Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2372/20.1T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: NOMEAÇÃO DE PATRONO
PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO EM CURSO
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 24.º, N.º 4, E 32.º, N.º 2, DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO
Sumário: I-Formulado pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono no âmbito de processo judicial, o prazo em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, a efectuar pelo requerente do apoio judiciário.

II - Não cumprido este ónus pelo requerente do apoio judiciário, só se pode considerar suprida esta omissão por informação prestada no processo pela Segurança Social, de que foi pedido e deferido ao requerente a nomeação de patrono, se ocorrer antes do terminus do prazo em curso.

III - O pedido de substituição de patrono nomeado não interrompe o prazo em curso, por ao patrono nomeado, enquanto não for substituído, incumbir assegurar o patrocínio.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

           

RELATÓRIO

AA, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE e FF.

*

O R. BB foi citado por carta registada com AR, assinada pelo próprio em 01.07.2020.

A R. CC foi citada por carta registada com A/R, assinada por terceiro em 01.07.2020, tendo sido expedida carta em cumprimento do disposto no art. 233º do CPC.

Em 27.07.2020, os RR. BB e mulher, CC, juntaram aos autos documento comprovativo do requerimento apresentado junto dos serviços da Segurança Social para concessão de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de patrono.

Em 06/08/2020, veio a Ordem dos Advogados comunicar aos autos, a nomeação de patrono aos RR. BB e CC, tendo sido notificada a Ilustre Patrona da sua nomeação na mesma data.

Em 13.08.2020 foi junto aos autos pela Segurança Social a decisão, proferida em 06.08.2020, de deferimento do apoio judiciário formulado pelos RR. BB e CC, nas modalidades requeridas.

Em 17/09/2020, a patrona nomeada informou os autos que remetera cartas a ambos os RR., em 06/08/2020 e 20/08/2020, informando-os da sua nomeação e solicitando que a contactassem com a maior brevidade possível, o que nunca veio a ocorrer.

Mais informou que em 26/08/20 foi notificada de um pedido de substituição de patrono pelos RR., mediante o qual estes pretendiam a nomeação como patrono do Advogado que os patrocinava no âmbito do procedimento cautelar a este apenso, alegando existir com este Advogado uma relação de confiança e este estar já de posse de elementos do processo.

Em 19.10.2020, veio a O.A remeter ofício aos autos, comunicando a substituição do patrono inicialmente nomeado aos RR. CC e BB.

Em 23.11.2020, os réus CC e BB, vieram juntar contestação aos autos.


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Os RR. DD e FF, foram citados em 22.09.2020 e a R. EE em 18.09.2020, por citação com hora certa, tendo sido remetidas cartas de notificação a todos os RR., em cumprimento do art. 233º do CPC.

Em 20.11.2020, foi comunicado aos autos pela O.A. a nomeação de patrona oficiosa aos RR. FF e DD, tendo esta sido notificada nessa data da nomeação efectuada.

Nessa mesma data, a Ilustre Advogada nomeada aos RR. DD e FF dirigiu aos autos um requerimento, solicitando a sua associação ao referido processo declarativo na plataforma Citius.

Em 24.11.2020, foi comunicado pela OA a nomeação de patrono oficioso à R. EE, tendo este sido notificado nessa data da nomeação efectuada.

Em 26.11.2020, foi comunicado aos autos pela Segurança Social, a decisão, proferida em 20.11.2020, de deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelos RR. DD e FF em 14.10.2020, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento de patrono, juntando cópia desta decisão.

Em 02/12/20, foi comunicado aos autos pela Segurança Social, a decisão, proferida em 23.11.2020, de deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela R. EE, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de patrono, juntando cópia desta decisão.

Em 28.01.2021, veio a O.A. comunicar a substituição, a pedido dos RR. FF e DD, do patrono inicialmente nomeado a estes RR.

Em 29.04.2021, juntaram os RR DD, EE e FF, a sua contestação aos autos.


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Arguida pelo A. a intempestividade das contestações apresentadas, em 04/05/2022, foi proferido despacho que considerou extemporâneas as contestações apresentadas pelos RR. e, consequentemente, determinou o seu desentranhamento dos autos, considerando que “o prazo para oferecimento da contestação, relativamente a todos os réus, terminava em 27.10.2020 (cfr. art. 596º, nº 2 do CPC - atento o último prazo para contestar - 22.9.2020 - e a dilação 5 dias)” que este prazo apenas se interrompe com a junção de cópia do requerimento apresentado junto da S.S. para nomeação de patrono e, deferida esta nomeação e nomeado patrono aos RR., o pedido de substituição de patrono formulado pelos RR. CC e BB, não suspende o prazo em curso, pelo que as contestações apresentadas são intempestivas.

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Não se conformando com a decisão proferida, vieram os RR. BB e CC, interpor recurso, concluindo da seguinte forma:

“A. No dia 11.07.2020, qualquer eventual prazo para oferecimento da contestação pelos RR aqui recorrentes interrompeu-se, face ao requerimento de apoio judiciário formulado pelos mesmos perante a Segurança Social.

B. Em 19.10.2020 enviou a OA aos autos ofícios, com essa data, informando que foi nomeado como patrono dos réus CC e BB, o Exmo. Sr. Dr. GG, em substituição da Exma Srª Drª HH, e que o patrono nomeado foi notificado por carta postal simples, nessa data, da nomeação efectuada.

C. Não recebeu qualquer ofício anterior com a efectiva nomeação enquanto patrono oficioso dos referidos beneficiários, sendo que, sem tal nomeação não interveio (nem podia) nos autos (com a outra ou a presente nomenclatura), tendo ficado a aguardar a respectiva comunicação/decisão, para então levar a cabo os actos processuais entendidos pertinentes, como sejam eventual contestação, não lhe tendo sido viável contacto processual, cujo acesso nem sequer dispunha ainda, como é natural face a não ter sido ainda designado, no sistema Citius.

D. Em face da notificação com data de 19.10.2020 ao patrono subscritor e aos beneficiários, estes consideram-se notificados, nos termos e para efeitos legais em 22.10.2020 (3º dia útil após ofício, por remissão supletiva ao CPC).

E. Em 23.11.2020, juntaram aos autos os réus CC e BB, Contestação.

F. Dispõe a Lei 34/2004 no seu art. 32º: “Substituição do patrono

1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.

2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.

3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono.”

G. Dispõe a Lei 34/2004 no seu art. 34º, cfr. remissão legal expressa do nº 2 acima: “Pedido de escusa:

“2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º”

H. Dispõe a Lei 34/2004 no seu art. 24º, cfr. remissão legal expressa do nº 5 acima: “Autonomia do procedimento

O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;”

I. Pelo menos desde 17.09.2020, foram aos autos juntos os respectivos documentos comprovativos do pedido, cumprindo-se o disposto no art. 24º/2, verificando-se interrompido o prazo cumprido o disposto no art. 34º/2, o qual se iniciou a partir da considerada notificação ao patrono nomeado (e beneficiários) da sua designação (i.é. 22.10.2020), cumprindo o disposto no art. 24º/5, todos da Lei 34/2004.

J. Aquando da apresentação da Contestação estavam volvidos desde então exactamente 30 dias (sem prejuízo de eventual dilação de 5 dias beneficiada).

