Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3699/19.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
HABILITAÇÃO ACADÉMICA
HABILITAÇÃO PROFISSIONAL
DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA TÁCITA
PLURALIDADE DE CONTRATOS DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
AVISO PRÉVIO
Data do Acordão: 06/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 365.º E 368.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009
Sumário: I. A licitude da cessação do contrato através de despedimento por extinção do posto de trabalho pressupõe, para além do mais, que o empregador cumpra os critérios de selecção previstos no n.º 2 do art.º 368º do CT, os quais têm natureza sequencial.

II. Habilitação académica é a correspondente ao nível de ensino frequentado ou concluído com êxito, por referência ao ano de escolaridade (1.º ano, 2.º ano, 3.º ano, etc., do ensino básico, secundário, complementar ou superior, licenciatura, bacharelato, doutoramento, etc.).

III. Habilitação profissional é a habilitação académica mínima exigida para o desempenho de determinada profissão ou função, complementada ou não com a obtenção de aprovação no curso destinado a conferir competências específicas para o cabal exercício dessa profissão ou função, concedendo, muitas vezes, um cartão de identificação profissional ou um título profissional.

IV. No caso dos professores, a habilitação profissional (após a licenciatura) adquire-se mediante a denominada profissionalização em exercício (antes de Bolonha) ou através de uma formação com a duração de 2 anos na área didáctica em avaliação com prática pedagógica acompanhada, e não através da frequência de acções de formação profissional.

V. O trabalhador pode proceder à denúncia do contrato de trabalho durante o prazo do aviso prévio sem perda do direito à compensação devida pela extinção do seu posto de trabalho.

VI. A celebração de um contrato de trabalho com um segundo empregador durante o decurso do prazo de aviso prévio não pode valer como denúncia tácita do contrato firmado entre o trabalhador e o primeiro empregador.

VII. No caso de denúncia pelo trabalhador do contrato de trabalho durante o decurso do prazo de aviso prévio dever-se-á ter em conta para efeitos do cálculo da compensação devida todo o tempo do aviso prévio e não apenas o tempo decorrido até à data em que denúncia opera os seus efeitos.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –A… residente na …, em 07.11.2019, apresentou requerimento em formulário de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos dos arts. 98º-C nº 1 e 98º-D, ambos do CPT, contra “B…”, com sede na Rua …, juntando decisão escrita do despedimento com fundamento em extinção do posto de trabalho de docente da disciplina de Ciências Naturais, constando como data do despedimento a de 04.011.2019, e pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências


+

Frustrando-se a diligência conciliatória da audiência de partes, a Entidade Empregadora veio apresentar o seu articulado motivador alegando, para o efeito, em síntese, que observou todas as formalidades previstas para o despedimento por extinção do posto de trabalho, e tinha fundamento legal – por motivos de mercado e estruturais, conforme factualidade que apresenta; sucede que no dia 16.10.2019 a Trabalhadora celebrou contrato de trabalho com outra empregadora sem avisar a Autora/EP, o que equivaleu à denúncia do contrato de trabalho que na altura ainda mantinha, e fê-lo sem respeitar o prazo de aviso prévio, estando obrigada a indemnizar a EP no valor de 3.920,00 €, equivalente a 60 dias de remuneração base.

Pede que a acção de impugnação de despedimento seja julgada totalmente improcedente, com as legais consequências; seja declarado judicialmente que o contrato de trabalho em causa nestes autos cessou por denúncia e que a Trabalhadora seja condenada a pagar-lhe uma indemnização no valor de 3.920,00 € pelo incumprimento do prazo de aviso prévio da denúncia.


+

A Trabalhadora apresentou articulado de contestação com reconvenção, para, em suma, dizer que o despedimento foi ilícito, uma vez que no posto de trabalho a extinguir a EP não observou os critérios de selecção previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do art. 368º do CT, designadamente não tomou em consideração as suas habilitações profissionais em comparação com os restantes docentes do grupo em causa, nem o período expectável da duração laboral até à reforma por idade, por forma a concluir pela maior onerosidade na manutenção do seu vínculo em relação aos demais docentes daquele grupo, e que desde que recebeu a decisão final de despedimento (datada de 21.08.2019) teve por certa a vontade da EP em fazer cessar o seu contrato de trabalho, e tendo concorrido ao ensino público entrou na 6ª reserva de recrutamento em 11.10.2019, pelo que dado que já se encontrava despedida, optou por celebrar contrato de trabalho com aquela escola - pretendendo, por esta via, a condenação da EP na reintegração da Trabalhadora sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, acrescida das retribuições intercalares que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença; e, em via reconvencional, a condenação da EP no pagamento das quantias referentes a:

i) Proporcionais de férias não gozadas, referentes ao ano de 2019, no total de 3920,00 €;

ii) Proporcional de férias e subsídio de Natal do ano de 2019, no valor de 784,00 €; iii) Formação contínua não ministrada de Fevereiro a Novembro de 2019, equivalente a 35 horas, no valor de 2.598,75 €.


+

A Entidade Empregadora (Reconvinda) apresentou articulado de resposta, mantendo o já alegado no articulado de motivação do despedimento, impugnando a factualidade relacionada com o pedido reconvencional e concluindo pela respectiva improcedência.

