Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
711/11.5JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
GARRAFA DE VIDRO
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (EXTINTA 1ª SECÇÃO DA VARA DE COMPETÊNCIA MISTA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 143.º, N.º 1, 145.º, N.ºS 1, AL. A), E 2, E 132.º, N.º 2, AL. H), DO CP
Sumário: No âmbito do crime de ofensa à integridade física, é meio de agressão particularmente perigoso, nos termos e para os efeitos, conjugados, dos arts. 145.º, n.º 1, al. a), 143.º, 145.º, n.º 2, e 132, n.º 2, alínea h), do CP, uma garrafa de vidro, contendo cerveja, quando dirigida à cabeça da vítima.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 5ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO:

1. No âmbito do Processo Comum (Colectivo) nº 711/11.5JACBR, da (entretanto extinta) 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, em que são arguidos A... e B... (melhor identificados nos autos), após a realização da audiência de discussão e julgamento, no dia 15.07.2014 foi proferido acórdão, constante de fls. 1280 a 1320, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial):

“Pelo exposto, após deliberação, acordam os juízes que compõem o tribunal colectivo em:

- Absolver o arguido A ...da prática, autoria material, na forma tentada e em concurso real e efectivo, de (4) quatro crimes de homicídio qualificado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132, nºs 1 e 2, alínea e) e h), 22.º e 23.º todos do Código Penal;

- Absolver o arguido B ... da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alíneas e) e h), 22.º e 23.º do mesmo diploma legal;

- Condenar o arguido B ... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alínea h) do mesmo diploma legal, por reporte ao ofendido E ..., na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- Condenar o arguido B ... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alíneas h) do mesmo diploma legal, por reporte ao ofendido F ..., na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares, em face do concurso real e efectivo de crimes, aplicar ao arguido B ..., a pena única de 13 (treze) meses de prisão;

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido B ..., pelo período de 13 (treze) meses, com acompanhamento de regime de prova e subordinada cumprimento do seguinte dever pelo arguido: entregar ao Fundo Solidário de Coimbra – Instituto Universitário de Justiça e Paz a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), no prazo de 6 meses.

- Condenar o arguido A ...pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alínea h) do mesmo diploma legal, por reporte ao ofendido D ..., na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Condenar o arguido A ...pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alínea h) do mesmo diploma legal, por reporte ao ofendido/assistente C ..., na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Condenar o arguido A ...pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alínea h) do mesmo diploma legal, por reporte ao ofendido E ..., na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares, em face do concurso real e efectivo de crimes, aplicar ao arguido A ..., a pena única de 5 (cinco) anos de prisão;

- Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido A ..., pelo período de cinco anos, com acompanhamento de regime de prova e subordinada ao cumprimento dos seguintes deveres pelo arguido: pagar a indemnização cível devida ao lesado/assistente C ... (no valor de €3.094,85, acrescido de juros), no prazo de 6 meses; e, entregar à APPACDM de Coimbra a quantia de €3.000,00 (três mil euros), no prazo de 6 meses. (cf. artigos 50, nºs 1 e 5, 51, nºs 1, alíneas a) e c), 53, nºs 2 e 3 e 54, nº s 1 e 2 do Código Penal);

- Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil aduzido pelo assistente C ... contra o arguido/demandado B ..., e, em consequência, absolver este demandando desse pedido.

- Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil aduzido pelo assistente C ... contra o arguido/demandado A ..., e, em consequência, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, condenar este no pagamento ao demandante da quantia €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento;

- Condenar o arguido/demandado A ... no pagamento ao assistente C ..., a título de indemnização pelos danos patrimoniais, da quantia de €94,85 (noventa e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da notificação a que alude o art. 78.º do Código de Processo Penal até integral e efectivo pagamento;

- Absolver o arguido/demandado A ... do mais peticionado pelo assistente C ..., a título de pedido de indemnização civil;

- Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido cível aduzido pelo demandante “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.” e, em consequência:

- Condenar o arguido/demandado A ...no pagamento da quantia de €8.644.34 (oito mil seiscentos e quarenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) ao demandante “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da notificação a que alude o art. 78.º do Código de Processo Penal até integral e efectivo pagamento;

- Condenar os arguidos/demandados A ...e B ..., solidariamente, no pagamento da quantia de €2.134,84 (dois mil cento e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) ao demandante “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da notificação a que alude o art. 78.º do Código de Processo Penal até integral e efectivo pagamento;

- Absolver o arguido B ... do mais contra si peticionado pelo demandante “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.”;

(…)”

2. Inconformado com o quanto a si decidido, apenas o arguido B ... (a fls. 1341 a 1352) interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“Conclusões:

BI. A acusação deduzida pelo arguido C ... é extemporânea, vício que o M.mo Presidente deveria ter sindicado na altura da prolação do despacho a que se refere o art.° 311.°-1 do CPP. Com efeito, cumprindo ao Julgador o saneamento do processo, nos termos do falado normativo, a omissão em questão — omissão, conhecimento da oportunidade da apresentação da acusação particular — terá de integrar uma verdadeira omissão de pronúncia e, nessa medida, a inobservância do disposto no art.°379.°-1, al. c) do CPP, normas estas que o M.mo Presidente ostracizou.

B2. Por isso, quanto à dita acusação deverá agora considerar-se que a mesma é ilegal, por violação, na parte em que coenvolveu uma alteração substancial de factos, da obrigatoriedade da instrução e, nesse sentido, incorreu na nulidade insanável prevista no art.,° 119°, ah d) do CPP. A não considerar-se assim, sobrariam, na alegada actuação do requerente, dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, pelos quais, aliás, veio a ser condenado. Porém,

B3. Salvo o devido respeito, o Colectivo de Senhores Juízes procedeu a uma apreciação “sincrética” — isto é, verdadeiramente a uma não apreciação — dos dados médico-legais constantes do processo. Com efeito,

B4. Como acima houve oportunidade de referir-se, de acordo com elementares conhecimentos médico-legais, os exames em causa e, na verdade, no tocante aos dois ofendidos, são inoperantes para a afirmação de qualquer nexo de causalidade entre as ofensas corporais e as respetivas conclusões. Por outro lado,

B5. Tendo em conta o acima aferido, poderá parecer a um primeiro olhar que o arguido terá cometido dois crimes de ofensa à integridade física qualificada nos termos da ah h) do n.º, 132.° CP, aplicável ex vi art.° 145.°-2 do mesmo diploma. Porém,

B6. Salvo o devido respeito, concluir-se assim, é fazê-lo erradamente, por isso que o Coletivo de Julgadores apenas aferiu da “especial perigosidade” do meio, concluindo a respetiva verificação em abstrato. Porém, seria mister que essa especial perigosidade ou censurabilidade resultasse de factos processualmente comprovados, o que não é o caso, sendo até certo que, o acima referido acerca das virtualidades das perícias médico-legais contribui de forma decisiva, para afirmar no caso concreto a não verificação da mencionada qualificativa.

B7. Posto isto, restar-nos-ia a afirmação da comissão por parte do recorrente do crime de ofensas à integridade física simples nos termos do art° 143°- 1 e 2 do CP. Porém,

B8. Tratando-se este crime de um delito de natureza semi-pública, dado dos ofendidos não terem apresentado queixa, com as formalidades que esta declaração de vontade, repete-se, formalmente exige (art° 113.° do CP), razão pela qual, ao MP soçobrava legitimidade para a instauração do procedimento criminal e, a despeito disso, posto ela, era-lhe vedado deduzir acusação, razão pelas quais, o arguido deve ser absolvido.”

                                                        *

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 1360.

4. Apenas o Ministério Público junto do tribunal recorrido (a fls. 1365 a 1370) respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:

“1- O recurso interposto é circunscrito a matéria de direito, tanto mais que o Recorrente nem expressamente pretende outra abrangência, nem observa o ónus da especificação exigido pelo artigo 412°, n.°s 3 e 4, do CPP.

2- O douto acórdão recorrido não enferma de qualquer dos vícios processuais previstos no artigo 410°, n.º 2, do CPP, e a decisão proferida em matéria de facto, que contém sustentação probatória e constitui uma solução possível, não é contrariada pelas regras da experiência.

3- Sendo assim e como o vem afirmando a jurisprudência, ‘ela será inatacável já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção. Isto é assim mesmo quando, como no caso dos autos, houver documentação da prova. De outra maneira seriam defraudados os fins visados com a oralidade e imediação da prova” - Acórdão do STJ, de 13.02.03, Processo 03P141, www.dgsi.pt, no mesmo sentido acórdão do S.T.J., de 22.04.1999, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do 5.T.J. 1, pág. 247.

4- O acórdão impugnado não está inquinado de qualquer irregularidade processual que possa afectar a sua eficácia e, nomeadamente, não está atacado de nulidade insanável que recorrente pretende sustentada pelo disposto nos artigos 119°, al. d), 120°, l. d) e 379°, n.° 1, al. c), do CPP. Basta ter em atenção o que foi deliberado pelo douto Colectivo de Juízes e logo se fez constar do relatório desse acórdão, no que respeita à exclusão de pronúncia da matéria fáctica que, na acusação do assistente, poderia revestir de novidade face à factualidade imputada na acusação deduzida pelo Ministério Público.

5- Por outro lado, está vedado, ao Recorrente, questionar prova pericial, mais ainda quando tal no constituiu objecto de discussão em sede de audiência de julgamento e no foi contraditada por meio probatório de igual natureza.

6- Daí que a decisão tomada em matéria de facto e, com ela e perante a factualidade estabelecida, se deva tomar como bom o decidido em matéria de direito e, nomeadamente, a absolvição do aqui Recorrente da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada [na pessoa do Assistente C ...), e a sua condenação pela prática, em autoria material e em concurso real de infracções, na forma consumada, dos demais dois referenciados crimes de ofensa à integridade física qualificada.

7- No merecendo censura a escolha da pena e a medida das penas parcelares concretamente determinadas, cremos agora que perante a postura de desresponsabilização patenteada pelo arguido Recorrente, este no terá sido merecedor do juízo de prognose favorável de que dependeu a suspenso da execução da pena única, estabelecida em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares.

8- O douto acórdão recorrido não ofende qualquer disposição legal, pelo menos as referidas pelo Recorrente ao longo da sua motivação e em sede conclusiva.

Nestes termos e pelo mais que, V.as Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, negando provimento ao recurso interposto e confirmando a decisão recorrida, far-se-á Justiça.”

5. Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto (a fls. 1380 e 1381), acompanhando a resposta da magistrada do Ministério Público da 1ª instância e acrescentando ainda que nos autos consta que os ofendidos E ... e F ... apresentaram as respectivas queixas, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente e mantido integralmente o acórdão recorrido.