K. A este propósito ainda com total clareza o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-02-2017, in dgsi (em anexo ainda para melhor verificação), dixit: “Tendo o tribunal tomado conhecimento (ainda que implicitamente) de que tinha havido um pedido de substituição do patrono nomeado, deverá entender-se que, com a junção aos autos do deferimento da substituição, ocorreu também a junção de documento comprovativo do pedido de substituição, que é susceptível de, nos termos do art. 34, nº 2 e 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, aplicável com as devidas adaptações, por força do art. 32, nº 2 da mesma lei, fazer interromper o prazo já iniciado e de o fazer voltar a correr daí em diante.”

L. E ainda ali vertido expressamente que “E não se argumente que, no caso, não ocorreu a substituição a requerimento do beneficiário mas a substituição por motivo de escusa, o que só agora se detectou. É que, como se viu, às duas situações se aplicam os mesmos termos.”

M. Vide aliás, ainda em superior protecção dos beneficiários a Jurisprudência obrigatória, do Ac. TC n.º 515/2020, de 13-10: “Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do n.º 4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”.

N. Acresce que apenas em 28.09.2020, juntou a AE aos autos certidões de citações com hora certa dos RR. DD, EE, e FF, efectuadas, aos réus DD, e FF, em 22.09.2020, e da ré EE, em 18.09.2020, bem como comprovativo de envio a estes identificados réus de cartas de notificação nos termos do art. 233º do CPC.

O. Dos autos decorre cabal conhecimento que em 13.10.2020, e em 14.10.2020, aqueles RR formularam pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de defensor.

P. Pelo que qualquer eventual prazo para oferecimento da contestação pelos identificados RR interrompeu-se, face ao requerimento de apoio judiciário formulado pelos mesmos perante a Segurança Social.

Q. E atenta tal circunstância se reforça que dispõe o art. 569º, do CPC: “2 Quando termine em dias diferentes o prazo para defesa dos vários réus, a contestação de todos ou cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar (…)”.

R. Prazo que (sem necessidade como se vê acima) aproveitaria os RR aqui recorrentes, e que, face à interrupção legal verificada, só se iniciaria, com notificação de nomeação de patrono àqueles.

S. Ou seja, uma vez citados para, querendo, apresentarem a sua defesa no prazo legal admitido, porquanto tiveram efectivo interesse em fazê-lo, todos os RR legitimamente procuraram em virtude da sua insuficiência económica beneficiar de protecção jurídica para o efeito, a qual se reflectiu não só na dispensa do pagamento de encargos e despesas com o processo, mas também por via da nomeação e compensação de Patrono Oficioso, porquanto não detinham os recorrentes conhecimentos técnicos ou capacidade de intervenção processual mediante a qual lhes fosse possível organizar e juridicamente estruturar a sua defesa.

T. Concluído o procedimento administrativo destinado à nomeação dos respectivos Patronos Oficiosos, de acordo com o Despacho em crise, não vai aceite a prática do acto para o qual haviam sido nomeados, em face de alegado decurso do prazo legal de defesa, por supostamente não ter sido dado conhecimento pelos RR de tal pedido.

U. Tal é paradoxal porquanto o mesmo sistema que, consagrando o Princípio do Acesso ao Direito e aos Tribunais, propicia aos cidadãos em insuficiência económica a possibilidade de beneficiarem de protecção jurídica, não só lhes reconhecendo a sua especial situação de fragilidade, mas também a parcimónia de meios para litigar e se defenderem em condições minimamente exigíveis no contexto jurídico-processual, é, contudo, o mesmo sistema que delimita e faz depender a concretização efectiva daquele direito à defesa processual da observância de um dever de prestação de informação que o próprio Estado já detém.

V. O beneficiário de apoio juridico, é colocado numa notória encruzilhada, porquanto, por um lado, pende sobre ele um prazo para contestar; e por outro, decorre um procedimento administrativo destinado à nomeação de um Patrono Oficioso que possa cuidar da elaboração e apresentação dessa Contestação, e afinal por si intervir nos autos por não lhe ser per si reconhecida legitimidade/capacidade.

W. De notar ainda, que a referida situação em que se vêem colocados, na sua qualidade de Réu, se prende com uma incapacidade de diferentes órgãos de um mesmo Estado comunicarem atempadamente entre si, mesmo nos termos actuais de comunicação por via informática, independentemente da natureza daqueles órgãos ou sua diferenciação no âmbito da arquitectura do Estado.

X. É indispensável sublinhar que, no quadro referido, encontramo-nos perante um cidadão que aguarda um aconselhamento e acompanhamento jurídico, e que ao invés de um jurista, pende no entanto sobre ele, sob pena de ver o respectivo prazo de defesa ultrapassado, uma obrigação processual, afinal burocrática de apresentação e comunicação aos autos, passível de ser assegurada por órgãos do Estado, e por isso, salvo melhor opinião, injustificada.

Y. Neste sentido, o Art. 28º-A do DL nº 135/99, de 22 de Abril, respeitante à dispensa de apresentação de documentos, no âmbito do qual é disposto que: «1- Os cidadãos e agentes económicos são dispensados da apresentação de documentos em posse de qualquer serviço e organismo da Administração Pública, quando derem o seu consentimento para que a entidade responsável pela prestação do serviço proceda à sua obtenção. 2 - Os serviços e organismos da Administração Pública devem assegurar, entre si, a partilha de dados e os documentos públicos necessários a um determinado processo ou prestação de serviços, em respeito pelas regras relativas à protecção de dados pessoais».

Z. Mais, especificamente subordinado à interpretação dos preceitos dos nºs 2 e 4 do Art. 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, atinente ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, promove atenta e cuidada abordagem o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.06.2018, consultável em www.dgsi.pt, do qual infra se transcreve o respectivo sumário:

I - É diversa a razão de ser da existência do ónus imposto ao requerente de apoio judiciário no artigo 24º/4 da L 34/2004 de 29/7 e a razão de ser da interrupção do prazo judicial em curso.

II – O objectivo da imposição daquele ónus - de dar a conhecer nos autos ter-se requerido a nomeação de patrono na pendência do prazo judicial em curso – está em se evitar dispêndio processual, pretendendo evitarem-se anulações de actos.

III - A razão da interrupção do prazo judicial em curso é anterior, autónoma e bem mais nobre do que aquela outra - está em se assegurar o direito à defesa a quem por insuficiência económica tem que recorrer à protecção judiciária e, por isso, verifica-se sempre e meramente em função do atempado requerimento de nomeação de patrono.

IV - Porque o direito à Justiça o exige, não pode fazer-se depender esse efeito interruptivo de um comportamento da parte que requereu o apoio judiciário nessa modalidade, antes tem que se preservar esse efeito em quaisquer situações.

V - Nas situações em que a pendência processual não permita às secções a vigilância permanente dos prazos, e em que o processo acaba por vir concluso já com a defesa do requerente de apoio judiciário apresentada pelo patrono que entretanto lhe foi nomeado, desde que se constate que esse apoio judiciário foi atempadamente requerido na Segurança Social, não poderá deixar de se manter o efeito interruptivo do prazo em curso.

VI - Nessas situações impõe-se uma interpretação ab-rogante valorativa da norma do artigo 24º/2 da L 34/2004, porque nada havendo a anular, não apresenta a mesma qualquer conteúdo útil.

VII - Nas demais situações, vindo o processo concluso findo o prazo da apresentação da defesa sem que esta se mostre apresentada, a dúvida a respeito de uma pendente nomeação de patrono que atempadamente tenha interrompido o prazo para a sua apresentação, implicará que numa interpretação correctiva da referida norma se imponha ao juiz que, ao invés de proceder de imediato ao cumprimento do disposto no artigo 567º, oficie primeiro à Segurança Social no sentido desta informar a respeito daquela possível pendência.

