Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3671/22.3T9CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
DECISÃO ABSOLUTÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO
Data do Acordão: 10/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEA D), E 425.º, N.º 5, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário:
I – Uma decisão de não pronúncia equivale a uma decisão absolutória, para os efeitos do disposto no artigo 425.º, n.º 5, do C.P.P.

II – Assim, em apreciação do recurso interposto de despacho de não pronúncia pode o tribunal de recurso, em caso de confirmação de decisão da 1ª instância sem qualquer declaração de voto, limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.

Decisão Texto Integral:
Relator: João Abrunhosa
1.º Adjunto: Maria de Fátima Sanches Calvo
2.º Adjunto: Rosa Pinto

Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo de Instrução Criminal de Coimbra, … decidiu-se não pronunciar a Arg. [1] , nos seguintes termos:

“... I –No termo do presente inquérito, após a prática de diversos atos, o M.º P.º proferiu despacho de arquivamento[2], nos termos do disposto no artigo 277º n.º1 do Código de Processo Penal, dizendo que entende que existe prova bastante de não se ter verificado o crime de subtração de menor p. e p. pelo art. º 249º n.º 1 al. a) do Código Penal, na medida em que os factos denunciados, de facto, ocorreram, mas, embora sejam típicos, gozam de uma causa de exclusão da culpa.


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Notificado do arquivamento, veio o assistente requerer a abertura da presente instrução, …

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*

III- A instrução visa, no presente caso, apurar se dos elementos constantes dos autos, designadamente daqueles que foram colhidos na sequência das diligências instrutórias levadas a cabo, resultam ou não indícios suficientes de a arguida ter cometido factos constitutivos de responsabilidade criminal, maxime subsumíveis ao tipo legal que vem indicado.

Em conformidade com o disposto no n.º1 do art.308º do CPP, …

Nesta perspectiva, importará, desde logo, definir aquilo que, no sentido que interessa à disposição do n.º1 do art. 308º do CPP e, portanto, que é suposto pelo juízo subjacente à decisão de pronunciar, se há-de entender por indícios suficientes.

Para efeitos de dedução de acusação pública no termo do inquérito, considera a lei suficientes os indícios dos quais resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

Tal fórmula, expressamente consagrada no n.º2 do art.283º do CPP, representa uma adesão expressa ao entendimento que, na ausência de uma norma positiva de idêntico teor, vinha sendo doutrinal e jurisprudencialmente firmado no domínio da lei processual de 29.

Entendia-se, com efeito, que os indícios seriam bastantes quando lhes correspondesse “um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados”.

Por indícios suficientes eram, neste sentido, entendidos todos os “vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que é o arguido responsável por aquele”.

Para a pronúncia, porém, - entendia-se ainda -, não sendo embora necessária uma certeza da existência da infracção, “os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado” (cfr., por todos, Ac da Relação de Coimbra de 31 de Março de 1993, CJ, T.II, pg.65).

Seguindo a definição proposta pelo Prof. Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, V.III, pg.181 e ss., obra que citamos e que passamos a acompanhar - indícios, no sentido em que o conceito é utilizado pela lei processual, são meios de prova, enquanto causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais do crime.  Nas fases preliminares do processo, como é o caso da instrução, não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas antes, e tão-só, indícios, sinais de que um crime foi cometido por determinado agente.

As provas recolhidas nestas fases não constituem, nesta perspectiva, pressuposto da decisão de mérito mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência.

Necessário é, porém, que os mesmos sejam de modo a sustentar um juízo favorável à existência de uma possibilidade razoável de o crime ter sido cometido pelo arguido. Só assim serão tidos por suficientes, com as todas as consequências legais.

Deste modo, e porque no juízo de quem acusa, tal como no de quem pronuncia, deverá estar sempre a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, tal possibilidade razoável tem que surgir como mais positiva do que negativa: o juiz só deve pronunciar o arguido quando, através de um juízo objectivo fundamentado nos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido. Ou, utilizando agora as expressivas palavras do Prof. Figueiredo Dias, quando, já em face da prova recolhida, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou, em todo o caso, esta surja mais provável do que a sua absolvição (cfr. Direito Processual Penal, V.I, 1974, pg.133).

Em caso de pronúncia, todos os elementos constitutivos do tipo legal de crime hão-de figurar no despacho de forma clara e explícita, o que significa, em suma, que a decisão instrutória apenas conhecerá tal sentido se os autos contiverem matéria indiciária suficiente que lhes sirva de suporte fáctico.