6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                        *

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as seguintes:

1ª - Saber se a acusação do assistente C ... foi extemporaneamente apresentada e, por isso, não deveria ter sido recebida aquando da prolação do despacho a que se reporta o artigo 311º nº 1 do Código de Processo Penal;

2ª - Saber se a acusação do assistente é nula na parte em que co-envolveu uma alteração substancial de factos relativamente à acusação do Ministério Público;

3ª - Saber se ocorreu erro de julgamento;

4ª - Qualificação jurídica dos factos;

5ª - Saber se, na hipótese de se estar perante crimes de ofensa à integridade física simples, ao Ministério Público não assistia legitimidade para acusação por falta de queixa dos ofendidos.
                                                        *
Deixando para mais à frente o enunciação dos factos que foram dados como provados e não provados, e porque imbricadas uma com a outra passemos desde já à análise das duas supra referidas questões.
Todavia uma questão prévia desde já se suscita e que obsta ao concreto conhecimento do âmago das referidas questões:
Com efeito, independentemente de saber se tal acusação deveria ou não ter sido recebida aquando da prolação do despacho a que se reporta o artigo 311º do Código de Processo Penal (na versão do recorrente tinha sido extemporaneamente apresentada por quem ainda não tinha sido constituído assistente) e de saber se a mesma co-envolvia factos que representavam uma alteração substancial de factos relativamente aos da acusação que havia sido deduzida pelo Ministério Público), o certo é que com a tomada de posição expressada pelo colectivo de julgadores no acórdão recorrido, ainda na parte referente ao respectivo relatório (ou seja antes da enunciação dos factos provados e não provados) na qual é decidido pela inadmissibilidade da acusação na parte em que alega factos que importem uma alteração substancial dos descritos na acusação, ficou prejudicada apreciação de tais questões por falta de objecto de recurso, por duas ordens de razões:
a) Por um lado lendo a acusação particular de fls. 753 e segs constata-se que os factos nela elencados, à excepção do alegado no seu ponto 5º (que adiante transcreveremos) e aos factos respeitantes às consequências na pessoa dos outros ofendidos, no demais correspondem exactamente aos que haviam sido alegados na acusação que havia sido deduzida pelo Ministério Público a fls. 682 e segs.
Nesta estrita parte, independentemente de saber se o assistente C ... (que havia requerido a sua intervenção nessa qualidade em 07.10.2013 e havia sido constituído como assistente em 07.11.2013) já era ou não detentor de legitimidade para acusar quando o fez em 10.10.2013, essa mesma parte da acusação particular era inócua porque em nada acrescentava à que havia sido deduzida pelo Ministério Público. Por isso, muito embora, bem ou mal, tenha sido recebida aquando do despacho a que se reporta o artigo 311º do Código de Processo Penal (diploma a que se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem) essa mesma admissão não é geradora de qualquer nulidade, mormente da prevista no art. 119º al. d) e/ou 379º nº 1 c), conforme insinua o recorrente (desde já aqui se chamando a atenção que a nulidade a que alude esta alínea c), tal como as nulidades a que aludem as demais alíneas do nº 1 do referido artigo 379º, tal como decorre da epígrafe e do corpo do nº 1 de tal normativo, se reportam à sentença, e não a um qualquer despacho). E a ter ocorrido alguma irregularidade no recebimento daquela acusação, há muito que a mesma havia sido sanada (cfr. 123 nº 1).
b) Reportando-nos agora ao facto alegado no ponto 5º dessa mesma acusação particular “Para além de desferir um violento golpe no ofendido C ..., atingindo-o na cara com um pontapé”, constamos que este facto não tinha sido alegado na acusação do Ministério Público, constituindo por isso uma alteração substancial de factos, tal qual foi considerado no acórdão recorrido.
Mas quanto a isso, como já supra dissemos, o tribunal decidiu não conhecer de tal facto com a seguinte argumentação (transcrição):

“O ofendido/assistente C ... , com os demais sinais identificativos constantes dos autos, apresentou a sua acusação, nos termos da qual, em síntese, aderiu à acusação formulada pelo Ministério Público, acrescentando, porém, factos novos, consistente na circunstância do arguido B ..., nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na acusação pública, com o propósito conseguido de o molestar fisicamente no seu corpo, apesar de saber do carácter proibido da sua conduta, livre, voluntária e conscientemente, lhe ter desferido um pontapé na cara, com o que lhe causou dores e lesões na zona atingida.

De harmonia com o disposto no art. 284, n.º1 do Código de Processo Penal, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles.

No caso vertente, o assistente acusou o arguido B ... pela prática de factos que importam uma alteração substancial dos descritos na acusação pública, já que aqueles têm por efeito a imputação ao arguido em questão de um crime diverso, qual seja o de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143, nº1 do Código Penal. (cf. art. 1, alínea f) do Código Penal)

Nesse conspecto, não obstante o recebimento integral das acusações (vide despacho de fls. 785 e ss.), o tribunal colectivo não tomará em consideração os factos novos alegados pelo assistente (acima assinalados) na acusação que apresentou, de modo a não violar o disposto no citado n.º1 do art. 284.º do Código de Processo Penal, decidindo-se, assim, após deliberação, pela inadmissibilidade da acusação apresentada pelo assistente, nessa parte, ou seja, naquela em que alega os mencionados factos que importam uma alteração substancial dos descritos na acusação pública. (vide fls. 753 e ss.)”.

Ou seja, por outras palavras, quanto a tais factos que o Tribunal a quo reconheceu constituírem uma alteração substancial em relação aos constantes da acusação pública, foi decidido não tomar conhecimento dos mesmos. E tanto assim ocorreu conforme, aliás na prática se comprova pela leitura dos factos que, no recorrido acórdão, foram depois dados como provados e não provados.

Ora, em virtude do assim decidido, quanto a esta parte o recurso interposto pelo arguido não faz qualquer sentido nem descortinados qual o concreto interesse que a apreciação do mesmo tenha no âmbito destes autos. A pretensão do recorrente surge, assim, descontextualizada da nova realidade criada por força de tal decisão (que, quanto às questões que vimos analisando, também não lhe é minimamente desfavorável). E não tendo tal decisão sido desfavorável ao recorrente, este ficou sem legitimidade e/ou interesse em agir para recorrer com vista à resolução das primeiras duas questões que suscitou.

É, pois, manifesto que, por falta de um qualquer destes pressupostos (legitimidade e/ou interesse em agir do recorrente quanto a estas duas concretas questões) a este tribunal - e porque não é lícita a prática de actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil) - ficou vedado/prejudicado o conhecimento/análise destas concretas questões suscitadas no recurso, motivo pelo qual soçobra, nesta parte, a pretensão do recorrente.

3ª Questão: - saber se ocorreu erro de julgamento.
Para analisar tal questão, vejamos desde já o que do acórdão recorrido consta exarado quanto aos factos provados e não provados, bem como quanto à fundamentação da matéria de facto (transcrição):

