Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1424/19.5T8PBL-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EMENDA DA PARTILHA
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 70.º DO REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO (LEI N.º 23/2013),
Sumário: A descrição de um bem, em processo de inventário, como prédio urbano, quando devia ser descrito como benfeitoria ou como direito de crédito de quem realizou a construção é fundamento de emenda da partilha.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

AA instaurou ação contra BB, pedindo a emenda da partilha efetuada no inventário nº ...7, relativamente à verba nº 24.

Para tanto alegou em síntese:

No inventário para separação de meações entre autora e réu, a partilha foi homologada por sentença transitada em julgado;

Na relação de bens foi relacionado sob a verba 24 o prédio urbano sito na Rua ..., lugar de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o nº ...66, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com área total de 1.820 m2.

Tal verba foi adjudicada ao réu e a autora receberia tornas.

A 25 de Julho de 2019, depois do trânsito da sentença homologatória da partilha,

a autora comunicou ao aqui mandatário que a verba 24, constituindo a casa morada de família, tinha sido edificada em dois prédios rústicos de sua propriedade, adquiridos por inventário e doação de seus pais, ficando a saber que tais prédios foram transmitidos ao réu, indevidamente, por não serem comuns.

A autora, se tivesse conhecimento ou representasse que a verba 24 incluía os dois imoveis rústicos de sua propriedade, teria feito a competente reclamação à relação de bens e nunca acordaria que os seus imóveis rústicos se transmitissem ao seu ex-marido.

Foi o seu ex-marido que apresentou a relação de bens, o qual sabia que a autora acordou sem o esclarecimento de que os seus dois imóveis rústicos lhe estavam a ser transmitidos.

O valor acordado a título de tornas também está viciado na vontade da autora, uma vez que não estava a representar que os dois imoveis rústicos de sua propriedade estavam a ser transmitidos ao réu.

A partilha não pode subsistir do modo como a verba 24 da relação de bens foi relacionada; sendo a construção urbana um bem comum, edificada sobre os imoveis rústicos propriedade da autora, deve ser relacionada como benfeitoria.

Contestou o Réu, em síntese:

O que a autora pretende é uma nova partilha e na ação de emenda não está em causa qualquer reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário, mas tão só apurar se um ato, especifico do processo padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos artigos 1386º e 1387º do CPC.

Tratando-se de um facto pessoal da autora, esta tinha obrigação de o conhecer, e conhecia desde 2010.

O réu sempre esteve convicto de que os referidos prédios também eram dele, tendo no final do ano de 1981, ainda no estado de solteiro, iniciado a construção da dita habitação, sabendo agora, quanto ao prédio rustico nº 31442, que lhe tinha sido verbalmente doado a si e à sua na altura namorada, pelo pai desta.

Quanto ao artigo rustico com o nº 31449, também o réu sempre esteve e está convicto lhe pertencer, porquanto foi o réu e a autora que em última análise o compraram, como a autora bem sabe.

Invoca ainda o réu a usucapião dos mesmos.

No saneador, foi proferida decisão a julgar a ação improcedente e a absolver o réu de todos os pedidos contra si formulados.


*

Inconformada, a Autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

            1 A Recorrente a 9/12/2019 deu entrada de uma ação de emenda á partilha ao inventário ...7

2 Neste inventario, exerceu as funções de cabeça-de-casal o RR

3 O RR apresentou a respectiva relação de bens tendo relacionado sob a verba 24, o prédio urbano, nº 4566º, freguesia ... e omisso na CRP

4 A verba 24 da RB não foi reclamada.

5 A RB foi reclamada quanto à partilha dos bens que integravam o património conjugal.

6 Foram formados dois lotes com o valor total atribuído de 104.000,00€: Lote 1 – Verbas 2 e 4 a que atribuíram o valor global de 2.000,00€; Lote 2 -Verbas 1, 3, 5 a 29 a que atribuíram o valor global de 102.000,00€

7 O primeiro lote foi adjudicado à R e o segundo lote seria adjudicado ao RR.

8 A R recebeu 50.000,00€ a título de tornas.

9 O Tribunal Judicial ... homologou a partilha a 14/05/25019.

10 A 25 de Julho de 2019 a R refere que só gora se apercebeu que a verba relacionada sob o nº 24, constituindo casa morada de família, tinha sido edificada em dois prédios de sua propriedade.