***

III – Admitida a Reconvenção deduzida pela Trabalhadora-Reconvinte e proferido despacho saneador, onde se relegou para final a apreciação do mérito da causa e se dispensou a fixação da base instrutória/enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos a sua normal tramitação tendo, a final, sido proferida sentença em cujo dispositivo se lê:

“Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Julgar improcedente, por não provada, a presente acção com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, considerando lícito e regular o despedimento efectuado pela Entidade Empregadora;

b) Declarar que a Trabalhadora denunciou antecipadamente, durante o prazo de aviso prévio, o contrato de trabalho que detinha com a Entidade Empregadora, do dia 04.11.2019 para o dia 15.10.2019, mantendo o direito à compensação, que deve ser recalculada para aquela data, assim como a retribuição de férias, e proporcionais dos subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de cessação (descontando-se ainda o valor pago a título de retribuição dos dias 16 a 31.10.2019);

c) Absolver a Trabalhadora do demais peticionado pela Entidade Empregadora;

d) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Trabalhadora.


***

III – Inconformada, veio a trabalhadora apelar alegando e concluindo:

(..)


+

O empregador veio também recorrer SUBORDINADAMENTE alegando e concluindo:

(…)


***

IV – Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:

1. O “B… ” é um estabelecimento de ensino particular e cooperativo localizado em K…;

2. A EP celebrou um contrato de associação com o Ministério da Educação, por força do qual este lhe concede apoio financeiro para o número de turmas anualmente determinado pela Direcção Geral da Administração Escolar;

3. Em K…, para além da EP, existem outros dois estabelecimentos de ensino particular e cooperativo – o W… e o Y… – que viram, todos eles, nos últimos anos, o seu número de turmas financiadas ser reduzido, e determinou a redução do número de turmas e consequente redução de alunos e professores;

4. No grupo de Ciências Naturais da EP, a evolução do número de turmas e de cargas horárias nos últimos três anos foi a seguinte:´

Ano letivo 2017/2018 ´

N.º de turmas: 40 turmas;26 em contrato de associação e 14 de Secundário dos cursos Científico-tecnológicos com Planos Próprios.

Número de horas lectivas do grupo disciplinas de Ciências Naturais: 112 horas.

Ano lectivo 2018/2019

N.º de turmas: 35 turmas; 22 em contrato de associação, 1 turma autofinanciada e 12 turmas de Secundário dos cursos Científico-tecnológicos com Planos Próprios.

Número de horas lectivas do grupo disciplinas de Ciências Naturais: 94 horas.

Ano lectivo 2019/2020

N.º de turmas: 32 turmas; 18 em contrato de associação, 2 turma autofinanciada e 12 turmas de Secundário dos cursos Científico-tecnológicos com Planos Próprios.

Número de horas lectivas do grupo disciplinas de Ciências Naturais: 85 horas 5.

5. Por força da redução do número de turmas, e do número de horas lectivas que definem o horário completo de um docente (22 horas semanais – definido na CCT celebrada entre a CNEF e a FNE publicada no BTE nº 31 de 22.08.2017), no ano lectivo de 2019/2020 passou a haver serviço lectivo para (apenas) quatro docentes no grupo disciplinar de Ciências Naturais;

6. Nos quadros da EP existiam cinco professores que integravam o grupo disciplinar de Ciências Naturais, admitidos nas datas, e com o seguinte tempo de serviço, vencimento, categoria, grau académico e avaliação de desempenho:

Professor / Admissão / Tempo Serviço (set.2018) / Vencimento / Categoria profissional / Grau académico / Avaliação desempenho:

- C…: 01.09.1995; 24 anos, 23 dias; 1.960,00 €; A4 Mestrado; Bom;

-D… : 01.09.1995; 23 anos, 171 dias; 1.960,00 € ; A4 Licenciatura; Bom;

-E… : 09.09.2009; 8 anos, 277 dias; 1.416,00 €; A7 Licenciatura; Bom;

-A…: 14.02.2000; 19 anos, 271 dias; 1.960,00; € A4 Licenciatura; Bom;

-F… : 10.04.2007; 12 anos, 225 dias; 1.525,00 €; A6 Licenciatura: Bom

7. Na EP não existe nenhuma comissão de trabalhadores, nem consta dos autos que haja comissão intersindical ou sindical regularmente constituída, ou que a Trabalhadora seja representante sindical;

8. Por carta de 02.08.2019, a EP enviou a comunicação inicial de despedimento (datada de 30.07.2019) por correio registado para o domicílio pessoal da Trabalhadora, que esta recebeu no dia 06.08.2019 (doc. fls. 35-39 e 40); 9. Na referida comunicação, a EP invocou “motivos de mercado e estruturais” como motivos justificativos do despedimento, enunciou os requisitos do despedimento por confronto em relação a todos os docentes do grupo da Trabalhadora, concluindo pela extinção do posto de trabalho desta (doc. fls. 35-39);

10. Por carta datada de 06.08.2019 a Trabalhadora comunicou à EP o pedido de intervenção da ACT para verificação dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, nos termos do art. 370º, nº 2, do CT – doc. fls. 41-43;

11. Em 16.08.2019, a ACT elaborou o relatório a que se reporta o art. 370º, nº 3 CT, no sentido que a EP respeitou os requisitos da extinção do posto de trabalho, do qual notificou a EP no dia 19.08.2019 - cfr. doc. fls. 51 verso a 52;

12. Por carta de 21.08.2019, a EP comunicou à Trabalhadora a decisão final de despedimento por extinção do posto de trabalho (doc. fls. 54 verso a 59), que esta recebeu no dia 22.08.2019 (fls. 59 verso), comunicando a EP que o contrato de trabalho cessaria no dia 04.11.2019, e que o pagamento da compensação (calculado em 24.913,78 €) e dos créditos laborais devidos por cessação do contrato (no valor de 4.961,76 €, relativos a proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal referentes ao ano de 2019) seriam postas à sua disposição em data anterior ao termo do prazo de aviso prévio, advertindo ainda a Trabalhadora que deveria comunicar à EP a utilização do crédito de horas a que tinha direito durante o prazo de aviso prévio;