Apoiados, pois, nestas conclusões doutrinais e jurisprudenciais, analisemos o caso a que se reportam os presentes autos.

Ora, na realidade, ainda que se entendesse que existem indícios suficientes da prática pelo arguido dos factos descritos no RAI, a verdade é que tais factos não integram a prática de um crime de subtração de menores, p. e p. pelo art. º 249º n.º 1 al. a) do Código Penal que o assistente imputa à arguida.

Efetivamente, lê-se em tal normativo o seguinte:

“1 — Quem:

a) Subtrair menor;

(…)

é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 3 - O procedimento criminal depende de queixa .

De acordo com Almeida Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, Tomo II, edição de Dezembro de 1999, página 613 e seguintes, através da incriminação da conduta acima descrita visou o legislador a protecção dos poderes que cabem a quem esteja encarregado do menor: no caso os dois progenitores, estando a protecção pensada para o bem estar do menor.

Subtrair o menor consiste em “retirar o menor do lugar, do espaço e do círculo da pessoa (ou da instituição) a quem está confiado. Donde, a consumação do delito pressupor que o menor fique submetido ou à disposição da pessoa que o retirou ou reteve, ou seja, que permaneça fora do controle da pessoa a cuja guarda ou direcção se encontrava legitimamente”.

Assim, a previsão típica apenas se mostra preenchida quando estiver em causa o incumprimento do regime estabelecido pelo tribunal ou resultante da homologação do acordo a que os progenitores chegaram. O que bem se compreende pois que o regime informal que os pais possam eventualmente ter estabelecido por acordo nem sempre se conforma com a defesa dos interesses do menor , não sendo, muitas vezes e nessa medida passível de homologação .

Na situação vertente nos autos, não estando regulado o poder paternal do menor aquando da prática pela arguida dos factos que lhe são imputados no RAI, o exercício do poder paternal incumbia a ambos os progenitores.

Neste sentido se tem pronunciado de facto a jurisprudência de forma praticamente unânime.

Assim, lê-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 7-2-2017 acessível in www.dgsi.pt, que:

“III-Para que se verifique o crime previsto na al. c) do respectivo n.º 1, não basta que o incumprimento que aí se menciona corresponda a uma simples auto-regulamentação ou seja o resultado de mera decorrência legal, supletiva ou não, antes pressupõe a fixação do exercício das responsabilidades parentais através de uma decisão judicial ou acordo homologado.

IV-Já para a modalidade tipificada na sua al. a), subtrair, consiste em “retirar o menor do lugar, do espaço e do círculo da pessoa (ou da instituição) a quem está confiado. Donde, a consumação do delito pressupor que o menor fique submetido ou à disposição da pessoa que o retirou ou reteve, ou seja, que permaneça fora do controle da pessoa a cuja guarda ou direcção se encontrava legitimamente.

V-O progenitor com quem o menor reside habitualmente não pode incorrer na prática do crime consagrado em tal preceito.

VI-A interpretação do n.º 1 do art. 249.º do Cód. Penal, ao advogar a sua não aplicabilidade ao progenitor do menor subtraído “quando não haja regulação de responsabilidades parentais”, por violação do art. 36.º, n.ºs 5 e 6 da CRP, não se nos afigura inconstitucional, ainda que importe distinguir, para este efeito, a situação prevista na al. a) da prevista na al. c) do respectivo n.º 1.

Lê-se também no Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2012, proferido no Processo n. 0 687/10. 6TAABP. SI, do qual foi relator o Ex. mo Juiz Conselheiro Henriques Gaspar:

II —O crime de «subtracção de menores», na nova redacção da al .c) do n.º 1 do art. 249. 0 do CP, introduzida pela Lei 61/2008, de 31-10, afasta —se inteiramente da estrutura e construção típicas das als. a) , b) e c) (na anterior redacção), divergindo mesmo do significado semântico que enquadrava consistentemente a construção tradicional da estrutura típica. No enquadramento de tipicidade, a al. c) do n. º 1 do art. 249º na actual formulação não traduz nem expõe manifestamente uma «subtracção» , mas apenas uma rejeição do cumprimento , ou no rigor, o incumprimento das obrigações decorrentes do regime fixado ou acordado de regulação das responsabilidades parentais de menores: a formulação típica não representa nem prevê uma retirada ou ocultação do menor ou recusa de entrega à pessoa que exerça o poder paternal, constituindo apenas, em determinadas circunstancias, o estabelecimento de uma forma instrumental e funcional de injunção ao cumprimento de obrigações decorrentes do regime de responsabilidade parentais, no rigor, uma modalidade constitutivamente aproximada de uma desobediência .