11 Estes prédios são rústicos artigos nº ...49, e o artigo nº ...42, no ... o primeiro por herança e o segundo por doação

12 Que foi agora que a R tomou conhecimento que os dois imoveis rústicos que lhe haviam sido adjudicados por doação e partilha acompanharam a verba 24,

13 Os mesmos não faziam parte dos bens comuns do casal e constituíam o lastro aonde o imóvel urbano foi edificado.

14 A R acordou em erro uma vez que aqueles dois prédios lhe pertenciam e nunca o artigo 24 da relação de bens apresentada pelo RR poderia ter aquela descrição e qualificação.

15 A referida moradia deveria ter sido relacionada como benfeitoria

16 Apenas seria de levar à relação de bens o valor da benfeitoria edificada sobre os bens rústicos propriedade da R, resultando para esta uma divida, no valor de metade ao acervo a partilhar

17 Neste sentido, “a moradia construída pelos cônjuges no terreno que é bem próprio de um deles constitui benfeitoria” Ac. Do STJ, in c.j., ano I, STJ, 1993, Tomo I, pág 102 e do TRC in c.j. ano XXIII, 1998, Tomo V, pagina 21

18 “Constitui benfeitoria e não acessão a construção por ambos os cônjuges de uma casa no terreno de um deles ” cit. Ac. da REL de Coimbra, in C.J. ano XXIII, tomo V pág 21

19 “A lei só atribui à autora da benfeitoria um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, na impossibilidade de separar a construção do terreno aonde está implantada” Ac. Citado

20 “No inventário para separação de meações não deve relacionar-se o prédio urbano edificado em tal terreno, mas o valor da construção como divida do cônjuge, propriedade daquele ao património do casal”

21 “Tendo sido construído por ambos os cônjuges, na constância do matrimónio, um prédio em terreno que é bem próprio de um deles não se verifica a acessão, mas um benefício para o terreno que constitui benfeitoria útil” Cit Ac. Da Rel do Porto, sumariado no BMJ nº 430, 1993, pág 414

22 “O valor das benfeitorias, constitui um bem a partilhar que não pode ser dissociado do terreno em que se integram” Ac. Citado

23 “Sendo o terreno bem próprio de um dos cônjuges as benfeitorias não são suscetíveis de citação “ Ac. citado

24 A R sempre será proprietária da mesma, devendo metade do seu valor ao RR.

25 Ocorreu um erro de facto na descrição e qualificação do bem constante do artigo 24 da Relação de bens, que veio a prejudicar patrimonialmente a R.

26 Na altura da reclamação á relação de bens se a R se tem apercebido dos seus imoveis rústicos eram o lastro do urbano teria reclamado do errado relacionamento.

27 O valor acordado a título de tornas também está viciado na vontade da R.

28 A partilha não pode subsistir do modo como a verba 24º da RB foi relacionada.

29 Doutrina “Estes erros (na descrição ou na qualificação) operam por si mesmos, isto é, não se torna necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objeto da partilha que se propõe alcançar” J.A. Lopes Cardoso Partilhas Judiciais Vol. II 4ª Edição 1990 ps.548 a 550.

30 A R formulou os pedidos de á R ser concedida a emenda da partilha, ficando esta sem efeito, Ser ordenado ao R a retificação à relação de bens no que consta à verba 24, devendo esta passar a ser relacionada como benfeitoria, Anulados todos os atos posteriores á apresentação da relação de bens, Ordenado o cancelamento a favor do R do registo Predial do imóvel identificado no artigo 4º deste articulado.

31 O RR excecionou com o caso julgado e ainda:.

32 Nem todo o erro releva para efeito de emenda á partilha.

33 A R já deveria conhecer todos os factos porque foi cabeça de casal no inventario por morte de seus pais.

34 a R não reclamou da verba 24 da RB

35 O RR sempre esteve convicto de que os referidos prédios também eram seus

36 O RR construiu a habitação no estado de solteiro.

37 O artigo rustico com o número 31449, também o RR sempre esteve e está convicto lhe pertencer

38 O RR invoca a usucapião.

39 o RR sempre esteve convicto que que os supras referidos terrenos rústicos sempre pertenceram a ambos.