2.1 Matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa
1. Na madrugada do dia 6 de Outubro de 2011, na via pública, junto ao Estádio Universitário, nesta cidade, os ofendidos D ..., C ..., E ... e F ..., encontravam-se a conviver junto à roulotte de comidas “O Psicológico”.
2. A dada altura chegaram ao local os arguidos, os quais se dirigiram e permaneceram junto da roulotte de comidas “O Estudante”, situada nas imediações da roulotte “O Psicológico”.
3. Os dois grupos não se conheciam nem tinham entre si qualquer tipo de relacionamento, designadamente de conhecimento prévio.
4. Por razões não concretamente apuradas, a partir dos locais onde se encontravam, o ofendido E ... e os arguidos começaram por trocar algumas palavras entre si, cujo teor se desconhece.
5. Acto contínuo, o ofendido E ... dirigiu-se para o local onde se encontravam os arguidos, tendo-lhes dirigido expressão cujo teor em concreto se desconhece.
6. Mal o ofendido E ... chegou junto dos arguidos, o arguido B ..., utilizando uma garrafa de vidro de cerveja que tinha na mão, desferiu um golpe que atingiu o ofendido E ... na zona da cabeça.
7. Seguidamente gerou-se um confronto físico entre os arguidos e os ofendidos E ..., C ... e F ..., estes dois últimos que haviam seguido o ofendido E ..., momentos após este ter tomado a decisão de se dirigir aos arguidos.
8. No decurso desse confronto físico, o arguido A ... desferiu murros que atingiram o ofendido E ... pelo corpo, com especial incidência na cabeça.
9. Por sua vez, o arguido B ... desferiu um golpe no F ..., utilizando para tal uma garrafa de vidro que tinha na mão, tendo-o atingido na cabeça.
10. Neste entretanto, o arguido A ... deslocou-se à viatura onde se faziam transportar os arguidos e que se encontrava nas proximidades daquele local, dela tendo retirado uma arma de fogo de cano curto e que funcionava com munições de calibre 7,65, após o que voltou para junto dos ofendidos e do outro arguido.
11. Em seguida, o arguido A ... apontou a arma ao ofendido E ... (a zona do corpo não concretamente determinada), tendo disparado.
12. Ouviu-se, então, um som seco, pois a arma não tinha munições na câmara, circunstância de que o arguido não se apercebeu previamente.
13. Ao se aperceber que a arma de fogo que trazia consigo não tinha disparado, o arguido A ..., procedeu à introdução do carregador na arma, e, em acto que se seguiu, alcançou o ofendido E ..., tendo-lhe desferido pancadas na cabeça, utilizando, para tanto, a coronha da arma que empunhava.
14. Por essa altura o arguido B ..., empunhando um objecto de características não concretamente apuradas, avançou na direcção do ofendido C ..., fazendo gestos para cima e para baixo evidenciando procurar atingir este ofendido com o referido objecto, só não o tendo conseguido porque este ofendido conseguiu esquivar-se aos golpes e fugir.
15. Já o arguido A ..., empunhando a arma de fogo de que se muniu e a menos de um metro do ofendido E ..., apontou-lhe a arma e disparou na direcção do seu braço esquerdo, tendo a munição disparada atingido o antebraço esquerdo do ofendido, por onde entrou e saiu, atravessando o braço e alojando-se na zona do abdómen.
16. Após, o arguido A ... dirigiu-se para o ofendido D ..., empunhando a arma de fogo de que se muniu e a menos de um metro dele, apontou-lhe a arma e disparou na direcção da sua perna direita, tendo o projéctil disparado o atingido na coxa direita, zona corporal onde ficou alojado.
17. Em seguida, o arguido A ... dirigiu-se para o ofendido C ..., empunhando a arma de fogo de que se muniu e a menos de um metro dele, apontou-lhe a arma e disparou na direcção da sua perna esquerda, tendo o projéctil disparado o atingido na coxa esquerda, zona corporal onde ficou alojado.
18. Em consequência directa e necessária da conduta adoptada pelo arguido A ..., melhor descrita em 14), o ofendido D ... dores, fractura exposta grau da diáfise femoral, bem como as lesões examinadas e descritas nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 274 a 275, 315 a 316, 382 a 384, 469 a 470, 563 a 564, cujo teor é aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
Aos 28.10.2011
- Períneo: no escrito do testículo direito, solução de continuidade na epiderme medindo três centímetros e meio de comprimento por dois centímetros de largura;
- Membro inferior direito: no terço superior da face lateral da coxa, cicatriz rosada, longitudinal, com vestígio de pontos medindo sete centímetros de comprimento; no terço inferior da face lateral da coxa, cicatriz longitudinal, com área de coloração rosada e acastanhada, com vestígios de pontos, medindo dois centímetros de comprimento; superiormente à lesão previamente descrita, vestígio cicatricial acastanhado medindo meio centímetro de diâmetro.
Aos 13.03.201
 - Membro inferior direito: sobre a articulação coxo-femoral, cicatriz rosada longitudinal, com vestígios de pontos, medindo sete centímetros de comprimento por seis milímetros de na sua porção mais larga; na face lateral dos terços proximal e médio da coxa, cicatriz rosada longitudinal, com vestígios de pontos, medindo doze centímetros e meio de comprimento por cinco milímetros na sua porção mais larga; na face anterior do terço proximal da coxa, cicatriz acastanha e deprimida, medindo quinze milímetros de eixo maior por treze milímetros de eixo menor, distando setenta e sete centímetros do solo; no terço distal da face lateral da coxa, cicatriz rosada, com vestígios de pontos, medindo dois centímetros de comprimento por sete milímetros na sua porção mais larga.
19. Em consequência directa e necessária da conduta adoptada pelo arguido A ..., melhor descrita em 15), o ofendido C ... sofreu dores, fractura exposta grau 1/3 distal da diáfise femoral, bem como as lesões examinadas e descritas nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 225 a 226, 559 a 560, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
- Membro superior esquerdo: no terço superior da face antero-lateral da coxa, duas cicatrizes de características operatórias, rosadas, longitudinais, a maior de localização superior, medindo dois centímetros de comprimento, e a outra treze milímetros de comprimento; no terço médio da face anterior da coxa, penso, que não foi removido para permitir a normal evolução das lesões subjacentes; no terço interior da face anterior da coxa, cicatriz rosada com vestígios de pontos, medindo meio centímetro de diâmetro; no terço inferior da face lateral da coxa, cicatriz longitudinal rosada de características operatórias, medindo três centímetros de comprimento; na face anterior do joelho, cicatriz rosada, longitudinal, medindo seis centímetros e meio de comprimento; na face medial do joelho, cicatriz rosada, medindo meio centímetro de diâmetro; edema da coxa, mais notório ao nível do terço inferior.
20. Em consequência directa e necessária das acções dos arguidos, melhor descritas em 6), 8), 11) e 13), o ofendido E ... dores, bem como as lesões examinadas e descritas na informação clínica de fls. 33 (que se dão aqui por reproduzidas) e nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 212 a 213, 339 a 340, 490 a 491, 538 a 539, 586 s 587, 646 a 647, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
Aos 28.10.2011
- Crânio: na região parietal esquerda duas cicatrizes lineares com vestígios de pontos, medindo a mais superior quinze milímetros de comprimento e a outra oito milímetros de comprimento; na região occipital à esquerda da linha média, duas cicatrizes medindo a mais superior dezoito milímetros e a outra treze milímetros de comprimento; na região occipital; à direita da linha média, cicatriz linear medindo três centímetros de comprimento; todas as cicatrizes apresentam vestígios de pontos;
- Face: na região supraciliar direita vestígio cicatricial longitudinal com vestígios de pontos medindo dezassete milímetros de comprimento, junto à comissura lateral do olho esquerdo cicatriz longitudinal com vestígios de pontos medindo doze milímetros de comprimento; na região malar esquerda cicatriz oblíqua infero-lateralmente, medindo quatro centímetros de comprimento;
- Abdómen: na face lateral esquerda da região toraco-abdominal;
- Membro superior esquerdo: suspensão braquial e imobilização com gesso braquipalmar.
Aos 03.04.2012
- Crânio: na região parietal esquerda, dois vestígios cicatriciais lineares, o maior medindo treze milímetros de comprimento e o menor seis milímetros de comprimento; na região occipital, à esquerda da linha média, dois vestígios cicatriciais lineares, o maior medindo dezassete milímetros de comprimento e o menor onze milímetros de comprimento; na região occipital, á direita da linha média, cicatriz nacarada linear, medindo três centímetros de comprimento;
- Face: junto à comissura lateral do olho esquerdo, vestígio cicatricial nacarado, longitudinal, com vestígios de pontos, medindo doze milímetros de comprimento; na região malar esquerda, vestígio cicatricial oblíquo ínfero-lateralmente, medindo quatro centímetros de comprimento;
- Abdómen: no flanco esquerdo, cicatriz arroxeada de aspecto quelóide, medindo um centímetro de comprimento por meio centímetro de largura;
- Membro superior esquerdo: na face anterior do terço proximal do antebraço, cicatriz arroxeada de aspecto quelóide, medindo um centímetro de diâmetro; na face póstero-lateral do terço proximal do antebraço, vestígio cicatricial rosado, medindo meio centímetro de diâmetro; na face posterior do punho, dois vestígios cicatriciais rosados, o maior medindo um centímetro de comprimento por três milímetros de largura e o menor medindo seis milímetros de diâmetro; cotovelo e punho com mobilidades e forças mantidas.
Tais lesões demandaram a este ofendido um período de 103 (cento e três) dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
21. Em consequência directa e necessária da conduta adoptada pelo arguido B ..., melhor descrita em 9), o ofendido F ... dores e traumatismo frontal direito com ferida incisa local, bem como as lesões examinadas e descritas nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 216 a 217, 542 a 543, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (designadamente, - face: na região frontal à direita da linha média cicatriz rosada, irregular, longitudinal, com vestígios de pontos, medindo dois centímetros e meio de comprimento), lesões estas que demandaram a este ofendido e para a sua cura, um período de 6 (seis) dias de doença, sendo os primeiros 4 (quatro) com afectação da capacidade de trabalho geral e todos com afectação da capacidade de trabalho profissional.
22. O arguido B ..., ao agir como descrito em 6) e 9), quis e conseguiu atingir corporalmente os ofendidos E ... e F ..., usando para tal de meio (objecto – garrafa de vidro) que sabia ser idóneo a causar lesões graves e irreversíveis aos ofendidos, até por os ter atingido em zona vital, designadamente na cabeça.
23. Ao agir do modo descrito em 12), o arguido B ... quis ofender o corpo do ofendido C ..., mediante o uso de objecto não concretamente identificado, apenas não conseguindo concretizar os seus intentos criminosos, dado que o ofendido em questão conseguiu esquivar-se aos golpes e fugir.
24. O arguido A ..., ao agir como descrito em 8) e 11), quis e conseguiu atingir corporalmente o ofendido E ....
25. Ao agir do modo descrito 13), 14) e 15), quis e conseguiu o arguido A ..., respectivamente, ofender, ferir e atingir o corpo dos ofendidos E ..., D ... e C ..., mediante o uso da arma de fogo que livre e voluntariamente empunhava e disparou, bem sabendo das potencialidades da mesma, designadamente da sua capacidade de produção de lesões graves e irreversíveis nas pessoas que forem atingidas com os projécteis dela disparados, e consciente que estava da superioridade que o uso de tal meio lhe conferia relativamente aos ofendidos.
26. Os dois arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas lhes estavam vedadas por lei.
27. Das agressões de que foi vítima o ofendido E ... e das lesões delas derivadas, produzidas pelos arguidos, não resultou um concreto perigo para a sua vida.
28. As lesões sofridas pelo ofendido E ..., do ponto de vista médico-legal, não o desfiguram de forma grave, nem afectam de forma grave a capacidade de utilização do corpo ou a de trabalho.
29. No dia 06.10.2011 deu entrada no “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” o ofendido E ..., tendo sido assistido no serviço de urgência, a que se seguiu internamento de 06.10.2001 a 13.10.2011, com consultas externas em 08.11.2011 e 17.01.2012.
30. No dia 06.10.2011 deu entrada no “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” o ofendido/assistente C ..., tendo sido assistido no serviço de urgência, a que se seguiu internamento de 06.10.2001 a 14.10.2011, com consultas externas em 18.11.2011, 20.01.2012 e 30.03.2012.
31. No dia 06.10.2011 deu entrada no “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” o ofendido D ..., tendo sido assistido no serviço de urgência, a que se seguiu internamento de 06.10.2001 a 12.10.2011, com consultas externas em 07.11.2011, 05.12.2012, 06.03.2012 e 16.04.2012.
32. As assistências que foram prestadas aos assistidos/ofendidos pelo “Centro Hospital Universitário de Coimbra” foram originadas pelos ferimentos apresentados pelos mesmos, em consequência das agressões que lhes foram perpetradas pelos arguidos, acima descritas.
33. Os encargos suportados pelo “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” com a assistência prestada ao ofendido E ... importam a quantia de €1.966,24 (mil novecentos e sessenta e seis euros e vinte e quatro cêntimos).
34. Os encargos suportados pelo “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” com a assistência prestada ao ofendido/assistente C ... importam a quantia de €4.090,57 (quatro mil e noventa euros e cinquenta e sete cêntimos).
35. Os encargos suportados pelo “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” com a assistência prestada ao ofendido D ... importam a quantia de €4.216,57 (quatro mil duzentos e dezasseis euros e cinquenta e sete cêntimos).
36. Com a assistência prestada aos ofendidos referidos, o “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra” suportou, ainda, custos no valor de €505,80 (quinhentos e cinco euros e oito cêntimos), sendo €168,60 reportados a despesas com cada ofendido, respectivamente.
37. À data dos factos o ofendido/assistente C ...exercia funções como gerente de bar na Estalagem Portagem, sita Mealhada, e auferia mensalmente a remuneração de €600,00.
38. Depois de ter sido assistido pelos bombeiros e pelo INEM no local onde foi agredido, assistência no âmbito da qual lhe foi imobilizado do membro inferior esquerdo, o ofendido/assistente foi transportado para o “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra”.
39. No diagnóstico realizado apurou-se que o ofendido/assistente C ...apresentava uma fractura do fémur, com bala alojada localmente na perna esquerda, motivo pelo qual foi submetido a intervenção cirúrgica, com anestesia geral, para extracção do projéctil e colocação de material de osteossíntese.
40. O ofendido/assistente ficou internado na referida unidade hospitalar até ao dia 14 de Outubro de 2011.
41. No pós-internamento, o ofendido/assistente submeteu-se a várias consultas da especialidade de ortopedia, e, bem assim, teve de se deslocar da sua residência ao centro de saúde para tratamentos, sem prejuízo daqueles que efectuava na sua própria habitação.
42. Na consulta de ortopedia efectuada no dia 16 de Novembro de 2011, o ofendido/assistente apresentava dificuldade em deslocar-se face ao aparecimento de fenómenos dolorosos ao nível da coxa esquerda e tinha uma hemorragia sunconjuntival dos quadrantes laterais do olho direito.
43. Durante os quatro meses que se seguiram ao evento, ou seja, até Fevereiro de 2012, o ofendido/assistente apenas conseguia deslocar-se com o auxílio de canadianas e por curtos espaços de tempo e distância, já que sentia dores e cansaço.
44. Para além disso, ficou privado durante meses da prática desportiva, já que praticava futebol, ténis, natação e equitação, bem como não podia deslocar-se a discotecas e festas, estando impedido de conviver e se divertir da mesma forma que até então sucedia.
45. E, bem assim, durante algumas semanas sentiu-se frustrada em razão de se ter visto privado de manter relações sexuais com a sua companheira.
46. Sentia-se, por diversas vezes, atormentado e angustiado ao recordar as agressões de que foi vítima, para além de se mostrar nervoso e ansioso.
47. Ficou de baixa médica (impossibilitado de trabalhar até ao mês de Abril de 2012)
48. Sentiu-se humilhado, suportou forte comoção e receou pela sua vida no momento em que foi atingindo por um disparo de arma de forma a curta distância do seu corpo.
49. Pagou ao “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., a título de taxas moderadoras, com referência ao episódio de urgência do dia 06.10.2011, a quantia de €34,85 (trinta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos).
50. Em resultado do disparo sofrido com arma de fogo, as calças que usava naquele dia, e que tinham um valor estimado de €60.00 (sessenta euros), ficaram inutilizadas.
51. O assistente foi obrigado a recorrer aos serviço de Medicina Dentária Clínica do (...), com fractura do dente 1.1 e traumatismo ósseo do implante do dente 2.1 e zona adjacente, e, bem assim, teve de ser submetido à exodontia da raiz e colocação de implante no dente 1.1. com reconstrução óssea e remoção do implante e colocação de novo implante no dente 2.1., também com reconstrução óssea.
52. A ..., de etnia cigana, nasceu (aos 20.04.1984) e cresceu em Torres Novas.
53. No plano familiar destaca-se a morte do progenitor, por suicídio, como evento que marcou o seu percurso pessoal.
54. É o filho mais velho numa família de etnia cigana, pelo que acabou por sentir a necessidade de assumir, ainda jovem, um papel paternal junto dos seus três irmãos mais novos, até pelo estado depressivo prolongado da sua progenitora.
55. Conclui com sucesso o curso de informática e manutenção de equipamentos, com obtenção do 12.º ano de escolaridade, após abandono temporário durante a frequência do 10º no escolaridade, no âmbito do ensino regular, na sequência da morte de familiar próximo.
56. Ainda integrou o curso superior de serviço social e desenvolvimento comunitário, todavia abandonou o mesmo ao fim de seis meses, sendo que a integração nesse curso teria como objectivo exclusivo obter um nível de qualificação que entendeu ser consonante com a candidatura, entretanto não prosseguida, à presidência da Associação para o desenvolvimento da etnia cigana do centro.
57. Auto-referencia-se como um indivíduo com tendência para a liderança desde cedo na vida, tendo assumido o papel de delegado de turma em diferentes anos lectivos.
58. Para além da venda ambulante em feira a que se dedicou durante anos, até como extensão da actividade familiar, constituiu uma empresa de ar condicionado que manteve durante quatro meses, para além de ter tentado investir em negócios com esquemas em pirâmide, mas os mesmos não foram bem sucedidos.
59. A ... reside há cerca de dois anos em urbanização sita em freguesia próxima da cidade de Leiria, não se encontrando a zona residencial em causa conotada com qualquer problemática social relevante.
60. Vive com a companheira, mulher que não é de etnia cigana, com quem mantem uma relação duradoura e aparentemente estável.
61. Mantém um convívio frequente e gratificante com a família de origem, contactando com a mãe praticamente num registo diário.
62. Em termos profissionais, o arguido cessou a sua actividade de vendedor ambulante há cerca de dois anos, embora continue a dar apoio a familiares na venda em feiras durante os fins-de-semana.
63. Está a desenvolver uma actividade, em parceria com outro indivíduo, na área da informática, designadamente na reparação de equipamentos.
64. Da actividade que desenvolve o arguido A ... aufere rendimentos mensais na ordem dos €900,00 a €1.000,00.
65. Tem um papel activo junto do Centro Cultural Desportivo de (...), embora não assuma qualquer cargo directivo.
66. De forma menos estruturada, mas frequente, convivo com grupo de amigos na prática desportiva.
67. O círculo de amigos do arguido A ... tem um estilo de vida pró-social, não existindo quaisquer elementos indiciadores de problemas associados ao consumo de substâncias aditivas.
68. O arguido A ... demonstra alguma preocupação em ter uma boa imagem social, revelando ambição, mas reduzida persistência na gestão de objectivos.
69. O arguido A ... revela dificuldade em lidar com o que lhe é desagradável, apresentando uma tendência assumida para esquecer eventos poucos gratificantes.
70. O arguido A ... não se mostra sinalizado no seu meio comunitário, nem senso sequer identificado pelos elementos vicinais.
71. O presente procedimento criminal não afectou o suporte consistente que tem da sua família de origem, não sendo o mesmo do conhecimento do seu meio comunitário.
72. O arguido B ... é natural de Coimbra (nasceu em 10.01.1996) e é oriundo de uma família de etnia cigana com uma situação económica desafogada e acima da média, sendo o mais velho de quatro irmãos.
73. Os progenitores do arguido, vendedores ambulantes, desenvolveram com êxito o anterior negócio da família paterna, tendo prosperado a nível dos negócios, que expandiram com a abertura de lojas de venda e de revenda de peças de vestuário.
74. O arguido ingressou no ensino básico com 7 anos de idade, e, após, prosseguiu a sua escolaridade até ao 11.º ano, que não veio a concluir.
75. Com 17 anos de idade e por sua vontade, abandonou os estudos, passando a auxiliar os pais na venda nas feiras e nas lojas.
76. Com 22 anos de idade, o arguido contraiu matrimónio, segundo os rituais da sua etnia, com S..., na época com 16 anos de idade, ficando o casal a residir em casa dos pais do arguido.
77. No sentido de poder vir a constituir família e modo a poder autonomizar-se do seu agregado familiar de origem, o arguido B ..., face à situação económica que atingiu bastante novo, adquiriu através de empréstimo, uma andar sito na (...) em Coimbra.
78. Contudo, desentendimentos entre o casal, levou-os à separação, pelo que o arguido não chegou a abandonar a residência dos seus pais.
79. O arguido tem uma filha desta união, com 4 anos de idade, a qual reside com a mãe, no Norte do país, contactando com o pai, aqui arguido, de 15 em 15 dias, contribuinte este a título de pensão de alimentos com a quantia mensal de €100,00.
80. O arguido B ... continua a residir com os seus pais e três irmãos, num T3 com boas condições de habitabilidade e conforto.
81. O arguido B ..., tal como a restante família na qual se insere, continua a dedicar-se ao negócio da venda e revenda de vestuário, desenvolvendo a sua actividade, por via de regra, em feiras.
82. Fruto da actividade que desenvolve, o arguido B ... aufere rendimentos mensais na ordem dos €600,00, com os quais auxilia os progenitores no pagamento das despesas do lar.
83. No meio habitacional em que se insere o arguido B ... é bem referenciado, usufruindo de uma imagem positiva.
84. Por sentença proferida aos 11.12.2006, transitada em julgado aos 16.04.2007, no âmbito do processo comum singular n.º3826/02.7PCCBR, que correu termos no 4.º Juízo Criminal de Coimbra, o arguido B ... foi condenado pela prática, em 23.12.2002, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, previsto e punido pelo art. 275, n.º3 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €5,00, num total de €450,00, pena essa já extinta pelo pagamento.
85. Por sentença proferida aos 26.05.2010, transitada em julgado aos 18.01.2011, no âmbito do processo comum singular n.º1168/07.0PBVIS, que correu termos no 1.º Juízo Criminal de Viseu, o arguido B ... foi condenado pela prática, em 14.10.2007, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º da Lei n.º5/2006, de 13 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período, pena essa já extinta pelo cumprimento.
86. Por sentença proferida aos 14.02.2006, transitada em julgado aos 20.02.2006, no âmbito do processo comum singular n.º909/05.5TACBR, que correu termos no 4.º Juízo Criminal de Viseu, o arguido A ... foi condenado pela prática, em 09.07.2005, de um crime de detenção de substâncias explosivas ou análogas e armas, previsto e punido pelo art. 275.º do Código Penal, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de €2,50, e, subsidiariamente, em 50 dias de prisão, pena principal essa já extinta pelo cumprimento.
87. Por sentença proferida aos 14.02.2006, transitada em julgado aos 01.03.2006, no âmbito do processo comum singular n.º04/05.7FCPNI, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peniche, o arguido A ... foi condenado pela prática, em 27.01.2005, de um crime de contrafacção (direitos de autor), previsto e punido pelo art. 196.º da Lei n.º114/91, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €3,00, num total de €270,00, pena essa já extinta pelo cumprimento.
88. Por sentença proferida aos 27.03.2007, transitada em julgado aos 20.04.2007, no âmbito do processo comum singular n.º67/04.2GAACN, que correu termos na secção única do Tribunal Judicial de Alcanena, o arguido A ... foi condenado pela prática, em 31.03.2004, de um crime de usurpação (direitos de autor), previsto e punido pelos artigos 199, n.º1 e 197, n.º1 ambos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na pena de 270 dias de multa, à razão diária de €2,50, num total de €675,00, pena essa já extinta pelo cumprimento.
89. Por sentença proferida no âmbito dos autos de processo comum singular n.º356/04.6GTLRA, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, já transitada em julgado, foi o arguido A ... condenado pela prática, 10.07.2004, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo art. 291.º do Código Penal, em pena de multa, já extinta pelo cumprimento.
90. Em momento prévio ao julgamento, o arguido A ... acordou extrajudicialmente com o ofendido E ... o ressarcimento dos prejuízos que lhe causou com a sua actuação, tendo vindo a cumprir esse acordo indemnizatório, e, bem assim, diligenciou junto dos ofendidos D ... e C ..., abordando-os nesse sentido.
 2.2 Matéria de facto não provada com relevância para a decisão da causa
1. Em momento prévio ao início da contenda, os arguidos dirigiram ao grupo dos ofendidos ásperas palavras.
2. Em momento prévio ao início da contenda, o ofendido E ... desatou a vociferar impropérios e ameaças dirigidas aos arguidos.
3. O ofendido E ... questionou os arguidos da razão da agressividade verbal destes para com os ofendidos.
4. O ofendido E ... dirigiu-se aos arguidos, em tom ameaçador e com os punhos em riste, acompanhado por cerca de 6 indivíduos.
5. O arguido A ... apontou a arma de fogo que empunhava à cabeça do ofendido E ... e disparou.
6. O objecto que o arguido B ... apontou ao ofendido C ... era uma navalha com lâmina afiada em metal.
7. O arguido A ..., usando a arma de fogo que empunhava, disparou na direcção do ofendido F ..., apenas não o atingindo em razão deste ter logrado esquivar-se aos disparos.
9. O arguido A ..., ao disparar sobre os ofendidos E ..., D ... e C ..., agiu com total indiferença para com a vida alheia, porque lhe apeteceu, porque sim, porque estava irritado, sendo que os factos ocorreram na via pública, em local onde havia várias pessoas, que também podiam ser atingidas com gravidade, indiferente ao sofrimento alheio, apenas não logrando atingir os seus intentos – retirar a vida aos quatro ofendidos – apenas e tão só porque estes fugiram, se esquivaram e por mero acaso, tudo aliado à pouca pontaria do arguido.