AA. Por último, sublinhe-se a interpretação favorável à defesa estrita do direito ao acesso à justiça e tribunais, como se requer seja observado, plasmada na consideração de que desde que se constate que o apoio judiciário foi atempadamente requerido junto do ISS, como se verificou, não poderá deixar de se manter o efeito interruptivo do prazo em curso.

BB. A posição do despacho em crise, com o devido respeito, negligencia a indispensável salvaguarda do Princípio do Acesso ao Direito e aos Tribunais.

CC. Tendo os Recorrentes, na sua qualidade de Réus, direito a um Advogado, e não tendo meios económicos para assegurar a sua compensação, acabam por sofrer as consequências de uma suposta abstenção que, no entanto, apenas é valorada na medida em que o Estado não promove ou assume a partilha de elementos entre os seus organismos em tempo útil, revertendo para o cidadão em especial situação de insuficiência económica e, desse modo, parco de meios, aquela que seria sua responsabilidade.

DD. Tudo o supra exposto durante um período em que o próprio Estado, reconhecendo a referida condição de fragilidade económica, diligencia administrativamente a nomeação de Patrono Oficioso para os mesmos, na sequência de imposição constitucional.

EE. Ainda que possa aparentar que junto dos autos da acção principal, não foi por aqueles RR comunicada a submissão de pedidos de apoio judiciário aos serviços da ISS, com data de 14.10.2020, sempre se dirá que tal informação verteu, precisamente no âmbito do procedimento cautelar apenso a estes autos, sendo de considerar que com tal acto promovido junto de um apenso conexo e simultâneo, perante o mesmo Juiz, será bastante a tal desiderato.

FF. A que acresce salientar que tal conhecimento de submissão de pedidos de apoio judiciário para efeitos da sua defesa mediante apresentação de Contestação, não se afigurou de todo estranho ao Tribunal, que em sede de procedimento cautelar apenso à acção principal, vem reconhecer não só a «grande confusão» relativa às nomeações de patronos aos Requeridos, bem como o desconhecimento do cidadão comum relativamente às disposições legais relativas à lei do apoio judiciário, sendo, no entanto, o mesmo Tribunal que também exige desses mesmos cidadãos um acto de prestação de facto junto dos autos, o qual implica o conhecimento das referidas disposições legais, sob pena de verem o seu direito à defesa significativamente tolhido.

GG. Especial contradição esta, que adquire maior significância, quando consideramos a intercomunicabilidade existente entre os autos do processo principal e aqueles de um seu apenso, cuja relativa autonomia não deverá ser entendida como totalmente estanque no respeitante a informações e elementos documentais, os quais, ao serem conduzidos aos autos de um e outro processo, acabam inevitavelmente por desembocar no conhecimento de um mesmo Tribunal, bem como de um mesmo Juiz, tornando desse modo susceptível a articulação, cruzamento e tratamento conexionado de tais elementos.

HH. Acresce que semelhante racional se deverá deter no sentido admitindo-se que, tendo o Tribunal tomado conhecimento, ainda que implicitamente, de que teria havido um pedido de apoio judiciário, deverá entender-se que, com a junção aos autos do deferimento do referido pedido, via ofício da entidade administrativa a quem coube o tratamento daquele pedido, ocorreu a junção do documento comprovativo do mesmo, daí decorrendo a interrupção do prazo.

II. E ainda que se sublinhe que, não devem os Recorrentes ser penalizados pela delonga de um procedimento administrativo dirigido à nomeação do respectivo Patrono Oficioso, cuja decisão vem reportada aos autos muito para além do prazo inicial expectável para Contestação.

JJ. O despacho recorrido viola a Lei 34/2004, nos seus arts. 32º, 34º e 24º, e é contrário ao direito ao acesso à Justiça (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva), previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

KK. Vêem os RR ser-lhes denegado o respectivo direito à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, porquanto, em limite, num contexto de reconhecida insuficiência económica, falhou o Estado na promoção em sede de processo administrativo para concessão de benefício de protecção jurídica à obtenção de tutela efectiva e em tempo útil, pela satisfação e troca de informação de que dispõe,

LL. Sem prejuízo do próprio Tribunal fazer tábua rasa e alhear-se incompreensivelmente daquele que, afinal, foi seu conhecimento e vislumbre, na interconexão dos autos principais com o seu apenso, e bem assim com a informação que lhe foi carreada pela OA e Segurança Social, passível de fazer conformar a sua actuação com o quanto prévio e decorrente dos autos.

Termos nos quais, e nos melhores de direito com o douto suprimento de V/ Exas, se impõe o provimento do Recurso, e a revogação do referido Despacho de 04.05.2022, e sendo, em consequência, lavrado douto Acórdão determinando a aceitação e junção aos autos das referidas Contestações e o normal prosseguimento do processo para todos os efeitos legais e processuais.”


***

Por sua vez os RR. DD, FF e EE, vieram igualmente interpor recurso da decisão, concluindo da seguinte forma:

“A. Refere o douto Despacho recorrido que o prazo para o oferecimento da Contestação terminou em 27.10.2020, tendo os Recorrentes submetido pedidos de apoio judiciário em 14.10.2020, sem que desse facto tenham dado conhecimento aos autos.

B. Ao não apresentarem os comprovativos de tal facto junto dos respectivos autos, os Recorrentes não espoletaram o efeito interruptivo do prazo em curso destinado à apresentação da sua defesa, mediante oferecimento de Contestação.

C. Pelo que, aquando da nomeação dos respectivos Patronos Oficiosos, já se havia tornado inviável o oferecimento da referida Contestação, por extemporânea, encontrando-se aqueles privados de, no interesse e em representação de cada um dos Recorrentes, praticarem o acto processual para o qual haviam sido nomeados.

D. Salvo melhor entendimento, a referida situação, sancionada pelo douto Despacho recorrido, vem a constituir um paradoxo, encerrando em si uma visível contradição, porquanto se por um lado é disponibilizado o instituto da protecção jurídica aos cidadãos, mediante o qual se consagra o Pr. do Acesso ao Direito e Tribunais, reconhecendo desse modo a existência de especiais situações de insuficiência económica e parcimónia de meios,

E. por outro, é delimitada a concretização efectiva daquele princípio, mediante o condicionamento à observância, por parte dos interessados, de uma obrigação prestacional junto dos autos, sob pena de eventualmente deixarem de exercer tempestivamente o seu direito de defesa processual.

F. Informação essa que, não obstante exigida ao interessado, encontra-se na esfera de conhecimento do Estado, bastando-lhe para tal promover a atempada e articulada comunicação entre órgãos e serviços administrativos, independentemente da respectiva natureza ou autonomia.

G. No entanto, tal contexto é totalmente desvalorizado pelo douto Despacho recorrido, não sendo relevado igualmente o facto de os Recorrentes se tratarem de comuns cidadãos, não detentores de especiais conhecimentos jurídicos, colocados numa especial situação de insuficiência económica e parcos em meios, sobre os quais passa a pender uma obrigação burocrática de apresentação de documentos comprovativos, passível de ser assegurada por órgãos administrativos, e por essa via injustificada.

H. O douto Despacho recorrido, ao acolher a estrita dependência do efeito interruptivo do prazo de defesa por referência à adopção de um comportamento manifestamente burocrático por parte do benefíciário de protecção jurídica, não mais alcança que colocá-lo à mercê da morosidade e delonga de um procedimento administrativo de concessão de apoio judiciário que aquele não controla ou lhe é permitido influenciar, expondo-o ao risco de, enquanto o referido procedimento administrativo não é concluído, se ver depauperado do seu direito à defesa, como se verificou in casu.

