Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
949/13.0TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
RECONVENÇÃO
NCPC
COMPENSAÇÃO
CRÉDITO
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 77º, Nº 1 DO CPT; 266º, Nº 2, AL. C), E 640º, Nº 1, AL. B) DO NCPC
Sumário: I – As nulidades da sentença (em processo laboral) têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não se poder conhecer dessa arguição pelo Tribunal superior.

II – Nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão impugnada, sob pena de rejeição dessa impugnação.

III – Actualmente, na vigência do nCPC, a compensação de créditos implica sempre a dedução de reconvenção (não pode ser arguida apenas como mera excepção) pela parte que pretende aproveitar-se da mesma, quer o seu montante seja superior ou inferior aos créditos do autor – artº 266º, nº 2, al. c) do nCPC.

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio instaurar contra B... e C... a presente acção com processo comum,  pedindo que a acção seja julgada procedente e:

                “A – Ser reconhecida a justa causa de resolução do contrato de trabalho, por parte do Autor, com fundamento na falta culposa dos Réus no pagamento pontual da retribuição (Cláusula 53ª/1 e n.º 2 alínea a)), facto que se prolongou por mais de 60 dias (cfr. artigo 394º, nºs 1, 2 alínea a) e 5, do Código do Trabalho), já que os Réus não pagaram ao Autor os seus créditos salariais referente a trabalho suplementar prestado e não pago; trabalho prestado em horas nocturnas não pagas; trabalho prestado em dia de descanso semanal não pago; descanso semanal não gozado e não pago; descanso compensatório remunerado, não gozado e não pago; trabalho prestado em dias de feriados e não pago; dias úteis de férias não gozadas e não pagas; situação que tornou insustentável para o Autor a manutenção do seu vínculo laboral para com a Ré, tendo-lhe então comunicado tal cessação com a antecedência exigida por lei, à qual foi recepcionada e aceite pela Ré pois até ao momento nunca se opôs;

                B – Condenar os Réus a pagar ao Autor o montante global de €26.888.22 (vinte e seis mil oitocentos e oitenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), a título de créditos salariais devidos, respeitante a:

                […]

                B.14 - €1.554,00 (mil quinhentos e cinquenta e quatro euros), a título de indemnização devida em função da justa causa de resolução contratual por parte do trabalhador, aqui Autor, consagrada na Cláusula 54ª, aplicável aos presentes autos, e que os Réus ainda não pagaram ao Autor.

                C – Condenar os Réus a pagar ao Autor juros de mora, calculados à taxa legal em vigor, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento, por estrita violação da Cláusula 119ª do CCT.

                D – Condenar os Réus nas custas e demais encargos com o processo”.

                        Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com os Réus, que resolveu posteriormente devido à falta de pagamento da sua retribuição, sendo-lhe devidos os créditos laborais peticionados.

                        Contestaram os Réus, defendendo-se por excepções peremptórias de prescrição e de compensação e por impugnação (motivada), referindo, a final, que deverá ser julgada improcedente a acção, sendo absolvidos do pedido.

                        Alegaram que nada devem ao Autor, a quem pagaram todas as quantias respeitante ao trabalho que lhes prestou, sendo que o Réu C... não pode, devido ao período de tempo que já passou desde a transmissão do restaurante em causa entre os Réus, ser condenado no pagamento de qualquer quantia ao Autor, que fez cessar o seu contrato de trabalho sem respeitar o prazo de aviso prévio legalmente fixado.

                        Instruída e julgada a causa foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

                a) Condeno a R. B... a pagar ao A. A... , a título de retribuição de trabalho suplementar, trabalho noturno, trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados e descanso semanal e compensatório não gozado, quantia a liquidar posteriormente e não podendo exceder o montante peticionado a esse título pelo A., acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data de vencimento dessas obrigações e até efetivo e integral pagamento;

                b) Condeno a R. B... a pagar ao A. A... , a título de férias, a quantia total de € 730,59 (setecentos e trinta euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data de vencimento dessas obrigações e até efetivo e integral pagamento;

                c) Absolvo a R. B... do demais peticionado pelo A. A... ;

                d) Absolvo o R. C... dos diversos pedidos contra si deduzidos pelo A. A... .

                                               *

                                               *

                Custas, na proporção do respetivo decaimento, a cargo do A. e da 1.ª-R. (Art. 527º, n.ºs 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, atento o critério da sucumbência fixado nesta primeira disposição legal), sem prejuízo do benefício de proteção jurídica conferido ao A. (v. fls. 61 do processo em papel), fixando-se o valor da presente ação, nos termos do Art. 306º, n.ºs 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil, no valor indicado pelo A. para o efeito, atento o disposto nos Arts. 296º e 297º, n.os 1 e 2 do mesmo diploma legal”.
                                                                       x
                        Inconformada com tal decisão, veio a Ré- B... interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
                        […]

                        O Autor contra-alegou, propugnado pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais, tendo a Exmª PGA emitido parecer fundamentado no sentido da necessidade da compensação de créditos ser objecto de pedido reconvencional, devendo convidar-se a parte a aperfeiçoar o respectivo articulado nesse sentido.