IV -Mas, sendo assim, o princípio de subsidiariedade de intervenção do direito penal que supõe a carência de tutela penal de determinado comportamento que afecte bens e valores com relevo axiológico constitucional não poderá , sem afectar o princípio da proporcionalidade, sustentar a criminalização e o sancionamento penal de um puro e simples incumprimento de um regime sobre direi tos civis que tem meios próprios de injunção e coerção ao cumprimento. Por isso, a “subtracção” ou o não cumprimento, com o sentido da al. c) , só deve e pode ter sentido quando se refira a situações de ultima ratio, e os meios normalmente adequados para fazer respeitar o cumprimento das obrigações parentais não se revelam eficazes. É nesta perspectiva que os elementos da tipicidade do crime do art. 249.c), do CP, na redacção da Lei 61/2008, devem ser interpretados e integrados .

Aderindo a este entendimento, concluímos de facto que os factos descritos no requerimento de abertura da instrução não são subsumíveis ao crime imputado à arguida.

A decisão a proferir tem, pois, de ser uma decisão de não pronúncia

VI - Por tudo o que exposto fica, decide-se não pronunciar a arguida pela prática do crime que lhe é imputado no requerimento de abertura da instrução. ...”.


*

Não se conformando, o Assistente …, interpôs recurso da referida decisão, … com as seguintes conclusões:

“...

4.         Entendimento com o qual o Recorrente, não se conforma, porquanto, a no facto de não existir regulação do exercício das responsabilidades parentais, permitiria ou permitirá, que um dos progenitores se ausente levando consigo o menor retirando-o do lugar, do espaço e do círculo da pessoa a quem está confiado

5.         O que sucedeu nos autos, visto que, o Menor foi retirado pela arguida, sem o consentimento e sem o conhecimento do Recorrente.

6.         Sendo que o convívio só veio a ser restabelecido com recurso ao Tribunal, cujo agendamento da conferência demorou cerca de dois meses após a data da instauração da ação.

7.         Sucede que o presente recurso, se prende acima de tudo com razões de justiça elementar, de modo a que não se permitam que situações como a dos autos, continuem a ser cobertas por decisões judiciais, a nosso ver contrárias à própria Lei.

8.         Assim, estamos perante o afastamento doloso de menor de 18 anos, de quem exerça o poder de guarda do mesmo, nomeadamente de quem exerça as responsabilidades parentais, a tutela ou a quem o mesmo esteja legalmente confiado.

9.         A ratio legis contida no artigo 249.º do CP é, em primeiro lugar, a proteção dos interesses do menor, os quais integram o convívio com ambos os progenitores e a proteção ativa, por ambos, dos interesses deste.

10.       Em segundo lugar, o dispositivo protege o exercício do poder-dever de parentalidade.

11.       Não protege em particular - nem sequer na letra e muito menos na ratio - o poder-dever de parentalidade dissidente, regulada através do tribunal.

12.       O artigo 36.º, n.º 3, da CRP prevê que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos e o n.º 5 do citado preceito reforça a ideia de que a paternidade é um poder-dever, esclarecendo que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os seus filhos.

13.       E sublinha o artigo 36.º, n.º 6, da CRP que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial

14.       O exercício das responsabilidades parentais, a constância do matrimónio, cabe a ambos os progenitores, conforme dispõe o artigo 1901.º do Código Civil, que nomeadamente regulamenta o constante da lei fundamental, a esse propósito.

15.       No âmbito da regulação legal geral do exercício das responsabilidades parentais, os menores não podem ser retirados da casa de morada de família apenas por decisão de um dos progenitores, nos termos do 1887.º  nº 1 do CC.

16.       E o Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, art.º 2.º, nº 9 e nº 11, classifica a deslocação e retenção unilateral do menor, para local diverso do que lhe fora destinado pelos seus progenitores, como ilícita.

17.       O facto do menor ser retirado do local onde reside, por um dos progenitores e sem autorização do outro, afastando-o, assim, do contacto e controlo de educação, saúde e afetos, do outro progenitor, de forma radical e tendencialmente definitiva, ocultando os contactos, terá que ser necessariamente protegida ao menos pelo elemento teleológico do preceito penal em causa e a sua ratio.

18.       Além disso, também da literalidade do mesmo preceito não se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos de um progenitor que retire o menor da esfera de exercício do poder paternal do outro progenitor, de forma prolongada e injustificada, com intenção, pelo menos presumida - o que releva para a presente fase processual - de provocar o afastamento definitivo do menor do outro progenitor, mantendo-o incontactável e em parte incerta.