I. Embora os Recorrentes não tenham cuidado de promover nos autos da acção principal a junção dos documentos comprovativos da submissão dos respectivos pedidos de apoio judiciário, tal omissão provém em exclusivo da concepção da acção principal e procedimento cautelar apenso, no que aos respectivos autos diz respeito, como indivisos.

J. Tal concepção, passível de ser adoptada por um cidadão comum sem especiais conhecimentos jurídicos, levou a que os Recorrentes, tendo anteriormente praticado o acto exigido em sede de procedimento cautelar, se julgassem dispensados de o repetir na acção principal.

K. Não obstante, tal não é considerado pelo douto Despacho recorrido, assim como não é valorada a intercomunicabilidade entre a acção principal e o procedimento cautelar, bem como o facto de os respectivos autos não se afigurarem estanques no que a informações e elementos documentais diz respeito, tratando-se de processos conexos, cuja tramitação corre num mesmo Juízo.

L. É ainda sustentado em douto Despacho recorrido que o Tribunal apenas em momento posterior teve conhecimento da submissão dos pedidos de apoio judiciário por parte daqueles Recorrentes, quando já havia decorrido o prazo para oferecimento da Contestação.

M. Sendo factual que apenas em meados de Novembro de 2020, a referida informação foi oficiada ao Tribunal, de doutos Despachos proferidos em 22.01.2021 e 18.03.2021 constam referências à «grande confusão» verificada nas nomeações dos patronos dos Recorrentes, bem como o natural desconhecimento do cidadão comum relativamente às «disposições legais relativas à lei do apoio judiciário», o qual justificaria a constituição de mandatário ou nomeação de patrono.

N. É, contudo, o mesmo Tribunal que exige daqueles mesmos cidadãos comuns, potencialmente desconhecedores das disposições legais relativas à lei do apoio judiciário, uma prestação de facto junto dos autos da acção principal, sob pena de verem esgotado o seu direito à defesa.

O. Especial contradição esta, que adquire maior significância, caso seja considerada a conexão entre os autos da acção principal e os autos do procedimento cautelar, cuja autonomia não é totalmente estanque no respeitante a informações e elementos documentais; o que o douto Despacho de que se recorre não cuidou de fazer.

P. Pugna-se ainda pelo entendimento, contrário ao adoptado pelo douto Despacho recorrido, de que ainda que o Tribunal tenha tomado conhecimento implícito da submissão de pedidos de apoio judiciário por parte dos Recorrentes, por via de ofício da entidade administrativa à qual coube a tramitação daqueles pedidos, deve ser entendido ter ocorrido também a junção dos documentos comprovativos daqueles pedidos, sendo operada a interrupção do prazo de defesa, è semelhança do que se verifica com o pedido de substituição de patrono.

Q. Caso contrário, perfilhando-se a tese subjacente ao douto Despacho recorrido, não obstante a sua estrita observância às disposições legais, acabam os Recorrentes por ser penalizados pela demora implícita a um procedimento administrativo de concessão de apoio judiciário e nomeação de Patrono Oficioso, cuja decisão vem reportada aos autos pela entidade responsável tardiamente, com isso sonegando aos Recorrentes um seu legítimo direito de defesa.

R. Dado o exposto, requer-se a nulidade do douto Despacho recorrido, por contrário ao direito ao acesso à Justiça (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva), previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no Art. 20º da Constituição da República Portuguesa.

S. Designadamente, porquanto viram os Recorrentes ser-lhes denegado o respectivo direito à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, porquanto num contexto de reconhecida insuficiência económica, falhou o Estado na promoção em sede de processo administrativo para concessão de benefício de protecção jurídica à obtenção de tutela efectiva e em tempo útil, que possibilitasse os Recorrentes reagir processualmente em prazo razoável.

T. Conforme entendimento acolhido no douto Despacho de que se recorre, caso viesse a caber em exclusivo aos Recorrentes carrear aos autos informação detida e não oficiada em tempo útil pelo próprio Estado, tal significaria um inadmissível desvio ao referido direito constitucionalmente previsto, acima referenciado, e a abertura de uma injustificada brecha na tutela efectiva dos seus direitos a que o Estado se encontra obrigado.

Termos nos quais, e nos melhores de direito, se requer a V/Exªs. seja apreciado o douto Despacho proferido em 04.05.2022, através do qual foi determinado o desentranhamento das Contestações apresentadas pelos Recorrentes, em virtude da extemporaneidade das mesmas, ao invés de ordenando a revogação da referida decisão e sendo, em consequência, lavrado douto Acórdão determinando a aceitação e junção aos autos das referidas Contestações e o normal prosseguimento do processo de acordo com os termos legais.”


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Pelo A. foram interpostas contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“CONCLUSÕES (relativas a ambos os recursos/A+B):

1ª Deve o documento (Decisão Sumária do TRC) junto pelos RR BB e mulher, com as suas alegações, ser desentranhado e restituído aos apresentantes, não devendo ser admitida a sua junção, por ilegal ou impertinente.

2ª Vêm os recursos interpostos do douto despacho (Refª 88290938) que não admitiu, porque extemporâneas, as contestações apresentadas pelos RR. e, em consequência, determinou o seu desentranhamento.

3ª Vejamos:

a) Em 1.07.2020, os RR. BB e mulher CC foram regularmente citados para contestar a presente acção, no prazo de 30 dias (artº 569º, nº 1, do CPC) tendo sido expedida carta à Ré CC, nos termos e para os efeitos do artº 233º do CPC.

b) Deste modo, o prazo para esses RR. oferecerem a sua contestação, começou em 1.07.2020.

c) Em 27.07.2020, os RR. BB e mulher, vieram aos autos juntar requerimentos a informar que, em 11.07.2020, requereram, perante a Segurança Social, apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento de patrono, pelo que, o prazo para estes RR. contestarem (à excepção da dilação de que a Ré CC beneficiou, nos termos do artº 233º, do CPC, que já havia decorrido) se interrompeu naquela data (11.07.2020), conforme o disposto no artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na sua actual redacção.

d) Em 6.08.2020, a OA veio aos autos comunicar que foi nomeado como patrono oficioso dos RR. BB e mulher CC, a Ex.ma Sra. Advogada Dra. HH, tendo esta, nessa mesma data, sido notificada da sua nomeação.

e) Em 17.09.2020, por requerimento, a Ex.ma Sra. Dra. HH veio aos autos confirmar a sua nomeação, em 6-08.2020, como patrona oficiosa dos RR. BB e mulher.

f) Uma vez que, aquando da nomeação da referida Sra. Advogada, decorria o período de férias judiciais, o prazo para estes RR. contestarem reiniciou-se, com a patrona nomeada, em 1.09.2020, e a terminar em 30.09.2020.

g) Nos termos do artº 569º, nº 2, do CPC, “quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa dos vários réus, a contestação de todos ou cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.

h) Em 28.09.2020, a Sra. AE veio aos autos juntar certidões de citações com hora certa dos RR. DD, EE e FF, efectuadas, em 22.09.2020 as dos RR. DD e FF e, em 18.09.2020, a da Ré EE, bem como os comprovativos de envio a estes RR. de cartas de notificação nos termos do artº 233º do CPC (afixação da nota de citação).

i) A partir de 22.09.2020 (data da última citação), os RR. dispunham de 35 dias para apresentar as suas contestações, prazo esse a terminar, para todos os RR., em 27.10.2020.