10. O arguido A ..., ao disparar sobre os ofendidos E ..., D ... e C ..., previu a possibilidade de lhes retirar a vida e conformou-se com ela.
11. O arguido apenas agiu da forma que o fez em razão de ter ingerido bebidas alcoólicas.
12. Pelo transporte efectuado para o hospital, o assistente C ... pagou aos Bombeiros de Condeixa a quantia de €21.60 (vinte e um euros e sessenta cêntimos).
2.3 - Motivação
O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, de acordo com a sua livre convicção e as regras de experiência comum, tal como impõe o art. 127.º do Código de Processo Penal.
Na verdade, a livre convicção dos julgadores assentou na análise concatenada do acervo testemunhal produzido em audiência, com as declarações prestadas pelo assistente C ... e pelo arguido A ... no decurso do julgamento, sem descurar os relatórios periciais, os exame médicos, as informações clínicas e o demais acervo documental que instrui estes autos e se mostra cabalmente identificado no libelo acusatório público.
Mas vejamos com mais pormenor.
No exercício de um direito que lhe assiste, no decurso da audiência de julgamento, o arguido B ... optou por remeter-se ao silêncio.
Já o arguido A ... optou por prestar declarações, no âmbito das quais começou por verbalizar arrependimento pelas suas condutas, manifestando o propósito de pedir desculpa aos ofendidos.
Depois de explicar o modo como na sua perspectiva se iniciou a contenda, reconheceu que, a dada altura, no decurso da confrontação física, deslocou-se ao veículo em que se fez transportar para o local com o outro arguido, seu primo, e que se encontrava nas proximidades do local onde estavam arguidos e ofendidos, onde buscou uma arma de fogo de que fez uso, após voltar para o local da contenda, efectuando vários disparos, sem que tivesse a intenção de retirar a vida aos ofendidos.
Retirado o essencial e a parte credível das declarações prestadas pelo arguido, na formação da convicção do tribunal colectivo, há que referir que foi pacífica entre o acervo testemunhal produzido, as declarações do arguido A ... e as declarações do assistente C ..., a localização espácio-temporal dos factos, bem como a localização e composição dos grupos (ofendidos/arguidos), identificação das roulottes de comidas junto das quais se encontravam, respectivamente, e, bem assim, da ausência de conhecimento prévio e relacionamento entre os arguidos e os ofendidos (assumindo neste ponto relevo, como é obvio, os depoimentos dos ofendidos e as declarações do assistente e do arguido, confirmatórios de tal circunstância).
Seguindo na fundamentação da decisão de facto, há que realçar o depoimento testemunhal prestado pelo ofendido F ..., o qual com lucidez e espontaneidade, logrou descrever ao tribunal a dinâmica dos factos ocorridos no dia 6 de Outubro de 2011, nas circunstâncias espaciais enunciadas na acusação pública.
Este ofendido, após centrar temporal e espacialmente os factos, elucidou o tribunal sobre o modo como na sua perspectiva se iniciou a contenda entre ambos os grupos, esclarecendo que foi o seu colega E ... quem se dirigiu, primeiramente, para junto dos arguidos, que se encontravam nas imediações da roulotte de comidas (“O Estudante”), situada do lado oposto da roulotte “O Psicológico”, junto da qual se encontravam o depoente e os demais ofendidos.
A este propósito diga-se que a testemunha N..., isenta e distante de qualquer interesse no desfecho da lide, que nos mereceu credibilidade, esclareceu o tribunal no sentido de que, do lado do grupo dos ofendidos, apenas o ofendido E ... dirigiu palavras aos arguidos, tendo sido esse ofendido que partiu, calmamente, em direcção ao local onde se encontravam os arguidos, em momento prévio à primeira agressão perpetrada pelo arguido B ... como acima vimos, precisando que, no decurso do trajecto o ofendido E ... dirigiu expressão aos arguidos, mas cujo teor não lhe foi perceptível.
De todo modo, no que tange ao momento anterior àquele em que o ofendido E ... partiu em direcção do local onde se encontravam os arguidos, convenceu-se o tribunal no sentido que ocorreu uma efectiva troca de palavras entre o grupo de ofendidos (do lado dos ofendidos, apenas se tem a certeza que o ofendido E ... dirigiu/trocou palavras aos/com os arguidos) e os arguidos, o que nos parece lógico e mais verosímil, tomando em consideração os factos que se seguiram, aliás, tal circunstância foi atestada em audiência pelas testemunhas T... e O..., o primeiro que se encontrava junto da roulotte de comidas “O Psicológico”, enquanto cliente, e o segundo no interior de tal roulotte onde laborava, as quais revelaram isenção e descomprometimento com o desfecho da lide, transparecendo credibilidade. Realce-se porém que o acervo probatório produzido em audiência de julgamento não foi capaz de elucidar cabalmente o tribunal colectivo sobre quais as palavras dirigidas pelos arguidos ao grupo dos ofendidos, e, bem assim, sobre quais as palavras dirigidas pelo ofendido E ... àqueles e sobre os concretos motivos e/ou causas que estiveram na origem do confronto.
No seguimento da sua descrição dos factos, o ofendido F ... esclareceu que o ofendido E ..., mal chegou junto dos arguidos, foi agredido pelo arguido B ... que desferiu um golpe na sua cabeça com uma cerveja de vidro que tinha na sua mão. Tal factualidade foi confirmada, ademais, pelo assistente C ..., sendo que a testemunha N... (advogado de profissão), que se encontrava junto à roulotte de comidas “O Psicológico”, confirmou ter visto um dos dois indivíduos que enfrentaram os ofendidos (ou seja, um dos dois arguidos), que não consegue identificar, a desferir um golpe na cabeça do ofendido E ... com uma garrafa de vidro.
Acresce que, no decurso do inquérito, em diligência de reconhecimento de pessoas, as testemunhas M... e o próprio ofendido E ... reconheceram o arguido B ... como o responsável pela agressão perpetrada ao ofendido E ... com uma garrafa de cerveja na cabeça. (vide auto de reconhecimento de fls. 167 e ss.)
A testemunha/ofendido F ... seguiu afirmando e reconhecendo que, juntamente com o ofendido C ..., foi no encalço do ofendido E ..., tendo-se iniciado um contenda física entre arguidos e ofendidos, no decurso da qual, segundo asseverou, o arguido A ... desferiu murros no ofendido E ..., nomeadamente na zona de cabeça. Neste enquadramento, a atestar da contenda física ocorrida entre os arguidos e os ofendidos supra referidos, naquele momento temporal, tivemos os depoimentos testemunhais isentos e descomprometidos de T...e N..., os quais se encontravam junto da roulotte de comidas “O Psicológico”, e por isso puderam visualizar o ocorrido, bem como o depoimento testemunhal do ofendido D ... que explicou ter sido aquele que se manteve mais afastado dos confrontos, procurando, infrutiferamente, por termo à contenda física que se gerou entre arguidos e os ofendidos E ..., C ... e F ..., acabando também ele por ser vítima de agressão.
Na exposição escorreita da factualidade por si visualizada, o ofendido F ..., confirmou que, a dada altura, enquanto decorria a contenda física, o arguido A ... deslocou-se a uma viatura que se encontrava nas proximidades, muniu-se de uma arma de fogo, que começou por apontar ao ofendido E ..., disparando, após o que diz ter ouvido um som seco (estalinho), caracterizador de que arma de fogo não tinha munições da câmara.
A este respeito, diga-se, que a circunstância da arma de fogo não ter disparado foi confirmada pelo próprio arguido A ..., bem como, ademais, pelo assistente C ..., pelo ofendido D ... e pelas testemunhas U... e O..., que se encontravam no local.
Quanto à pessoa a quem o arguido apontou a arma de fogo e disparou, num primeiro momento, pese embora a confusão lançada pelo ofendido D ..., no sentido de que ele foi o visado, das declarações do assistente C ... e do testemunho do ofendido F ... resultou claro que os disparos (em seco) dirigiam-se ao ofendido E ..., junto de quem o arguido A ... se achava.
Note-se que o tribunal colectivo ficou com a dúvida sobre a zona do corpo do ofendido E ... à qual o arguido A ... apontou a arma de fogo e disparou em seco, isto porque enquanto os ofendidos F ... e C ... indicaram a cabeça, a testemunha O..., que nos mereceu igual credibilidade, indicou a zona dos membros inferiores, sendo certo que o ofendido E ... não conseguiu esclarecer tal circunstância, pelo que na dúvida, em benefício do arguido em causa, por força da aplicação do princípio in dubio pro reo, o tribunal não poderá dar como provada a concreta zona do corpo do ofendido E ... a que o arguido A ... apontou a arma de fogo quando disparou em seco.
Neste enquadramento é por demais evidente que o arguido A ... não se apercebeu que arma não tinha munições na câmara, pois que, assim não fosse, não teria, posteriormente, introduzido o carregador na arma de fogo e disparado sobre os ofendidos E ..., D ... e C .... Ou seja, a sua intenção inicial era de disparar sobre o ofendido E ..., logro que não alcançou por arma não ter munições na câmara.
Acrescente-se, a este propósito, que o tribunal colectivo não tem dúvidas que o arguido A ..., no período que mediou os disparos a seco e o fogo real que produziu sobre os ofendidos, introduziu o carregador na arma de fogo, pois que não se encontra outra justificação para a arma não ter num primeiro momento disparado em seco e num segundo momento ter lançado projécteis. Aliás, os ofendidos D ... e C ... e a testemunha O..., nesse concreto período temporal, viram o arguido A ... a introduzir algo na arma de fogo que empunhava e a fazer o gesto de carregamento da arma.
Ademais, a testemunha/ofendido F ... asseverou, ainda, que após o sucedido, o arguido A ..., utilizando a coronha da arma de fogo que empunhava, desferiu várias pancadas na cabeça do ofendido E ..., isto, momento antes de ter começado a disparar, circunstância fáctica confirmada pelo assistente C ..., tendo o próprio ofendido E ... afirmado ter sido agredido com uma arma de fogo na cabeça, desconhecendo, no entanto, o autor de tal acto.
Tal testemunha/ofendido ( F ...), que nos mereceu credibilidade, pelos motivos supra enunciados, confirmou, ainda, que no decurso da contenda física, o arguido B ... desferiu-lhe um golpe na cabeça com uma garrafa de vidro de cerveja, o que se mostra compatível com as lesões/sequelas por si sofridas, descritas na informação clínica de fls. 32 e nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 216 a 217, 542 a 543 dos autos.
Em prol da verdade, ao arrepio do que vem descrito no libelo acusatório público, o ofendido F ... negou que o arguido A ... tenha disparado na sua direcção com a arma de fogo que trazia.
Nas declarações do assistente C ... formou o tribunal a sua convicção quanto ao facto de no decurso da contenda o arguido B ... ter avançado em sua direcção com um objecto de características não concretamente apuradas, fazendo movimentos para cima e para baixo, procurando atingi-lo e feri-lo com tal objecto, o que apenas não logrou graças à actuação do ofendido em causa que se esquivou aos golpes e fugiu.
Relativamente ao objecto utilizado pelo arguido B ... na tentativa de agressão ao assistente C ..., pese embora este tenha declarado que lhe pareceu uma navalha, não há certeza de tal circunstância, já que o canivete apreendido à ordem destes autos não corresponde ao objecto utilizado e nenhuma pessoa presente local observou a existência de uma navalha, pelo que o tribunal, na dúvida, terá de julgar o facto como não provado em benefício do arguido em causa, por força da aplicação do princípio in dúbio pro reo.
Da conjugação dos depoimentos prestados pelos ofendidos, com especial ênfase, para o ofendido F ..., que se mostrou mais clarividente e mais recordado do evento, convenceu-se o tribunal sobre a dinâmica da actuação do arguido A ... no que aos disparos diz respeito. Na verdade, ficou claro para o tribunal colectivo que o arguido referido não disparou indistintamente sobre os ofendidos, até porque os mesmos se encontravam separados e a uma certa distância uns dos outros. Mais se ficou a perceber a ordem pela qual os ofendidos foram atingidos, a distância aproximada à qual foram efectuados os disparos sobre os ofendidos, e, por último, a zona do corpo para a qual o arguido apontou a arma de fogo que empunhava antes de disparar sobre os ofendidos.
Das informações clínicas e dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal a que infra se fará referência por reporte às lesões e sequelas sofridas, respectivamente, pelos ofendidos E ..., D ... e C ... formou o tribunal a sua convicção quanto à zona corporal (de cada ofendido) atingida pelo projéctil disparado, ao número de projécteis disparados sobre cada um dos ofendidos e à zona corporal (de cada ofendido) onde o projéctil ficou alojado e seu trajecto.
Do relatório do exame pericial realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constante de fls. 457 e ss. resulta a certeza que o arguido A ... fez uso de uma arma de fogo de cano curto que funcionava com munições de calibre 7.65 mm, uma vez que as cápsulas de munições deflagradas encontradas no local dos factos (vide informação de serviço de fls. 17 e ss. e relatório de exame de fls. 47 e ss.) constituem elementos de munições com o referido calibre. Além disso, mas não de somenos importância, o projéctil retirado do corpo do ofendido C ... constitui-se, também, como um elemento de 7.65 mm.
A propósito do acervo testemunhal produzido urge realçar que o testemunho de L... não mereceu qualquer credibilidade, por notoriamente interessado e comprometido com a defesa dos arguidos, para além de inverosímil, de tal modo que o mesmo foi ao ponto de afirmar que foi o ofendido E ... quem bateu com a cabeça na garrafa de cerveja que o arguido B ... empunhava, e não este arguido que lhe desferiu um golpe na cabeça com tal objecto.
A testemunha M..., que trabalhava na roulotte de comidas “O Estudante” e se encontrava presente no local, adiantou uma nova circunstância, qual seja a de que o ofendido E ... ao chegar junto dos arguidos tentou dar uma cabeçada num deles, todavia, ainda que o ofendido E ... não tenha negado tal possibilidade (nem confirmado), a testemunha em causa não relevou a certeza de tal circunstância fáctica (referiu pareceu-me), sendo certo que inexiste suporte probatório que a sustente, tanto mais que o arguido A ..., nas suas declarações, não referiu que tal tenha sucedido, o que seria normal fazer, em prol da sua defesa, o que inculca a ideia de que o ofendido E ... não assumiu esse comportamento.
Cumpre acrescentar que o arguido A ... adiantou que o ofendido E ... avançou inicialmente sobre ele e o seu primo, aqui também arguido, com os punhos em riste, procurando desferir-lhe um murro, todavia, o por si declarado não mereceu sustentação em qualquer outro suporte probatório, pelo que não convenceu o tribunal colectivo dessa circunstância.
Ademais, por ter sido cabalmente contraditado pelo grosso do acervo probatório produzido, como se viu supra, não colheu, por absoluta falta de verosimilhança, a versão do arguido no sentido de que disparou os tiros para o chão sem intenção de ofender o corpo dos ofendidos.
A prova das lesões sofridas pelo ofendido D ... realizou-se à custa do teor da informação clínica de fls. 30 e dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 274 a 275, 315 a 316, 382 a 384, 469 a 470, 563 a 564, sendo certo que a avaliação pericial realizada aponta no sentido de estabelecer um nexo causal entre a conduta agressora perpetrada pelo arguido A ..., melhor descrita em 14) dos factos provados, e as sobreditas lesões e/ou sequelas.
A prova das lesões sofridas pelo ofendido C ... realizou-se à custa do teor da informação clínica de fls. 31 e dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 225 a 226, 559 a 560, sendo certo que a avaliação pericial realizada aponta no sentido de estabelecer um nexo causal entre a conduta agressora perpetrada pelo arguido A ..., melhor descrita em 15) dos factos provados, e as sobreditas lesões e/ou sequelas.
A prova das lesões sofridas pelo ofendido E ... realizou-se à custa do teor da informação clínica de fls. 33 e dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 212 a 213, 339 a 340, 490 a 491, 538 a 539, 586 s 587, 646 a 647, sendo certo que a avaliação pericial realizada aponta no sentido de estabelecer um nexo causal entre as condutas agressoras perpetradas pelos arguidos, melhor descritas em 6), 8), 11) e 13) dos factos provados, e as sobreditas lesões e/ou sequelas, bem como atesta do período de doença sofrido por este ofendido e da respectiva afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
A propósito do ofendido E ..., urge precisar que a convicção do tribunal colectivo no sentido de que do evento não resultou concreto perigo para a sua vida, e, bem assim, de que as lesões por si sofridas, do ponto de vista médico-legal, não o desfiguram de forma grave, nem afectam de maneira grave a capacidade de utilização do corpo ou a de trabalho, assentou no teor do relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal constante de fls. 490 e ss. dos autos.
A prova das lesões sofridas pelo ofendido F ... realizou-se à custa do teor da informação clínica de fls. 32 e dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, constantes de fls. 216 a 217, 542 a 543, sendo certo que a avaliação pericial realizada aponta no sentido de estabelecer um nexo causal entre a conduta agressora perpetrada pelo arguido B ..., melhor descrita em 9) dos factos provados, e as sobreditas lesões e/ou sequelas, bem como atesta do período de doença sofrido por este ofendido e da respectiva afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
No que tange à factualidade atinente aos elementos intelectual e volitivo do dolo, respeitante às condutas perpetradas pelo arguido, a mesma foi julgada assente a partir do conjunto de circunstância de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo, ao invés, da materialidade dos factos apreciados à luz das regras de experiência comum.
De todo o modo, por reporte à actuação do arguido A ..., urge salientar que a experiência e razoabilidade vivencial demonstram que uma pessoa que, apontando uma arma de fogo em direcção a zona corporal não vital (braço e pernas) de outra pessoa, dispara e alveja-a no braço e/ou na perna, tem a plena consciência de que está a ofender o corpo do visado, sendo evidente ser esse o desiderato por ele visado. Já por referência à actuação do arguido B ..., é também inegável que uma pessoa que, com uma garrafa de vidro, desfere um golpe na cabeça de outrem, tem a consciência e o escopo de lhe ofender o corpo. Para além disso, é do conhecimento generalizado da comunidade que ofender o corpo ou saúde de outra pessoa constitui ilícito criminal.
A este propósito, importa acrescentar que da matéria de facto apurada resultou para o tribunal colectivo a convicção de que o arguido A ... não agiu com o propósito de retirar a vida aos ofendidos que alvejou com arma de fogo, nem tão pouco se conformou com a possibilidade da sua actuação agressora produzir esse resultado, ou seja, a morte dos ofendidos. Isto porque, caso fosse essa a sua real pretensão, dada a proximidade a que efectuou os disparos que atingiram os ofendidos (menos de 1 metro), certamente a teria alcançado.
Valorando a proximidade a que se encontrava o arguido A ... do corpo dos ofendidos quando efectuou os respectivos disparos, e, bem assim, o meio que utilizou para perpetrar as ofensas corporais – arma de fogo - o mesmo dispunha de todos os meios necessários para matar os ofendidos, nomeadamente atirando para parte ou órgão vital do seu corpo, o que manifestamente optou por não fazer, já que atirou para as pernas dos ofendidos D ... e C ... e para o braço do ofendido E ..., razão pela qual dúvidas inexistem que o arguido A ... actuou, tão-só, com o propósito conseguido de ofender o corpo dos ofendidos visados com os disparos.
Não se descura que, por reporte à ofensa perpetrada pelo arguido A ... ao ofendido E ..., o projéctil disparado atingiu a zona do abdómen do ofendido, o que poderia inculcar a ideia de que o arguido quis efectivamente matar o ofendido em causa, ou, pelo menos, ponderou essa possibilidade e conformou-se com ela, todavia, não cremos que assim tenha sucedido, ou seja, que tenha sido essa a intenção e consciência do arguido, já que, se bem virmos, o mesmo disparou em direcção ao braço esquerdo do fendido e atingiu-o no antebraço, resultando a perfuração do corpo na zona do abdómen da circunstância do projéctil ter atravessado o braço do ofendido. O arguido quis, tão só, atingir o braço do ofendido, resultando a perfuração do corpo do ofendido na zona do abdómen de circunstância inesperada, imprevista e não querida pelo arguido. Em ordem a alcançar tal desiderato o tribunal colectivo valorou, ademais, a inexistência de circunstâncias fácticas que nos permitam operar um juízo no sentido de que a intenção do arguido quanto ao ofendido E ... era divergente da por si querida quanto aos ofendidos C ... e D ..., já que quanto a estes é evidente a ausência de intenção de matar. Ou seja, não se vislumbram razões concretas para que arguido A ... pretendesse matar o ofendido E ... e “apenas” ofender o corpo ou a saúde dos outros dois ofendidos.
A prova de que, na sequência das ofensas corporais perpetradas pelos arguidos, os ofendidos E ..., C ... e D ... foram assistidos no “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra”, para tratamento das lesões que sofreram (urgência, internamento e consultas externas), realizou-se à custa do reconhecimento dos próprios e dos elementos clínicos constantes do processo, com especial ênfase para a história dos eventos e os dados documentais analisados e mencionados nos relatórios periciais a que acima se fez alusão, resultando a prova dos custos da assistência médica dos ofendidos das facturas constantes de fls. 725, 726, 727, 934, 935 e 936 dos autos.
Por sua vez, sem prejuízo das declarações do assistente nesse sentido, na informação clínica exarada no relatório pericial de fls. 559 e ss., nomeadamente na parte concernente ao histórico do evento, e no relatório clínico de fls. 31 dos autos, formou o tribunal colectivo a sua convicção quanto aos seguintes factos: o assistente ter sido assistido medicamente no local da ocorrência do evento: ter sofrido imobilização do seu membro inferior esquerdo; ter sido transportado, após o evento, para o “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra”; ter fracturado o fémur e sido submetido a intervenção cirúrgica para remoção do projéctil que ficou alojado no interior do seu corpo e colocação de material de osteossíntese; ter sofrido um período de internamento na unidade hospitalar em causa até 14.10.2011; e, por último, ter-se submetido a várias consultas de especialidade de ortopedia no pós-internamento.
No que tange às dores, privações (profissionais e de lazer; físicas e psicológicas) e limitações que o assistente padeceu na decorrência das lesões que sofreu; ao seu estado de espírito e condição psicológica no pós-evento e na sequência deste; e, bem assim, quanto à actividade profissional desenvolvida pelo assistente ao momento do evento e respectiva remuneração, o tribunal assentou a sua convicção na análise concatenada dos depoimentos testemunhais produzidos por G ..., H ... e J ..., os quais, enquanto, respectivamente, namorada, amigo e pai do assistente C ..., foram asseverando de tais circunstancialismos fácticos, com efectivo conhecimento directo dos factos, dada a proximidade vivencial que com ele mantinham e mantêm. Sem prejuízo, ainda que o arguido A ... não tivesse a intenção de o matar, as regras de experiência demonstram a naturalidade da circunstância do assistente C ... ter receado pela sua vida quando foi alvejado, a curta distância, por projéctil provindo de arma de fogo que para si havia sido apontada.
A circunstância de que o assistente C ... liquidou ao “Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E.”, a título de taxas moderadoras, com reporte ao episódio de urgência do dia 06.10.2011, a quantia de €34,85 (trinta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos), mostra-se atestada pelo recibo de fls. 770.
Do auto de exame directo de fls. 403 e ss., que nos concede, além do mais, uma visualização fotográfica das calças de ganga que o assistente C ... usava ao momento da ocorrência do evento de que foi vítima, resulta que as mesmas ficaram inutilizadas em resultado do disparo que aquele sofreu com arma de fogo, sendo notório, que tais calças, pela sua marca “Salsa”, tinham um valor estimado de €60,00 (sessenta euros).
O facto de o assistente C ... ter sido obrigado a recorrer aos serviço de Medicina Dentária Clínica do (...), com fractura do dente 1.1 e traumatismo ósseo do implante do dente 2.1 e zona adjacente, e, bem assim, de ter sido submetido à exodontia da raiz e colocação de implante no dente 1.1. com reconstrução óssea e remoção do implante e colocação de novo implante no dente 2.1., também com reconstrução óssea, mostra-se atestado pelo relatório médico constante de fls. 768 dos autos.
A livre convicção dos julgadores no que respeita aos factos atinentes ao processo de socialização e às condições pessoais e sociais do arguido A ..., e, bem assim, ao impacto da situação jurídico-penal, assentou, essencialmente, no teor do relatório social para determinação da sanção, constante de fls. 969 e ss. dos autos, sem prejuízo da valoração dos depoimentos testemunhais prestados pelos seus amigos P..., Q... e R... que depuseram favoravelmente com relação à sua personalidade e comportamento.
Por sua vez, o juízo decisório relativo aos factos concernentes ao processo de socialização e às condições pessoais e sociais do arguido B ..., e, bem assim, ao impacto da situação jurídico-penal, formou-se à cista do teor do relatório social para determinação da sanção, constante de fls. 978 e ss. dos autos.
A prova da factologia concernente aos antecedentes criminais registados do arguido A ... estribou-se no teor do certificado de registo criminal de fls. 921 e ss. dos autos.
Já a prova da factualidade respeitante ao passado criminal do arguido B ... alicerçou-se no teor do certificado de registo criminal de fls. 926 e ss. dos autos.
A prova de que, em momento prévio ao julgamento, o arguido A ... acordou extrajudicialmente com o ofendido E ... o ressarcimento dos prejuízos que lhe causou com a sua actuação, tendo vindo a cumprir esse acordo indemnizatório, e, bem assim, diligenciou junto dos ofendidos D ... e C ..., abordando-os nesse sentido, realizou-se à custa das declarações dos próprios ofendidos e do arguido em questão.
A finalizar importa acrescentar que nenhuma prova foi produzida que permita concluir, com a suficiência exigível, que o arguido A ... apenas agiu do modo que o fez por ter ingerido bebidas alcoólicas. E, bem assim, nenhuma prova foi efectuada no sentido de que o assistente C ..., pelo transporte efectuado para o Hospital, pagou aos Bombeiros de Condeixa a quantia de €21.60 (vinte e um euros e sessenta cêntimos), já que o documento constante de fls. 7697 traduz-se numa mera factura, não comprovando o pagamento da quantia nela titulada.
Assim se formou a convicção dos juízes que compõem este tribunal colectivo.”

