Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
403/14.3GASEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME COMETIDO COM ARMA
CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE
Data do Acordão: 09/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA SECÇÃO CÍVEL DA INSTÂNCIA CENTRAL DA GUARDA - J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 152.º, N.ºS 1, AL. A), E 2, DO CP, E ART. 86.º, N.º 3, DA LEI N.º 5/2006, DE 23-02 (REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES)
Sumário: Não sendo o uso de arma elemento típico do crime de violência doméstica, a pena aplicável àquele ilícito, cometido com arma, é agravada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23-02 (diploma alterado pelas Leis 17/2009, de 06-05, e 12/2011, de 27-04).
Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 403/14.3GASEI supra identificado, após a realização da audiência de julgamento foi proferido acórdão que decidiu:

a) Condenar o arguido A... pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal e pelo artigo 86º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 3 (três) anos de prisão;

b) Absolver o arguido da prática do crime de violação p. e p. pelo artigo 164º, n.º 1, al. a) do Código Penal e do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23.02;

c) Condenar o arguido a pagar à assistente, B... , nos termos do artigo 21º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.9, e do artigo 82º-A do CPP, uma indemnização/compensação, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, no montante de 2.000,00 € (dois mil euros).

d) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 4 anos.


*

O arguido não se conformou com a decisão proferida em 1ª instância, e dela interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões ([1]):

I. Por douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal e 86.°, n.º 3 da Lei n.º 5/2006 de 23.02, na pena de três anos de prisão e na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 4 (quatro) anos. Foi também condenado a pagar à assistente B... € 2000,00 (dois mil euros), a título de arbitramento de reparação pelos prejuízos sofridos por esta, cfr. arts. 82.°­A, n.º 1, do CPP e n.º 1, do art. 21.° da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, conforme tudo melhor consta do douto acórdão.

II. O presente recurso tem por objecto a matéria de facto e matéria de direito do douto acórdão proferido.

III. No que concerne à matéria de facto, recorre-se dos factos considerados como provados no acórdão devido à circunstância de isso ser o resultado de uma convicção formada em violação das regras e princípios do direito processual penal, maxime regras de experiência e os princípios iudex debet iudicare secundum allegata e probata e in dubio pro reo.

IV. Como também se recorre de um facto que devia ter sido dado como provado e releva para a boa decisão, designadamente para medida concreta da pena, bem como para suspensão da execução da pena de prisão.

V. Sem prescindir, ainda que se considere que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bem apreciada pelo Tribunal a quo e, consequentemente os factos devem ser dados como provados, tal qual consta do douto acórdão - o que por mera hipótese se aceita - ainda assim a decisão proferida é sindicável sob o ponto de vista de matéria de Direito.

VI. Por isso, no que concerne à matéria de Direito, recorre-se: i) da determinação da moldura penal, em especial da agravação da pena - prevista no artigo 152.°/2 do Código Penal (doravante CP) - resultante do artigo 86.°/ n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (Lei das Armas); ii) da concreta medida da pena; iii) da aplicação da pena de prisão - suspensão da execução da pena de prisão.

VII. O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos, referidos nas páginas 2 a 5 do Acórdão, que transcrevemos integralmente: (…).

VIII. Para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo legal do crime previsto no artigo 152.°/ n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código penal, são relevantes os factos transcritos n.ºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21, conforme páginas 26 a 28 do Acórdão. Por seu turno, para efeitos de preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal de crime previsto no artigo 152.°/ n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código penal, são relevantes os factos transcritos n.ºs 22 a 30, conforme páginas 27 e 28 da Acórdão.

IX. Com o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos constantes nos pontos 6 a 19 do douto acórdão, supra transcritos, dado que a prova produzida em julgamento impunha que os mesmos fossem dados como não provados.

X. O conjunto de factos, que mereceu do Tribunal a quo aceitação como factos provados, compreende factos que não poderiam à luz de regras de experiência, imperativos de racionalidade e princípios do direito processual penal considerarem-se como provados.

XI. Decorre do artigo 127.° do Código de Processo Penal (doravante CPP), a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, consagrando este preceito, desde 1987, aquilo a que se designa o princípio da livre apreciação da prova (assim cfr. ROSA VIEIRA NEVES, A Livre Apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Convicção, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 19).

XII. Não obstante, este princípio encontra-se limitado por imperativos de racionalidade e por regras (ou máximas) de experiência, como resulta do Ac. Tribunal Constitucional n.º 320/97 de 17 de Abril de 1997 quando refere que «a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma actividade puramente subjectiva, emocional e portanto não fundamentada juridicamente. Tal princípio, no entendimento do Tribunal, concretiza-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitirá ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Trata-se, assim, de um princípio de liberdade para a objectividade, e não para o arbítrio»

XIII. Naturalmente, o princípio da livre apreciação da prova fica condicionado por todos os princípios de direito processual penal que regulem a matéria probatória e a apreensão da matéria de facto relevante para a decisão. Em particular o Tribunal deve respeitar os princípios: (i) ne bis in idem, (ii) iudex debet iudicare secundum affegata et probata e (iii) in dubio pro reo.

XIV. A circunstância de o processo penal ser um espaço propício a dúvidas sobre os factos julgados e a extrema importância que a decisão dessa mesma incerteza acarreta na pessoa do arguido não pode deixar de, face aos princípios basilares do Estado de Direito, ter uma solução que não prejudique, sem fundamento certo, o arguido.

XV. «É que, em processo penal, a justiça, perante a impossibilidade de uma certeza, encontra­-se na alternativa de aceitar, com base em uma probabilidade ou possibilidade, o risco de absolver um culpado e o risco de condenar um inocente. A solução jurídica e moral só pode ser uma: deve aceitar-se o risco da absolvição do culpado e nunca o da condenação do inocente.» (citação de MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, VoI. I, Lisboa: Editora Danúbio, 1986, p. 216)

XVI. O princípio in dubio pro reo consubstancia esta solução significando «que, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, não apenas em relação aos elementos constitutivos do crime, mas também quanto aos tipos justificadores. Em caso de dúvida em matéria probatória absolve-se o arguido. O princípio in dubio pro reo, na medida em que prescreve que em caso de dúvida quanto à matéria probatória, a decisão deve ser favorável ao arguido, é um corolário do princípio da presunção de inocência» (citação de FERNANDO GONÇALVES e MANUEL JOÃO ALVES, A Prova do Crime, Coimbra: Almedina, 2009, pp. 145 - 146)

XVIII. Concluindo, o Tribunal recorrido ao fundar a sua convicção quanto aos factos considerados como provados na prova testemunhal produzida estava, desde logo, vinculado a imperativos de racionalidade, às regras de experiência (artigo 127.° do CPP), estando também vinculado aos princípios ne bis in idem, iudex debet iudicare secundum affegata et probata e in dubio pro reo. A nosso ver com o devido respeito o Tribunal a quo na apreciação da prova e ao dar como provados os factos constante nos pontos 6 a 19 não respeitou os referidos princípios.

Assim,

XIX. O facto dado como provado no ponto 6, que se transcreve «6. Não obstante, o comportamento do arguido não se alterou.», não pode ser considerado como provado, pois que a circunstância de, como veremos, os factos subsequentes deverem ser considerados como não provados implica que também o ponto 6 deve ser considerado como não provado.

XX. O facto dado como provado no ponto 7, que se transcreve «7. Com efeito, o arguido e a ofendida continuaram a residir na mesma casa de habitação, desde Setembro de 2012 até Outubro de 2014.», só parcialmente corresponde à verdade.

XXI. O Recorrente e a Assistente continuaram a morar juntos, embora após Setembro de 2012 o arguido tenha passado alguns períodos de tempo fora de Portugal, tal qual foi relatado pelo Tribunal, pelo arguido e testemunhas.

XXII. Das declarações prestadas pelo arguido gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal recorrido, com início às 10horas e 07 minutos e o seu termo pelas 10horas e 56 minutos, conforme consta de acta de discussão e julgamento de 28/01/2016, em concreto das gravações áudio do minuto 22:38 ao minuto 24:20, que se transcrevem: (…).

 Resulta com clareza e corroborado por todos os que tinham razão de ciência que o arguido no período temporal em que lhe são imputados os factos do presente processo criminal se encontrou em largos momentos fora do país.

XXIII. O facto dado como provado no ponto 8, que se transcreve «8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: "puta", "vaca", "andas a dar a cona", "canhão", e "cabra".», contém expressões que não foram referidas em sede de audiência e julgamento. De facto, não existe qualquer declaração ou depoimento que faça referência às expressões «"andas a dar a cona"» e «"cabra"». Assim, o Tribunal ao considerar como provadas expressões que nem sequer foram referidas em sede de audiência de julgamento viola o princípio iudex debet iudicare secundum a/legata et probata.

XXIV. O facto dado como provado no ponto 9, que se transcreve «9. Em diversas ocasiões, cujas datas não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: "eu vou para a cadeia, mas tu não ficas aqui", "mato-te", "dou-te um tiro", ao mesmo tempo que apontava, na sua direcção, a caçadeira marca Baikal, com o n.º 9136477, calibre 12, de que este é possuidor.», não pode considerar-se como provado. O Tribunal fundou a sua convicção quanto ao facto em causa nas declarações da assistente, conforme resulta do terceiro parágrafo da página 13 do acórdão e não houve, aliás, mais quem tenha afirmado que o arguido tenha apontado a caçadeira à assistente.

XXV. Porém a Assistente afirmou que o arguido lhe apontou a caçadeira uma só vez, que ocorreu uma semana antes do arguido ir para a Alemanha e que os seus filhos E... e C... assistiram.

XXVI. Contudo, as declarações prestadas pela Assistente e as testemunhas E... e C... (seus filhos) foram divergentes. Pois que, a Assistente prestou declarações gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início às 11 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 08 minutos, conforme consta da acta de discussão e julgamento de 28/01/2016, do registo áudio do minuto 11:53 ao minuto 15:39 que se transcrevem: (…).

XVII. No presente caso, havendo uma dúvida quanto à ocorrência do facto resultante da contradição entre declarações produzidas em audiência de julgamento, o Tribunal deveria ter considerado o facto provado no ponto 9 como não provado, por força do princípio in dubio pro.

XXVIII. O facto dado como provado no ponto 10, que se transcreve «10. Por diversas vezes, em datas que não foi possível concretizar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal, o arguido anunciou que mataria os seus pais.», não pode considerar-se como provado.

XXIX. Este facto foi somente corroborado pelo pai da assistente, D... , testemunha que, tal qual foi entendido pelo Tribunal, não merece credibilidade, pois no entender do mesmo o pai da assistente «procurou corroborar o vertido na acusação, que assentou na descrição que a filha lhe fazia do sucedido» (citação do terceiro parágrafo da página 16 do acórdão). Não poderia, portanto, o Tribunal analisando criticamente as declarações da assistente deixar de ter dúvidas razoáveis quanto alegado anúncio de morte aos seus pais feito pelo arguido, pelo que o facto dado como provado no ponto 10 deveria, por força do princípio in dubio pro reo deveria ter sido considerado como não provado.

XXX. O facto dado como provado no ponto 11, que se transcreve «11. Em determinada altura, cuja data não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, pelo menos uma vez, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta no braço da ofendida.» não pode ser considerado nos presentes autos.

XXXI. Como resulta claro da motivação da sentença o Tribunal fundou a sua convicção quanto ao facto provado no ponto 9 nas declarações do filho do arguido e da assistente, C... (conforme o segundo parágrafo da página 16 do acórdão). A convicção do Tribunal não se podia, aliás, fundar em mais alguma declaração ou depoimento produzido em audiência de julgamento, pois mais ninguém referiu tal ocorrência.

XXXII. A testemunha C... afirmou que uma ocasião viu o pai desferir uma pancada de mão aberta no braço da sua mãe, conforme depoimento gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início às 12 horas e 09 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 24 minutos, conforme consta da acta de discussão e julgamento de 28/01/2016, do registo áudio do minuto 09:25 ao minuto 11:55 que se transcreve: (…).

XXXIII. É notória a dificuldade da Testemunha em situar o ocorrido no tempo, fazendo até contraditoriamente em dois momentos, como veremos. Como refere Luís FILIPE PIRES DE SOUSA «As crianças mais novas têm uma dificuldade acrescida em precisar detalhes de tempo, ordem temporal dos factos ou estimar distâncias e velocidades. Estes aspectos podem não ter sido codificados ou ter sido já esquecidos. Em particular, no que respeita ao tempo, aos cinco anos a criança compreende os conceitos de antes e depois, aos sete internaliza a hora do dia, enquanto a capacidade para situar os eventos de acordo com as datas só se desenvolve por volta dos nove anos» (Luís FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, Coimbra: Almedina, 2013, p. 44).

XXXIV. Contudo, deve distinguir-se a capacidade em precisar detalhes de tempo da capacidade de recordação de acontecimentos, porquanto «na recordação de uma criança de dez / onze anos não se detetam diferenças face a um adulto» (citação de Luís FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, p. 45). Na verdade, escreve o mesmo Autor (Prova Testemunhal, p. 43): «as crianças, mesmo em idade pré-escolar, são capazes de fornecer relatos rigorosos acerca de determinado evento» e que «a recordação livre de crianças muito pequenas, por exemplo de quatro anos, pode ser tão exacta como a dos adultos».