13. Na mesma data (21.08.2019), a EP comunicou à ACT a decisão de despedimento da Trabalhadora por extinção do posto de trabalho (doc. fls. 59);

14. Durante o prazo de aviso prévio, a EP dispensou a Trabalhadora de se apresentar ao serviço, por não ter qualquer tarefa para esta, mantendo a sua retribuição;

15. Os motivos invocados pela EP para despedimento do posto de trabalho não são devidos a qualquer conduta culposa da Trabalhadora;

16. A Trabalhadora tem a categoria profissional de docente A 4, integrando o grupo disciplinar de Ciências Naturais, área para a qual tem habilitações literárias, por ser licenciada em ensino de biologia e geologia, não sendo possível neste grupo, ou em qualquer outro, o exercício de funções de docente pela Trabalhadora;

17. Não existiam na EP contratos de trabalho a termo certo para a mesma categoria da Trabalhadora;

18. Para além da Trabalhadora, a EP não promoveu qualquer outro despedimento por extinção do posto de trabalho;

19. Todos os professores que integram o grupo disciplinar da Trabalhadora obtiveram a mesma avaliação de desempenho (Classificação de Bom);

20. Todos os professores daquele grupo disciplinar têm uma licenciatura, à excepção de um professor (C…), que possui um mestrado;

21. As professoras E…e F… são, de entre aquele grupo, as que possuem vencimento mensal inferior;

22. Os professores C…, D… e a Trabalhadora (A…) auferem um vencimento mensal equivalente e superior ao das professoras referidas em 21, sendo a Trabalhadora, entre eles, a que detêm menor antiguidade;

23. No dia 29.10.2019 a EP pagou à Trabalhadora a compensação e créditos laborais referidos em 12, juntamente com a retribuição respeitante a quatro dias de Novembro 2019 (doc. fls. 60);

24. Na mesma data, a EP pagou à Trabalhadora o vencimento (integral) do mês de Outubro 2019 (doc. fls. 61);

25. No dia 31.10.2019 a Trabalhadora devolveu à EP as quantias referidas em 23 (doc. fls. 62);

26. A Trabalhadora concorreu para dar aulas no ensino público em Abril/Maio 2019, tendo entrado na 6ª reserva de recrutamento no dia 11.10.2019, no Agrupamento de Escolas de X…, tendo disso sido informada por uma colega, no dia 15.10.2019, à noite, e que teria de aceitar até ao dia seguinte, sob pena de ficar excluída nesse ano do concurso nacional de professores;

27. No dia 16.10.2019 a Trabalhadora celebrou “contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo” (doc. fls. 218 verso-221) com o Agrupamento de Escolas de X… , com início em 16.10.2019 e terminus em 31.08.2020, para exercer, sob autoridade e direcção da segunda, a sua actividade de docente no grupo de recrutamento 520 – Biologia e Geologia, correspondente a 11 horas lectivas semanais acrescida da respectiva componente não lectiva, e remuneração ilíquida de 759,32 € (índice 167);

28. Em 21.10.2019 entre a Trabalhadora e o Agrupamento de Escolas de X… foi celebrado um aditamento ao referido contrato, através do qual a primeira se comprometeu a prestar a sua actividade por mais uma hora, face ao aumento de turmas, passando a deter um horário de 12 horas lectivas e respectiva componente não lectiva, mediante a remuneração ilíquida de 828,34 € (índice 167);

29. A Trabalhadora, enquanto ao serviço da EP, nunca deteve qualquer regime de exclusividade, mas a possibilidade de leccionar em várias escolas, com acumulação, não permite exceder o limite de 28 horas lectivas semanais (escola privada + escola pública) ou de 33 horas lectivas semanais (escolas privadas) e está dependente de autorização da direcção das escolas onde se pretende leccionar (por virtude da compatibilização de horários);

30. A Trabalhadora não comunicou à EP a celebração do contrato referido em 27;

31. A EP teve conhecimento do referido contrato porque o Agrupamento de Escolas de X…  lhe solicitou a ficha individual, guia de vencimentos e exportação do ficheiro GPV referentes à Trabalhadora, bem como o envio do seu processo individual;

32. A Trabalhadora, a partir do ano 2010, implementou o Programa Eco-Escolas no B… coordenado em Portugal pela Associação Bandeira  Azul da Europa, secção portuguesa da Fundação para a Educação Ambiental (docs. fls. 143 verso-145);

33. Em 11.04.2013 a Trabalhadora participou no seminário “Águas Residuais da Hotelaria e Restauração. Implicação de Óleos e Gorduras na Gestão de Colectores e Sistemas de Tratamento”, ocorrido no auditório da Câmara Municipal de …. (doc. fls. 143);

34. Nos dias 22 a 24 de Janeiro de 2016, a Trabalhadora participou no “Seminário Nacional Eco-Escolas 2015-2016”, realizado em …., e inserido no âmbito do Programa Eco-Escolas (doc. fls. 146);

35. Entre os dias 25 Março a 30 Junho 2014, a Trabalhadora frequentou a acção de formação” no Instituto Superior de Ciências Religiosas de …, com a duração de 25 horas (doc. fls. 148);

36. Nos dias 7 e 8 de Julho 2016, a Trabalhadora frequentou um curso de formação para educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário, realizado no auditório da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de …., com a duração de 13 horas (doc. fls. 148 verso);

37. No dia 13.07.2013 a Trabalhadora participou no XIV Encontro sobre TIC’s na Educação, promovido pelo Centro de Competência TIC “Entre Mar e Serra”, com a duração de 7 horas, no Auditório da Câmara Municipal da …. (doc. fls. 149);

