Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/10.6TBSJP-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
CULPA
PRAZO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 03/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - MOIMENTA DA BEIRA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 139, 140 CPC, 40 RCJ
Sumário: 1. A avaria no computador do Ilustre Mandatário da parte não constitui, só por si, facto suficiente para considerar que o mesmo, sem culpa, não tomou conhecimento da notificação que lhe foi efectuada, não integrando por isso o conceito de justo impedimento na previsão do artº 140 nº 1 do C.P.C.

2. A menos que esteja especialmente previsto, o regime do artº 139 nº 5 e nº 6 do C.P.C. apenas se aplica à prática de actos processuais e não de actos tributários, como é o caso do pagamento da taxa de justiça, sendo a sua aplicação excluída pelo artº 40 do RCJ.

Decisão Texto Integral:

No processo principal foi proferida sentença da qual os AA. interposeram recurso, por não se conformarem com a mesma.

Juntaram os AA. o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso com referência ao valor da acção de € 7.800,00, quando no despacho saneador o valor da acção foi fixado em € 9.800,00.

Em 25/11/2013 a secretaria notificou os AA. para procederem ao pagamento da taxa de justiça e multa, nos termos do artº 642 nº 1 do C.P.C.

Os AA. vêm requerer que seja relevada a multa, pelo facto de terem procedido ao pagamento da taxa de justiça pelo valor do processo que consta(va) do citius, procedendo ao pagamento do complemento da taxa de justiça.

Foi proferido despacho a 12/12/2013 a indeferir o requerido, por entender que havendo pagamento parcial da taxa de justiça, a multa deveria ter o mesmo valor do remanescente que não foi liquidado, corrigindo o montante da multa liquidada pela secretaria e determinando a emissão de novas guias para pagamento da multa com o montante correcto, a liquidar no prazo de 10 dias, sob pena de desentranhamento do recurso.

Tal despacho foi notificado aos AA. com a guia para pagamento da multa, dela constando como data de início de pagamento 12/12/2013 e data limite de pagamento 08/01/2014.

Os AA. juntaram aos autos a guia comprovativa do pagamento da multa em 13/01/2014.

Nessa data, veio o Ilustre Mandatário dos AA. alegar motivo de justo impedimento para o incumprimento do prazo processual, invocando uma avaria técnica do seu computador que o levou a ter de instalar o software necessário para aceder ao citius num outro computador, pelo que só viu a notificação a 13/01, tendo de imediato procedido ao pagamento em falta.

Notificados os RR., os mesmos vêm opor-se a que se considere verificado o justo impedimento, alegando não estarem verificados os seus pressupostos.

Foi proferida decisão a 16/02/2014 que julgou verificado o justo impedimento e admitiu a prática do acto processual depois do prazo fixado.

É com esta decisão que os RR. não se conformam e dela vêm recorrer, pedindo a sua revogação, formulando para o efeito as seguintes conclusões:

1.Interpõe-se recurso do despacho judicial que julgou procedente o incidente de justo impedimento.

2. Foi proferida sentença judicial nos autos (ex vi citius com a referencia 430750), de que os autores apresentaram recurso, juntando aos autos as suas conclusões, conforme consta nos autos com a ref.ª citius 128854.

3. Os apelantes autores não pagaram, aquando a apresentação das alegações de recurso, a taxa de justiça devida nos autos, atento o valor da causa fixado no despacho saneador- ex vi citius referencias 446635.

4. Foi então proferido despacho constante dos autos com a referencia citius 450054, já transitado em julgado, que ordenou:“ emita nova guia para pagamento, no prazo de 10 dias e nos termos do artigo 642º nº1 e 2 do NCPC, de multa no valor de € 61,20, sob pena de desentranhamento das alegações de recurso nos termos da aludida disposição legal. Notifique os Recorrentes com a referida advertência prevista no artigo 642º nº2 do NCPC.”

5. Tal decisão com guia para pagamento da multa foi notificada ao recorrente através do seu mandatário conforme consta no citius com a referencia 450450, sendo que o prazo de pagamento terminou dia 8/1/2013, ex vi ref.ª 450449.

6. Em 13-1-2014, por requerimento com a ref.ª citius 135567, vem o autor deduzir incidente de justo impedimento, juntando o pagamento da multa daquela guia, com data de 13-1-2004.