XXXV. Existe, portanto, a possibilidade de a testemunha se recordar de factos que já foram julgados no âmbito deste processo, porque existe a possibilidade de o facto que a testemunha relatou se ter passado antes de 25 de Setembro de 2012. Assim, havendo dúvida razoável sobre a localização temporal do facto n.º 9, por força da proibição de duplo julgamento pelos mesmos factos (artigo 29.º/5 da CRP) e pelo princípio in dubio pro no (corolário do artigo 32.º/2 da CRP), o facto n.º 9 não pode ser considerado nos presentes autos.

XXXVI. O facto dado como provado no ponto 12, que se transcreve «12. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.», não pode ser considerado nos presentes autos, pois sendo ele uma consequência do facto anterior, a circunstância de não se considerar o facto n.º 11 nos presentes autos, por todos os motivos a que se fizeram referência supra, impede que também o facto n.º 12 seja considerado nos presentes autos.

XXXVII. O facto dado como provado no ponto 13, que se transcreve «13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal, aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: "puta", "canhão", "vaca", "cabra", "tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual".», não pode considerar-se como provado, pois no conjunto de declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento, não consta qualquer referência ao facto de o arguido ter-se dirigido à ofendida dizendo as expressões em causa no mês de Setembro de 2014.

XXXVIII. Assim, o Tribunal, ao considerar provado que em Setembro de 2014 o arguido se dirigiu à assistente e disse todas as expressões aí em causa, viola o princípio iudex debet iudicare secundam allegata et probata, pois não existe qualquer referência a que isso tenha ocorrido em Setembro de 2014.

IXL. Os factos dados como provados nos pontos 14, 15 e 16, que se transcrevem:

«14. De imediato, o arguido agarrou o braço da ofendida e abanou-a, violentamente, ao mesmo tempo que lhe desferiu um murro no peito, atingindo-a no seio direito.», 15. Tais factos ocorreram na presença dos filhos do casal, E... e C... . e 16. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu hematoma no peito, para além de dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.», não podem considerar-se como provados.

XL. Segundo a assistente, o arguido, uma única vez e na semana antes de o mesmo ter ido para a Alemanha, tê-la-á agarrado nos ombros (de uma forma não apreensível no seu relato) e ter-lhe-á dado um murro no peito, conforme declaração da assistente, B... , gravada através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com inicio às 11 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 08 minutos, conforme consta da acta de discussão e julgamento de 28/01/2016, gravação audio do minuto 08:23 ao minuto 11:45 e do minuto 17:00 ao minuto 17:50 que se transcreve: (…).

XLI. Assim, o Tribunal, ao considerar provado que «o arguido agarrou o braço da ofendida e abanou-a, violentamente», bem como a tenha atingido no seio direito, viola o princípio iudex debet iudicare secundum allegata et probata, pois não foi produzido qualquer declaração ou depoimento em audiência de julgamento que refira que isso tenha ocorrido.

XLII. No que concerne à descrição da ocorrência pela assistente, esta afirma que os filhos assistiram ao episódio em que o arguido terá desferido um murro no peito da assistente. A este propósito vale o que se referiu supra relativamente ao episódio em que o arguido alegadamente apontou a caçadeira à assistente.

XLIII. Acontece que tanto o filho E... como o filho C... negaram perentoriamente ter visto desferir um murro no peito à mãe, conforme declarações que se transcrevem: (…).

XLIV. Concorrem aqui as mesmas razões justificativas, para não se poderem considerar como provados os factos n.ºs 14 e 15, que foram invocadas para justificar o porquê de não se poder ter considerado como provado n.º 9.

XLV. No presente caso, havendo uma dúvida quanto à ocorrência do facto resultante da contradição entre declarações produzidas em audiência de julgamento, o Tribunal deveria ter considerado os factos n.ºs 14 e 15 como não provados, por força do princípio in dubio pro reo.

XLVI. Os factos dados como provados nos pontos 17 e 18, que se transcrevem:

«17. A ofendida sempre viveu subjugada economicamente ao arguido, dependendo deste e do dinheiro que lhe entregava para fazer face às despesas pessoais, dos seus filhos e domésticas.

18. O arguido por vezes não permitia que a ofendida efectuasse as compras domésticas que eram executadas por este.», não podem considerar-se como provados.

XLVII. Deve, desde logo, distinguir-se o conceito de dependência económica do conceito de subjugação económica. Sendo que este último pressupõe o primeiro, a diferença reside, portanto, num concreto comportamento abusivo por quem tem nessa relação a capacidade económica.

XLVIII. Da prova produzida em Tribunal qualquer referência a abusos do arguido decorrentes de uma dependência da assistente perante aquele. Por isso, (…)

 Impunham que o facto não fosse dado como provado, pois da prova produzida resulta que não existiu qualquer abuso por parte do arguido da dependência económica da assistente face àquele e porque ficou provado que o motivo pelo qual era o arguido a fazer as compras quando não estava emigrado era devido ao facto de as compras ficarem mais baratas em Seia e ser necessário deslocar-se de x... e a Seia algum meio de transporte, sendo que só o arguido tem carta de condução, fazendo o percurso de motorizada.

IL. O facto dado como provado no ponto 19, que se transcreve «19. Do mesmo modo, o arguido controlava os movimentos da ofendida e, quando esta ia visitar os seus pais, com quem o arguido se encontrava desavindo, dirigia-se para o exterior da casa destes e assobiava, para que esta regressasse a casa, o que a ofendida fazia, obedecendo-lhe.», não pode considerar-se como provado. Pois que, a assistente quando perguntada pelo Tribunal sobre se o arguido lhe assobiava para que esta regressasse a casa, a mesma mostrou-se surpreendida, demonstrando que tal nunca tinha ocorrido, conforme as suas declarações B... , gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início às 11 horas e 23 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 08 minutos, conforme consta da acta de discussão e julgamento de 28/01/2016, gravação áudio do minuto 29:16 ao minuto 30:13 que se transcrevem: (…).

L. É, portanto, infundada a convicção do Tribunal para que possa ter considerado este facto como provado, pois assistente mostrou estranheza à pergunta formulada pelo Tribunal relativamente a sair contrariada de casa dos pais por o arguido a chamar com assobios. Pelo exposto, este facto deveria ter sido dado como não provado.

LI. Por outro lado há um facto que deveria ter sido dado como provado e não foi.

LII. Quanto às condições pessoais do arguido deu-se como provado o indicado no ponto 37 que se passa a transcrever: "O arguido compareceu a 2 consultas no Centro de Saúde de Seia, referindo que há cerca de 2 anos que não consome bebidas alcoólicas; sendo que no meio da residência as pessoas nunca valorizam os problemas que existiam entre o casal, uma vez que os mesmos ocorriam dentro do agregado familiar, sendo que na G.N.R. de Paranhos da Beira é referido que o arguido é conotado por situações de violência doméstica, não havendo conhecimento da prática de outros ilícitos; sendo que na povoação onde vive actualmente é referenciado positivamente, sendo considerado pessoa pacata e trabalhadora."

LIII. Deu-se como provado que o arguido referiu que há cerca de dois anos não consome bebidas alcoólicas, mas na audiência de discussão e julgamento foi produzida prova ­testemunhal - que o arguido não consome bebidas alcoólicas.

LIV. Em concreto os depoimentos das testemunhas E... , F... e G... que são coincidentes com as declarações do arguido afere-se a prova de que o arguido não consome bebidas alcoólicas. (…).

LV. Pelo exposto, deveria ter sido dado como provado que o arguido não consome bebidas alcoólicas pois que não foi só o arguido que referiu as testemunhas acima indicadas conforme os depoimentos transcritos confirmaram de forma credível que o arguido não consome bebidas alcoólicas.

LVI. Pelo o supra exposto, o Tribunal a quo - com o devido respeito - não podia dar como provados os factos constantes do douto acórdão nos pontos 6 a 19, conforme supra exposto, violando o "principio do in dubio por reo". Acresce que, com relevo e para a boa decisão o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que o arguido não consome bebidas alcoólicas, conforme o atrás referido.

LVII. Assim sendo, não podia ter sido aplicada ao arguido pena concreta de três anos de prisão por se figurar excessiva face aos factos que devem se ter como provados, conforme veremos melhor do recurso da matéria de Direito.

LVIII. Como também não podia ter sido condenado à pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 4 (quatro) anos e a pagar à assistente B... € 2000,00 (dois mil euros), a título de arbitramento de reparação pelos prejuízos sofridos por esta.

LIX. Sem prescindir, ainda que se considere que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bem apreciada pelo Tribunal a quo e, consequentemente os factos devem ser dados como provados, tal qual consta do douto acórdão - o que por mera hipótese se aceita - ainda assim a decisão proferida é sindicável sob o ponto de vista de matéria de Direito.

LX. Como resulta do Acórdão recorrido, o Tribunal entendeu que os factos (tendo sido considerados como provados) preenchiam os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de violência doméstica (artigo 152.°/ 1, a) do CP), agravado nos termos do n.º 2 do artigo 152.° do CP) (conforme páginas 27 e 28 do Acórdão).

LXI. O Tribunal procedeu ainda a uma agravação da moldura penal em um terço tanto ao limite mínimo como ao limite máximo referido em resultado do artigo 86.°/3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (Lei das Armas). Assim a moldura penal passou a ser de dois anos e oito meses o limite mínimo e seis anos e oito meses o limite máximo.

LXII. O preceito do artigo 86.°/3 da Lei n.º 5/2006 determina que «As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma». O n.º 4 do mesmo preceito especifica, por sua vez, que «Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente».

LXIII. Deve ter-se em conta que a excepção constante da última parte do artigo 86.º/3 da Lei das Armas é, em rigor a consequência do princípio ne bis in idem (artigo 29.º/ 5 da CRP), no sentido de que a circunstância de se agravar uma pena estabelecida por um tipo de crime que já contém o elemento que, por sua vez, também consta do tipo agravante redunda numa dupla condenação pelo mesmo facto.

LXIV. Assim, por expressa referência do referido preceito e em respeito do princípio ne bis in idem, a aplicação da agravante constante do artigo 86.º/ 3 da Lei das Armas não pode operar «se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma».

LXV. No caso em apreço, a agravante enunciada só poderia operar se o uso e o porte de arma não for elemento do tipo de crime de violência doméstica (artigo 152.º/1 e 2 do CP).

LXVI. O tipo de ilícito de violência doméstica pressupõe já um conjunto de comportamentos cuja configuração pode traçar-se pelo uso ou porte de arma, sendo estes um elemento de tipo de ilícito próprio do crime de violência doméstica. Isto porque o conceito de violência abrange já estas realidades (uso e porte de arma) tanto na vertente de violência física como na vertente de violência psíquica, conquanto a utilização de arma, seja para ameaçar seja para agredir fisicamente constitui sempre um acto de violência e sempre que tal sucede, não é possível deixar de qualificar este comportamento como um comportamento violento.

LXVII. Tanto é assim que as definições avançadas de coacção, ameaça e intimidação compreendem sempre comportamentos com utilização ou exibição de armas, pois a coacção, ameaça e intimidação estão «intrinsecamente associada[s] à violência emocional-psicológica, consistindo em manter a mulher vítima sempre com medo daquilo que o agressor possa fazer contra si e/ou contra os seus familiares (sobretudo filhos) e amigos, a animais de estimação ou bens. Para tal, o agressor pode recorrer a palavras, olhares e expressões faciais, gestos mais ou menos explícitos, mostrar ou mexer em obiectos intimidatórios (e.g., limpar a espingarda, carregar o revólver, afiar uma faca, exibir um bastão, dormir com armas à cabeceira da cama, ter armas na mão quando aborda sexualmente a sua companheira)» ­negrito nosso - (citação de CELINA MANITA, Violência Doméstica: Compreender para intervir ... , p. 17).

LXVIII. Relativamente aos maus tratos, também estes podem englobar a utilização de arma pois, «Entre a multidão de acções que à partida podem ser tidas como maus tratos físicos contam-se todo o tipo de comportamentos agressivos que se dirigem directamente ao corpo da vítima e em regra também preenchem a fatualidade típica do delito de ofensa à integridade física, como murros, bofetadas, pontapés e pancadas com objectos ou armas, só para citar os exemplos mais correntes» - negrito nosso - (citação de NUNO BRANDÃO, A Tutela Penal Especial Reforçada da Violência Doméstica, in Julgar, n.º 12, Lisboa: Wolters Kluwer, Novembro, 2010, p. 12).

LXIX. Assim não poderia ser aplicada no presente caso a agravação resultante do artigo 86.°/ 3 da Lei das Armas, pois o tipo legal de violência doméstica integra nos seus elementos condutas com utilização ou exibição de armas. Nestes termos, a aplicação da norma da referida Lei das Armas viola no presente caso o princípio ne bis in idem que está consagrado no artigo 29.°/ n.º 5 da CRP, pelo que, a moldura penal resultante da aplicação do artigo 152.° / n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP (limite mínimo de dois anos e limite máximo de cinco anos) não poderia ser agravada.