38. Entre os dias 30 Janeiro a 02 Maio 2013, a Trabalhadora frequentou o Curso de Formação “Educação para a sexualidade em contexto escolar”, na modalidade on line, com a duração de 25 horas e recurso a sessões síncronas, promovido pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas de …(doc. fls. 149 verso-150);

39. Entre os dias 09 Fevereiro a 03 Maio 2012, a Trabalhadora frequentou o Curso de Formação “Bioética: horizonte ténue entre a Esperança e o Desespero”, na modalidade on line, com a duração de 25 horas, promovido pelo Instituto Superior de Ciências Religiosas de … (doc. fls. 150 verso e 151);

40. Ao serviço da EP, a Trabalhadora orientou a participação do B… no concurso “melhor escola energia” (doc. fls. 141); 41. As acções de formação/seminários/formações em que a Trabalhadora participou, inseriam-se no âmbito da formação profissional que o B… promovia para vários dos seus docentes, e não conferiam qualquer habilitação profissional a tais professores;

42. A Trabalhadora sabia que o contrato com a EP deixaria imediatamente de vigorar a partir do momento em que assinasse o contrato referido em 27.

Factos não provados:

- Em 16.10.2019, ao celebrar o denominado contrato de trabalho em funções públicas com o Agrupamento de Escolas de X…, a Trabalhadora visou apenas auferir rendimentos mensais, por forma a satisfazer as suas necessidades pessoais e familiares, até que o processo laboral com a EP estivesse resolvido, mas sem pretender fazer cessar o vínculo que ainda detinha como docente do B…;

- Os cursos e seminários de formação profissional que frequentou conferiram à Trabalhadora habilitação profissional;

- Por virtude de tais cursos, detinha habilitação profissional superior a qualquer outro dos professores do grupo de docência a que pertencia;

- A manutenção do posto de trabalho da Trabalhadora, por força da sua idade, representava, no momento do despedimento, menor onerosidade para a EP em relação a qualquer outro daqueles professores;

- A EP deixou por ministrar formação contínua à Trabalhadora no período de Fevereiro a Novembro de 2019, e omitiu o pagamento de 2.598,75 € relativo a formação contínua não ministrada nesse período.


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso.

Preliminarmente há dizer o seguinte:

A trabalhadora vem alegar ter sido violado o comando ínsito no nº 3 e do artº 387º do CT segundo o qual “na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregadora apenas pode invocar os factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”.

E isto, por não ter a empregadora na decisão de despedimento comunicado à apelante, invocando factos, os fundamentos e/ou explicações a propósito das habilitações académicas e profissionais.

Alega ainda não ter o mesmo empregador procedido às comunicações a que alude o artº 369º do CT.

Decidindo:

Não foi invocada qualquer omissão de pronúncia.

Aquelas questões apenas em sede de recurso foram suscitadas[1].

Daí que na 1ª instância as questões a decidir tenham sido enunciadas sem contemplar as atinentes à violação e incumprimento dos citados normativos.

Os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao tribunal de que se recorre, salvo nos casos de conhecimento oficioso.

Daí que se decida não conhecer de tais questões.

Assim, as questões a decidir enumeram-se do seguinte modo:

1. Se o empregador observou os critérios de selecção de acordo com o estipulado no nº 2 do artº 368º do C. do Trabalho.

2. Se o contrato de trabalho firmado entre as partes cessou por denúncia do trabalhador.

Da observância dos critérios de selecção:

A 1ª instância decidiu ter a recorrida observado os critérios de selecção referidos no nº 2 do artº 368º do CT pelo que concluiu não ser o despedimento (por extinção do posto trabalho) ilícito.

Para o efeito, alinhou a seguinte fundamentação que, apesar da extensão, para um melhor enquadramento, a seguir se transcreve.

Lê-se na sentença impugnada que “a Trabalhadora sustenta que o seu despedimento é ilícito por não observar o disposto no nº 2 do art. 368º do CT (cfr. art, 384º, al. b) do CT), designadamente os previstos nas alíneas b), relativo à habilitação profissional, por não ter considerado os cursos e seminários de formação por si frequentados em relação aos demais professores do grupo, e al. c), relativo à maior onerosidade na manutenção da relação laboral, por não ter relacionado o valor da retribuição com o período expectável da relação laboral, dependente da reforma por idade.

O art. 368º, nº 2, do CT, na redacção da Lei nº 27/2014, de 08/05, prevê para a selecção dos trabalhadores a despedir (no despedimento de extinção do posto de trabalho quando na secção ou estrutura equivalente exista uma pluralidade de postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico) diversos critérios, estabelecidos por uma ordem hierarquizada: só se passa ao imediato, quando, pelo critério anterior, as situações forem idênticas.

A propósito do critério estabelecido na al. a) do nº 2 (“Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador”), da factualidade provada resulta que todos os professores que integram o grupo disciplinar da Trabalhadora obtiveram a mesma avaliação de desempenho (Classificação de Bom).

A al. b) do nº 2 estabelece como critério seguinte o das “Menores habilitações académicas e profissionais”.

A propósito do critério das habilitações académicas e profissionais, a EP considerou que todos os docentes do grupo eram detentores de uma licenciatura, à excepção de um professor (C…), que possui um mestrado.

O regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação préescolar e nos ensinos básico e secundário, foi aprovado pelo DL nº 79/2014, de 14/05 (corrigido pela Declaração de Rectificação nº 32/2014, publicada no DR, 1ª Série, nº 122, de 27.06.2014) e sucessivamente alterado pelos DL’s nºs 176/2014 de 12/12 e 16/2018, de 17/03.