19.       Nem se retira, de modo algum, que são excluídos da previsão legal os comportamentos dos cônjuges que não tenham o poder paternal judicialmente regulado, posto que o têm constitucional e legalmente regulado, bem como regulado em convenções internacionais.

20.       Nomeadamente na Convenção Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, aprovada em Haia em 25 de Outubro de 1980, ratificada por Portugal e que prevê que o “direito de custódia” abrange o direito de decidir sobre o lugar da residência do menor, nos seus artigos 4.º e 5.º alínea a).

21.       Viola, portanto, com essa atuação, o superior interesse do menor e o seu bem-estar, o comportamento comprovado nos autos, dado que este se vê impossibilitado de manter qualquer relação com o progenitor afastado.

22.       Por não se tratar, o presente caso, de mero afastamento controlado e consabido, de um menor, para longe do seu progenitor, mas sim de uma retirada de um menor em circunstâncias não controladas, para parte incerta, sem qualquer possibilidade efetiva e prática, por parte do progenitor afastado, de aproximação do menor seu filho, sem o consentimento ou conhecimento deste.

23.       Tal comportamento da Recorrida, que retirou o menor da casa de família que lhe fora destinada pelos pais, levou o filho de ambos para longe, retirou-o da escola que frequentava, de forma não conhecida nem autorizada pelo outro progenitor, não constitui, na realidade, uma vulgar não entrega de menor para cumprimento de um regime de visitas, ainda que reiterada, mas sempre minimamente controlada,

24.       É, sim, uma subtração de criança, retirada totalmente da sua vida normal, para destino desconhecido, mantendo-se incontactável, em violação grave, altamente lesiva, perentória e definitiva do exercício das responsabilidades parentais constitucional e legalmente reguladas, entre cônjuges estavelmente casados.

25.       Tal comportamento, colocando em risco o desenvolvimento do menor, sendo comprovada ou razoavelmente presumido como premeditado, perpetrado com dolo, de forma consciente quanto à respetiva ilicitude, contém indícios passíveis de enquadramento no crime do subtração de menor, previsto e punido pelas alíneas a) e/ou c) do n.º 1 do artigo 259.º do CP.

26.       O que não pode deixar de ser reconhecido por via da anulação do despacho de não pronúncia de que ora se recorre e determinação de pronúncia com base na acusação formulada nos autos pelo assistente.

27.       O despacho que não pronunciou a Recorrida é ilegal por violação do disposto no artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Penal e fere os dispositivos constitucionais contidos no artigo 36.º, nº 3, 5 e 6 da CRP.

Das Normas Violadas:

1.         Artigo 249 nº1 al. a) do C.P;

2.         Artigo 36.º, n.º 3, nº 5 e nº 6 da CRP;

3.         Artigo 1901.º do Código Civil;

4.         Artigo 1887.º  nº 1 do CC;

5.         Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, art.º 2.º, nº 9 e nº 11;

...”.


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A Arg. respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos:

“...

2 - Na verdade, o Tribunal a quo, no caso concreto, fez a melhor aplicação do Direito e jurisprudência existente, não ignorando toda a factualidade relevante, em harmonia com o princípio da livre apreciação da desta e da jurisprudência sobre a regulação do poder paternal que “Na situação vertente nos autos, não estando regulado o poder paternal do menor aquando da pratica pela arguida dos factos que lhe são imputados no RAI, o exercício do poder paternal incumbia a ambos os progenitores.”.

4 – E das alegações de recurso, não se alcança as normas jurídicas que o Assistente entende violadas, sendo que a decisão instrutória recorrida foi demonstrativa de direito e jurisprudência, é clara e objectiva, não está ferida de qualquer vicio, ilegalidade, omissão ou violação de normativos.

6 - É de assinalar, … a existência do “processo n.º 1305/22.... onde se investigam factos susceptíveis de consubstanciar o crime de violência domestica …

...”.


*

A Exm.ª Magistrada do MP[3] respondeu ao recurso, …

“...

2. O crime de subtração de menor, quer na vertente da “subtração”, quer na do incumprimento repetido e injustificado, pressupõe a existência de decisão judicial ou de acordo homologado …

3. O que não acontece in casu, como resulta dos factos indiciados, …

4. Sendo presentemente a regra a do exercício das responsabilidades parentais por ambos os pais, em igualdade de circunstâncias, não estando atribuída a guarda a um deles em especial, nenhum deles pode incorrer na prática do crime de subtração de menor enquanto tal regime não estiver fixado.