LXX. É, portanto, inconstitucional a norma do artigo 86.°/3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro interpretada no sentido de ser aplicável às situações que preenchem os elementos do tipo de crime da violência doméstica (artigo 152.°/ n.º 1 e n.º 2 do Código Penal) por violação da norma do artigo 29.°/ n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

LXXI. A medida da pena pela qual o Recorrente foi condenado é excessiva e desadequada, pois que, ainda que por hipótese se devam considerar como provados os factos, atendendo ao supra exposto não deve ser considerado o agravamento da moldura penal, devendo, por sua vez, a moldura penal aplicável ser da pena de prisão de 2 a 5 anos. Era dentro desta moldura penal que cumpria ao Tribunal decidir.

LXXII. Contudo, mesmo considerando a moldura penal tal como ela foi configurada pelo Tribunal, a pena concretamente aplicada ao arguido tenha sido excessiva.

LXXIII. Dispõe o artigo 71° do CP que a determinação da medida da pena «é feita em função da culpa e das exigências de prevenção». Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que deponham a favor e contra o arguido. O aqui formulado juízo de culpa parte do facto ilícito perpetrado e a expressão «culpa» utilizada no artigo 71 ° tem um sentido amplo de que todos os elementos que nela se perspectivem, tomados em conta para graduar a censura aí se incluindo a ilicitude, a culpa propriamente dita e a influência da pena sobre o criminoso.

LXXIV. Refere o Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA (Direito Penal Português, Parte Geral III - Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, 2.a edição, Lisboa: Verbo, 2008, pág. 130), que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade.

 Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente.

LXXV. Atendendo que no Acórdão recorrido foi considerado que a culpa do arguido é média, além de que, tal como se deu como provado, o arguido está integrado familiar e socialmente, deixou de consumir bebidas alcoólicas e tem uma situação laboral estável, sendo que deste modo as necessidades de prevenção especial são diminutas.

LXXVI. São, desde logo, diminutas porque a actual situação do arguido demonstra que o factor considerado como potenciador das alegadas acções do arguido - o alegado abuso de bebidas alcoólicas - está comprovadamente afastado da ponderação que o Tribunal tem de efectuar.

LXXVII. Neste particular, é de notar que estando o arguido no presente socialmente integrado a pena em si terá a consequência de interromper esse processo que o arguido comprovadamente leva a cabo, desde logo, porque deixou, como ficou provado, de beber bebidas alcoólicas.

LXXVIII. Assim, atendendo ao artigo 40.°, n.º 1 do CP que a aplicação da pena visa a reintegração, percebe-se que a medida concreta da pena deve perturbar ao mínimo o processo de reintegração que o arguido, voluntariamente, está a levar a cabo, o que fica demonstrado pelo facto de que estar familiar, social e profissionalmente integrado.

LXXIX. Posto isto, por força do princípio da proporcionalidade (princípio basilar do direito penal) - na sua vertente da necessidade - a pena deve ser a mínima indispensável para cumprir as exigências da culpa e da prevenção, sendo que estando o mínimo fixado pela lei - ou seja, pela moldura penal - corresponde efectivamente este ao mínimo indispensável.

LXXX. Assim, a pena que deve ser aplicada é a correspondente ao limite mínimo da moldura penal, ou seja, de dois anos se a moldura penal não for agravada, como parecer ser o correcto, ou dois anos e oito meses no caso de se permanecer no entendimento de que a moldura penal no presente caso possa ser agravada, sendo que desta forma as necessidades de prevenção geral não ficam frustradas, mas sim acauteladas.

LXXXI. O Tribunal a quo entendeu que a pena de prisão concretamente aplicada, que conforme o supra referido se considera excessiva, não podia ser suspensa na sua execução, por não se verificarem os pressupostos do artigo 50.°, n.º 1 do Código Penal.

LXXXII. Ora, como é referido e bem no acórdão proferido, quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena prisão: «Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as necessidades de punição, ou seja a suspensão da execução da pena "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime" (cfr. Ac. do STJ de 14.06.2007, Proc. n.º 07P1423, in www.dgsi.pt)»

LXXXIII. O Tribunal a quo entendeu que a factualidade provada não permite qualquer juízo de prognose favorável no sentido que o arguido irá cessar a sua conduta.

LXXXIV. Fundamentou - a inexistência de juízo de prognose favorável no facto de a anterior condenação - pena prisão suspensa na sua execução - ter sido inconsequente e, por outro lado que a "actual não coabitação do casal em nada infirma esta conclusão ou contende com a mesma, sendo o arguido pai de filhos (um deles ainda menor) em conjunto com a assistente, pelo que a sua convivência não está, de forma alguma, afastada (antes pelo contrário).

LXXXV. Para que seja possível a suspensão da execução da pena de prisão é necessário, à luz do que estabelece o artigo 50.0 do Código Penal, que se verifique pressuposto formal - a pena de prisão aplicada não seja superior a cinco anos - e o pressuposto material ­- atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste deve-se concluir que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.

LXXXVI. Relativamente ao pressuposto material para que seja possível aplicar a suspensão da execução da pena refira-se os doutos ensinamentos de Jorge Figueiredo Dias, in "Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime", página 343, que se transcreve: «A lei torna muito claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento de decisão, não ao momento da prática do facto. (...) Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração - na medida possível: supra § 355 ss. - em sede de medida da pena: com isto não deve dizer-se violada a proibição da dupla valoração. Não pode deixar de ser valorada para este efeito, v.g., a circunstância de o condenado por um crime relacionado com o consumo do álcool ou de estupefacientes se ter submetido com êxito posteriormente ao crime, mas anteriormente à condenação, a uma cura de desintoxicação (cf. de resto o arts. 41º e ss. do DL n.º 15/93, de Jan. 22).»

LXXXVII. Salvo o devido respeito, as condutas do arguido posterior à data que os factos lhe são imputados tem uma configuração distinta face às condutas que lhe são imputadas no período que se encontra no âmbito do presente processo, pelo que dando o Tribunal como provados tais factos deve dar como provado que a conduta do arguido se alterou significativamente, porquanto isso mesmo resultou provado, como visto, da audiência de julgamento.

LXXXVIII. Dos concretos factos dados como provados que impunham a suspensão da execução da pena de prisão são os que passamos a transcrever:

«34. O arguido casou com 27 anos, tendo desta relação 3 filhos, sendo que o relacionamento conjugal foi caracterizado por situações de conflitualidade e violência, tendo a esposa sido acolhida numa instituição para vítimas de violência doméstica; tais comportamentos seriam causados por problemas de alcoolismo do arguido, que o próprio sempre desvalorizou.

35. À data dos factos em causa (entre Setembro/2012 e Outubro de 2014), o arguido vivia com a esposa e filhos na localidade de x... (Seia) vindo a esposa a ser acolhida numa instituição de acolhimento em Outubro/2014, sendo que porque se encontrava desempregado emigrou para a Alemanha, trabalhando na construção civil, atividade que mantém atualmente, deslocando-se a Portugal apenas em datas festivas e períodos de férias.

36. O arguido entretanto arrendou uma casa, em y... , onde permanece quando em Portugal; dos 3 filhos do casal, uma filha tem vida independente, um filho ( E... , 18 anos, estudante) reside na casa alugada do pai e o filho mais novo ( C... , 10 anos) vive com a mãe, passando este último os períodos de férias com o pai, estando atualmente a decorrer o processo de divórcio, via judicial.

37. O arguido compareceu a 2 consultas no Centro de Saúde de Seia, referindo que há cerca de 2 anos que não consome bebidas alcoólicas; sendo que no meio de residência as pessoas nunca valorizam os problemas que existiam entre o casal, uma vez que os mesmos ocorriam dentro do agregado familiar, sendo que na G.N.R. de Paranhos da Beira é referido que o arguido é conotado por situações de violência doméstica, não havendo conhecimento da prática de outros ilícitos; sendo que na povoação onde vive atualmente é referenciado positivamente, sendo considerado pessoa pacata e trabalhadora.

38. Os conflitos entre o arguido e a esposa/ofendida acabavam por intensificar negativamente o ambiente de discussão que caracterizava a relação do casal, sendo que agora o arguido passou a residir com o filho mais velho, sendo que refere que o facto da esposa ter saído do lar familiar lhe terá provocado enorme desgosto e tristeza, tendo inclusivamente pensado no suicídio, todavia o mesmo nega o seu envolvimento nos factos em causa nos autos.»

IXC. Para além destes factos deve-se dar como provado, conforme o supra exposto que o arguido não consome bebidas alcoólicas, assim no ponto 37 deve ser aditado que não só o arguido referiu que não consome bebidas, como também resultado provado que não consome bebidas alcoólicas.

XC. Assim, o comportamento do arguido após a data em que alegadamente foram praticados os factos - no pressuposto, que recusamos, de que isso se deu como provado - alterou-se, dado que não consome bebidas alcoólicas. Este aspecto é, aliás, de suma importância, porquanto é transversal à acusação e ao Acórdão que os alegados comportamentos do arguido eram desencadeados por situações de embriaguez.

XCI. Para além disso, não tem contacto com a Assistente, uma vez que se encontra emigrado e quando regressa a Portugal fica numa casa que arrendou, onde reside com o seu filho mais velho e recebe o seu filho mais novo, que é distante do local onde reside a Assistente.

XCII. Deste modo, o Tribunal deveria entender que o comportamento do arguido alterou­-se, além de estar inserido social e familiarmente, sendo próximo dos seus filhos ­nomeadamente, o seu filho mais novo que é menor - que com a aplicação da pena de prisão efectiva ficarão privados de conviver com o seu pai o que comprometerá o seu desenvolvimento sadio, especialmente do filho C... .

XCIII. Por outro lado, com o devido respeito não, faz qualquer sentido que se diga - como consta do douto Acórdão - que a actual não coabitação do casal não pode fundar um juízo de prognose favorável.

XCIV. O facto de não residirem juntos, porque o casal se encontra separado (e tanto é assim que o arguido arrendou uma casa onde vive o seu filho mais velho e onde fica quando se desloca a Portugal), para além do facto de o arguido não consumir bebidas alcoólicas, impunha um juízo de prognose favorável.

XCV. Desde logo, não estava em causa um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, mas sim um juízo de prognose favorável sobre a continuidade do comportamento do arguido, pois não se pode esquecer que este tem no presente um comportamento exemplar.

XCVI. Desta forma, salvo o devido respeito, a fundamentação do Tribunal a quo para a não substituição da pena de prisão pela suspensão da sua execução não faz qualquer sentido, pois os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido levariam a um juízo de prognose favorável sobre a continuidade do comportamento do arguido.

XCVII. Assim atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deveria o tribunal concluir ao abrigo do artigo 50.º do CP que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e consequentemente, suspender a pena de prisão aplicada, tendo, assim, sido violada a norma do artigo 50.º/ 1 do CP.

XCVIII. A personalidade do arguido demonstra no presente uma ausência de susceptibilidade conflituosa, estando harmoniosamente integrado familiar e socialmente, bem como profissionalmente, factores que potenciam uma forma de estar e de ser adequada aos padrões normais da sã convivência.

IC. As condições de vida do arguido são agora de completa integração profissional decorrendo daí os rendimentos necessários para fazer face às suas despesas e às dos filhos, não estando assim numa situação económica de risco susceptível de conduzir à degradação comportamental.

C. As condutas do arguido posteriores ao período a cujos factos se reportam este processo consubstanciam, atendendo aos factos dados como provados no presente Acórdão, uma radical alteração de comportamento. Desde logo, o arguido não bebe bebidas alcoólicas.

CI. É, portanto, notório que o arguido, no período que mediou o fim do período por cujos factos está a ser condenado e o presente, revelou um comportamento na base do qual é possível prever com forte probabilidade que a simples censura dos factos alegadamente praticados e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

CII. Ademais a aplicação de uma pena de prisão efectiva frustrará toda a alteração comportamental do arguido que constituía à partida o fim da pena. Assim a aplicação de pena de prisão efectiva escolherá entre duas alternativas igualmente prossecussoras das finalidades de punição, aquela que constitui a mais gravosa para o arguido. Em rigor considerar-se que as duas alternativas configuradas prosseguem de forma igualmente idónea as finalidades da pena, é um erro: bem vistas as coisas a aplicação de pena de prisão efectiva interrompe um processo de ressocialização do arguido.

Termos em que e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o acórdão recorrido, tudo com as legais consequências.


*
Respondeu a Magistrada do MºPº junto do tribunal a quo defendendo a improcedência do recurso, por considerar que:
- O recorrente, no presente recurso, apresenta a sua própria valoração da prova produzida em audiência de julgamento com a qual pretende substituir a apreciação do Tribunal, o que, em nosso entender, não pode conduzir à alteração da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido;
- A medida concreta da pena aplicada ao arguido mostra-se justa, equilibrada e adequada ao caso, não merecendo qualquer censura;
- Tendo em consideração que os factos dos presentes autos foram perpetrados no decurso do prazo de suspensão da execução de uma pena anteriormente aplicada ao arguido, pela prática do mesmo tipo de crime e contra a mesma vítima, e atendendo ao mau relacionamento latente que existe entre o arguido e a vítima, não se nos afigura possível fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, que permita a substituição da pena de prisão pela pena suspensa na sua execução;
- Assim sendo, entendemos que o douto acórdão recorrido não violou qualquer imperativo legal nem enferma de qualquer vício, pelo que, não merecendo censura deverá ser integralmente mantido.