                                                                       x
                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:
                   - a nulidade da sentença;
              - se é admissível  a impugnação da matéria de facto;
              - se a compensação de créditos deduzida pela Ré o deveria ter sido em sede de reconvenção.
                                                           x
                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
                        […]

                                                                                   x         

                        - a nulidade da sentença:

                        No confronto das conclusões  22 a 73  com a correspondente alegação de recurso, não oferece qualquer dúvida que a apelante constrói toda a sua argumentação relativa àquilo que apelida de “vicio de falta de fundamentação, contradição insanável entre os factos considerados como provados, sua fundamentação e a decisão e ainda aplicação do direito aos factos” reconduzindo-a à nulidade de sentença a que se refere a al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC.

                        Todavia,  não foi a mesma arguida de acordo com o nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, que estipula que a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
                        Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (nº 3 do artº 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
                        E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ,  1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
                        No caso em apreço, a recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, não incluindo, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a  decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição da nulidade e obsta a que dela se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
                        Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.

   Por sua vez, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05/08/2005, decidiu que, em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
                        Termos em que se não conhece da arguida nulidade.
                        - a impugnação da matéria de facto:
                        Na conclusões 4 e 5 a apelante vem propugnar pela eliminação do ponto 7 da matéria da como provada e que se considerem provados os pontos da contestação que aí identifica.

                        Nos termos do artº  640º, nº 1, do CPC, quando  “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

                a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

                b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

                c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

            Como se decidiu no recente acórdão desta Relação e secção social de 15/1/2015, proc. 4/11.8TTCTB.C1  (relator Jorge Loureiro) “nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão impugnada”.
                        A recorrente não indicou, nas conclusões, qualquer meio probatório para sustentar a sua impugnação, não dando, assim, cumprimento ao ditame dessa al. b) do nº 1 do artº 640º.

            Assim, é de rejeitar tal impugnação.

                        - a terceira questão - se a compensação de créditos deduzida pela Ré o deveria ter sido em sede de reconvenção:

                        Considerou a sentença recorrida que não pode “proceder a exceção de compensação invocada pela R., dado que, atualmente e com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a compensação implica sempre a dedução de reconvenção pela parte que pretende aproveitar-se da mesma – face ao disposto no Art. 266º, n.º 2, al. c) do Novo Código de Processo Civil

                        O que não é aceite pela recorrente, que entende que lhe era legítimo aduzir a compensação por via de excepção, já o seu crédito peticionado é inferior ao crédito do Autor.

                        Dispõe a al. c) do nº 2 do artº 266º do Novo CPC:

                “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

                (...)

                c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;”.

                        A disposição equivalente do anterior CPC era a da al. b) do nº 2 do artº 274º:

                “2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:

                (...)

                b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.

                        A significativa diferença na redacção dos dois preceitos não é inocente, já que o legislador do Novo CPC seguramente não desconhecia a divergência de entendimentos quanto ao meio (se por excepção, se por reconvenção), de invocação da compensação e quis expressamente resolvê-la no sentido de que qualquer pretensão de reconhecimento de créditos por parte do réu, quer sejam superiores ou inferiores aos créditos do autor, implicará necessariamente a dedução de pedido reconvencional.

                        Assim, no domínio da aplicação do Novo CPC, a compensação deverá ser suscitada e apreciada em sede de reconvenção, não só quando se pretenda obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, mas também quando o réu pretende o reconhecimento do crédito, para obter a compensação- cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 15/5/2014, in www.dgsi.pt.

                        E não há que, como pretende a apelante, fazer apelo ao artº 3º do DL 41/2013, de 26/6 ou ao artº 27º do CPT, no sentido do convite ao aperfeiçoamento, já que tal mecanismo processual não pode funcionar com o intuito de dar uma segunda oportunidade à parte de formular um pedido. Apesar do reforço do princípio do inquisitório, continua  a vigorar nos nossos sistemas processuais civil e laboral o princípio do dispositivo, cabendo, em princípio,  à parte a escolha e dedução das correspondentes pretensões jurídicas, através da formulação dos correspondentes pedidos, não devendo o tribunal oficiosamente substituir-se-lhe nessa tarefa.

                        Improcede, assim, o recurso.

                                                           x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                                       Coimbra, 30/04/2015

                                                                 (Ramalho Pinto- Relator)

                                                                 (Azevedo Mendes)

                                                             (Joaquim José Felizardo Paiva)