j) Em 19.10.2020, a OA enviou aos autos ofícios, a informar que foi nomeado patrono oficioso dos RR. CC e BB, o Ex.mo Sr. Dr. GG, em substituição da Ex.ma Sra. Dra. HH, de que aquele foi, na mesma data, notificado, não tendo aquela pedido qualquer escusa.

k) A nomeação do Ex.mo Sr. Dr. GG, em substituição da Ex.ma Sra. Dra. HH, não tem a virtualidade de interromper ou suspender o prazo processual em curso, ao contrário do que está previsto no artº 24º, nºs 4 e 5 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no artº 34º, nº 2, do mesmo diploma, para a escusa” (Ac. RP de 8.09.2020, proferido no Procº nº 9254/19.8T8PRT-B.P1, e AC. RC de 3.11.2020, proferido no Procº nº 1097/19.5T8PBL-A.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

l) Por ofícios de 20.11.2020 e 24.11.2020, portanto, para além do prazo de defesa, a OA enviou aos autos ofícios, respectivamente de nomeação, como patrona oficiosa dos RR. DD e FF, a Ex.ma Sra. Dra. II, tendo esta, nessa mesma data, sido notificada da sua nomeação, e de nomeação, como patrono oficioso da Ré EE, o Ex.mo Sr. Dr. JJ, de cuja nomeação foi também logo notificado.

m) Conforme a previsão do artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, “só se interrompe o prazo que estiver em curso se a comprovação do pedido de apoio judiciário (na modalidade de nomeação de patrono) se verificar antes do termo do respectivo prazo” (Ac. RG de 10.10.2019, proferido no procº nº 4995/18.0T8BRG- A.G1, disponível em www.dgsi.pt).

n) Em 26.11.2020, a Segurança Social enviou aos autos ofícios, em que comunicou que, por decisões proferidas em 20.11.2020, foram deferidos os pedidos de apoio judiciário formulados pelos RR. FF e DD, em 14.10.2020, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de defensor.

o) Em 28.01.2021, a OA enviou aos autos ofícios, em que comunicou que foi nomeado patrono oficioso dos RR. DD e FF, o Ex.mo Sr. Dr. JJ, em substituição da Ex.ma Sra. Dra. II, que nunca pediu escusa, tendo tal nomeação sido, na mesma data, notificada ao novo patrono.

p) Os RR. BB e mulher CC, apresentaram a sua contestação em 23.11.2020, e os RR. DD, EE e FF, apresentaram a sua contestação, conjunta, em 29.04.2021, portanto, qualquer deles, para além do prazo de 30 dias que legalmente dispunham para o fazer, até 27.10.2020.

4ª A Mma Juíza decidiu bem ao não admitir, porque extemporâneas, as contestações dos RR., bem como tendo determinado o seu desentranhamento.

5ª O despacho recorrido não violou, designadamente, os artºs 32º, 34º e 24º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, nem é contrário ao direito ao acesso à Justiça (Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva), previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artº 20º da CRP, devendo ser confirmado.

Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V.Exªs, deve o despacho recorrido ser confirmado, assim se negando provimento aos recursos interpostos pelos RR.”


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QUESTÃO PRÉVIA


Vieram os recorrentes CC e BB com as suas alegações de recurso juntar cópia retirada do site da DGSI de um acórdão proferido nesta relação, em suporte da sua posição, documento cuja junção vem o recorrido invocar ser inadmissível pelo não cumprimento do disposto no artº 651 e 425 do C.P.C.

Efectivamente no que respeita à junção de documentos em fase de recurso, dispõe o artº 651, nº1, do C.P.C. que estes podem ser juntos com as alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. Em relação aos pareces de jurisconsultos, dispõe o seu nº 2 que podem ser juntos até ao início do prazo para elaboração do projecto de acórdão.

A cópia da decisão sumária proferida nesta relação não constitui documento destinado “a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa” e, igualmente não constitui um parecer para os efeitos do artº 426 e 651 nº2 do C.P.C.

Acresce que a indicação de jurisprudência relevante para a sustentação das posições defendidas pelas partes, pode e deve ser feita pela indicação da data, número de processo e plataforma onde se encontra disponível para consulta.

Assim sendo, indefere-se a pretendida junção, por não se enquadrar na noção de parecer e ser absolutamente irrelevante a junção em suporte físico da decisão sumária em apreço.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Tendo este preceito em mente, as questões a decidir no âmbito deste recurso consistem em apurar:

a) se o prazo em curso para contestar se deve considerar interrompido na data de apresentação do pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono, junto da S.S.;

b) se o pedido de substituição do patrono nomeado interrompe o prazo em curso;


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MATÉRIA DE FACTO


A matéria de facto a considerar para a decisão, é a descrita em relatório já elaborado.

 


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DO DIREITO

Decorre dos autos que o prazo de 30 dias para os RR. deduzirem a sua contestação, terminava em 27/10/21 (cfr. artºs 245 nº1 a) e 569 nº2 do C.P.C.) uma vez que, como se refere no Ac. do STJ de 17/04/2018[1], o prazo em curso a que se refere  que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) é o prazo estabelecido concretamente na lei para a prática do ato. (…) Tal prazo não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil.”

Tendo em conta que o prazo para deduzir contestação nos autos é um prazo peremptório cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (cfr. artº 139, nº2, do C.P.C.), os RR. apenas poderiam ser admitidos a praticar este acto se o prazo em causa para deduzir contestação, se devesse considerar interrompido, nos termos previstos no artº 24 nº4 a), 32 nº2 e 34 nº2 da Lei 34/2004 de 29/07 (na redacção introduzida pela Lei nº 47/2007 de 28/08).

Constitui este o fundamento comum a ambos os recursos apresentados pelos RR., invocando, por um lado, que o prazo em curso se interrompeu com o pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono apresentado junto da S.S., independentemente de ter sido junto aos autos documento comprovativo da apresentação desse pedido, por outro, que o prazo em curso se deve considerar novamente interrompido pelos pedidos de substituição de patrono, formulados pelos RR., por remissão do artº 32 nº2 da Lei 34/2004.

 

a) se o prazo em curso para contestar se deve considerar interrompido na data de apresentação do pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono, junto da S.S.;

           

Defendem os recorrentes, apoiando-se em acórdão proferido no TRL de 08/06/2017, 13177/10.8T2SNT-A.L1-2 e subscrito pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Maria Teresa Albuquerque[2], de que se deve considerar o prazo interrompido com a apresentação deste requerimento junto da S.S. independentemente de ser junto aos autos o documento comprovativo referido neste preceito legal, alegando ainda que é ao Estado que cabe diligenciar oficiosamente por esta informação, mais defendendo que outra interpretação constituiria uma violação do direito constitucional de acesso à justiça.

Conforme resulta expressamente do disposto no artº 1, nº 1, da Lei nº 34/2004 de 27/07 (alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31/03, doravante LAJ) “O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.”

Com efeito, o instituto de apoio judiciário, veio concretizar por via normativa, o imperativo fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20º da C.R.P., de molde a que ninguém, em virtude da sua insuficiência económica, se veja impossibilitado de fazer valer os seus direitos perante a ordem judicial.