O erro de julgamento - consagrado no artigo 412°, n.° 3, do C.P.Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
O erro de julgamento, situando-se no âmbito da impugnação ampla (e já não da revista alargada, referente aos vícios da sentença elencados nas alíneas do nº 2 do 410º) da matéria de facto alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior faz-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar o concreto facto (ou factos ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação.
A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
Mas de todo o modo, sempre há que ter em atenção que numa concreta reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, como assinala o ac. do STJ de 12/06/2008, no proc. nº 07P4375, Relator Juiz Conselheiro Raul Borges (e acessível pelo site www.dgsi.pt) “sofre, no entanto, quatro tipos de limitações:
- desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições;
- por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;
- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.”
Acrescenta-se, em consonância com o atrás descrito, que a reapreciação da prova na 2ª instância limita-se a controlar o processo de formação da convicção expressa da 1ª instância e da aplicação do princípio da livre apreciação da prova, tomando sempre como ponto de referência a motivação/fundamentação da decisão, sendo que no recurso de impugnação da matéria de facto o tribunal ad quem não vai à procura de nova convicção – a sua – mas procura inteirar-se sobre se a convicção expressa pelo tribunal recorrido na fundamentação da matéria de facto tem suporte adequado da prova produzida e constante da gravação da prova por si só ou conjugada com as regras da experiência e demais prova existente nos autos (pericial, documental, etc). Neste enquadramento, podendo o controlo da matéria de facto ter por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados ou analisados em audiência de julgamento, importa ter sempre presente que não se pode, a qualquer preço, subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade, nunca esquecendo as palavras do Prof. Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, 1º Vol, Coimbra Editora, pags 233 e 234) que só os princípios da imediação e da oralidade “… permitem … avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações pelos participantes processuais”.
Ora, tecidas todas estas considerações sobre as exigências que incumbem a um qualquer recorrente quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, exigências essas assinaladas no já mencionado artigo 412º nºs 3 e 4, no caso sub judice, constata-se que o recorrente não deu cumprimento a tais exigências para que este tribunal ad quem pudesse sindicar a matéria de facto fixada na primeira instância. O ónus de especificação a que alude o mencionado artigo 412º nº 3 – desde logo quanto aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme exige a alínea a) de tal nº 3 – não foi observado/acatado/cumprido pelo recorrente.
Com efeito, embora fazendo alusão a diversos relatórios de exames médicos e criticando a valoração que aos mesmos foi dada pelo colectivo de julgadores, por forma concluir “ser a matéria dos autos insusceptível (…) afirmar o nexo de causalidade entre a alegada agressão e a(s) sequela(s) (alegadamente) desta ou destas resultantes”, o certo é que o recorrente não especifica quais os concretos factos (ou que segmentos dos factos) que, na sua foram incorrectamente dados como provados e/ou não provados.
Ora, salvo o muito devido respeito por opinião contrária, a alusão a elementos decorrentes da prova pericial desacompanhados da concretização dos factos que possam estar em contradição com tais elementos não assume a veste/roupagem da legalmente exigida concretização dos factos.
Poder-se-ia aventar a hipótese que o recorrente estaria a colocar em causa, entre outros, os dados como provados factos 6, 9 e 20 e 21. Porém, para além do facto disso não constar das conclusões do recurso, também da motivação do recurso não é liquido que isso aconteça, tanto mais que em lado algum do recurso o recorrente põe em causa que tenha agredido qualquer dos ofendidos da forma feita consignar nos mencionados factos 6 e 9, sendo que a qualificação das ofensas decorre da utilização de um objecto que o tribunal a quo considerou de particularmente perigoso para o integrar no âmbito da alínea h) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, e não de quaisquer sequelas resultantes dos actos de agressão sobre os mesmos ofendidos.
O ónus de impugnação especificada sobre os concretos factos a sindicar impendia sobre o recorrente, não cabendo ao tribunal nem a faculdade/direito nem o ónus/dever/obrigação de se substituir ao recorrente.
Ou seja, constata-se que o recorrente, pese embora tenha elaborado a sua impugnação com apelo à leitura que faz e conclusões que retira de vários relatórios médico-legais que enuncia, não satisfez o ónus de impugnação especificada, na medida em que não deu cumprimento ao disposto no artigo 412º nº 3 a), a que acresce também que nas conclusões não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especificação essencial para que o tribunal de recurso conheça com exactidão o âmbito da impugnação da matéria de facto, visto as conclusões servirem, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto de recurso, operando a vinculação temática do tribunal superior e definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal ad quem.
E como referimos, para além de nas conclusões de recurso não vir a mínima referência aos concretos pontos de facto pretendidos impugnar, também na motivação stricto sensu não é feita concreta alusão aos concretos factos provados que deveriam ser dados como não provados. Se ao menos na motivação os tivesse concretizado poder-se-ia fazer operar o convite ao aperfeiçoamento a que alude o nº 3 do artigo 417º. Todavia, sendo inalterável a motivação e não podendo as conclusões exceder os limites definidos pela motivação (cfr. nº 4 do artigo 417º), o convite para a correcção traduzir-se-ia num acto inútil, o que a lei proíbe.
O recorrente não cumpriu, portanto, o ónus de impugnação especificada.
A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso» ( - Acórdão do STJ de 31/10/2007, disponível em www.dgsi.pt/jstj.).
Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 259/2002, ao referir “quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art. 412º, do CPP, reside tanto na motivação como nas conclusões, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso ou a completar a primeira, caso nesta não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.”(Acórdão de 18/6/2002, publicado no D.R., II Série, de 13/12/2002.).
A haver despacho de aperfeiçoamento, quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.

