e 2.

                  10 - Caso o arrendatário aceite o valor da renda proposto pelo senhorio, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção da resposta:

                  a) De acordo com o tipo e a duração acordados;

                  b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.

                  11 –(…).

                  Artigo 32.º Comprovação da alegação

                  1 - O arrendatário que invoque a circunstância prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar.

                  2 - O arrendatário que não disponha, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior faz acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção.

                  3 - O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.

                  4 - O arrendatário que invoque as circunstâncias previstas na alínea b) do n.º 4 do artigo anterior faz acompanhar a sua resposta, conforme os casos, de documento comprovativo de ter completado 65 anos ou de documento comprovativo da deficiência alegada, sob pena de não poder prevalecer-se das referidas circunstâncias.

                  Artigo 33.º (Oposição pelo arrendatário e denúncia pelo senhorio)

                  1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 35.º e 36.º, caso o arrendatário se oponha ao valor da renda, ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio, propondo outros, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta daquele, deve comunicar ao arrendatário se aceita ou não a proposta.

                  2 - A oposição do arrendatário ao valor da renda proposto pelo senhorio não acompanhada de proposta de um novo valor vale como proposta de manutenção do valor da renda em vigor à data da comunicação do senhorio.

                  3 - A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo arrendatário.

                  4 - Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário ou verificando-se o disposto no número anterior, o contrato fica submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação prevista no n.º 1 ou do termo do prazo aí previsto:

                  a) De acordo com o tipo e a duração acordados;

                  b) No silêncio ou na falta de acordo das partes acerca do tipo ou da duração do contrato, este considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos.

                  5 - Se o senhorio não aceitar o valor de renda proposto pelo arrendatário, pode, na comunicação a que se refere o n.º 1:

                  a) Denunciar o contrato de arrendamento, pagando ao arrendatário uma indemnização equivalente a cinco anos de renda resultante do valor médio das propostas formuladas pelo senhorio e pelo arrendatário;

                  b) Atualizar a renda de acordo com os critérios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 35.º, considerando-se o contrato celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos a contar da referida comunicação.

                  6 - A indemnização a que se refere a alínea a) do número anterior é agravada para o dobro ou em 50 /prct. se a renda oferecida pelo arrendatário não for inferior à proposta pelo senhorio em mais de 10 /prct. ou de 20 /prct., respetivamente.

                  7 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a denúncia prevista na alínea a) do n.º 5 produz efeitos no prazo de seis meses a contar da receção da correspondente comunicação, devendo então o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias.

                  8 - No caso de arrendatário que tenha a seu cargo filho ou enteado menor de idade ou que, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou cursos de ensino pós-secundário não superior ou de ensino superior, a denúncia prevista na alínea a) do n.º 5 produz efeitos no prazo de um ano, devendo então o arrendatário desocupar o locado e entregá-lo ao senhorio no prazo de 30 dias.

                  9 - A indemnização prevista na alínea a) do n.º 5 e no n.º 6 é paga no momento da entrega do locado ao senhorio.

                  10 - No período compreendido entre a receção da comunicação pela qual o senhorio denuncia o contrato e a produção de efeitos da denúncia, nos termos dos n.os 7 e 8, vigora a renda antiga ou a renda proposta pelo arrendatário, consoante a que for mais elevada.

                  Artigo 36.º- Arrendatário com idade igual ou superior a 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60 /prct.

                  1 - Caso o arrendatário invoque e comprove que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct., o contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes, aplicando-se, no que respeita ao valor da renda, o disposto nos números seguintes.

                  2 - Se o arrendatário aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio, a nova renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo senhorio, da resposta.

                  3 - Se o arrendatário se opuser ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, o senhorio, no prazo de 30 dias contados da receção da resposta do arrendatário, deve comunicar-lhe se aceita ou não a renda proposta.

                  4 - A falta de resposta do senhorio vale como aceitação da renda proposta pelo arrendatário.

                  5 - Se o senhorio aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário, ou verificando-se o disposto no número anterior, a nova renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo senhorio, da resposta ou do termo do prazo para esta, consoante os casos.

                  6 - Se o senhorio não aceitar o valor da renda proposto pelo arrendatário, o contrato mantém-se em vigor sem alteração do regime que lhe é aplicável, sendo o valor da renda apurado nos termos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

                  7 - Se o arrendatário invocar e comprovar que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA:

                  a) O valor da renda é apurado nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo anterior;

                  b) O valor da renda vigora por um período de cinco anos, correspondendo ao valor da primeira renda devida;

                  c) É aplicável o disposto no n.º 5 do artigo anterior.

                  8 - Quando for atualizada, a renda é devida no 1.º dia do 2.º mês seguinte ao da receção, pelo arrendatário, da comunicação com o respetivo valor.

                  9 - Findo o período de cinco anos a que se refere a alínea b) do n.º 7:

                  a) O valor da renda pode ser atualizado por iniciativa do senhorio, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 30.º e seguintes, não podendo o arrendatário invocar a circunstância prevista na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º;

                  b) O contrato só fica submetido ao NRAU mediante acordo entre as partes.

                  10 - No caso previsto no número anterior, o arrendatário pode ter direito a uma resposta social, nomeadamente através de subsídio de renda, de habitação social ou de mercado social de arrendamento, nos termos e condições a definir em diploma próprio.