Nesta instância, também o Exmº PGA emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu mantendo o alegado na motivação do recurso e conclusões.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão recorrida consta o seguinte (por transcrição):

1. Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação,

1. O arguido A... é casado com a ofendida B... , desde o dia 11 de Setembro de 1993, tendo ambos fixado residência na Rua x... , Seia, área desta instância local.

2. Desta relação nasceram três filhos, H... , a 02-06-1994, E... , a 19-01-1997 e C... , a 14-12-2005.

3. Desde data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido desde o início da vida em comum do casal, o arguido começou a revelar comportamentos agressivos e autoritários, associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

4. Em função de tais atitudes do arguido, foram várias as discussões que travou com a ofendida e que, normalmente, acabavam em agressões físicas e verbais, o que aconteceu em regra na residência comum do casal.

5. Tal comportamento tem perdurado no tempo e, relativamente aos factos ocorridos até 25 de Setembro de 2012, o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 44/12.0GCSEI, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por sentença transitada em julgado a 5 de Março de 2013 (cfr. fls. 202 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

6. Não obstante, o comportamento do arguido não se alterou.

7. Com efeito, o arguido e a ofendida continuaram a residir na mesma casa de habitação, desde Setembro de 2012 e até Outubro de 2014.

8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “puta”, “vaca”, “andas a dar a cona”, “canhão”, e “cabra”.

9. Em diversas ocasiões, cujas datas não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “eu vou para a cadeia, mas tu não ficas aqui”, “mato-te”, “dou-te um tiro”, ao mesmo tempo que apontava, na sua direcção, a caçadeira marca Baikal, com o n.º 9136477, calibre 12, de que este é possuidor.

10. Por diversas vezes, em datas que não foi possível concretizar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal, o arguido anunciou que mataria os pais daquela.

11. Em determinada altura, cuja data não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, pelo menos uma vez, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta no braço da ofendida.

12. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.

13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal, aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: “puta”, “canhão, “vaca, “cabra”, “tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual”.

14. De imediato, o arguido agarrou o braço da ofendida e abanou-a violentamente, ao mesmo tempo que lhe desferiu um murro no peito, atingindo-a no seio direito.

15. Tais factos ocorreram na presença dos filhos do casal, António e C... .

16. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu um hematoma no peito, para além de dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.

17. A ofendida sempre viveu subjugada economicamente ao arguido, dependendo deste e do dinheiro que lhe entregava para fazer face às despesas pessoais, dos seus filhos e domésticas.

18. O arguido por vezes não permitia que a ofendida efetuasse as compras domésticas, que eram executadas por este.

19. Do mesmo modo, o arguido controlava os movimentos da ofendida e, quando esta ia visitar os seus pais, com quem o arguido se encontra desavindo, dirigia-se para o exterior da casa destes e assobiava, para que esta regressasse a casa, o que a ofendida fazia, obedecendo-lhe.

20. Após os factos ocorridos no mês de Setembro de 2014, a ofendida saiu de casa, tendo sido acolhida por uma instituição de apoio à vítima, na região de Penafiel.

21. Por sua vez, o arguido emigrou para a Alemanha, em Outubro de 2014.

22. Desde data não concretamente apurada, até ao dia 15 de Outubro de 2014, o arguido possuía consigo, no interior da sua casa de habitação, sita na Rua x... , Seia, área desta instância local:

-um objecto de fabrico artesanal, composto por uma lâmina em aço de 21 cm e cabo metálico com 10 cm, com a configuração de uma faca; e

-um objecto de fabrico artesanal, composto por uma lâmina em aço de 33 cm e cabo metálico com 15 cm, com a configuração de uma faca.

23. Nessa data, tais objetos foram apreendidos, depois de terem sido entregues pela ofendida B... , na sequência das diligências de investigação realizadas no âmbito dos presentes autos.

24. O arguido construiu tais objetos a partir de uma mola em aço de carro.

25. Com a conduta supra descrita quis o arguido infligir maus-tratos físicos à sua companheira, querendo causar-lhe as lesões físicas e psíquicas.

26. Ao dirigir tais palavras à queixosa, o arguido ofendeu a sua honra, atentando contra o bom-nome e sensibilidade da ofendida, o que quis fazer.

27. O arguido, ao atuar da forma descrita fê-lo ainda com o propósito de provocar medo e inquietação a B... , bem como de lhe prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu.

28. O arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que ao comportar-se da forma descrita relativamente ao seu cônjuge, submetia a ofendida a um grande sofrimento físico e psíquico e a humilhação, resultado esse que o arguido quis produzir e que efetivamente se verificou.

29. Mais sabia que, ao actuar dentro da casa de habitação do casal, ampliava o sentimento de receio da ofendida, visto que violava o espaço reservado da vida privada do casal e o seu carácter securitário. Sabia ainda que, ao fazê-lo na presença dos filhos menores, colocava em causa o seu crescimento harmonioso e sadio, e diminuía as possibilidades de defesa da ofendida.

30. O arguido agiu sempre de vontade deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas por lei penal.

Mais se provou,

31. Das facas referidas em 22., a mais pequena era usada na cozinha, para o corte de carne, e a maior no mato, maxime no corte de paus.

Quanto à condições pessoais do arguido,

32. O arguido nasceu em 27.02.1966, sendo um de 6 irmãos, de condição sócio económica remediada pois o pai trabalhava na construção civil e a mãe era doméstica, sendo que o seu desenvolvimento infantil se processou num ambiente familiar equilibrado e afetivamente gratificante.

33. Concluiu o 3º ano de escolaridade, tendo desistido dos estudos por desinvestimento e por vontade em começar a trabalhar, tendo com 14 anos começado a trabalhar na construção civil, atividade que mantém atualmente, embora durante alguns períodos tenha estado desempregado, sendo que durante a sua atividade laboral esteve emigrado em França, Estados Unidos e mais recentemente na Alemanha.

34. O arguido casou com 27 anos, tendo desta relação 3 filhos, sendo que o relacionamento conjugal foi caraterizado por situações de conflitualidade e violência, tendo a esposa sido acolhida numa instituição para vítimas de violência doméstica; tais comportamentos seriam causados por problemas de alcoolismo do arguido, que o próprio sempre desvalorizou.

35. À data dos factos em causa (entre Setembro/2012 e Outubro/2014), o arguido vivia com a esposa e filhos na localidade de x... (Seia), vindo a esposa a ser acolhida numa instituição de acolhimento em Outubro/2014, sendo que porque se encontrava desempregado emigrou para a Alemanha, trabalhando na construção civil, atividade que mantém atualmente, deslocando-se a Portugal apenas em datas festivas e período de férias.

36. O arguido entretanto arrendou uma casa, em y... , onde permanece quando em Portugal; dos 3 filhos do casal, uma filha tem vida independente, um filho ( E... , 18 anos, estudante) reside na casa alugada do pai e o filho mais novo ( C... , 10 anos) vive com a mãe, passando este último os períodos de férias com o pai, estando atualmente a decorrer o processo de divórcio, via judicial.

37. O arguido compareceu a 2 consultas no Centro de Saúde de Seia, referindo que há cerca de 2 anos que não consome bebidas alcoólicas; sendo que no meio de residência as pessoas nunca valorizaram os problemas que existiam entre o casal, uma vez que os mesmos ocorriam dentro do agregado familiar, sendo que na G.N.R. de Paranhos da Beira é referido que o arguido é conotado por situações de violência doméstica, não havendo conhecimento da prática de outros ilícitos; sendo que na povoação onde vive atualmente é referenciado positivamente, sendo considerado pessoa pacata e trabalhadora.

38. Os conflitos entre o arguido e a esposa/ofendida acabavam por intensificar negativamente o ambiente de discussão que caracterizava a relação do casal, sendo que agora o arguido passou a residir com o filho mais velho, sendo que refere que o facto da esposa ter saído do lar familiar lhe terá provocado enorme desgosto e tristeza, tendo inclusivamente pensado no suicídio, todavia o mesmo nega o seu envolvimento nos factos em causa nos autos.

39. O arguido encontra-se atualmente emigrado na Alemanha auferindo entre €1400,00 e €1900,00, suportando despesas de renda e associadas à habitação na ordem dos €580,00, estando obrigado a suportar a título de pensão de alimentos ao filho C... € 100,00 mensais, a que acrescem parte das despesas médicas, escolares e medicamentosas, suportando ainda despesas relacionadas com o filho E... . 

40. O arguido já foi condenado, por decisão transitada em julgado em 30.09.2011, por factos praticados em 13.07.2011, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 41 dias de multa, à taxa diária de €5,25, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 3 meses; mais foi condenado, por decisão transitada em julgado em 5.03.2013, pela prática, entre 11.09.1993 e 14.06.2012, de 2 crimes de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, n.º 1, als. a) e d) e 2 do C.P., na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova e com a sujeição do arguido se sujeitar a tratamento médico contra a dependência do álcool.


*

2. Factos não provados

Não se provou que:

Da acusação,

a) a caçadeira referida em 9. não estivesse municiada;

b) nas circunstâncias referidas em 10. o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “um dia mato os teus pais com um tiro”;

c) noutras ocasiões, cujas datas em concreto não de logrou apurar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, por diversas vezes, o arguido agarrou os braços da ofendida, que pressionou com força, abanando-a e empurrando-a, fazendo com que caísse ao chão ou atirando-a contra a parede;

d) em consequência da actuação do arguido, nessas datas, a ofendida sofreu hematomas nos braços, para além de dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica;

d) nas circunstâncias referidas em 11., por diversas vezes, o arguido desferiu murros nos braços da ofendida;

e) em diversas ocasiões, cujas datas em concreto não se logrou determinar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, o arguido colocou ambas as mãos no pescoço da ofendida, ao mesmo tempo que pressionava com força, fazendo com que esta ficasse sem respirar;

f) em consequência da actuação do arguido, nessas datas, a ofendida sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica;

g) em datas não concretamente apuradas, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, por diversas vezes, o arguido chegou à casa de habitação do casal, visivelmente embriagado e acordou a ofendida, que já se encontrava a dormir, exigindo-lhe que mantivessem relações sexuais e dizendo-lhe “tens outro homem”, acabando esta por ceder à pressão psicológica efectuada pelo seu marido;

h) no entanto, pelo menos numa ocasião, em data que não se logrou apurar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, a ofendida negou manter relações sexuais com o arguido;

i) nessa altura, o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que esta se deitasse na cama e, enquanto a ofendida se debatia para se libertar, o arguido colocou-se sobre esta, prendeu o seu corpo com força e despiu-a, rasgando-lhe a camisa de dormir;

j) depois, o arguido, agarrando os braços da ofendida e pressionando-os com força, obrigou-a a abrir as pernas e, contra a vontade desta, introduziu o pénis erecto na sua vagina e no seu ânus, friccionando diversas vezes até ejacular;

k) o referido em 12. ocorreu exatamente no dia 1, pelas 20:00h;

l) em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido no mês de Setembro de 2014, na residência do casal, o arguido desferiu duas bofetadas na face da ofendida, apenas porque esta se encontrava a falar ao telemóvel;

m) em consequência da actuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu vermelhidão na face, para além de dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica;

n) nas circunstâncias referidas em 18. o arguido dizia à assistente, em diversas ocasiões, quando a ofendida manifestava essa intenção, “vais ver outro”;

o) nas circunstâncias referidas em 19. o arguido se encontra desavindo com os sogros desde, pelo menos, o ano de 2009, e que a assistente regressava a casa com receio do que lhe pudesse acontecer;

p) os objetos referidos em 22. não possuíam qualquer aplicação definida, que não fossem ser utilizados como arma de agressão e o arguido não justificou a sua posse;

q) o arguido agiu ainda voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que forçava a ofendida a praticar relações sexuais consigo, contra a vontade desta, visando satisfazer os seus instintos libidinosos, o que conseguiu;

r) o arguido tinha conhecimento das caraterísticas das referidas armas, que estas eram de fabrico artesanal e que não tinham qualquer fim que não fosse o serem utilizadas como instrumento de agressão, bem como que podiam ser utilizadas e era capazes de ferir ou matar alguém.


*

Quanto ao demais alegado na acusação e “contestação” ao arbitramento de indemnização, não obstante o seu relevo no respetivo articulado, por se tratar de repetição dos factos constantes da acusação ou de considerações de direito ou conclusivas, sobre o mesmo não pôde recair qualquer juízo probatório.

*

3. Motivação

Fundou o Tribunal a sua convicção no conjunto das declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento e no teor da prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica, conjugada com regras de experiência comum (cfr. art.º 127º e 163º do CPP).