40 O RR sempre atuou de boa fé e de acordo com o que julgava saber desconhecendo outra realidade

41 O RR pede a improcedência da acção e ser a partilha mantida pela forma que foi efetuada

42 A senhora juiz decide do mérito e julga a acção improcedente em relação a todos os pedidos formulados.

43 Na fundamentação da sua decisão a senhora juiz descreve e interpreta o artigo 71º/1 da Lei 23/2013, de 5/3, cita diversos acórdãos dos Tribunais Superiores, designadamente da Relação de Coimbra, do STJ, doutrina de Mestre Lopes Cardoso,

44 Sendo que nos parece, salvo o devido respeito que esta decisão enferma de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por omissão de pronuncia sobre questões que deveria conhecer. Artigo 615º/1/c/d do CPC, existindo ainda deficit da matéria de facto que habilite a uma decisão de mérito

45 Existe erro na interpretação do direito, omissão de pronuncia sobre factos que devia tomar conhecimento e contradição na decisão e sua fundamentação erro na aplicação de direito, interpretação jurisprudencial e doutrina.

46 Para a boa decisão da causa e pressupostos da acção era imperativo que a senhora juiz tomasse conhecimento se houve erro na descrição ou qualificação dos bens constantes da relação de bens. (facto 13º a 18º, 21º e 39º da pi)

47 Se o imóvel urbano descrito na verba 24 da relação de bens tinha sido edificado nos dois imoveis rústicos propriedade da autora (factos 13º a 18º, 21º e 39º da pi)

48 Se este imóvel deveria ter sido relacionado como benfeitoria (questão de direito) e se a ação de emenda á partilha é proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro/vicio da vontade, contanto que este conhecimento seja posterior á decisão.

49 A decisão posta em crise a folhas 13 parágrafos 2º e 3º “Como Lopes Cardoso refere “Como erro de facto na descrição considera-se toda a descrição que não corresponda á verdade, designadamente a descrição de um prédio urbano por um rustico, um movel por imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias quando tenha sido descrito como de três andares, um prédio por um andar único (…) Estes erros (na descrição e qualificação operam por si mesmo, isto é não se torna necessário alegar e provar qualquer outros requisitos para com base neles peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente a partilha que se propõe alcançar”

50 Só por este facto de errada descrição e qualificação do bem a provar-se deveria a senhora juíza conceder a emenda e a acção proceder neste pedido.

51 É certo que ocorreu um erro vicio da vontade porquanto a R ao acordar na partilha não teve a perceção que a verba 24 estava mal descrita e relacionada

52 E não se diga, como refere a decisão que a alegação da autora vertida na petição, da mesma, resulta que se pretende reconduzir a sua alegação ao erro-vicio da vontade (folhas 13 último paragrafo)

53 Antes da alegação do erro vicio da vontade há alegação que houve um erro na descrição e qualificação do bem erro de facto, que só por si opera, como bem refere a senhora juiz (imóvel urbano verba 24 da RB)

54 Pressuposto este essencial é bastante para ser a partilha emendada.

55 Parece-nos que os factos conhecidos e de pronuncia sobre a decisão de mérito é bastante deficitária

56 Refere a senhora juiz a folhas 14 paragrafo 2 que se exigia que se alegasse factos tendentes a demonstrar as razoes pelas quais a autora está em erro, se esta havia sido cabeça de casal na herança de seus pais e sabia que estes bens lhe tinham sido atribuídos

57 “Mais se exigia que alegasse factos tendentes a demonstrar a essencialidade do erro, ou seja que o reu conhecia ou devia conhecer que a autora acordou na partilha nos termos em que o fez, por desconhecer que estava a transmitir os referidos prédios rústicos de sua propriedade, o que não o fez.”

58 Mais refere que acção conforme foi estruturada os pedidos não podem proceder.

59 Mais uma vez a senhora juiz andou menos bem, uma acção pode ser total ou parcialmente procedente e na alínea b) do pedido requer-se seja decretado a emenda á partilha ficando a emenda esta sem efeito no que a verba 24 diz respeito

60 Não se compreende o que a senhora juiz entende por emenda da partilha que não seja corrigir a partilha anteriormente elaborada

61 Isto para dizer que o erro vicio da vontade nem sequer tem de ser cumulativo com o erro de facto uma vez que estes operam por si mesmo, ao contrário daqueles o que a senhora juiz bem refere a folhas 13 paragrafo 2 e 3