Este regime jurídico surge na sequência da reorganização do sistema de graus do ensino superior (Processo de Bolonha) operado pelo DL nº 74/2006, de 24/03, que que consagrou um modelo de formação sequencial, organizado em dois ciclos de estudos, a saber: a) ao primeiro ciclo, a licenciatura, cabe assegurar a formação de base na área da docência; b) ao segundo ciclo, o mestrado, cabe assegurar um complemento dessa formação de base que reforce e aprofunde a formação académica, incidindo sobre os conhecimentos necessários à docência nas áreas de conteúdo e nas disciplinas abrangidas pelo grupo de recrutamento para que visa preparar; cabe ainda assegurar a formação educacional geral, a formação nas didácticas específicas da área da docência, a formação nas áreas cultural, social e ética e a iniciação à prática profissional, que culmina com a prática supervisionada.

De acordo com o nº 1 do art. 29º deste regime jurídico “aqueles que tenham adquirido habilitação profissional para a docência no âmbito de legislação anterior à entrada em vigor do presente decreto-lei mantêm essa habilitação para a docência no grupo ou grupos de recrutamento em que a tenham obtido”.

Por sua vez, o art. 45º, nº 1, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (aprovado pelo DL nº 152/2013 de 04/11) preceitua que “As habilitações académicas e profissionais para a docência no ensino particular e cooperativo são as requeridas para a leccionação das disciplinas, ou áreas disciplinares correspondentes, nas escolas públicas.”

A habilitação profissional para a docência é condição indispensável para o desempenho da actividade de docente nos estabelecimentos de educação e ensino públicos, particulares e cooperativos que ministrem a educação pré-escolar, o ensino básico e o ensino secundário.

E têm habilitação profissional para a docência: a) Os titulares do grau de mestre na especialidade correspondente a cada grupo de recrutamento conforme consta do anexo ao DL nº 79/2014, de 14/05 (corrigido pela Declaração de Rectificação nº 32/2014, publicada no DR, 1ª Série, nº 122, de 27.06.2014) e sucessivamente alterado pelos DL’s nºs 176/2014 de 12/12 e 16/2018, de 17/03. b) Os docentes que tenham adquirido habilitação profissional para a docência no âmbito de legislação anterior ao DL nº 79/2014, de 14/05, no grupo ou grupos de recrutamento em que a tenham obtido, através da conclusão de ciclos de estudos organizados nos termos dos DL’s nºs 43/2007, de 22/02, e 220/2009, de 08/09, conjugado com a Portaria nº 1189/2010, de 17/11, conclusão de licenciaturas em ensino ou com ramo educacional anteriores ao Processo de Bolonha, ou profissionalização em exercício com a correspondente classificação profissional devidamente homologada e publicada em Diário da República ou nos Jornais Oficiais das Regiões Autónomas (vide https://www.dgae.mec.pt/gestrechumanos/pessoal). Assim, e como conclui a EP, a habilitação profissional, no caso da docência, coincide, no caso dos professores, com a habilitação académica mínima exigida para o desempenho da profissão de docente.

É certo que “as habilitações académicas e profissionais, para efeitos do art. 368º, nº 2, al. b), não se confundem, constituindo antes critérios dotados de autonomia” (neste sentido, vide Acórdão da TRP de 27.06.2019, Processo nº 1605/18.9T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt); mas, no caso dos professores, a habilitação profissional (após a licenciatura) adquire-se mediante a denominada profissionalização em exercício (antes de Bolonha) ou através de uma formação com a duração de 2 anos na área didáctica em avaliação com prática pedagógica acompanhada, e não através da frequência de acções de formação profissional.

A Trabalhadora confunde, neste tocante, acções e cursos de formação profissional com habilitação profissional; é certo que ao longo da sua carreira na docência frequentou acções e cursos de formação (seminários, conferências, etc.), e foi responsável por projectos escolares, mas estes não lhe conferem qualquer habilitação profissional em relação demais docentes do grupo: tratam-se de acções e cursos de formação de nível não académico, não directamente relacionados com a sua área de formação ou para a qual detém habilitação profissional, antes se inserem no âmbito da sua formação profissional contínua, que visam, necessariamente, a sua actualização, quer em matérias relacionadas com o sector educativo, quer com as matérias que respeitam à sua formação académica (e que apenas podem ser relevantes em termos de engajamento para qualquer serviço/contrato em áreas específicas, mas não como critério de selecção de trabalhadores a despedir)[2].

A propósito do critério da maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral para a empresa (a que alude a al. c) do nº 2), as professoras E… e F…  são, de entre aquele grupo, as que possuem vencimento mensal inferior, e os professores C…, D… e a Trabalhadora (A…) auferem um vencimento mensal equivalente e superior ao daquelas primeiras.

Em face de tal circunstância, torna-se patente que, no momento em que opta pela extinção do posto de trabalho (e não num futuro incerto, a depender da reforma por idade), a manutenção do vínculo daquelas primeiras representa menor onerosidade para a EP, e de entre os três restantes, com vencimento igual, a Trabalhadora é a que detém menor antiguidade.

Na explicitação do nº 4 do art. 368º do CT, também não se exige ao empregador que crie um posto de trabalho coadunável com o trabalhador, cujo posto originário se extinguiu, mas tão só que, na organização da empresa, não haja um outro disponível e compatível, com reporte à categoria interna do trabalhador – vide, neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 13.06.2018, Processo nº 19623/16.0T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.