Assim e relativamente à prova junta aos autos e considerada para a formação da convicção do Tribunal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida, relevou:

- o auto de apreensão da arma e das duas facas aludidas na acusação, a fls. 16 e 17;

- a informação de encaminhamento da assistente para a casa abrigo com um filho (erradamente identificado como E... , pois se tratava do filho C... ) de 8 anos de idade, a fls. 51;

- a ficha de identificação civil do menor C... , a fls. 74;

- as informações prestadas pela assistente a fls. 136 e 289;

- a informação da PSP no sentido de que o arguido não é titular de licença de uso ou porte de arma no domicílio, sendo que a arma apreendida não se encontra manifestada ou registada, cfr. fls. 138, a qual é depois infirmada pela informação da PSP de fls. 152, onde se identifica o respetivo livrete, registo a favor do arguido e a autorização deste de detenção de armas no domicílio, com validade vitalícia; infirmação esta ainda corroborada pelo teor de fls. 287 e 288; 

- os autos de exame e avaliação dos objetos apreendidos, juntos a fls. 148 a 150, sendo de salientar que as facas são referidas como sendo para “uso desconhecido”;

- o exame direto à arma de caça junto a fls. 153 e 155;

- a certidão extraída do processo n.º 44/12.0GCSEI, a fls. 202 e ss., relativa à acusação e sentença condenatória proferida naqueles autos de processo comum singular, a qual foi proferida em 29.01.2013 e transitou em julgado em 5.03.2013;

- a certidão do assento de casamento do arguido e assistente, a fls. 232; 233; 381 e 382;

- as certidões de assentos de nascimento dos filhos do casal C... e E... , de fls. 279 a 282;

- a documentação junta pelo arguido (pese embora alguma se não mostre traduzida) alegadamente relativa às despesas que este suporta na Alemanha e em Portugal, de fls. 406 a 410;

- a cópia da ata de conferência de regulação das responsabilidades parentais realizada em 21.12.2015, onde foi homologado o acordo aí alcançado, cfr. fls. 435 a 437;

- quanto à inserção socioeconómica do arguido, para além das declarações que o próprio prestou a respeito, relevou o relatório social junto de fls. 427 a 430;

- foi ainda considerado, a nível documental, o certificado de registo criminal do arguido, junto de fls. 283 a 285 e 357 a 361.

Incidindo agora sobre a demais prova produzida, nomeadamente as declarações do arguido e assistente, os depoimentos e seu relacionamento com os elementos que antecedem, importa reter que a apreciação de todos estes elementos, que redundam no juízo fáctico acima concretizado, teve sempre presente a especial natureza dos factos em causa e suas especificidades.

Neste conspecto, atendendo à exceção de caso julgado a que se reporta o art.º 29.º, n.º 5 da CRP (“Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”), pois “...a proibição do duplo julgamento pelos mesmos factos faz que o conjunto das garantias básicas que rodeiam a pessoa ao longo do processo penal se complemente com o princípio ne bis in idem ou non bis in idem, segundo o qual o Estado não pode submeter a um processo um acusado duas vezes pelo mesmo facto, seja em forma simultânea ou sucessiva” (cfr. Ac. da R. de Lisboa de 13.04.2011, Proc. N.º 250/06.6PCLRS.L1-3, in www.dgsi.pt), teve o Tribunal particular rigor na localização temporal dos factos em causa nos autos e reportados pela assistente e testemunhas.

Com efeito, está documentalmente atestado, no processo comum singular n.º 44/12.0GCSEI (cfr. fls. 202 e ss.), foi proferida sentença condenatória do mesmo arguido, pela prática entre o início da vida em comum do casal e o dia 13.06.2012, de múltiplos factos que se entendeu integrarem dois crimes de violência doméstica, um p. e p. pelo art.º 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CP e outro p. e p. pelo art.º 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2 do mesmo diploma legal, os quais aliás confessou naqueles autos.

Feita esta ressalva e principiando pelas declarações do arguido A... , cumpre referir que o mesmo negou a prática de todas as ofensas, físicas e verbais, bem como ameaças que lhe são imputadas no libelo acusatório, confirmando apenas o vertido nos primeiros parágrafos da acusação e a existência de discussões com a esposa, as quais contextualiza com o uso excessivo, por parte daquela, do computador, inclusive durante a noite.

Referindo ser a esposa quem perdia o controlo nessas discussões, nomeadamente atirando pratos para o chão, o arguido afirmou ser o único que trabalhava em casa, explicitando de forma aproximada os períodos que passou no estrangeiro desde os factos em causa no anterior processo, sustentando que enviava dinheiro para a mulher todos os meses e justificando que era apenas ele que fazia a compras para casa uma vez que era o único com carta de condução (o que se coaduna mal com a sua reclamada ausência no estrangeiro por períodos de meses).

Confrontado com o controlo da vida e movimentos da assistente e não obstante o negar confirma que por estar de mal com os sogros chamava a mulher com assobios quando esta estava em casa daqueles, sendo ela vinha bem...

O discurso de pura negação da factualidade vertida na acusação tão pouco se mostra consentâneo com a saída de casa por parte da assistente, tendo o arguido referido não saber o porquê desta ter abandonado a casa de morada de família, referindo que apenas a voltou a encontrar desde então numa ocasião, no médico, tendo falado com a mesma telefonicamente, por duas vezes, tendo sido um vizinho quem lhe deu a noticia (o que inculca claramente a ideia de fuga por parte da assistente).

A respeito das facas em causa nos autos o arguido tendo reconhecido a sua conceção, afirmou que a mais pequena era usada na cozinha, para o corte de carne e a maior no mato, maxime no corte de paus (o que se mostra verosímil atentas as suas características e o corroborado por outras testemunhas, como veremos).

Mais esclareceu ter uma caçadeira desde os 18 anos de idade, que guarda sempre em casa.

Reiteradamente negando que alguma vez a tenha insultado, ameaçado por qualquer meio ou agredido, o arguido não colheu o convencimento do tribunal, nomeadamente atendendo à demais prova produzida por quem tinha real razão de ciência e à factualidade provada na anterior condenação, que claramente aponta para um clima de violência conjugal consentâneo com o descrito infra e que acima provado ficou.

Instado sobre o tratamento à dependência alcoólica decorrente da anterior condenação o arguido referiu que não o fez, mas que deixou de beber sem necessidade de ajuda.

No mais, esclareceu a sua inserção sócio económica, corroborando o vertido no relatório social acima aludido, referindo que o seu filho E... vive consigo, retratando-o como uma vítima da mãe, que o teria abandonado (o que, com veremos tão pouco corresponde ao que terá efetivamente sucedido).

Mais relevantes para a convicção positiva e negativa do Tribunal, foram as declarações prestadas pela assistente B... , nascida a 20.12.1969, ainda casada com o arguido (tanto quanto se alcança dos autos e foi por esta referido), a qual advertida nos termos do art.º 134º do CPP pretendeu prestar declarações em audiência.

A assistente de forma espontânea corroborou a factualidade vertida na acusação relacionada com a continuidade de comportamentos do arguido após a condenação de que foi alvo no anterior processo, referindo que aquele continuou a chegar bêbado a casa, tratando-a mal e diariamente apelidando-a, entre o mais também vertido na acusação, de “puta”; “canhão” e “puta como a tua avô”.

Mais continuou a ser frequente a realização de ameaças á sua pessoa, para além daquelas já apreciadas no processo anterior (com faca), aludindo igualmente á utilização da arma de fogo (e após insistência, com referência a facas) nessas ameaças, antes e depois do anterior julgamento, especificando que a ameaça com a faca foi antes (pelo que não pode ser considerado nestes autos).

Explicou que as ameaças eram de morte, quer dirigidas á sua pessoa, quer aos seus pais.

Também ao nível físico explicou que continuou a ser agredida, explicitando que uma semana antes de ir embora para a Alemanha a agarrou nos ombros e lhe desferiu um murro no peito, sendo que não recorreu a ajuda médica.

A testemunha descreveu igualmente ter sido agredida com bofetadas, tendo ainda o arguido lhe partido o telemóvel.

Afirmou que ambos os filhos assistiam a estas agressões, ameaças e insultos, que ocorriam no interior da habitação do casal.

Descreveu o controlo de que era vítima por parte do arguido, inclusive nas formações que fazia, estando na sua dependência económica.

A assistente mostrou-se emocionada e visivelmente agastada com o sucedido e a descrição que fazia, referindo ter de sair de casa para por cobro a tais comportamentos, tendo sido o murro no peito a causa última (sendo que apenas não foi acompanhada pelo seu filho E... porque este não quis), sendo verosímil e sustentada nestes segmentos do seu relato.

Já não assim, quer por falta de espontaneidade, quer pelos motivos já acima enunciados, quanto aos factos relativos à violência sexual que é imputada ao arguido (que de forma voluntária e mesmo após várias insistências não referiu e chegou mesmo a negar, aludindo apenas a muitas coisas antes do anterior julgamento).

Com efeito, não só apenas aludiu a essas situações após reiterada e expressamente instada para o efeito e após o ter negado corporalmente numa primeira fase, negando todavia qualquer penetração anal.

Importa reter que se iniciaram os presentes autos com base no auto de denúncia de fls. 3 e seguintes, no âmbito do qual B... se queixa contra A... por, além do mais, ter em seu poder duas armas de fogo, com as quais a ameaça, sendo que aí (em 9.10.2014) não há qualquer referência a violência sexual ou a qualquer ato de abuso do arguido neste conspecto.

Também do aditamento à denúncia apresentada não consta qualquer queixa por violação.

Neste particular importa ainda sublinhar que a assistente não soube explicar, de forma objetiva e sustentada, quer o porquê de no processo anterior e neste não ter aludido a quaisquer violações aquando da sua queixa (para mais quando refere que era recorrente e que o último filho já resultou de relações sexuais forçadas), quer o motivo por que apenas nesta altura, numa relação que se prolongou por tantos anos, com tantos (alegados) insultos, ameaças e agressões (nos moldes vertidos nas acusações) apenas agora surja esta referência.

Assim, pese embora plausível, não colheu o convencimento do Tribunal a confirmação (uma vez que inexistiu uma alusão espontânea e expressa a tais situações) pela assistente dos atos de violência sexual descritos na acusação, tendo referido que tal sucedeu muitas vezes, sendo a última vez cerca de uma semana antes dele sair de casa, mas sem certeza (o que é pouco compatível com a ausência a anteriores alusões a estas situações)ncia﷽﷽﷽﷽﷽﷽mo razer que ar declaraçpancada de mtes do julgamneto.

As declarações da assistente não mostraram, assim, a mesma espontaneidade, detalhe e segurança neste aspeto, ao contrário dos demais que espontaneamente referiu e descreveu, o que não permitiu ao Tribunal dar tais factos como provados.

Olhando a demais prova produzida temos que mesmo E... , de 19 anos, que aos costumes disse ser filho do arguido e da assistente, residindo com o primeiro e claramente com este comprometido, pretendendo prestar depoimento, referiu que entre Setembro de 2012 e Outubro de 2014, altura em que coabitou com os pais, reconheceu existirem discussões em que o pai, sempre mais agressivo, chamou a mãe, por diversas vezes, de “choca”; “vaca” e que era igual à avó (referindo que esta teve vários homens)…

Reconheceu igualmente que a mãe por vezes tinha nódoas negras, mas que era muito sensível, decorrendo estas de “brincadeiras”…

Instado sobre se era o pai quem fazia as compras reconheceu tal situação, tendo a preocupação de acrescentar que tal sucedia porque era este quem trabalhava.

Contrariando a versão de abandono sustentada pelo arguido, a testemunha referiu que a mãe quis que ele fosse com ela, tendo sido ele quem enjeitou tal possibilidade, sendo que instado sobre o motivo da saída de casa por parte da mãe disse desconhecê-lo…

Todavia, como referimos, o seu depoimento mostrou-se comprometido com a posição assumida pelo pai, com quem vive (afirmando raramente visitar a mãe), dizendo que nunca ouviu este chamar “puta” à mãe, embora não tenha negado em concreto os factos vertidos na acusação, dizendo apenas que não assistiu aos mesmos e referindo que raramente saia do quarto.

Note-se que tais declarações são inclusive contraditórias com uma eventual diminuição das discussões depois da condenação do pai, como também referiu, embora reconhecendo que ele durante algum tempo continuou a chegar bêbado a casa, sendo que quando a mãe saiu de casa o pai bebia “o normal”, o que claramente inculca a ideia de continuidade comportamental do arguido no período posterior à anterior condenação.

Instado sobre as facas e sua utilização corroborou as declarações do seu pai.

De forma mais isenta e objetiva, C... , de 10 anos de idade, estudante e residente com a mãe, questionado nos termos do art.º 348º, n.º 3 do CPP, disse ser filho do arguido e da assistente, sendo que advertido nos termos do art.º 134º do CPP, declarou pretender prestar depoimento, tendo descrito.

A testemunha de forma clara a segura descreveu serem frequentes as discussões entre o pai e a mãe, em que o pai apelidava aquela de “vaca”; “cabrona”; “filha da mãe”, o que teve lugar até o pai sair de casa.

De igual forma disse recordar que o pai bateu na mãe no ano passado, especificando ter assistido a uma pancada de mão aberto no braço da mãe.

Também o pai da assistente, D... , nascido em 1938, aposentado (operário fabril) e residente em x... , tendo pretendido prestar declarações, procurou corroborar o vertido na acusação, que assentou na descrição que a filha lhe fazia do sucedido.

Neste sentido, a testemunha confirmou que os maus tratos do genro à filha continuaram após a condenação daquele no Tribunal de Seia, sendo que aquele não terá mudado em nada o seu comportamento, tendo a filha que abandonar a casa, como aquele várias vezes a aconselhou.