62 Os erros de facto operam por si e tal não acontece com os demais erros “ERRO DE FACTO (….) Estes erros operam por si mesmos …. “Já não assim nos demais erros de facto (v.g. estar o requerente na ignorância da extensão natureza e características e valor dos bens inventariados) erros que recaem sobre a qualidade dos mesmos bens e assim sujeitos á regra do artigo 1386º/1 in fine, neste caso torna-se mister alegar e provar os requisitos gerais e especiais desse erro, nos precisos termos do artigo 247º do CC J.A. Lopes Cardoso partilhas Judiciais Vol II 1980 pág. 524 e seg. anotação ao artigo 1386º transcrito no livro a pág. 204 Processo de Inventario Nova tramitação de França Pitão Almedina 1996”

63 Os erros de direito “tal erro para relevar há de recair sobre a vontade dos interessados por forma a vicia-la induzindo-os em engano e de modo a influenciar a manifestação dos que intervieram no inventário e veem a ser vitimas desse erro (J.A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais Vol. 2 1980 pág. 525 e ss) tudo melhor transcrito no livro a pág. 204 Processo de Inventario Nova tramitação de França Pitão Almedina 1996

64 A senhora juiz entende que a autora não concretizou o erro vicio que alega para a acção poder proceder

65 Ma a autora concretizou o erro de facto na descrição e qualificação do bem na RB

66 E tal alegação a provar-se em acção dentro do ano do conhecimento após sentença era suficiente para ser concedida a emenda á partilha.

67 Outro dos pressupostos é o conhecimento do erro e o prazo de um ano do direito a acção ainda que a decisão homologatória esteja transitada (artigo20º do pi)

68 Tudo para dizer que os factos provados e não provados são manifestamente insuficientes para conhecer do mérito, pelo que terá necessariamente de haver ampliação da matéria de facto

69 Foram violados os normativos do artigo 70º e 71º do anterior regime de inventario, a decisão é nula nos termos do artigo 615º/1/c/d, foi dada errada interpretação de jurisprudência e doutrina.

Termos em que, e nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Exª, deve ser concedido provimento, devendo este Venerando Tribunal da Relação, revogar esta decisão, ordenando que seja concedida a emenda á partilha ou se assim não se entender os autos baixem para ampliação da matéria de facto.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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As questões a decidir são as seguintes:

Ocorre erro na partilha que justifica a sua emenda?

Está o processo preparado factualmente para uma decisão final nesta fase?


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Os factos tidos por provados são os seguintes:

1.Autora e réu contraíram casamento no dia 18/12/1982, sem convenção antenupcial.

2. Por sentença proferida em 7/2/2017 transitada em julgado em 20/3/2017 foi decretado o divórcio entre autora e réu, tendo a data do inicio da separação de facto sido fixada em 15/1/2016.

3. Na sequência do divórcio decretado foi instaurado inventário para partilha dos bens comuns do casal, que correu termos no Cartório Notarial ..., com o nº 2830/17, no qual foi nomeado cabeça de casal, o aqui réu.

4. No inventário referido em 3, pelo cabeça de casal foi junta relação de bens, da qual consta relacionado sobre a verba nº 24 o seguinte bem: prédio urbano sito na Rua ..., no lugar de ..., composto de casa de habitação de ... e ... andar, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., com o artigo ...56, omisso na Conservatória de Registo Predial ..., com o valor de €151,200,00.

5. A reclamação à relação de bens não contemplou o teor e a forma como o referido imóvel urbano foi relacionado, mas tão só o valor que lhe foi atribuído.

6. Em sede de conferência de interessados realizada no dia 29/4/2019 foi alcançado acordo quanto à partilha dos bens, tendo as partes acordado na formação de dois lotes, com o valor total atribuído de cento e quatro mil euros, com a seguinte composição:

- Lote 1 – verbas 2 e 4, a que atribuem o valor global de dois mil euros; e

- Lote 2 – Verbas 1, 3, verbas 5 a 29, a que atribuem o valor global de cento e dois mil euros;

7. Foi deliberado que a composição dos quinhões se realizasse do seguinte modo:

- O lote 1 é adjudicado à interessada AA, pelo valor global atribuído de € 2.000,00;

- O lote 2 é adjudicado ao interessado BB, pelo valor global atribuído de € 102.000,00;

8. Foi ainda acordado, no que respeita às tornas, no valor de € 50.000,00, que o pagamento terá que ser efetuado pelo devedor à credora das mesmas, no prazo de trinta dias a contar da presente data.

9.Foi elaborado mapa da partilha nos seguintes termos:

O valor dos bens a partilhar, conforme unanimemente deliberado, é de € 104.000,00 (cento e quatro mil euros). Inexiste passivo, donde resulta que a meação de cada um dos ex-cônjuges, é no valor de € 52.000,00 (cinquenta e dois mil euros).