O direito de acesso à justiça não pode ser esvaziado ou inutilizado por insuficiência dos meios económicos. E, não existindo norma constitucional que reconheça o direito de acesso à justiça gratuito, ou tendencialmente gratuito[3], os encargos com este acesso, conforme referem GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA[4], terão de ter “em linha de conta a incapacidade judiciária dos economicamente carecidos e observar, em cada caso, os princípios básicos do Estado de direito, como o princípio da proporcionalidade e da adequação», promovendo afinal “a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais”[5], garantindo que ninguém (seja) privado de aceder à justiça seja qual for a sua condição económica[6]. A concessão do patrocínio judiciário, corresponde, assim, a uma “dimensão prestacional” de um “direito, liberdade e garantia.”[7]

Mas, como se refere no Ac. do Tribunal Constitucional nº 98/2004 “ Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do referido instituto no nosso ordenamento; impõe-se que a sua modelação seja adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e honorários forenses. Nesta conformidade, há-de a lei estabelecer, designadamente, medidas que, no plano da tramitação processual (se o pedido é formulado na pendência de um processo), acautelem a defesa dos direitos do requerente do apoio, em particular no que concerne aos prazos em curso.”

Com efeito, goza o legislador de liberdade normativa no que importa à modelação do sistema de apoio judiciário, desde que assegure o imperativo “constitucional de igualdade material no acesso e na utilização do sistema de justiça, de sorte a não impedi-los ou dificultá-los de forma incomportável para o cidadão.” (Ac. do Tribunal Constitucional nº 11/2019).

Em cumprimento deste imperativo constitucional de assegurar o efectivo acesso dos cidadãos mais carenciados à justiça, o artº 16 nº1 da LAJ, nas suas alíneas a) e b) veio incluir nas modalidades de apoio judiciário, para além dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (apoio económico), a possibilidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono (apoio jurídico).

Nos casos em que esse pedido é apresentado no âmbito de um processo judicial e, por forma a impedir que na pendência da decisão deste pedido, se inviabilizem as finalidades que se visavam com a concessão deste apoio pelo decurso do prazo e consequente extinção do direito, veio o legislador consagrar a interrupção dos prazos em curso, quando a parte pretenda a nomeação de patrono.

Assim ocorria já na vigência do D.L. n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, o qual apesar de referir que a formulação do pedido suspendia o prazo em curso, consignava que este prazo voltava a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer (artº 24 nº2), ou seja, constituindo uma verdadeira interrupção do prazo. Alterada esta norma pela Lei n.º 46/96, de 3 de Setembro, dela passou a resultar de forma expressa que se tratava de uma interrupção do prazo em curso, por efeito da apresentação do pedido de nomeação de patrono, reiniciando-se a partir “da notificação do despacho que dele conhecer” (artigo 24.º, n.º 2)

Recorde-se que no âmbito destes diplomas, o apoio judiciário era requerido no processo a que se destinava e decidido pelo juiz da causa.

A Lei nº 30-E/2000 de 20 de Dezembro, veio romper com este modelo de apoio judiciário, substituindo-o por um modelo administrativo, com plena autonomia do processo judicial, embora com evidentes repercussões no andamento da causa a que o apoio respeite (cfr. decorria do seu artº 25, nº 1) e que nele foram resolvidas pelo legislador, consignando que o prazo em curso se interrompe “com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”

Norma que se manteve idêntica na sua redacção, na Lei 34/2004 de 29/07 (alterada pela Lei nº 47/2007 de 28 de Agosto e Lei nº 40/2018 de 08 de Agosto, diploma que aprova o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, mais conhecida por Lei do Apoio judiciário (L.A.J.), cujo artigo 24 nº4, dispõe que “o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.”

A interrupção dos prazos em curso por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi entendida pelo Tribunal Constitucional, conforme decorre do Acórdão nº 515/2020 (publicado no Diário da República n.º 225/2020, Série I de 2020-11-18), como garantia inerente ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.”, de molde a que quem careça de ser patrocinado em juízo por advogado e não disponha de condição económica idónea a suportar o custo de tais serviços, possa requerer que lhe seja nomeado um patrono e satisfeito pelo Estado - total ou parcialmente - o respetivo pagamento.

Refere ainda o citado aresto constitucional que “se assim não fosse, pôr-se-iam em causa os direitos processuais dos sujeitos carecidos de meios económicos, impossibilitados de contratar um patrono para defender as suas razões em litígio durante o prazo judicial em curso.”

Interpretada jurisprudencialmente a aludida previsão legal constante do artº 25 nº4 da Lei nº 30-E/2000, no sentido de que é ao requerente de apoio judiciário que cabe o ónus de juntar o documento comprovativo do pedido de nomeação de patrono, para obter a interrupção do prazo em curso, e que lhe é entregue para o efeito nos competentes serviços da S.Social, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade desta norma assim interpretada, veio o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 98/2004, negar provimento à pretensão considerando que “A exigência de documentação do pedido compreende-se uma vez que, no regime instituído pela Lei n.º 30-E/2000, os procedimentos tendentes à concessão do apoio, em processos cíveis, correm nos serviços de segurança social (artigo 21º); e seria inaceitável e comprometedor da segurança jurídica a indefinição do decurso dos prazos processuais que resultaria, fatalmente, da falta dessa documentação - que assim se impõe -, tendo em conta o efeito interruptivo dos prazos, decorrente da apresentação do pedido.

Mas, sendo assim, a questão de constitucionalidade está em saber se pôr a cargo do requerente da nomeação de patrono o acto de dar a conhecer e documentar no processo a apresentação do pedido, para efeitos de interrupção do prazo em curso, constitui um ónus que compromete (ou compromete desproporcionadamente) o direito de acesso à justiça por parte dos cidadãos economicamente carenciados. (…) Ora, não se considera gravoso para o requerente, em termos de lesar o seu direito de aceder à Justiça, exigir que ele documente nos autos a apresentação do requerimento de apoio judiciário nos serviços de segurança social, no prazo judicial em curso, para que este se interrompa. Trata-se, com efeito, de uma diligência que não exige quaisquer conhecimentos jurídicos e que, portanto, a parte pode praticar por si só, com o mínimo de diligência a que, como interessada, não fica desobrigada pelo facto de se encontrar numa situação de carência económica. Note-se, aliás, - o que não é despiciendo - que, no modelo de impresso aprovado, em que o requerente inscreve o seu pedido, consta uma declaração, a subscrever pelo interessado, no sentido de que tomou conhecimento de que deve apresentar cópia do requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que foi fixado na citação/notificação. Com o que nem sequer pode legitimamente invocar o desconhecimento daquela obrigação.”

Sufraga-se o entendimento explanado neste acórdão do Tribunal Constitucional, e repetido em posteriores Acórdãos incidindo sobre idêntica questão, mas já no âmbito da Lei 34/2004, nomeadamente nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 285/2005, nº 350/2016 e nº 585/16, de todos eles resultando jurisprudência no sentido da negação do julgamento de inconstitucionalidade desta norma, por não considerar excessivamente gravoso a imposição ao requerente do ónus de proceder à junção do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono.

A imposição de um ónus ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, consistente na junção do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, com vista à interrupção do prazo em curso, encontra acolhimento na letra e espírito da norma (interpretada à luz do disposto no artº 9 do C.C.).

Optando o legislador por outro modelo, que dispensaria a junção deste documento comprovativo, tê-lo-ia feito consignar nesta norma e nas sucessíveis alterações ao diploma que regula o apoio judiciário.

As razões que nortearam a exigência de apresentação do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário para a interrupção do prazo, prendem-se com o princípio da segurança, evitando a indefinição dos prazos processuais, da confiança da contraparte (de que decorrido este prazo peremptório se verificou a extinção do direito de praticar o acto), da igualdade (o sistema de patrocínio judiciário visa nivelar as desigualdades, possibilitando o acesso à justiça dos mais carenciados, podendo no entanto ser conformado pelo legislador, desde que tal conformação não se revele excessivamente onerosa) e da auto-responsabilização das partes.