7. Ao incidente deduzido opôs-se a apelante, ex vi ref.ª 136688.

8. Por despacho, em crise, admitiu o tribunal a quo, o incidente deduzido e julgou o mesmo procedente- ex vi citius com a referencia 461407.

9. Como o demonstra o requerimento com a referencia citius 135567, o autor não juntou comprovativo de pagamento de taxa de justiça devida pelo incidente e condição da sua admissibilidade- ex vi art.7, n.º4, art. 13 e 14 do decreto-lei n.º 34/2008 de 26/2 e 642 do CPC, facto que o tribunal a quo não considerou aquando a prolação da sentença, nem sobre tal se pronunciou apesar de tal 10/16 questão ter sido colocada pela ora apelante no seu requerimento de contraditório ao incidente

10. Violou assim o tribunal a quo o disposto no art.7, n.º4, art. 13 e 14 do decreto lei n.º 34/2008 de 26/2 e 642 do CPC e o art. 154 e 615 do CPC, existindo nulidade do despacho.

11. Acrescendo que, também à data da prolação do despacho em crise não estava junto o comprovativo de pagamento da taxa devida pela dedução do incidente, nem da respectiva multa por falta de pagamento em tempo- art. 145, 529, 530 e 642 do CPC.

12. Ao contrário do que o tribunal a quo declarou no despacho em crise, não se tratava do “pagamento do remanescente da taxa de justiça”, como erradamente faz constar, mas de pagamento de multa.

13. O prazo peremptorio para pagamento terminou dia 8-1-2013 e ao contrário do que consta do despacho em crise, o pagamento da multa não foi no dia útil seguinte ao terminus do prazo, que seria dia 9/1/2013, mas no 5.º dia útil posterior.

14. Resulta das regras do ónus da prova que cabia ao autor e portanto a quem alega o justo impedimento provar os factos, a realidade e o acontecimento que alega.

15. A única prova, documental, que o autor juntou foi impugnada pela ré, concretamente: “a ré opõe-se e não aceita todo o alegado, nem aprova documental junta, a qual vai impugnada quanto ao seu teor, efeitos, autenticidade e originalidade, desconhecendo-se quem o lavrou e quem o rubricou.”

16. Impugnada a prova documental nos termos do artigo 444 do CPC, cabia ao autor provar o teor, autenticidade, genuinidade e quem o lavrou e rubricou, e consequentemente nos termos do art.445 do CPC requerer a consequente produção de prova -o que não fez.

17. O tribunal a quo atendeu à prova documental impugnada pela ré, nos termos do art. 444., o que não lhe era permitido, por ter sido inobservado o disposto no art. 445, n.º2 do CPC.

18. Os réus impugnaram o alegado no incidente, sendo que o tribunal a quo em incorrecta inversão do ónus da prova afirma o seguinte: ”nem tampouco lograram os réus comprovar- até porque não indicaram prova para o efeito que, para efeitos de leitura das notificações recebidas se possa aceder ao citius sem o software, que de acordo com os autores, seria incompatível com o respectivo computador”- porem salvo o devido respeito o ónus da prova cabe aos autores e não aos réus, no termos do disposto no art 342 e 344 do código civil, normas que o tribunal a quo violou.

19. É das regras da experiencia comum que, e tal facto resulta provado pelo logotipo e timbre do advogado em causa que está nas peças processuais o mesmo possui dois escritórios, um na Mêda e outro em Vila Nova de Foz Côa, nos tempos actuais de tecnologia e de fácil acesso de um advogado à mesma, (o que dizem as regras da normalidade e da experiencia comum é que) o ilustre mandatário não tem apenas um PC para aceder ao citius, antes terá pelo menos um computador em cada um dos seus escritórios, sendo que para aceder ao citius não tem que ser só e não é só possivel por PC ou MAC (fixo ou portátil), mas pelo telemóvel, tablet, etc, etc., como é do conhecimento notório por ser facto publico.

20. Alias, em qualquer aparelho próprio ou de terceiro, sendo diligente o advogado atentas as suas responsabilidades profissionais, poderá aceder ao citius e abrir e ler as notificações, pois para tanto basta digitar o site, depois o e-mail e a palavra passe.