Acrescentou que o genro não trabalhava regularmente, sendo que os ganhos que obtinha eram gastos em álcool, sendo o próprio quem muitas vezes assegurava a alimentação da filha e dos netos.

Explicou serem igualmente recorrentes as ameaças de morte à filha e a si (sendo que as ameaças á sua pessoa são anteriores ao julgamento que teve lugar em Seia), descrevendo as marcas que viu de dedos na cara da filha numa ocasião, aludindo ainda a descrições de apertões no pescoço, os quais, todavia, não foram corroborados pela assistente.

Sendo evidente o litígio entre o depoente e o arguido (não falando com o mesmo há cerca de 4 ou 5 anos), a testemunha reproduziu em síntese as descrições que a filha lhe fazia dos sobreditos maus tratos, físicos e verbais, em termos conformes com o acima dado como provado, sendo que este tão pouco espontaneamente aludiu a qualquer violência sexual no casal.

Importa reter que H... , nascida em 06/02/1994, filha do arguido e da assistente, advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 134º do CPP, recusou-se a depor, pelo que foi dispensada.

Sem particular relevância e mesmo razão de ciência, não foram consistentes ou sustentados os depoimentos de F... , nascido a 05/10/1957, trabalhador da construção civil, residente em y... , e de G... , nascida a 04/12/1972 e residente em y... , irmãos do arguido.

Neste conspecto, o primeiro apenas se mostrou com alguma sustentação na alusão ao uso que o arguido dava às facas, sendo que, no mais, esta testemunha chegou mesmo a dizer que a relação do casal sempre foi boa, mostrando desconhecer o teor da condenação do irmão no anterior processo, aludindo a “brincadeiras”, o que, fazendo fé no seu juramento, é sobremaneira revelador da sua falta de razão de ciência relativamente á vida do casal.

De forma absolutamente inédita e surpreendente a testemunha, que disse conviver com regularidade com o irmão, com quem faz alguns trabalhos, reiterou que arguido e assistente sempre se deram bem, tendo sido uma surpresa a saída de casa da assistente (que soube através de um telefonema emocionado do irmão), pessoa que nunca se queixou a si do irmão (o que também é bastante revelador).

De forma absolutamente contraditória com o bom ambiente que sustentou existir entre o casal a testemunha lá deixou transparecer queixas do irmão de que a cunhada passava muito tempo no computador e que discutiam mas era só a brincar...

Esta sustentação e descrição de uma relação do casal sem incidentes, absolutamente infundada em face de toda a prova acima aludida, foi também tentada pela irmã do arguido, não merecendo, nessa medida, o seu (escasso) relato qualquer credibilidade ou relevância.

Esta testemunha que começou por dizer ser visitada pelo irmão e assistente cerca de 2 vezes por mês, acabou por reconhecer ser o seu irmão (anterior testemunha) quem tinha mais contato com o arguido, sendo que a cunhada nunca comentou nada consigo, sendo que o casal aparentava estar bem, não obstante depois referir, de forma absolutamente contraditória, que o irmão mudou muito com a condenação (?!).

Do cotejo da prova recolhida e, sopesando os sobreditos considerandos, entende o Tribunal poder concluir com segurança nos estritos moldes de facto acima enunciados, inexistindo elementos probatórios que, com a segurança exigível, nos permitam concluir pela demais factualidade vertida no libelo acusatório.

Com efeito, e em particular devido à inexistência de qualquer depoimento direto que os ateste, sendo que a assistente aos mesmos não aludiu ou disse não os recordar, não se reuniram elementos probatórios que permitissem concluir pela verificação da factualidade acima vertida de a) a r), em particular e para além dos atos de violência sexual, o agarrar da assistente e atirar da mesma contra a parede ou chão; o desferir de vários murros nos braços daquela; o ato de esganadura da mesma ou as bofetadas que lhe são imputadas em Setembro, assim como a utilização concreta das facas para efeitos de ameaça no período em causa na acusação (uma vez que a única referência concreta a ameaças com faca foi remetida para o hiato já judicialmente apreciado na anterior condenação).

Sendo consabido que a valoração da existência de determinados indícios não é de desprezar, sendo por vezes esclarecedora quanto à real ocorrência de um facto, certo é que a mesma não pode, de per se, fundamentar um juízo probatório positivo se não estiver acompanhado de outros elementos que, de forma segura e inequívoca, apontem nesse sentido (o que não sucede in casu).

Subsistindo, pois, dúvidas quanto aos sobreditos factos (que resultaram não provados), as quais face ao supra expendido reputamos de insanáveis, razoáveis e objetiváveis, deverá o arguido beneficiar dessas dúvidas.

É esta uma imposição do princípio in dubio pro reo que vigora no processo penal português, por força da sua consagração, por via indireta, no art.º 32º, nº2, da Constituição, o qual prevê que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

A presunção da inocência é, deste modo, identificada por muitos autores com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.

Em tais situações, e como ficou já referido, o princípio da presunção da inocência, impõe que existindo dúvidas sobre os pressupostos da decisão a proferir, estas sejam sempre relevadas a favor do arguido (cfr. neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, Verbo, Lisboa, 2000, 4ª edição, p. 83; Ac. do S.T.J. de 6.04.94 e de 4.11.98, in C.J. 98, III, 201; Ac. da R. do Porto de 24.05.2000 e o Ac. do S.T.J. de 13.10.99, estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt).

Quanto aos factos de índole subjetiva dados como provados, haverá apenas que sublinhar, para além do acima considerado, o recurso às regras de presunção natural, uma vez que os factos objetivos dados como provados permitem e impõem concluir pela sua verificação.

Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação do arguido, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira (Curso de Processo Penal, vol. I, 1981, pág. 292), quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indirecta (presunções naturais não jurídicas), a extrair de factos materiais comuns e objectivos dados como provados, o que sucedeu in casu (cfr., a propósito, Malatesta “A Lógica das provas em matéria Criminal”, pág. 172 e ss.).

Importa ainda uma última, e breve, nota relativamente á ausência de prova (antes pelo contrário) de que o arguido não mais tenha contatado com a assistente ou que, efetivamente, pague a pensão de alimentos a que se obrigou.

Assim, não se formulou o juízo probatório supra com menores exigências de prova atendendo às dificuldades probatórias que usualmente é costume associar a este tipo de julgamento, mas antes se ponderaram os vários elementos carreados aos autos, e se avaliou a segurança, convicção, coerência e detalhe dos relatos de quem teve, sobre a factualidade em causa, conhecimento direto e indireto.


***

APRECIANDO      

Sendo pacífica a jurisprudência de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso (como sejam os vícios e nulidades a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 410º do CPP), no presente recurso as questões suscitadas são as seguintes:

- a errada apreciação da prova;

- a especial agravação da pena, por aplicação do n.º 3 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e Munições;

- a medida da pena de prisão e a suspensão da sua execução.


*

A-

Vem o recorrente questionar a apreciação da prova produzida oralmente em audiência, impugnando os pontos 6 a 19 da matéria de facto que foi dada como assente na decisão recorrida, os quais, em seu entender, deverão ser julgados como não provados, porquanto “tal conjunto de factos, que mereceu do Tribunal a quo aceitação como factos provados, compreende factos que não poderiam à luz de regras de experiência, imperativos de racionalidade e princípios do direito processual penal considerarem-se como provados”.

Para tanto, invoca as suas declarações, as da assistente B... , e o depoimento das testemunhas E... e C... (filhos do casal).

Considera ainda o recorrente que “deveria ter sido dado como provado que o arguido não consome bebidas alcoólicas, pois não foi só o arguido que o referiu, as testemunhas [ E... (filho do casal) e F... e G... (irmãos do arguido)] confirmaram de forma credível que o arguido não consome bebidas alcoólicas”.

Vejamos a matéria de facto impugnada:

6. Não obstante, o comportamento do arguido não se alterou.

Diz o recorrente que este facto não pode ser dado como provado, pois o mesmo é uma consequência de se considerarem provados os restantes factos (os quais, no entender do recorrente, devem ser dados como não provados).

7. Com efeito, o arguido e a ofendida continuaram a residir na mesma casa de habitação, desde Setembro de 2012 e até Outubro de 2014.

Diz o recorrente que só parcialmente corresponde à verdade; pois, é verdade que continuaram a morar juntos, embora após Setembro de 2012 o arguido tenha passado alguns períodos de tempo fora de Portugal.

8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “puta”, “vaca”, “andas a dar a cona”, “canhão”, e “cabra”.

Diz o recorrente que contém expressões que não foram referidas em sede de audiência de julgamento; não existe qualquer declaração ou depoimento que faça referência às expressões “andas a dar a cona” e “cabra”.

9. Em diversas ocasiões, cujas datas não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “eu vou para a cadeia, mas tu não ficas aqui”, “mato-te”, “dou-te um tiro”, ao mesmo tempo que apontava, na sua direcção, a caçadeira marca Baikal, com o n.º 9136477, calibre 12, de que este é possuidor.

Diz o recorrente que o facto não pode considerar-se como provado pois, tendo o Tribunal fundado a sua convicção nas declarações da assistente, não houve mais quem tenha afirmado que o arguido tenha apontado a caçadeira à assistente.

E acrescenta, a assistente afirmou que o arguido lhe apontou uma só vez a arma e que foi uma semana antes de ir embora para a Alemanha e, o Tribunal considerou provado que o arguido apontou a caçadeira «em diversas ocasiões».

10. Por diversas vezes, em datas que não foi possível concretizar, mas que se sabe ter sido entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal, o arguido anunciou que mataria os pais daquela.

Diz o recorrente que por força do princípio in dubio pro reo tal facto deveria ter sido considerado como não provado pois, o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações da assistente e, não se podendo considerar como provado que o arguido tenha apontado a caçadeira à assistente (facto 9) também não se pode considerar como provado as alegadas ameaças aos pais desta.

11. Em determinada altura, cuja data não se logrou apurar, mas entre os meses de Setembro de 2012 e Outubro de 2014, na casa de habitação do casal e na presença dos filhos de ambos, pelo menos uma vez, o arguido desferiu uma pancada de mão aberta no braço da ofendida.

Diz o recorrente que, quanto ao mesmo, o Tribunal fundou a sua convicção apenas no depoimento da test. C... (filho do arguido e da assistente), mas face ao depoimento (da criança) prestado, sendo notória a sua dificuldade em situar o ocorrido no tempo, existe a possibilidade de o facto que a testemunha relatou se ter passado antes de 25-9-2012. Assim, havendo dúvida razoável sobre a localização temporal do facto, por força da proibição de duplo julgamento pelos mesmos factos e pelo princípio in dubio pro reo este facto não pode ser considerado nos presentes autos.

12. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.

Diz o recorrente que não se podendo considerar nos presentes autos o facto dado como provado no ponto 11, também não pode o facto dado como provado no ponto 12 ser considerado nos presentes autos.

13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal, aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: “puta”, “canhão, “vaca, “cabra”, “tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual”.

Diz o recorrente que este facto não pode considerar-se provado, visto que no conjunto das declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento não consta qualquer referência ao facto de o arguido se ter dirigido à ofendida dizendo as expressões em causa no mês de Setembro de 2014.

14. De imediato, o arguido agarrou o braço da ofendida e abanou-a violentamente, ao mesmo tempo que lhe desferiu um murro no peito, atingindo-a no seio direito.

15. Tais factos ocorreram na presença dos filhos do casal, E... e C... .

16. Em consequência da atuação do arguido, nessa data, a ofendida sofreu um hematoma no peito, para além de dores e mal-estar físico, mas não recebeu assistência médica.

Diz o recorrente que tais factos não podem considerar-se provados. O facto referente ao murro no peito foi relatado somente pela Assistente e neste relato não consta qualquer referência ao facto de o arguido a ter agarrado no braço, muito menos violentamente, nem sequer que a atingiu no seio direito. Tanto o filho E... como o filho C... negaram peremptoriamente ter visto o pai desferir um murro no peito à mãe.

E acrescenta, havendo uma dúvida quanto à ocorrência do facto resultante da contradição entre declarações produzidas em audiência de julgamento, o Tribunal deveria ter considerado os factos n.ºs 14 e 15 como não provados por força do princípio in dubio pro reo. E, não se podendo considerar provados os factos n.ºs 14 e 15 também o não pode o facto n.º 16. Não obstante, caso relatório médico e o facto n.º 16 ficando provado conseguiria provar, pelo menos, a agressão.

17. A ofendida sempre viveu subjugada economicamente ao arguido, dependendo deste e do dinheiro que lhe entregava para fazer face às despesas pessoais, dos seus filhos e domésticas.

18. O arguido por vezes não permitia que a ofendida efetuasse as compras domésticas, que eram executadas por este.

Diz o recorrente que tais factos não podem ser considerados como provados, pois, não existiu qualquer abuso por parte do arguido da dependência económica da assistente face àquele e porque ficou provado que o motivo pelo qual era o arguido a fazer as compras quando não estava emigrado era devido ao facto de as compras ficarem mais baratas em Seia e ser necessário deslocar-se de x... a Seia e, só o arguido tinha carta de condução, fazendo o percurso de motorizada.

19. Do mesmo modo, o arguido controlava os movimentos da ofendida e, quando esta ia visitar os seus pais, com quem o arguido se encontra desavindo, dirigia-se para o exterior da casa destes e assobiava, para que esta regressasse a casa, o que a ofendida fazia, obedecendo-lhe.