Neste sentido se pronunciou o Ac. desta Relação de Coimbra de 03/11/2020[8], considerando que “as expectativas legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos impõem a previsibilidade da actuação destes”, são imanentes ao “princípio do estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. Por isso, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (Cf. artigo 202.º da CRP), estes não esperam da parte daqueles, ao administrarem a justiça em concreto, qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que os cidadãos têm o direito de acreditar, na sua relação com todos os poderes públicos.”

Por essa razão, porque em causa está também o princípio da segurança, da confiança e da igualdade entre as partes, a “razão de ser do Art. 24º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29/7, não é apenas a de evitar anulações de atos processuais praticados no desconhecimento da apresentação “tempestiva” do requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono junto da Segurança Social, mas fundamentalmente conferir certeza jurídica aos prazos perentórios estabelecidos na lei processual aplicável.”[9]

A exigência de apresentação de um documento comprovativo, que é entregue à parte requerente do apoio para efeitos da sua junção em tribunal onde corre o processo, não constitui um sacrifício excessivo exigido à parte interessada na interrupção do prazo, não exige especiais conhecimentos, é ela quem está em melhor posição para dar conhecimento ao tribunal de que solicitou o apoio na modalidade de nomeação de patrono e é a parte interessada na interrupção do prazo.

Acresce que, de igual forma, não colhe o argumento de que uma parte menos avisada pode não ter conhecimento deste ónus e das consequências da sua inobservância. Da própria carta remetida para citação resulta a seguinte advertência “A apresentação de contestação, implica o pagamento de taxa de justiça autoliquidada. Sendo requerido nos Serviços de Segurança Social benefício de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá o citando, juntar aos presentes autos, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento, para que o prazo em curso se interrompa até notificação da decisão do apoio judiciário."

Se, ainda assim, a parte não atentar nesta informação, do próprio requerimento apresentado para concessão do apoio judiciário resulta de forma visível, antes da assinatura, que a parte toma conhecimento de que deve "entregar cópia do presente requerimento no tribunal onde decorre a acção, no prazo que me foi fixado na citação/notificação."

Nestes termos, se tem de considerar que uma parte minimamente diligente não poderia desconhecer a necessidade de juntar no processo para que foi solicitado o apoio, o documento comprovativo de ter formulado pedido de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, no prazo que lhe fora indicado na citação.[10]

 Por último a alegação de que esta imposição constitui um ónus excessivo por desconhecimento da parte da existência deste ónus, não tem qualquer acolhimento e é contrária à própria actuação das partes RR. DD, FF e EE que, no procedimento cautelar apenso a estes autos, vieram apresentar o documento comprovativo do pedido de apoio judiciário.

Não desconheciam, nem podem alegar desconhecimento quanto à necessidade da sua apresentação.

O direito de acesso à justiça, exige que ninguém seja prejudicado em razão da sua insuficiência económica, eliminando essa "desvantagem", mas não dispensa a parte do cumprimento de todo e qualquer dever administrativo ou processual, nem impede o legislador de regular ou disciplinar este regime, desde que tal regulamentação não onere de forma desproporcionada uma das partes, precisamente a mais desfavorecida.

Ora, a inércia da parte não decorre nem resulta da sua insuficiência económica, nem o ónus que lhe é imposto se pode considerar excessivo.

Por outro lado, não decorre da letra nem do espírito da lei e é, em nosso entender, frontalmente contrária a esta, uma interpretação desta norma, que defenda que é ao tribunal que cabe averiguar se as partes que se encontram em situação de revelia absoluta, requereram apoio judiciário com vista à nomeação de patrono.

Não foi opção do legislador (que terá equacionado a sua inexequibilidade perante a opção menos gravosa seguida) e ao julgador, salvo casos de desaplicação da norma por inconstitucionalidade, cabe apenas a interpretação da lei ou o suprimento de lacunas, nos termos previstos e permitidos pelos artsº 9 e 10 do C.C.

Fazendo apelo aos critérios interpretativos previstos no citado artº 9, deles resulta que o intérprete deve “reconstituir a partir dos textos, o pensamento legislativo (…), as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (nº 1), mas não lhe é permitido considerar um sentido “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (nº2), devendo ainda presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº3), critérios aliás em consonância com o princípio da separação de poderes previsto nos artsº 111 e 162 c) da nossa Constituição.

Volvendo ao Ac. do STJ de 17/04/2018 (cit) “o estabelecimento pelo legislador ordinário de prazos para a prática dos atos processuais (e de preclusões associadas ao decurso do prazo) - posto que, nomeadamente, não sejam funcionalmente inadequados e não criem obstáculos que dificultem ou prejudiquem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, (…) insere-se no âmbito dos poderes de modelação do processo que a Constituição da República lhe reconhece.”

Nestes termos, se conclui por ser a interpretação conforme ao disposto no artº 24 nº4 da LAJ que o prazo em curso se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo e que a junção desse documento no processo para o qual foi requerido o benefício, compete ao requerente do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, por ser a parte interessada na interrupção do prazo.[11]

  Mais se conclui que, não cumprido este ónus pelo requerente do apoio judiciário, só se pode considerar suprida esta omissão, pela informação prestada no processo pela Segurança Social de que foi pedido e deferido aos RR. a nomeação de patrono, se esta informação for prestada nos autos antes do decurso do prazo. [12]

 Por último, tem sido jurisprudência constante do nosso Tribunal Constitucional que esta interpretação se mostra conforme à constituição, por tal exigência não constituir um ónus excessivo imposto ao requerente, nem comprometer de forma desproporcionada o acesso à justiça em razão da carência económica.[13]

Não tendo os RR. DD, FF e EE cumprido com o ónus que resultava deste preceito legal, o direito a praticar o acto extinguiu-se pelo seu decurso. Para o caso, é indiferente que aos RR. viesse a ser atribuído este apoio e do seu diferimento fosse o tribunal informado por ofício da S.S, uma vez que a essa data já o prazo de extinguira. Ora, não é já possível interromper um prazo que se extinguiu.[14]

Nesta medida a contestação por estes apresentada em Abril de 2021 seria sempre intempestiva.  

Por sua vez, os RR. BB e CC viram o prazo em curso interrompido pela junção aos autos em 11/07/20 do requerimento comprovativo do pedido formulado.

Deferido este pedido em 06/08/2020 e nomeado na mesma data patrono a estes RR., veio a patrona nomeada informar os autos em 17/09/20 que remetera cartas a ambos os RR., em 06/08/2020 e 20/08/2020, afim de estes a contactarem, com vista à elaboração da defesa, que em 26/08/20 foi informada de um pedido de substituição de patrono pelos RR. e em 19/10/2020, foi proferida decisão de substituição do patrono.

Invocam estes RR. que a contestação por eles apresentada em 23/11/20 se tem de considerar tempestiva, por o pedido de substituição do patrono, interromper o prazo em curso, que se reinicia com a decisão desse pedido.

É questão que passaremos a apreciar de seguida.    

c) se o pedido de substituição do patrono nomeado interrompe o prazo em curso;

Prevê o artº 32 nº2 da LAJ que o beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.

Deferido o pedido de substituição do patrono, resulta do disposto no nº2 deste preceito que se aplicam “com as devidas adaptações”, os termos dos artigos 34.º e seguintes da LAJ.