E seguindo as orientações do atrás mencionado Acórdão do TC nº 259/2002 (acórdão esse em que recorrente era um assistente), já perante uma situação em que o recorrente é o arguido, o mesmo Tribunal Constitucional (apesar de se reportar à aliena b) do nº 3 do artigo 412º, mas cujo raciocínio se pode seguir quanto também à alínea a) do mesmo nº 3), no seu Acórdão nº 140/2004, de 10 de Março (publicado no Diário da República II Série, de 17 de Abril de 2004, o mesmo TC foi bem claro ao decidir “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências

E a jurisprudência deste acórdão veio a ser perfilhada nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 488/2004 e 342/2006 e nas decisões sumárias nºs 58/2005, 274/2006 e 88/2008 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Saliente-se que de acordo com o disposto no artigo 431.º, b), havendo documentação da prova, a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, n.º 3, o que, como vimos, não ocorre no caso em apreço.
Na circunstância do não acatamento do ónus de impugnação especificada, tem-se entendido, como decorrência da sua própria noção (um ónus consiste na necessidade de observância de determinado comportamento como pressuposto de obtenção de determinada vantagem, que até pode cifrar-se em evitar a perda de um benefício ou faculdade, no caso, a de viabilizar o recurso sobre a matéria de facto.), não ocorrer o condicionalismo referido na alínea b) do artigo 431.º, tornando-se inviável a modificabilidade da decisão em relação à matéria de facto.
Em suma, por tudo o que acaba de ser dito, perante a falta de concretização dos factos fixados pelo tribunal a quo e que o recorrente poderia considerar como não provados, coarctada ficou a possibilidade deste tribunal ad quem sindicar a matéria de facto que havia sido fixada pelo tribunal a quo, matéria essa que, assim, se tem por assente.
                                                        *