Diz o recorrente que o facto não pode considerar-se como provado, visto que a assistente mostrou estranheza à pergunta formulada pelo Tribunal relativamente a sair contrariada da casa dos pais por o arguido a chamar por assobios.

Entendemos que não assiste razão ao recorrente.

Assim,

In casu, o tribunal para formar a sua convicção, baseou-se nas declarações e depoimentos produzidos em audiência de julgamento e no teor da prova documental junta aos autos, todos analisados de forma crítica, conjugados com as regras da experiência comum.

Teve o tribunal a quo o cuidado de fazer constar na Motivação que na apreciação de todos os elementos de prova teve sempre presente a especial natureza dos factos em causa e suas especificidades (…) e (…) particular rigor na localização temporal dos factos em causa nos autos e reportados pela assistente e testemunhas.

Como resulta da fundamentação da matéria de facto, e do exame crítico efectuado, a prova produzida foi globalmente avaliada, tendo o tribunal a quo efectuado uma súmula das declarações e depoimentos que considerou mais relevantes; por outro lado, tendo apontado o grau de credibilidade das declarações e depoimentos prestados, indicou ainda o motivo por que as declarações do arguido A... não lhe mereceram credibilidade (o qual negou a prática das ofensas, físicas e verbais, e bem assim, das ameaças), por oposição às declarações da assistente B... e ao depoimento das testemunhas C... (filho do casal, com 10 anos de idade) e D... (pai da assistente), embora tendo reconhecido que quanto à testemunha E... (filho do casal, com 19 anos de idade) “o seu depoimento mostrou-se comprometido com a posição assumida pelo pai, com quem vive”.

Indicou ainda o tribunal as razões por que não considerou relevantes os depoimentos de F... e de G... (irmãos do arguido).

A realçar que, contrariamente ao entendido pelo recorrente, dadas as características do crime de violência doméstica, quando os factos ocorrem em ambiente familiar (como acontece no caso vertente, em que o arguido e a assistente residiam na mesma casa), não está o tribunal impedido de formar a sua convicção com base no depoimento da ofendida, desde que o seu depoimento seja credível perante o Tribunal, o que aconteceu no caso vertente.

Ora, procedeu este Tribunal de recurso à audição da gravação da prova oralmente produzida em audiência, tendo verificado que a fundamentação da decisão de facto está conforme com a prova produzida em julgamento [só com uma pequena alteração, sem qualquer relevância (face à demais factualidade dada como assente), quanto a 2 das expressões dirigidas pelo arguido à assistente, dadas como assentes nos pontos 8 e 13, como adiante se assinalará].

Com efeito,

ponto 7: efectivamente, conforme declarou o arguido em audiência, esteve emigrado na Alemanha nos últimos 5 meses de 2013 e em Jan. e Fev. de 2014 em França. O ter estado emigrado na Alemanha e em França foi corroborado pela assistente e pelo filho do casal E... . Todavia, tal circunstância não justifica a alteração do facto.

ponto 8: quanto às expressões constantes neste ponto, o arguido admitiu em audiência que “podia ter dito alguma palavra mal dada” – (minuto 16.04 a 16.25). Mas quanto às expressões questionadas pelo recorrente, as mesmas não foram referidas nem pela assistente nem pelas testemunhas. Ainda que as aludidas expressões possam ser consideradas como sinónimas de outras expressões referidas no mesmo facto, serão dadas como não provadas (vide fls. 36 deste acórdão).

ponto 9: a test. E... disse nunca ter visto o pai a apontar a arma à mãe; assim como também referiu que raramente saía do quarto, designadamente quando havia discussões entre os pais. Também o seu irmão, a test. C... disse que nunca viu o pai a apontar a caçadeira à mãe. Porém, tal não obsta que o facto seja dado como provado, com base nas declarações da assistente, as quais foram consideradas credíveis pelo Tribunal a quo.

Quanto ao número de vezes, contrariamente ao que alega o recorrente, declarou a assistente, quanto à ameaça com a caçadeira, que o arguido lhe apontou a arma muitas vezes, e que a última vez foi uma semana antes de ir para a Alemanha (minuto 14.11. a 14.55).

ponto 10: valem aqui as considerações tecidas no ponto 9 sobre a validade das declarações da assistente em audiência.

ponto 11: face ao depoimento da test. C... nenhum reparo nos merece o facto de o Tribunal ter conferido credibilidade ao mesmo, pois, apesar da sua idade, foi seguro no depoimento que prestou, não só quanto a esta agressão (pancada de mão aberta no braço da mãe), mas também quando disse, designadamente, que não viu o pai a agarrar no pescoço da mãe, nem viu o pai a dar um murro no peito da mãe; não demonstrou qualquer tendência em relação a algum dos progenitores.

ponto 13: tendo em conta o facto dado como provado no ponto 8 (com as alterações a efectuar no presente acórdão – a fls. 36), apenas há a retirar a expressão “cabra”. Resulta das declarações e depoimentos prestados em audiência que eram frequentes as discussões entre o casal, durante as quais o arguido dirigia tais nomes à ofendida. Quanto à concreta data, Setembro de 2014, admite-se que esteja correcta, visto que nesse mês, uma semana antes de o arguido ter emigrado para a Alemanha, foram graves as agressões infligidas à ofendida, conforme relato desta em audiência, em consequência das quais decidiu abandonar o lar (saiu de casa em 28 de Outubro de 2014, depois de o arguido ter emigrado para a Alemanha – minuto 30.22 a 30.50).

pontos 14., 15. e 16.: não procede a argumentação do recorrente. Disse a assistente em audiência que às referidas agressões assistiram os filhos E... e C... . Contudo, o C... disse que não viu o pai dar um murro no peito da mãe. Também o E... disse não ter visto murros; ainda que tenha acrescentado que “às vezes ela tinha nódoas negras, era muito sensível”.

Consta na Motivação que a test. E... demonstrou estar comprometido com o arguido (com quem vive). Assim será, pois, conforme declarou “quando vivia coma mãe, tinha uma relação mais próxima com o pai” e que “depois de a mãe ter saído de casa, raramente mantém contactos com a mesma”. Acresce que, também a test. disse que “raramente saía do quarto”, o que revela alguma alheamento quanto ao relacionamento dos pais, eventualmente pelo mesmo não ser bom há muitos anos.

Por outro lado, o facto de a test. E... ter dito que não viu o pai a agredir a mãe, não é igual a que “o pai não agrediu a mãe”. Logo, esta negação não consubstancia a negação da ocorrência em si, contrariamente ao que alega o recorrente.

pontos 17. e 18.: o facto de o arguido ter justificado por que (quando não estava emigrado) era ele a fazer as compras (por serem mais baratas em Seia, onde se deslocava de motorizada) não retira a dependência económica da assistente em relação ao arguido. Declarou o arguido em audiência que só existia uma conta e que era ele que trabalhava e ganhava (logo, que era ele quem geria o dinheiro, não atribuindo qualquer relevância ao trabalho da assistente em casa, porque não remunerado).

ponto 19: ainda que a assistente se tenha mostrado surpreendida quanto ao arguido a chamar com assobios quando estava em casa dos pais, tal circunstância foi referida pelo arguido (minuto 27.40 a 28.05 “às vezes chamava-a e como ela não ouvia, assobiava e ela vinha”) e pela test. D... , pai da assistente (minuto 17.40 “quando a filha ía lá a casa, ele ía chamá-la, punha-se a assobiar”).

Por conseguinte, de acordo com apreciação efectuada, mantém-se inalterada a factualidade impugnada e dada com assente nos pontos 6. a 19., apenas havendo a retirar (porque não provadas) 2 expressões (“andas a dar a cona” e “cabra”) referidas nos pontos 8. e 13.  


Em consequência, ainda que sem qualquer relevância (face à demais matéria dada como assente), ao abrigo do disposto no artigo 431º, alínea b) do CPP, procede-se à modificação da decisão recorrida, nos seguintes termos:

Os pontos 8. e 13. passam a ter a seguinte redacção:

8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “puta”, “vaca” e “canhão”.

13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal, aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: “puta”, “canhão, “vaca, “tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual”.

E, quanto aos Factos não provados, acrescenta-se uma al. s), com a seguinte redacção:

s) nas circunstâncias referidas nos pontos 8 e 13 dados como provados, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “andas a dar a cona” e “cabra”. 

Ora, com a argumentação expendida, o recorrente acaba por impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, esquecendo a regra da livre apreciação da prova prevista no artigo 127º do CPP. Este princípio realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 205) e, muito embora seja válido em todas as fases processuais, é na fase do julgamento que assume particular relevo, apoiado por outros dois princípios basilares da boa e justa apreciação da prova: o da oralidade e da imediação.

O próprio Código de Processo Penal, no seu preâmbulo [III, 7, al. c)], quando se refere ao regime dos recursos, salienta que “o Código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível da 1ª instância”.

Consideramos, pois, que a fundamentação de facto, quer na enumeração dos factos (provados e não provados), quer na motivação de facto, não apresenta qualquer erro, ou qualquer facto contrário às regras da lógica e da experiência comum, de que qualquer cidadão com formação média logo se aperceba e, é suficiente para a decisão de direito encontrada (não sendo relevantes para a verificação do crime as duas expressões que não foram consideradas provadas por este Tribunal de recurso).

Nos termos expostos, concluímos que não tem razão o recorrente quando põe em causa a materialidade apurada, não se vislumbrando razões que permitam criticar a convicção firmada na decisão recorrida, não tendo havido por banda do tribunal de 1ª instância a violação dos princípios invocados pelo recorrente, nomeadamente o da livre apreciação da prova e in dubio pro reo.

Cumpre-nos salientar ainda o seguinte:

Sustenta o recorrente que deveria ter sido dado como provado que “o arguido não consome bebidas alcoólicas”.

Na verdade, tal foi declarado designadamente pelo arguido e pelo filho E... : que deixou de beber há 2 anos, por vontade própria.

E, de certa forma, foi considerado como provado pelo Tribunal a quo face ao facto descrito no ponto 37.

Nestes termos, não se revela necessário aditar um novo facto sobre essa matéria, sendo certo que, desde já adiantamos, a relevância do mesmo será considerado aquando da apreciação sobre a requerida suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente.


*

B- Da agravação do crime de violência doméstica

Sustenta o recorrente que “não poderia ser aplicada a agravação resultante do artigo 86.° / 3 da Lei das Armas, pois o tipo legal de violência doméstica integra nos seus elementos condutas com utilização ou exibição de armas. Nestes termos, a aplicação da norma da referida Lei das Armas viola no presente caso o princípio ne bis in idem que está consagrado no artigo 29.°/ n.º 5 da CRP, pelo que, a moldura penal resultante da aplicação do artigo 152.° / n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP (limite mínimo de dois anos e limite máximo de cinco anos) não poderia ser agravada.

É, portanto, inconstitucional a norma do artigo 86.°/3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro”.

Foi o arguido condenado pela prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal e pelo artigo 86º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev. (Regime Jurídico das Armas e Munições).

Dispõe o artigo 152º do Código Penal, sob a epígrafe “Violência doméstica”:

«1- Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) A progenitor de descendente comum em 1º grau, ou

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

(…)».

O crime de violência doméstica realiza-se através de uma pluralidade de actos, ou através de um único acto, que atingiram a saúde física, psíquica ou mental do ofendido e afectaram a sua dignidade pessoal.

Este tipo de crime visa a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, sustentando Taipa de Carvalho ([2]) que o bem jurídico aqui protegido é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da criança ou do adolescente, agrave as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde.

In casu para efeitos de integração do crime de violência doméstica há que atender ao abuso verbal, às injúrias dirigidas pelo arguido à assistente, às agressões físicas e psíquicas infligidas a esta e, por vezes, ameaçava-a apontando-lhe uma caçadeira; comportamento que, globalmente considerado, revela um tratamento humilhante, causador de sofrimento psíquico e físico, que afectou a dignidade da ofendida, então sua mulher e com quem coabitava.

Estabelece o artigo 86º, sob a epígrafe “Detenção de arma proibida e crime cometido com arma”, da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev., alterada pela Lei n.º 17/2009, de 6 Maio (Regime Jurídico das Armas e Munições - RJAM):

« (…)

3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.

(…).»

Ora, o n.º 3 do citado artigo 86º só afasta a agravação nele prevista nos casos em que o uso ou porte de arma seja elemento do respectivo tipo de crime ou dê lugar, por outra via, a uma agravação mais elevada.

Tal agravação especial encontra fundamento num maior grau de ilicitude, dado o crime ser cometido com arma.

Por exemplo, o tipo objectivo do crime de roubo e do crime de furto qualificado prevê uma agravação pela posse de arma – al. b) do n.º 2 do art. 210º e al. f) do n.º 2 do art. 204º, ambos do CP (o agente trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta) – não podendo, nestes ilícitos, funcionar a agravação especial decorrente do mencionado n.º 3 do art. 86º do RJAM.