Pretendem os recorrentes que o pedido de substituição do patrono que lhes tinha sido nomeado interrompe novamente o prazo para contestar em curso (dos RR. BB e CC), que se reinicia com a notificação da decisão que deferiu este pedido, por remissão do aludido preceito para o artº 34 nº2 da LAJ, o qual dispõe que o “pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º.”

Não é, no entanto, esta a interpretação que deve ser dada ao artº 32 nº2 da LAJ. O aludido preceito manda atender ao disposto nos artºs 34 e segs. com as devidas adaptações, deferido que for o pedido de substituição de patrono. Mas a apresentação deste pedido não interrompe novamente o prazo em curso.

Com efeito, o prazo em curso reinicia-se com a notificação ao patrono da sua nomeação, desde que o requerente do apoio conheça a nomeação por dela ter sido notificado (Ac. do TC. Nº 515/2020 de 13/10) cabendo ao patrono nomeado e enquanto não for substituído praticar o acto em causa, uma vez que até à sua substituição mantém todos os deveres inerentes à nomeação, podendo ser responsabilizado, a nível disciplinar e em sede de responsabilidade civil, pelo seu não cumprimento e pelos eventuais danos que resultem dessa omissão. Por essa razão, veio a Srª Patrona nomeada escudar-se de eventuais responsabilidades, comunicando a ausência de contacto e de quaisquer elementos pelos RR., como razão justificativa da impossibilidade de cumprimento do seu patrocínio.

Diversamente, o pedido de escusa formulado interrompe o prazo em curso, pois que os fundamentos para a escusa são precisamente a impossibilidade de praticar o acto.

Assim, conforme se refere no Ac. desta Relação de 03/11/2020[15],  “só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).”

Com efeito, o patrocínio judiciário, ao contrário do contrato de mandato judicial, não se baseia na relação de confiança mas antes, conforme se refere em Ac. do TRG de 24/10/2019[16]em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).” Pelo que com a “nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (cabendo inclusivamente a decisão dessa sua pretensão a entidade terceira).

Por outro lado, não se vê que esteja restringido o direito dos requerentes de apoio judiciário, pois que satisfeito pela efectiva nomeação de patrono. Nestes termos, conforme se refere no citado Ac. desta Relação de 03/11/2020 “Está arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso;”, por serem diferentes as situações e os interesses a salvaguardar e está “igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2. da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho”, pois que nenhuma lacuna existe, estando a opção do legislador contida dentro dos poderes conformadores que lhe são constitucionalmente reconhecidos.

           


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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem esta relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes (artº 527 nº1 do C.P.C.), sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.

                                               Lisboa 11/10/22

Declaração de Voto

«Pese embora a consistência da argumentação expendida no presente acórdão, continuo a ter dificuldades em aceitar o resultado a que a mesma conduz, mantendo, por isso, o entendimento que expendi nos dois acórdãos que relatei e a que no presente se faz referência - Ac R L 8/6/2017, proferido no Proc 13177/10.8T2SNT-A.L1-2 e Ac R C 26/10/2020, proferido no Proc 2511/19.5T8CBR-A.C1.

Voto, por isso, vencida, no tocante à 1ª questão objecto do recurso».

Maria Teresa Albuquerque
                                              



[1] Proferido no Proc. nº 1350/16.0T8PVZ.P1.S2, de que foi relator o Exmo Conselheiro José Rainho, disponível in www.dsi.pt
[2] Posição expressa também nesta Relação de Coimbra em Ac. de 26/10/2020, no proc. nº 2511/19.5T8CBR-A.C1, disponível in www.dgsi.pt 
[3] Conforme o considerou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 102/98.
[4] Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, págs. 411.
[5] Ibidem, pág. 412.
[6] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil”, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72
[7]GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 412.
[8] Proferido no Proc. nº 1097/19.5T8PBL-A.C1, de que foi relator António Carvalho Martins, disponível in www.dgsi.pt
[9] Ac. do TRL de 24/09/2019, proferido no proc. nº 8309/16.5T8LRS-B.L1-7, de que foi relator Carlos Oliveira, disponível in www.dgis.pt.

[10] Neste sentido vide Ac. do TRL de 21/11/2019, proferido no proc. nº 13612/18.7T8LSB-A.L1.L1-2, de que foi relatora Maria José Mouro, disponível in www.dgsi.pt.
[11] É esta aliás a jurisprudência maioritária nas nossas Relações, exemplificando-se com os Acs. do TRL de 24/09/2019, proferido no proc. nº 8309/16.5T8LRS-B.L1-7, de que foi relator Carlos Oliveira, de 11/127”018, proferido no proc. nº 851/17.7T8SNT.L1-1, de que foi relator Manuel Marques, de 21/11/2017, proferido no proc. nº 143/14.3TTLRS.L1-4, de que foi relator Leopoldo Soares; do TRP de 27/06/22, proferido no proc. nº 895/22.7T8VNG-B.P1, de que foi relator Carlos Gil, de 04/04/2022, proferido no proc. nº 454/21.1T8OBR-A.P1, de que foi relator Manuel Domingos Fernandes, de 28/10/2021, proferido no proc. nº 823/21.7T8STS-A.P1, de que foi relatora Eugénia Cunha, de 07/06/2021, proferido no proc. nº 1546/20.0T8MAI-B.P1, de que foi relatora Ana Paula Amorim; do TRC. de 17/02/2022, proferido no proc. nº 4137/21.4T8CBR.C1, de que foi relator José Avelino Gonçalves, de 26/04/2022, proferido no proc. nº 51580/20.2YPRT.C1, de que foi relator Luís Cravo, de 20/04/2022, proferido no proc. nº 198/21.4GCCTB-A.C1, de que foi relator Paulo Guerra, de 12/07/20, proferido no proc. nº 1160/19.2T8CTB-A.C1, de que foi relator Fernando Monteiro; do TRG de 21/3/2019, proferido no proc. nº 3674/14.1T8VNF-.G1, de que foi relator Heitor Gonçalves, de 07/10/2021, proferido no proc. nº 5221/20.7T8GMR-A.G1, de que foi relator Anizabel Sousa Pereira; do TRE de 28/9/2017, proferido no proc. nº 21231/16.5T8STB.E1, de que foi relator Tomé Ramião, de 28/2/2018, proferido no proc. nº 491/11.4T7PTM.E1, de que foi relator João Nunes, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[12] Cfr. Ac. desta Relação de Coimbra de 24/04/2022, proferido no proc. nº 198/21.4GCCTB-A.C1, de que foi relator Paulo Guerra, disponível in www.dgsi.pt.
[13] Neste sentido vide os Acs. do TRL de 24/09/2019, já citado; 
[14] Posição seguida no Ac. deste TRC de 20/11/2012, proferido no proc. nº 1038/07.2TBGRD-A.C1, de que foi relatora Catarina Gonçalves no qual “Admitindo-se que a falta de junção desse comprovativo, por parte do requerente, possa considerar-se suprida quando já consta do processo a informação – prestada pela Segurança Social – de que esse pedido foi formulado e que, com base nesta informação, se possa considerar interrompido o prazo em curso, será necessário, no mínimo, que tal informação tenha chegado ao processo antes de decorrido o prazo.”
[15] Proferido no proc. nº 1097/19.5T8PBL-A.C1, de que foi relator António Carvalho Martins, cit.; no mesmo sentido vide o Ac. do TRP de 08/09/2020, proferido no proc. nº 9254/19.8T8PRT-B.P1, relator Carlos Martins, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[16] Proferido no proc. nº 14/03.9TBCRZ-A.G1, de que foi relatora Maria João Matos, disponível in www.dgsi.pt