4ª - Qualificação jurídica dos factos.

Nesta parte, mesmo sem, concretamente, pôr em causa a factualidade apurada (a qual como atrás defendemos se mantém inalterada), considera o recorrente que a mesma apenas seria susceptível de integrar o crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, quer em relação ao ofendido E ... quer em relação ao ofendido F ... (e não o crime de ofensa à integridade qualificada em relação a um qualquer destes ofendidos tal como entendeu o tribunal a quo).

Vejamos desde já o que pelo tribunal foi dito em relação ao enquadramento jurídico dos factos praticados pelo recorrente e reportados aos referidos ofendidos:

3 - Enquadramento jurídico-penal

(…)

Dos crimes de ofensa à integridade física qualificada

O arguido B ... vem acusado (após rectificação operada em audiência de julgamento, no que respeita aos dispositivos legais enunciados na acusação pública, através de alteração da qualificação jurídica dos factos) pelo cometimento, em autoria material e em concurso real, de:

- 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alíneas e) e h), 22.º e 23.º do mesmo diploma legal; e,

- 2 (dois) crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelo art. 145, n.º1, alínea a) do Código Penal, conjugado com os artigos 143.º, 145, n.º2, 132, n.º2, alíneas e) e h) do mesmo diploma legal.

Nos termos do disposto no artigo 143º, nº1, do Código Penal, “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

Por sua vez, prescreve o artigo 145º, nº1, al. a), do CP, que “se as ofensas à integridade física foram produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143º”, sendo que é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, como interesse para o caso, a circunstância de o agente ser determinado por qualquer motivo fútil, e, bem assim, o facto de o agente utilizar meio particularmente perigoso. (cf. art. 132, n.º2, alínea e) e h) do Código Penal)

Ora, neste âmbito dos crimes contra a integridade física, o crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal fundamental (cf. PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág, 202), cujo bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a integridade física entendida como unidade psicossomática do indivíduo, essencial ao livre desenvolvimento e realização da personalidade humana, num quadro de bem-estar físico, psíquico e social, numa perspectiva corporal-objectiva do delito (cf. PAULA RIBEIRO DE FARIA, loc. cit.).

A verificação do tipo objectivo pressupõe um comportamento que, por qualquer modo, produza uma ofensa no corpo ou na saúde de terceiro, ficando preenchido o tipo legal do artigo 143.º do Código Penal mediante a verificação de tal ofensa.

Entende-se por ofensa no corpo todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem-estar físico ou na morfologia do seu organismo.

Por sua vez, entende-se por ofensa na saúde, toda a intervenção que ponha em causa, alterando ou perturbando, o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a.

Assim sendo, o crime em causa consiste num crime material de resultado dano/violação (lesão do corpo ou da saúde de outrem), de tal forma que o preenchimento do tipo pressupõe a imputação objectiva do resultado à conduta ou à omissão do agente nos termos gerais (cf. artigo 10º do Código Penal e JORGE FIGUEIREDO DIAS, Sumários, 1975, pp. 157 e seguintes).

Por outro lado, trata-se também de um crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado, sendo que a gravidade dos efeitos ou a sua duração poderão conduzir à qualificação da lesão ou ser valorados no âmbito da determinação da medida da pena (cf. PAULA RIBEIRO DE FARIA, op. cit.).

Do ponto de vista subjectivo, o tipo legal de crime em causa exige o dolo em qualquer das suas modalidades (directo, necessário ou eventual, nos termos do preceituado no artigo 14º do Código Penal), ou seja, o conhecimento dos elementos constitutivos da factualidade típica e a vontade de agir por forma a preenchê-los (conhecimento e vontade de realização do tipo legal de crime).

No que concretamente respeita ao crime de ofensa à integridade física na sua versão qualificada, dir-se-á que estamos perante um “tipo de culpa agravada (…) por força da cláusula geral da especial censurabilidade, concretizada de acordo com um elenco de circunstâncias não automático e não taxativo”, isto é, o elenco a que alude o artigo 132º do CP (cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, 1ª edição, UCE, 2008, pág. 391).

Nesse enquadramento, como acima se disse, descreve a lei como circunstância reveladora de especial censurabilidade ou perversidade a prática do facto mediante utilização de meio particularmente perigoso (cf. art. 132, n.º2, alínea h) do Código Penal), isto é, mediante recurso a um instrumento, método ou processo que dificulte significativamente a defesa da vítima (cf. JORGE FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág, 37).

Assim, e neste particular, é de sublinhar que a generalidade de meios utilizados para agredir outrem poderão revelar-se como perigosos ou mesmo muito perigosos. Não obstante, exige a lei, para verificação da qualificativa aqui em causa, que tais meios sejam particularmente perigosos, isto é, que evidenciem “uma perigosidade «muito superior» à normal nos meios usados”, no caso, para agredir/ofender a integridade física de outrem. Mais necessário se torna “determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente” (cf. JORGE FIGUEIREDO DIAS, op. cit., loc. cit.).

E, bem assim, a lei define como revelador de especial censurabilidade ou perversidade a circunstância da prática do facto ser determinado por qualquer motivo fútil (cf. art. 132, n.º2, alínea e) do Código Penal). Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção ofensiva do corpo e/ou da saúde, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da integridade física humana – cfr.: ac. STJ de 27-05-2010, proc. n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt; autor e obra citados, p. 33.

(…)

Volvendo ao caso vertente.

Da acção do arguido B ... sobre o ofendido E ...

Resultou provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na acusação pública, o arguido B ..., atingiu o ofendido E ... na zona da cabeça com uma garrafa de vidro de cerveja, produzindo-lhe dores e lesões na zona corporal atingida, melhor descritas nos factos provados.

Tal actuação permite assim concluir, com simplicidade de raciocínio, pelo preenchimento, desde logo, do tipo objectivo do crime de ofensa à integridade física simples, previsto no artigo 143º, nº1 do Código Penal.

Mais se apurou que o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, pelo que com o propósito de causar ao ofendido E ... as lesões corporais que causou, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Por conseguinte, encontra-se, de igual modo, preenchido o tipo subjectivo de ilícito do crime de ofensa à integridade física simples.

Ademais, no caso, é de referir que nenhuma causa justificativa se apurou que se revele proporcional ao acto cometido, pelo que carece a mesma de justificação, impondo-se a respectiva responsabilização penal.