Em 29.10.209 a EP colocou à disposição da Trabalhadora a compensação a que alude o art. 366º do CT, no montante ilíquido de 24.913,78 €, assim como o valor correspondente a proporcionais de férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal referentes ao ano de 2019, no valor ilíquido de 4.961,76 €, que esta devolveu em 03.10.2019. O processo de despedimento da Trabalhadora afigura-se lícito e regular, soçobrando totalmente a tese da Trabalhadora quanto à invalidade do despedimento”.

A trabalhadora recorrente alega que a empregadora recorrida não observou o critério de selecção previsto na última parte da alínea b) do nº 2 do artº 368º do CT[3], ou seja, não atentou no critério que manda atender às menores habilitações profissionais da trabalhadora a despedir, limitando-se a comparar as habilitações académicas, ignorando as habilitações profissionais, nomeadamente cursos de Formação ou outras acções, objectivamente relevantes para a actividade de professor.

Na verdade, o citado normativo distingue entre habilitações académicas e habilitações profissionais

Lê-se no Ac. do STJ de 13.10.2016 (Ribeiro Cardoso), procº 314/15.5T8BRR.L1.S1[4] que “de entre os critérios relativos à escolha do trabalhador a despedir o legislador consagrou, de forma bem discriminada e sequencial, as menores habilitações académicas [(al. b)], as menores habilitações profissionais [(al. b)], e a menor experiência na função [al. d)].

A habilitação académica corresponde ao nível de ensino frequentado ou concluído com êxito, por referência ao ano de escolaridade (1º ano, 2º ano, 3º ano, etc., do ensino básico, secundário, complementar ou superior, licenciatura, bacharelato, doutoramento, etc.).

Já a escolaridade mínima obrigatória, não corresponde a uma habilitação académica propriamente dita, mas ao número de anos mínimo de ensino que obrigatoriamente têm que ser frequentados até uma determinada idade, e que vem variando e sido sucessivamente aumentado, tendo como referência a data de nascimento dos cidadãos, sendo certo que essa frequência obrigatória não é sinónimo de sucesso, ou seja, não significa que, atingido o limite da idade legalmente fixado, o cidadão tenha concluído, com sucesso, o ciclo de estudos como seja, o 4º, o 6º, o 9º ou o 12º anos de ensino.

Cremos até, que não oferecerá dúvida que os cidadãos detentores apenas da escolaridade mínima obrigatória em que esta foi de 4 ou mesmo de 6 anos, não terão adquirido o mesmo nível de conhecimentos daqueles em que essa escolaridade mínima obrigatória já foi de 9 ou 12 anos.

Se fosse o mesmo, não se entenderia a razão do aumento progressivo dos anos de escolaridade mínima obrigatória que vem sendo estabelecido.

Não sendo o ensino escolar obrigatório uma habilitação académica, na acepção que atrás consignámos, mas um determinado número de anos de frequência obrigatória do ensino, com ou sem sucesso, parece-nos evidente que um cidadão que tenha concluído com êxito o 4º ano de escolaridade (1º ciclo de ensino básico), não é detentor da mesma habilitação académica daquele que concluiu com êxito o 6º ano de escolaridade (2º ciclo de ensino básico), e assim sucessivamente, pese embora a conclusão por ambos da escolaridade mínima obrigatória, tendo em consideração a respetiva data de nascimento.

Em suma, tendo o A. concluído com êxito o 9º ano é detentor de habilitação académica superior àquele que apenas concluiu o 6º ano, pese embora a conclusão, por ambos, do ensino escolar obrigatório.

Por outro lado, na construção que faz, apesar de constituírem critérios bem diferenciados e separados e de grau hierárquico diferente, a R. funde as habilitações profissionais com a experiência profissional, considerando que à maior experiência profissional corresponde uma maior habilitação profissional.

Mas se assim fosse, a alínea d) constituiria mera redundância.

A habilitação profissional corresponde à habilitação académica mínima exigida para o desempenho de determinada profissão ou função, complementada ou não com a obtenção de aprovação no curso destinado a conferir competências específicas para o cabal exercício dessa profissão ou função, concedendo, muitas vezes, um cartão de identificação profissional ou um título profissional.

Já a experiência profissional corresponde ao tempo de exercício na função concreta, que embora não atribua uma habilitação profissional, poderá conferir, ainda que não necessariamente, maior capacidade e facilidade no desempenho da função.

A experiência profissional pode, eventualmente, ser adquirida mesmo por quem não seja titular da respectiva habilitação profissional e/ou académica.

Aqui chegados e respondendo à questão colocada, concluímos que na aferição dos critérios definidos no art.º 368.º, n.º 2, al. b) do CT, deve atender-se às diferentes habilitações académicas efectivamente detidas por cada um dos trabalhadores e correspondentes ao nível de ensino frequentado ou concluído com êxito, por referência ao ano de escolaridade, ainda que todas elas correspondam às habilitações académicas mínimas exigíveis para o posto de trabalho a extinguir”.

Acolhendo o entendimento do nosso mais alto tribunal sobre o que se deve entender por habilitações profissionais, os cursos e seminários de formação frequentados pela autora não lhe atribuem maiores habilitações profissionais em relação aos demais professores do grupo.

Com base na legislação aplicável referida na sentença, no caso dos professores, “a habilitação profissional (após a licenciatura) adquire-se mediante a denominada profissionalização em exercício (antes de Bolonha) ou através de uma formação com a duração de 2 anos na área didáctica em avaliação com prática pedagógica acompanhada, e não através da frequência de acções de formação profissional”.

Daí que a autora, no que concerne às habilitações profissionais, se encontre no mesmo plano ou nível das outras professoras do grupo.