Que assim, do valor global dos bens cabe:

À interessada AA:

a) Pertence de meação ----------------------------------------------------- €52.000,00

b) Bens adjudicados – Lote 1 – Verbas 2 e 4 -----------------------€ 2.000,00

c) Tornas:

- Leva a menos -------------------------------------------------------- € 50.000,00

Recebe de tornas--------------------------------------------------------€50.000,00.

Ao interessado BB:

a) Pertence de meação ---------------------------------------------------- € 52.000,00

b) Bens adjudicados – Lote 2 - verbas 1, 3, 5 a 29 ------------ € 102.000,00

c) Tornas:

- Leva a mais------------------------------------------------------------- € 50.000,00

Tem a pagar de tornas -------------------------------------------------- €50.000,00.

As adjudicações serão efetuadas como referido.

10.Em 14/5/2019 foi proferida sentença homologatória da partilha, a qual transitou em julgado.

11. A autora foi cabeça de casal nomeada no processo de inventário por óbito de seus pais, proc. nº ...0... que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ... e nele, nas suas declarações como cabeça de casal, prestadas no dia 2/6/2010, informou os autos de que os seus falecidos pais deixaram doações a si e ao seu irmão CC, tendo no referido inventário sido adjudicado à autora o prédio rústico inscrito na matriz com o artº ...42 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...54.

12. O prédio rústico inscrito na matriz com o artigo ...42 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...54, encontra-se registado em nome da autora casada com o réu, constando como causa de aquisição em 29/4/1988 “doação”.

13. O prédio rústico inscrito na matriz com o artigo ...49 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...64, encontra-se registado em nome da autora casada com o réu, constando como causa de aquisição em 7/7/2016 “partilha judicial”.


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Não é posto em causa que “a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.”

(Neste particular, ensina Lopes Cardoso (Partilhas, vol. II, Almedina, 1990, páginas 545 e seguintes): o erro suscetível de viciar a vontade das partes é uma fórmula muito ampla, abrange uma generalidade de erros”.)

No caso poderá ocorrer um erro deste tipo?

Se os prédios nos quais foi feita a construção são da Autora (herdados ou doados, conforme o registo), algo que o Réu questiona, a verba 24 não podia ter sido descrita como o foi e o seu destino teria sido outro.

Além da jurisprudência referida pela Autora, o acórdão do STJ, de 30.4.2019 (proc.5967/17, em www.dgsi.pt), é expressão da uniformidade do entendimento de que constitui benfeitoria a construção de um prédio urbano em terreno próprio do outro cônjuge.

Sendo benfeitoria, feita por ambos, o Réu não a podia levantar sem detrimento da mesma e ela ficaria a pertencer à Autora, a quem caberia ressarcir o Réu de metade do seu valor. O Réu teria não um direito real, mas um direito de crédito.

Ao não ter sido esclarecido o verdadeiro estatuto da construção (e seus pressupostos de facto), esta foi adjudicada ao Réu e levaria consigo (indevidamente) os prédios rústicos (pretensamente) da Autora, algo que esta diz que nunca representou no acordo.

O erro é sobre a qualificação do bem (prédio urbano comum ou apenas benfeitoria comum sobre prédio próprio da Autora), embora resultante da insuficiente descrição de facto, e foi suscetível de viciar a vontade das partes, pois que o seu destino seria outro e o Réu teria apenas um direito de crédito.

Sendo certo que a emenda da partilha não se confunde com a anulação da partilha, nem com uma nova partilha, entendemos que, no caso, não se coloca em causa a validade e eficácia da partilha do que é comum entre estes ex-cônjuges, estando apenas em causa redefinir, se necessário, o destino da construção feita por ambos (verba 24), protegendo as propriedades da Autora.

Apesar do enquadramento legal que aceitamos, o processo não está preparado factualmente para uma decisão final nesta fase.

O Réu questionou o momento do conhecimento do erro da Autora e a propriedade dos terrenos rústicos, alegando que estes são também seus, por doação, compra e usucapião.

Estes factos não foram julgados, pelo que o processo terá de prosseguir para apurar como ocorreu tal conhecimento e tal aquisição.


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Decisão.

Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento dos autos para julgamento dos demais factos referidos.

            Custas pelo Recorrido, tido por vencido.

Coimbra, 2022-05-25


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Moreira do Carmo)