Isto posto, cumpre analisar a questão da especial perigosidade do meio utilizado, sendo certo que tal ponto deverá permitir uma conclusão que nos reporte para a verificação de uma culpa acrescida, reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

A este propósito, como escreveu FIGUEIREDO DIAS na obra supra mencionada, e a respeito do crime de homicídio, importa frisar que exigindo a lei, para a qualificação do homicídio, que os meios utilizados sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma, se poder subverter por inteiro o método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso.

Já quanto a crimes de perigo comum, adianta o mesmo autor que a ligação entre este exemplo padrão e o tipo de culpa agravado deve fazer-se através da falta de escrúpulo em princípio revelada pela utilização de um meio adequado à criação ou produção de um perigo comum. Mas avisa: a utilização de qualquer destes meios não determina por si o tipo de culpa agravado.

Ora, em nosso entender, este entendimento, quando está em causa o crime de ofensa à integridade física, não deve ser lido acriticamente fora do contexto em que foi escrito, mas com as devidas adaptações. Estando em causa, no nosso caso, um crime de ofensa corporal, o uso de uma garrafa de vidro de cerveja (objecto de uso corrente, mas potencialmente contundente, cortante e letal) como meio de causar uma lesão física na cabeça, revela, efectivamente, uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para ofender a integridade física – normalmente as mãos ou os pés, a luta corporal ou o uso de objecto de uso corrente e não letais, que se encontram no local da acção. (cf. neste sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.02.2007, proc. 0641773, in www.dgsi.pt.)

Assim sendo, não podemos deixar de concluir que o arguido B ..., na produção da ofensa corporal na pessoa de E ..., de modo consciente e voluntário, usou de meio particularmente perigoso, idóneo a causar lesões grave e/ou irreversíveis no visado, tanto mais que o atingiu na cabeça, revestindo as circunstâncias em que foi produzida a ofensa, por via disso, de especial censurabilidade e perversidade.

No entanto, urge esclarecer que não resultaram provados factos que nos permitam concluir que a actuação do arguido B ... foi determinada por motivo fútil, tanto mais que não se conseguiu apurar qual o concreto motivo que determinou o agente em causa à produção da ofensa, pelo que não se mostra preenchida a circunstância qualificativa da ofensa prevista na alínea e) do n.º2 do art. 132.º do Código Penal, aplicável ex vi do art. 145, n.º2 do mesmo diploma legal

Em suma, por reporte à sua actuação sobre o ofendido E ..., o arguido B ... incorreu no cometimento, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143, n.º1, 145, nºs 1, alínea a) e 2 e 132, nº2, alínea h) todos do Código Penal

***

Da acção do arguido B ... sobre o ofendido F ...

Resultou provado que, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na acusação pública, o arguido B ... atingiu, igualmente, o ofendido F ... na zona da cabeça com uma garrafa de vidro de cerveja, produzindo-lhe dores e lesões na zona corporal atingida, melhor descritas nos factos provados. Tal actuação permite assim concluir, com simplicidade de raciocínio, pelo preenchimento, desde logo, do tipo objectivo do crime de ofensa à integridade física simples, previsto no artigo 143º, nº1 do Código Penal.

Mais se apurou que o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, pelo que com o propósito de causar ao ofendido F ... as lesões corporais que causou, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Por conseguinte, encontra-se, de igual modo, preenchido o tipo subjectivo de ilícito do crime de ofensa à integridade física simples.

Ademais, no caso, é de referir que nenhuma causa justificativa se apurou que se revele proporcional ao acto cometido, pelo que carece a mesma de justificação, impondo-se a respectiva responsabilização penal.

Isto posto, cumpre analisar a questão da especial perigosidade do meio utilizado, sendo certo que tal ponto deverá permitir uma conclusão que nos reporte para a verificação de uma culpa acrescida, reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

A este propósito, como escreveu FIGUEIREDO DIAS na obra supra mencionada, e a respeito do crime de homicídio, importa frisar que exigindo a lei, para a qualificação do homicídio, que os meios utilizados sejam particularmente perigosos, há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer circunstâncias acompanhantes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena, de outra forma, se poder subverter por inteiro o método de qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso.

Já quanto a crimes de perigo comum, adianta o mesmo autor que a ligação entre este exemplo padrão e o tipo de culpa agravado deve fazer-se através da falta de escrúpulo em princípio revelada pela utilização de um meio adequado à criação ou produção de um perigo comum. Mas avisa: a utilização de qualquer destes meios não determina por si o tipo de culpa agravado.

Ora, em nosso entender, este entendimento, quando está em causa o crime de ofensa à integridade física, não deve ser lido acriticamente fora do contexto em que foi escrito, mas com as devidas adaptações.

Estando em causa, no nosso caso, um crime de ofensa corporal, o uso de uma garrafa de vidro de cerveja (objecto de uso corrente, mas potencialmente contundente, cortante e letal) como meio de causar uma lesão física na cabeça, revela, efectivamente, uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para ofender a integridade física – normalmente as mãos ou os pés, a luta corporal ou o uso de objecto de uso corrente e não letais, que se encontram no local da acção. (cf. neste sentido o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.02.2007, proc. 0641773, in www.dgsi.pt.)

Assim sendo, não podemos deixar de concluir que o arguido B ..., na produção da ofensa corporal na pessoa de F ..., de modo consciente e voluntário, usou de meio particularmente perigoso, idóneo a causar lesões grave e/ou irreversíveis no visado, tanto mais que o atingiu na zona cabeça, revestindo as circunstâncias em que foi produzida a ofensa, por via disso, de especial censurabilidade e perversidade.

No entanto, urge esclarecer que não resultaram provados factos que nos permitam concluir que a actuação do arguido B ... foi determinada por motivo fútil, tanto mais que não se conseguiu apurar qual o concreto motivo que determinou o agente em causa à produção da ofensa, pelo que não se mostra preenchida a circunstância qualificativa da ofensa prevista na alínea e) do n.º2 do art. 132.º do Código Penal, aplicável ex vi do art. 145, n.º2 do mesmo diploma legal

Em suma, por reporte à sua actuação sobre o ofendido F ..., o arguido B ... incorreu no cometimento, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143, n.º1, 145, nºs 1, alínea a) e 2 e 132, nº2, alínea h) todos do Código Penal.”

Concordamos na integra com a eloquente exposição feita pelo tribunal a quo para concluir que a factualidade apurada, no que ao recorrente respeita, integra os mencionados crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 143º nº 1, 145º nºs 1 a) e 2 e 132º nº 2 al. h) todos do Código Penal (diploma a que doravante se reportarão as demais disposições citadas sem menção de origem), pelo que pouco mais nos restaria acrescentar.

O crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no art.º 145.º é uma forma agravada, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2 desta mesma disposição.

O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados – a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral.

Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza.

Mas, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade.

A qualificação enunciada no art.º 132.º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelem formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas.

O modelo de construção do tipo qualificado – qualificado pelo especial tipo da culpa – através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação por meio dos exemplos-padrão, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, fazer um apelo directo à clausula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto ou de uma situação valorativamente análoga (cfr. “Comentário Conimbricense do Código Penal” tomo I, pág. 27-29).

A decisão sobre a integração do crime qualificado exige, assim, que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação.

A integração da actuação do arguido na definição jurídico-penal que lhe caiba há-de ser determinada pelos factos provados.

O crime de ofensas à integridade física apenas pode ser qualificado e integrar o crime do art.º 145.º, n.º 1, do Código Penal, se, como se referiu, a atitude do agente manifestada no facto e medida pela valoração inscrita nas circunstâncias enunciadas na lei através dos exemplos-padrão, se apresentar especialmente censurável ou a revelar e a expor externamente especial perversidade.

Para se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente, impõe-se a análise das circunstâncias concretas que rodearam a prática do facto e a conclusão de que elas são tais que exprimem inequívoca e concretamente uma especial perversidade do agente ou que são merecedoras de um severo juízo de censura.

E assim chegamos à contestada alínea h) do nº 2 do artigo 132º que prevê a prática do facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizando meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum.

Afastado, sem qualquer pejo o cenário da prática do facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas e o de que o meio utilizado se traduza na prática de crime de perigo comum, resta-nos a seguinte questão: Será uma garrafa de vidro de cerveja um meio particularmente perigoso quando é utilizado para desferir um golpe no ofendido E ... atingindo-o na zona da cabeça? Será uma garrafa de vidro um meio particularmente perigoso quando é utilizado para desferir um golpe no ofendido F ..., atingindo-o na cabeça?

Consideramos que sim, tal como, aliás, de forma bem fundamentada, entendeu o tribunal a quo, uma vez que a utilização de tal tipo de objecto “(objecto de uso corrente, mas potencialmente contundente, cortante e letal) como meio de causar lesão física na cabeça [de qualquer dos atrás referidos ofendidos], revela efectivamente uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para ofender a integridade física – normalmente as mãos ou os pés, a luta corporal ou o uso de objecto de uso corrente e não letais, que se encontram no local da acção.”

Aliás, semelhante entendimento, também em relação a uma garrafa de vidro, foi expresso Acórdão da Relação do Porto de 10.05.1995, (relator Ferreira Dinis, in www.dgsi.pt, proc 9441070) do seguinte modo: ” É considerado um meio de agressão particularmente perigoso uma garrafa de vidro arremessada com violência contra a face do ofendido atentas as suas características - susceptível de estilhaçar-se, cortar e perfurar - e a sua capacidade potencial bastante para provocar ferimentos graves, designadamente fractura do crâneo ou outro traumatismo susceptível de ocasionar qualquer sequela grave a nível dos órgãos da visão ou mesmo de por em perigo a vida do ofendido.”

Ora, tendo em conta as características do objecto utilizado (potencialmente contundente e cortante, sendo que por esta última faceta é susceptível de causar lesões com sequelas irreversíveis e/ou até de mesmo lesar bens jurídicos de maior amplitude valorativa), o modo como foi utilizado e a zona corporal das vítimas sobre a qual incidiu a agressão, impõe-se afirmar a existência de especial censurabilidade ou perversidade no comportamento do agente naquelas concretas situações com o uso de tal objecto, merecedora do severo juízo de censura postulado nos art.º 145º nº 1 a) e 2  e 132.º nº 2 h), tal como bem entendeu o tribunal a quo.

Nada havendo, pois, a censura ao entendimento expresso pela primeira instância, naufraga também esta pretensão do recorrente.

5ª – Na sequência da posição por nós atrás tomada, a última questão suscitada pelo recorrente – saber se, na hipótese de se estar perante crimes de ofensa à integridade física simples, ao Ministério Público não assistia legitimidade para acusação por falta de queixa dos ofendidos – acabou por ficar destituída de sentido desde logo porque face à, por demais consabida, natureza pública dos crimes de ofensa à integridade física qualificada (crimes que considerámos terem sido cometidos pelo recorrente sobre os ofendidos E ... e F ...) não se exigia a apresentação de qualquer queixa para que o Ministério Público pudesse promover e exercer a acção penal.

Ainda assim, e mesmo que para quem defendesse (como é o caso do recorrente) terem sido apenas cometidos crimes de ofensa à integridade física simples sobre os referidos ofendidos, sempre se dirá/acrescentará que cada um deles apresentou a respectiva queixa, e em tempo oportuno: o ofendido E ... apresentou-a no dia 28.10.2011, aquando das declarações que prestou e foram exaradas no auto de inquirição de fls. 139 a 141 (mais concretamente a fls. 141) e o ofendido F ... apresentou a respectiva queixa logo no dia 06.10.2011, aquando das declarações prestadas e exaradas no auto de inquirição de fls. 69 a 72 (mais concretamente a fls. 72), motivo pelo qual, tal como refere o Exmo Procurador Geral-Adjunto aquando da emissão do seu parecer (cfr. fls. 1381), não faltava o apontado pressuposto processual para que o Ministério Público deduzisse a respectiva acusação.

                                                        *

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando todas as pretensões do recorrente, terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.

                                                        *

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.

                                                        *

Coimbra, 11 de Fevereiro de 2015



(Luís Coimbra - Relator)


(Alcina da Costa Ribeiro)