E sendo iguais as habilitações académicas e profissionais das professoras do grupo (com excepção do profº C… por ter habilitações académicas superiores -mestrado) haverá que, na selecção do trabalhador a despedir, passar ao critério seguinte: “maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa” (alínea c) do nº 2 do artº 368º do CT).

E aqui, como se refere na sentença, “as professoras  E…e F… são, de entre aquele grupo, as que possuem vencimento mensal inferior, e os professores C…, D…  e a Trabalhadora (A…) auferem um vencimento mensal equivalente e superior ao daquelas primeiras.

Em face de tal circunstância, torna-se patente que, no momento em que opta pela extinção do posto de trabalho (e não num futuro incerto, a depender da reforma por idade), a manutenção do vínculo daquelas primeiras representa menor onerosidade para a EP, e de entre os três restantes, com vencimento igual, a Trabalhadora é a que detém menor antiguidade”.

Concluímos assim que a recorrida observou os critérios de selecção previstos no nº 2 do artº 368º do CT não sendo, por isso, o despedimento ilícito.

Da denúncia do contrato de trabalho:

O tribunal a quo enquadrou a enunciada questão do modo que, para um melhor enquadramento, a seguir se transcreve:

Sucede que em 16.10.2019, a Trabalhadora celebrou contrato de trabalho em funções públicas com o Agrupamento de Escolas de X…, com início nessa data e termo em 31.08.2020, para exercer, sob autoridade e direcção da segunda, a sua actividade de docente no grupo de recrutamento 520 – Biologia e Geologia, correspondente a 11 horas lectivas semanais acrescida da respectiva componente não lectiva, e remuneração ilíquida de 759,32 € (índice 167); e em 21.10.2019 as partes efectuaram um aditamento ao referido contrato, através do qual a primeira se comprometeu a prestar a sua actividade por mais uma hora, face ao aumento de 32 turmas, passando a deter um horário de 12 horas lectivas e respectiva componente não lectiva, mediante a remuneração ilíquida de 828,34 € (índice 167).

Efectivamente, a Trabalhadora, que havia concorrido para dar aulas no ensino público em Abril/Maio 2019, entrou na 6ª reserva de recrutamento no dia 11.10.2019, no Agrupamento de Escolas de X…, tendo disso sido informada por uma colega no dia 15.10.2019, à noite, e que teria de aceitar até ao dia seguinte, sob pena de ficar excluída nesse ano do concurso nacional de professores.

A Trabalhadora nunca comunicou à EP a celebração do mencionado contrato, que dele apenas teve conhecimento porque o Agrupamento de Escolas de X… lhe solicitou a ficha individual, guia de vencimentos e exportação do ficheiro GPV referentes à Trabalhadora, bem como o envio do seu processo individual.

A atitude da Trabalhadora não pode deixar de ser considerada como uma denúncia antecipada do contrato de trabalho com o B….

A denúncia pelo trabalhador é uma das formas de cessação do contrato de trabalho – cfr. arts. 340º, al. h) e 400º do CT.

O nº 1 do art. 400º do CT estipula que a denúncia deve ser feita mediante comunicação escrita ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante tenha até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.

A omissão da forma escrita não invalida a denúncia, já que esta constitui uma formalidade ad probationem e não ad substanciam, limitando-se a exigência da forma escrita ao aviso prévio da denúncia e para prova de que este respeitou o prazo de antecedência legalmente fixado e não à denúncia em si mesma, não sendo condição da sua validade – vide, neste sentido, a título de exemplo, Acórdão do STJ de 15.09.2010, Proc. 293/07.3TTSNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Vigorando no nosso ordenamento jurídico a liberdade de forma (art. 219º do CC), a comunicação verbal de denúncia é válida e eficaz, é inerente à faculdade de denúncia livre do contrato ou da liberdade de desvinculação pelo trabalhador e constitui uma mera decorrência do princípio constitucional da liberdade de trabalho.

Efectivamente, “O contrato de trabalho, sendo uma relação duradoura, não implica uma vinculação perpétua do trabalhador, que a todo o tempo se pode desvincular” – vide, neste sentido, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3ª ed., pág. 414.

O aviso prévio tem como desiderato permitir ao empregador a substituição do trabalhador, protegendo a organização económico-produtiva da empresa, que poderia ficar afectada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador.

Ou seja: a declaração verbal da denúncia por parte do trabalhador, desde que inequívoca, tem como efeito válido a extinção do contrato, imediatamente após ser conhecida do empregador, não dependendo de que qualquer declaração deste.

E a declaração de denúncia, enquanto manifestação de vontade, vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236º do CC) – vide, neste sentido, Acórdão do STJ de 04.05.2011, Processo 444/06.4TTSNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

A lei possibilita ao trabalhador a cessação/denúncia antecipada do contrato de trabalho (e não proíbe outras formas como a cessação por acordo ou a denúncia tácita), durante o prazo de aviso prévio, mediante declaração com a antecedência mínima de três dias úteis, mantendo o direito à compensação – cfr. art. 365º CT.

A denúncia permitida ao trabalhador, por este normativo, “não visa directamente fazer cessar o contrato - cuja extinção, aliás, foi já ditada pela declaração de despedimento emitida pelo empregador -, mas tão só antecipar a data da cessação da relação contratual” – vide, neste sentido, Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª ed., pág. 368.

Neste sentido, e regressando ao caso em apreço, não pode ser outro o sentido visado pela Trabalhadora, ao celebrar contrato de trabalho com outra escola (pública) a não ser o de antecipar a data da cessação da relação contratual com o B… para o dia 15.10.2019 (dia que antecedeu a celebração do contrato com a escola pública).