                  No caso dos autos e conforme resulta dos factos provados, o processo de atualização da renda foi desencadeado pelos senhorios em fevereiro de 2018, tendo os réus respondido à comunicação dos autores, dizendo:

                  a) Terem ambos idade superior a 65 anos, juntando fotocópias simples dos seus cartões de cidadão;

                  b) O rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), comprovado com documento emitido pelo Serviço de Finanças ... comprovativo de que o réu marido ali havia solicitado “a emissão da declaração do valor do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC) relativo ao ano de 2017 do seu agregado familiar.

                  d) E opunham-se a que o contrato de arrendamento viesse a transitar para o NRAU, bem assim se opunham ao valor da renda proposto e ainda do valor indicado na avaliação do imóvel na caderneta predial.

                  -Os autores esperaram que os réus lhe fizessem chegar uma tal declaração.

                  -Como não foi enviada tal declaração, em 17-09-2018 os autores enviaram aos réus novas cartas, uma vez mais registadas e com avisos de receção, comunicando-lhes que se tinha tornado definitivo o valor mensal da renda anteriormente comunicado de €451,39 e que o mesmo seria devido a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao da receção daquela comunicação- i. é, a partir do dia 1-11-2018.

                  -Tais cartas foram recebidas a 18-09-2018.

                  -Com a data de 24-09-2018, os réus enviaram aos autores, carta em que, opondo-se uma vez mais às pretensões daqueles, referirem, entre o mais, que “o documento comprovativo de RABC do agregado familiar inferior a 5 RMNA será facultado apenas com ordem judicial uma vez que o direito à privacidade se encontra constitucionalmente consagrado”.

                  Os recorrentes invocam em B.68 o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 277/2016[8] que decidiu: “julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30.º, 31.º e 32.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da sua não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição”.

                  Seguindo o mesmo entendimento, encontramos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 393/2020[9], com a seguinte decisão: “a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 65.°, n.º 1, conjugado com os artigos 17.° e 18.°, n.º 2, todos da Constituição, a norma extraível dos artigos 30.° e 31.°, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30.° determina a transição do contrato para o NRAU e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, sem que ao primeiro tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio”.

                  Resulta dos factos provados que em 23-04-2018 os autores enviaram a cada um dos réus cartas, registadas e com avisos de receção, que foram rececionadas nos dias 26-04-2018 (pelo réu marido) e 27-04-2018 (pela ré mulher), constando das mesmas a comunicação aos réus que o contrato em causa transitava para o regime do Novo Regime do Arrendamento Urbano, passando a renda a ser no montante de €451,39 mensais, com fim habitacional e prazo certo de 5 anos- ali referindo também expressamente (como exige a alínea f) do art.º 30º do Novo Regime do Arrendamento Urbano) que os réus podiam, “sendo caso disso, invocar, isolada ou conjuntamente, que o rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º, ou que tem idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º, devendo, em qualquer dos casos, juntar documentos comprovativos das circunstâncias que invocar (que, quando sejam as de um RABC do agregado familiar inferior a cinco RMNA, deverá consistir em documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, nos termos do disposto no art.º 32º do NRAU).

                  Nos dias 7 de novembro de 2018 e 7 de dezembro de 2018, os réus depositaram na conta dos autos a importância de €76,42, (por duas vezes).

                  Nos dias 3 de janeiro de 2019 e 8 de fevereiro de 2019, os réus depositaram na conta dos autores a importância de €77,30 (por duas vezes).

                  Não tendo os réus passado a pagar as rendas no montante mensal de €451,39, existe mora dos réus- nº 4 do artigo 1083º do Código Civil[10].

                  Acresce referir que os réus/arrendatários nunca propuseram qualquer valor para a renda.

                  Por fim, cumpre dizer que, tendo em conta que não faltou o aviso pelos senhorios (autores) para as consequências do não cumprimento do ónus do envio dos documentos comprovativos dos regimes de exceção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou ao grau de deficiência), entendemos que a sentença recorrida que declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou os recorrentes a pagar aos recorridos a quantia de €1.498,12, correspondente ao valor atualizado das rendas que não foi pago, não violou os princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do principio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, e como, tal não é inconstitucional.

                  Em conclusão: a apelação tem de improceder integralmente, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

                 

                  Das custas:

                  As custas são da responsabilidade dos apelantes, atendendo ao seu decaimento-artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.

                  (…)

                  DECISÃO

                  Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente apelação, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.

                  Custas pelos recorrentes.

                                                                                                                      Coimbra, 7 de fevereiro de 2023

                  Mário Rodrigues da Silva- relator

                  Cristina Neves- adjunta

                  Teresa Albuquerque- adjunta

                  Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original



([1]) António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Flipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Almedina,  Vol. I, p. 554.
([2]) Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 2017, 8ª edição, p. 114.
([3]) Cf. neste sentido, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, p. 457.
([4]) Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), 2ª edição, Almedina p. 1323.
([5]) Ac. do STJ, de 19-12-2018, proc. 4142/14.7TCLRS.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, www.dgsi.pt.
([6]) Recorda-se que os réus, ora recorrentes deduziram, impugnação ao requerimento de habilitação.
([7]) António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 198.
([8]) De 4-05-2016, relator  Pedro Manchete, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160277.html.
([9]) De 13-07-2020, relatora Joana Fernandes Costa, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200393.html.

([10]) “É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte.”