5. Entendimento seguido pela Jurisprudência e que não deixa desprotegidas as crianças, pois poderão os progenitores recorrer a outros institutos e mecanismos da nossa ordem jurídica, designadamente intentando ação de regulação das responsabilidades parentais e/ou recorrendo ao direito internacional convencional.

...”.


*

Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer …

*

É pacífica a jurisprudência do STJ[4] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[5], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a decidir no presente recurso é a seguinte:

Existência de indícios suficientes para que a Arg. seja pronunciada.


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Cumpre decidir.

Uma decisão de não pronúncia equivale a uma decisão absolutória[6], para os efeitos do disposto no art.º 425º/5 do CPP[7].

Assim, nos termos deste art.º, negamos procedência ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida, que explica claramente as razões da não pronúncia.


*****

Nestes termos, nos do art.º 425º/5 do CPP e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e confirmamos a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, com taxa de Justiça que se fixa em 3 (três) UC.


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Notifique.

D.N.


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(Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).

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[1] Arguido/a/s.
[2] Com o seguinte teor (nota nossa):
“... O presente inquérito iniciou-se com a denúncia por parte de …, dando conta de que vive em união de facto com …, com quem tem um filho, nascido a .../.../2021. … no dia 03-08-2022, a sua companheira abandonou a residência, levando consigo o filho, desconhecendo, à data, o paradeiro do mesmo e as condições em que este se encontra, …
**
Os factos denunciados, abstratamente considerados, poderiam ser suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de subtração de menor, previsto e punido pela disposição do artigo 249.º/1/a) do Código Penal.
**
Na sequência da referida denúncia, procedeu-se à abertura de inquérito com vista à investigação da eventual existência de crime, …
Como tal, foi junto ao presente inquérito cópia do Auto do Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido, do inquérito n.º 1305/22...., onde se investigam factos suscetíveis de consubstanciar o crime de violência doméstica, perpetrados por …, aqui denunciante, na pessoa de … aqui denunciada.
**
… resultam do inquérito n.º 1305/22.... fortes indícios de que, desde agosto de 2020 até setembro de 2022, o denunciante praticou diversos atos suscetíveis de integrar o crime de violência doméstica agravado, no interior da residência comum do casal,
que assumiram uma gravidade ascendente, motivo pelo qual a aqui denunciada acabou ausentar-se da residência, com o filho menor, para paradeiro incerto.
Tal atuação, de facto, consubstancia uma medida de proteção da vítima, e do próprio filho…
Assim, estamos perante uma situação subsumível ao estado de necessidade desculpante, prevista no artigo 35.º do Código Penal. Senão vejamos.

Nestes termos, ainda que se entendesse que o comportamento de afastar da criança do seu pai, sem o seu prévio consentimento e qualquer satisfação posterior, preencha o tipo do artigo 249.º/1/a) do Código Penal, sempre terá de concluir-se que estamos perante uma causa de exclusão da culpa, …
**
Pelo exposto, o Ministério Público entende que existe prova bastante de não se ter verificado o crime, ….”.
[3] Ministério Público.
[4] Supremo Tribunal de Justiça.
[5]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. … Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) … na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, … -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] … e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[6] Nesse sentido, veja-se a seguinte jurisprudência:
- acórdão da RC de 15/03/2015, relatado por Fernando Chaves, no proc. 202/11.4TALNH.C1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “I - Pode afirmar-se com segurança que constitui jurisprudência uniforme a que caracteriza o acórdão confirmatório de uma decisão de não pronúncia como acórdão absolutório para os efeitos previstos no artigo 400.º, n.º 1, al. d) e, consequentemente, no artigo 425.º do Código de Processo Penal. II - Por isso, havendo confirmação do despacho recorrido, a Relação pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada ao abrigo do disposto no artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.”;
- acórdão da RC de 29/06/2016, relatado por Fernando Chaves, no proc. 35/14.0PFVIS.C1, in www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: “... I - Havendo confirmação do despacho recorrido, a Relação pode limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada ao abrigo do disposto no artigo 425.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. ...”;
- acórdão do STJ de 11/10/2021, relatado por Carmona da Mota, no proc. 1932/01, in CJ, T. III/2001, com o seguinte sumário: “O acórdão da Relação que, em recurso, confirmar a decisão de não pronúncia, por insuficiente indiciação dos factos acusados, constitui decisão absolutória, ainda que formal, visto que determina a absolvição da instância. Consequentemente, não admite recurso para o STJ.”.
[7] Código de Processo Penal.