É que, não obstante nunca deter qualquer regime de exclusividade ao serviço do B.. , a Trabalhadora não poderia desconhecer que a possibilidade de leccionar em várias escolas, com acumulação, não permite exceder o limite de 28 horas lectivas semanais (escola privada + escola pública) e está dependente de autorização da direcção das escolas onde se pretende leccionar (por virtude da compatibilização de horários).

É certo que não observou o dever de comunicar à EP essa denúncia com a antecedência de três dias úteis, mas também não teve possibilidade de o fazer, dado que só nesse dia teve conhecimento da sua colocação no ensino público (deveria tê-lo feito a seguir, numa atitude de lealdade para com a EP, a que também não devolveu o valor correspondente a metade da retribuição do mês de Outubro de 2019).

A Trabalhadora mantém o direito à compensação, que deve ser recalculado até ao dia 15.10.2019, assim como a respectiva retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao ano da cessação – cfr. arts, 245º, nº 1 al. b) e 263º, nº 2, al. b) do CT (descontando-se ainda o valor da retribuição referente aos dias 16 a 31 de Outubro de 2019, que recebeu e não devolveu à EP)[5]”.

Não perfilhamos este entendimento pelas razões que a seguir procuraremos demonstrar.

A denúncia[6] do contrato de trabalho reveste a característica de uma declaração negocial receptícia emitida pelo trabalhador que tem o empregador com destinatário e visa pôr termo situação jurídica de trabalho subordinado.

Como declaração receptícia[7] produz os seus efeitos a partir do momento em que é recebida ou chega ao conhecimento do destinatário, nos termos dos artigos 224.º e seguintes e 295.º do Código Civil)

Ora, a celebração de um contrato de trabalho com terceiro não incorpora nenhuma declaração negocial dirigida ao originário empregador.

Acresce que não é impossível a um trabalhador ter dois contratos de trabalho e cumpri-los em simultâneo.

Tudo dependerá, por exemplo, do número de horas de laboração e do horário acordado.

Assim, a celebração no dia 16.10.2019 do “contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo” com o Agrupamento de Escolas de X…, com início em 16.10.2019, não pode valer como denúncia do contrato firmado entre a trabalhadora e a empregadora.

E, não havendo denúncia, não há que falar em observância ou inobservância do aviso prévio ou em qualquer dever de indemnizar por parte da trabalhadora.

Também o cálculo da compensação não deve ser reportada à data da pretensa denúncia (15.10.2019), mas sim devendo contar-se todo o tempo de aviso prévio, ou seja, até dia 04.11.2019, data em que cessou o contrato.

Aliás, ainda que por hipótese, tivesse havido denúncia, o cálculo da compensação devida pela extinção (lícita) do posto de trabalho deve se calculada até 04.11.2019

Com efeito, a lei ressalva expressamente o direito à compensação pela extinção do vínculo laboral quando o trabalhador no decurso do aviso prévio tenha denunciado o contrato (artº 365º do CT), mas não esclarece como se determina a antiguidade do trabalhador para efeitos de cálculo do montante da compensação.

Nestes casos poderia pensar-se que a compensação apenas seria devida até à data em que a denúncia se tornou eficaz e não até ao termo do aviso prévio.

No entanto, no seguimento dos ensinamentos de P. Furtado Martins (Cessação do Ccontrato de Trabalho, 3ª edição, p. 368) haverá que contabilizar para efeitos de antiguidade todo o tempo de aviso prévio da decisão final.

E isto porque “pretendeu a lei conceder ao trabalhador um meio de antecipar a desvinculação sem com isso descaracterizar a causa de cessação do contrato. Daí que utilização desse meio não prejudique dos direitos associados à antiguidade. Obviamente, o trabalhador não tem direito à retribuição correspondente ao período do aviso prévio da decisão final que não chegou a decorrer


***

IV - Termos em que se decide julgar:

a) A apelação interposta pela trabalhadora (recurso independente) parcialmente procedente em função do que se revoga em parte a decisão impugnada suprimindo-se a alínea b) da parte dispositiva da sentença.

b) O recurso subordinado totalmente improcedente.


*

Custas no recurso independente a cargo de trabalhadora e empregadora na proporção de 4/5 para a primeira e 1/5 para a segunda.

Custa no recurso subordinado a cargo da recorrente.

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(...)


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Coimbra, 18 de Junho de 2021

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)


[1] Relativamente á pretensa violação do nº 3 do artº 387º do CT apenas se refere no artº 20º da contestação que “ nada consta na comunicação enviada à A, quer em 2 de Agosto, quer em 21 de Agosto (nesta a comunicar-lhe a decisão do despedimento) sobre as habilitações profissionais, sendo o critério da referida alínea, reduzido às habilitações académicas

Mas, desta alegação não retira a trabalhadora qualquer consequência no sentido do incumprimento do citado normativo pois se impõe apenas que “…se apurem as habilitações profissionais dos diversos docentes e se seleccione a menos habilitada, o que não foi feito por parte do R”.

[2] Negrito nosso.
[3] Na escolha do posto de trabalho a extinguir, a empregadora deve respeitar a ordem em que estão elencados os critérios enunciados no citado normativo, só recorrendo ao imediato e sucessivo critério legal, se o anterior não permitir determinar em concreto o posto de trabalho a extinguir
[4] Consultável em www.dgsi.pt/jstj e citado pela recorrente.
[5] Negrito nosso.
[6] A denúncia é uma declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Trata-se de uma declaração unilateral jurídico-potestativa, precisa, que se impõe inelutavelmente à contraparte.
[7] Que pode ser transmitida verbalmente ou por escrito.