Alega o recorrente que “o tipo de ilícito de violência doméstica pressupõe já um conjunto de comportamentos cuja configuração pode traçar-se pelo uso ou porte de arma, sendo estes um elemento do tipo de ilícito próprio do crime de violência doméstica. Isto porque o conceito de violência abrange já estas realidades (uso e porte de arma) tanto na vertente de violência física como na vertente de violência psíquica, conquanto a utilização de arma, seja para ameaçar seja para agredir fisicamente constitui sempre um acto de violência e sempre que tal sucede, não é possível deixar de qualificar este comportamento como um comportamento violento”.

Mas sem razão.

Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o uso de arma não é elemento do crime de violência doméstica, pelo que, não há fundamento para afastar a agravação a que alude o n.º 3 do artigo 86º do RJAM.

Por conseguinte, a referida norma não viola o princípio ne bis in idem.

Em função do exposto, nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando considerou que a factualidade dada como assente integrava a prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.ºs 1, al. a) e 2 do Código Penal e pelo artigo 86º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 Fev..


*

C- Da medida da pena de prisão e da suspensão da sua execução

Considera o recorrente que a pena imposta de 3 anos de prisão é excessiva e desadequada, dado serem diminutas as necessidades de prevenção especial, pugnando pela aplicação da pena correspondente ao limite mínimo da moldura penal (ou seja, de 2 anos ou de 2 anos e 8 meses se o crime for agravado).

De harmonia com o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja, a determinação das consequências do facto punível, é feita dentro dos limites da lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o mesmo.

Ora, dentro da moldura penal abstracta, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depõem a favor ou contra o agente são, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);

- A intensidade do dolo ou negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Deste modo, o juiz conforme a natureza do facto punível, a sua gravidade e a forma de execução, aplicando o direito, escolhe uma das várias possibilidades legalmente previstas.

Em caso algum, porém, a pena poderá ultrapassar a medida de culpa do agente, concretamente revelada, correspondendo o limite superior da pena ao máximo grau de culpa e, o limite mínimo aquele abaixo do qual se não respeitam as expectativas da comunidade (art. 40º, n.º 2 do C.Penal).

Acresce que “… O Código Penal deve constituir o repositório dos valores fundamentais da comunidade. As molduras penais, mais não são, afinal, do que a tradução dessa hierarquia de valores, onde reside a legitimação do direito penal” – ponto 2 do Preâmbulo do DL 48/95, de 15 de Março.

Como salientámos, não pode apenas atender-se à culpa e à sua medida, impôs o legislador que a determinação concreta da pena seja feita também em função da prevenção. O que no entender do Prof. Figueiredo Dias “(…) é perfeitamente compreensível e justificável; através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limita de forma inultrapassável as exigências de prevenção” (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias editorial – pág. 215).

O Tribunal a quo na determinação da medida concreta da pena aplicada ao arguido ponderou o seguinte:

«-As exigências de prevenção geral, que são relevantes atenta a natureza do crime em causa e ao facto deste ilícito ser de elevada frequência no contexto em que teve lugar, havendo, por isso, de tutelar as expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico;

-O grau de ilicitude médio, atendendo ao bem jurídico violado, às circunstâncias em que o foi e às suas consequências (cfr. factos 1. a 19.);

-O dolo direto (cfr. factos 25. a 30.);

-O contexto socioeconómico do arguido (cfr. factos 31. a 39.);

-Os antecedentes criminais do arguido, onde assume particular relevância a circunstância deste ter sido condenado, por decisão transitada em julgado em 5.03.2013, pela prática entre 11.09.1993 e 14.06.2012, de 2 crimes de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152º, n.º1, als. a) e d) e 2 do C.P., na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, acompanhada de regime de prova e com a sujeição do arguido se sujeitar a tratamento médico contra a dependência do álcool (cfr. factos 5. e 40.).

Sopesando estes fatores e chamando à colação o grau de culpa do arguido, que consideramos situar-se a um nível significativo, atento o dolo direto com que atuou e o modo como em concreto o fez, sendo particularmente reveladores os seus antecedentes criminais, parece-nos adequado proporcional e justa a pena de 3 (três) anos de prisão.»

Como resulta da transcrição efectuada, a decisão recorrida sopesou todos aqueles factores com influência na medida concreta da pena.

Em conformidade, correspondendo à conduta do arguido a moldura penal abstracta de 2 anos e 8 meses a 6 anos e 8 meses de prisão, face ao circunstancialismo fáctico apurado, afigura-se-nos que bem andou o tribunal recorrido ao impor-lhe a pena de 3 anos de prisão.


*

Pugnando pela suspensão da execução da pena de prisão, alega o recorrente:

- O Tribunal a quo entendeu que a factualidade provada não permite qualquer juízo de prognose favorável no sentido que o arguido irá cessar a sua conduta.

- Fundamentou - a inexistência de juízo de prognose favorável no facto de a anterior condenação - pena prisão suspensa na sua execução - ter sido inconsequente e, por outro lado que a "actual não coabitação do casal em nada infirma esta conclusão ou contende com a mesma, sendo o arguido pai de filhos (um deles ainda menor) em conjunto com a assistente, pelo que a sua convivência não está, de forma alguma, afastada (antes pelo contrário).

- as condutas do arguido posterior à data que os factos lhe são imputados tem uma configuração distinta face às condutas que lhe são imputadas no período que se encontra no âmbito do presente processo, pelo que dando o Tribunal como provados tais factos deve dar como provado que a conduta do arguido se alterou significativamente, porquanto isso mesmo resultou provado, como visto, da audiência de julgamento.

- Os  factos dados como provados nos pontos 34 a 38 impunham a suspensão da execução da pena de prisão.

- O comportamento do arguido após a data em que alegadamente foram praticados os factos  alterou-se, dado que não consome bebidas alcoólicas. Este aspecto é, aliás, de suma importância, porquanto é transversal à acusação e ao Acórdão que os alegados comportamentos do arguido eram desencadeados por situações de embriaguez.

- Para além disso, não tem contacto com a Assistente, uma vez que se encontra emigrado e quando regressa a Portugal fica numa casa que arrendou, onde reside com o seu filho mais velho e recebe o seu filho mais novo, que é distante do local onde reside a Assistente.

- Deste modo, o Tribunal deveria entender que o comportamento do arguido alterou­-se, além de estar inserido social e familiarmente, sendo próximo dos seus filhos ­nomeadamente, o seu filho mais novo que é menor - que com a aplicação da pena de prisão efectiva ficarão privados de conviver com o seu pai o que comprometerá o seu desenvolvimento sadio, especialmente do filho C... .

 - A personalidade do arguido demonstra no presente uma ausência de susceptibilidade conflituosa, estando harmoniosamente integrado familiar e socialmente, bem como profissionalmente, factores que potenciam uma forma de estar e de ser adequada aos padrões normais da sã convivência.

Na verdade, ponderou o Tribunal de 1ª instância sobre a possibilidade da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, tendo concluído que a factualidade dada como provada não permite qualquer juízo de prognose no sentido de que o arguido, no futuro, irá cessar a sua reiterada conduta.

Para tal foi relevante a anterior condenação do arguido no âmbito do processo n.º 44/12.0GCSEI, pela prática (factos ocorridos até 25-7-2012) de dois crimes de violência doméstica (sendo as vítimas, a sua mulher e a filha H... ), na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova e com a obrigação de o arguido se sujeitar a tratamento médico contra a dependência do álcool – sentença transitada em julgado em 5-3-2013.

Mais considerou o Tribunal que:

«Atentando á personalidade reiteradamente manifestada pelo arguido, inexistem quaisquer deveres, regras de conduta ou regime de prova (estando a questão de qualquer tratamento ou sensibilização afastada pelo seu anterior comportamento), ou mesmo penas acessórias (cujo propósito não é em rigor aqui chamado á colação para os fins ora em apreço), capazes de fazer face às exigências de prevenção especial que no caso vertente se fazem sentir.

Acrescente-se que a atual não coabitação do casal em nada infirma esta conclusão ou contende com a mesma, sendo o arguido pai de filhos (um deles ainda menor) em conjunto com a assistente a sua convivência não está, de forma alguma, afastada (antes pelo contrário).

O facto do arguido se mostrar inserido profissionalmente e o seu historial de vida (nos termos provados de 32. a 39.) não é de molde a afastar as sobreditas exigências, sendo que o dolo manifestado e o grau de ilicitude que se reputou aos ilícitos em questão, conjugado com a total ausência de arrependimento e de auto crítica por parte do arguido, não nos permite concluir de outra forma do que pela efetiva privação da sua liberdade.

Nesse sentido, entendemos que a censura e ameaça de prisão efetiva são evidentemente insuficientes (ainda que conjugadas com os sobreditos elementos acessórios) para levar o arguido a consciencializar-se da gravidade da sua conduta e abster-se, de futuro, da mesma.

O passado já o comprovou à saciedade.»

De acordo com o preceituado no artigo 50º do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).

Perante o citado normativo os julgadores não podem estribar-se em condições acerca da culpa do arguido, mas somente reportar-se às finalidades preventivas da punição. A suspensão terá de assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração.

Em suma, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.

A suspensão da execução da pena, não é uma medida de clemência, nem pode ser encarada como tal. É uma forma de cumprimento de uma pena funcionando como medida de substituição que não determinando a perda da liberdade física condiciona a vida daqueles a quem é aplicada durante todo o período em que é fixada.

No caso vertente, como se pode observar no acórdão recorrido o tribunal a quo justificou a não suspensão da execução da pena, resultando claro porque não acreditou em tal oportunidade de ressocialização do arguido.

Todavia, entendemos que alterações significativas se verificam.

E, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico. Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição (cfr. Ac. STJ de 14-6-2007, Proc. n.º 07P1423, in www.dgsi.pt).

Bem sabemos que, no que respeita ao crime de violência doméstica são elevadas as exigências de prevenção geral, pela frequência da sua prática, na maioria das vezes no seio familiar, perturbando a paz, a segurança e a vida daqueles que vivem ou se relacionam com o agressor, para além do forte alarme social que causa.

No caso sub judice o arguido não assumiu a sua apurada conduta, o que revela não ter interiorizado a ilicitude dos factos que cometeu, ou então, o conhecimento da consequência dos mesmos uma vez que foram praticados no período da suspensão da execução da pena em que fora condenado pela prática do mesmo ilícito penal.

Acontece que, resulta dos autos:

- o arguido não consome bebidas alcoólicas há cerca de 2 anos (o seu comportamento agressivo estava associado ao consumo do álcool);

- está a trabalhar na Alemanha, na construção civil, e vem a Portugal nas férias ou nas datas festivas;

- mantém bom relacionamentos com os filhos E... e C... ;

- o filho E... está a residir com o pai (em Portugal), numa casa arrendada por este;

- desde que emigrou para a Alemanha em Outubro de 2014, e soube que a assistente tinha saído de casa (para uma casa abrigo em Penafiel), não mais a contactou. Entretanto, encontraram-se no médico (mas não falaram) e no Tribunal (em 21-12-2015, aquando da Regulação das Responsabilidades Parentais relativa ao filho menor C... – fls. 435);

- em 28-1-2016 (data da audiência de julgamento nestes autos) estava a decorrer o processo de divórcio (desconhecendo-se se entretanto já foi decretado).

Foi muito grave a conduta do arguido; conduta que reiterou no período da suspensão da anterior condenação, também por violência doméstica.

Mas, face às alterações na vida do arguido assinaladas, pese embora a gravidade e reiteração da sua conduta, que frisamos, encontrando-se o arguido inserido em termos sociais, laboral e familiar, deverá ser-lhe dada uma última oportunidade, confiando que o arguido ainda é merecedor da mesma e, não mais importunará a assistente (aliás, serão graves as consequências se o fizer, tendo em conta a anterior condenação e a dos presentes autos).

Termos em que, procede, nesta parte, o recurso.


*****
III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) Ainda que sem qualquer relevância, tendo em conta o crime praticado pelo arguido, procede-se à modificação da decisão recorrida (vide fls. 36 deste acórdão), nos seguintes termos:

Os pontos 8. e 13. passam a ter a seguinte redacção:

8. Assim, por diversas vezes, nesse período, em datas que não se logrou apurar, com uma frequência quase diária, na residência do casal, e na presença dos filhos de ambos, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “puta”, “vaca” e “canhão”.

13. Em Setembro de 2014, o arguido chegou à residência do casal, aparentando ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e, sem qualquer motivo aparente, dirigiu-se à ofendida dizendo: “puta”, “canhão, “vaca, “tens uma avó que tem um filho de cada homem e tu és igual”.

E, quanto aos Factos não provados, acrescenta-se uma al. s), com a seguinte redacção:

s) nas circunstâncias referidas nos pontos 8. e 13. dados como provados, o arguido disse, dirigindo-se à ofendida: “andas a dar a cona” e “cabra”. 

b) Suspende-se a execução da pena de 3 anos de prisão aplicada ao arguido A... , por igual período.

c) Mantém-se, no mais, o acórdão recorrido.

Sem tributação (artigo 513º, n.º 1 do CPP, na redacção dada pelo DL n.º 34/2008, de 26.02).

                                                                 *****                                                                         

Coimbra, 14 de Setembro de 2016

(Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)


[1] - Conclusões sem qualquer concisão, ao arrepio do que determina o n.º 1 do artigo 412º do CPP. Não mencionámos as transcrições que o recorrente fez constar nas conclusões.
[2] - in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 332.