21. Por outro, quer o certificado multicer e o java, apenas são necessários para enviar peças via citius, jamais para aceder ao citius, para abrir e ler as notificações e se não conseguia o ilustre mandatário enviar peças (que nem é o caso), podia te-lo feito por correio, em mão ou por fax.

22. Ademais é manifestamente contraditório o que o mandatário alega com o documento que o próprio junta, note-se:

a) Alega que no dia 29/12/2013 levou o pc à loja e que no dia 2/1/2012 soube que a avaria era grave e portanto dado os valores da reparação, decidiu antes comprar um PC novo e passou a utilizar o seu MAC.

b) Que no Mac procedeu no dia 2/1/2014 à instalação de software para aceder ao citius e só dia 11/1/2014 teve acesso ao citius.

c) Que o MAC, por causa do Multicert e java estavam em “conflito”…

 23.Mas, outra coisa diferente diz o documento:

d) Que o PC esteve a ser reparado do dia 29 de Janeiro de 2013 a 13/1/2014 –quando o ilustre mandatário diz que por a avaria ser grave e ficar pelo preço de um PC novo desistiu da reparação do PC a 2/1/2013 e resolveu utilizar o Mac.

e) No documento não se fala do Mac e seu software, que o mandatário diz que só ficou operacional em 11/1/2014;

f) Os alegados problemas informáticos mencionados no documento (hardware, vídeo, fonte de alimentação…) são muito diferentes da instalação da multicert e java.

24. A instalação da multicert e java feita por um técnico informático demora 10 minutos e pelo mandatário quando muito meia hora, alias tem este ao seu dispor o suporte informático da Ordem dos Advogados, até na própria pagina/sitio da Ordem dos Advogados, que é de acesso privilegiado pelo ilustre advogado.

25. Assim, mesmo que fosse de avaliar e julgar a prova documental, esta dita uma realidade manifestamente diferente da alegada no incidente, pelo que os autores não lograram provar os factos que alegaram no incidente.

26. Por fim, no despacho em crise, em manifestada contradição com o julgado anteriormente de desentranhamento das alegações de recurso no caso de não pagamento da multa no prazo de 10 dias, o tribunal a quo “dá o dito pelo não dito” e dá agora ao ilustre mandatário dos autores a possibilidade de pagar no terceiro dia útil do terminus do prazo a multa, a fim de o recurso não ser rejeitado.

27. O tribunal a quo viola o disposto no art. 570 e 642, n.º2 do CPC, que dispõe que findos os 10 dias para pagamento da multa devida determina o tribunal desentranhamento da alegação.

28. O tribunal a quo ao julgar ser de aplicar o disposto no art. 139, n.º6 do CPC, faz incorreta interpretação e aplicação no caso concreto dessa norma, pois que se aplica à apresentação de peças e requerimentos e não para dilação no tempo de guias já emitidas para pagamento de multas por causa de pratica de actos fora de prazo.

29. O tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do direito, particularmente das normas mencionadas, violando as mesmas e violou os princípios basilares do processo civil da legalidade, da igualdade de tratamento das partes e a força do trânsito em julgado face à decisão existente no despacho anterior ao que está em crise.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões - artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- da verificação do justo impedimento;

- da aplicação do disposto no artº 139 nº 6 do C.P.C.

III. Fundamentos de Facto

A decisão recorrida não individualiza de forma autónoma os factos com interesse para a decisão sobre o justo impedimento que teve como provados, nem aqueles que considerou não provados, com referência à alegação das partes, nem tão pouco apresenta a sua fundamentação especificada, ainda que faça, por vezes a referência a documentos juntos aos autos.

Importa por isso fazê-lo, tendo em conta o disposto nos artº 663 nº 2 e artº 607 nº 4 do C.P.C., que manda atender, aos factos admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei e pelas regras da experiência, ponderando ainda que os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso considerados na decisão recorrida não foram impugnados, nos termos do artº 640 do C.P.C. e são os seguintes:

1.No processo principal foi proferida sentença da qual os AA. vieram interpor recurso, por não se conformarem com a mesma.

2. Juntaram o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso com referência ao valor da acção de € 7.800,00, quando no despacho saneador o valor da acção foi fixado em € 9.800,00.

3. Em 25/11/2013 a secretaria notificou os AA. para procederem ao pagamento da taxa de justiça e multa, nos termos do artº 642 nº 1 do C.P.C.

4. Os AA. vêm requerer que seja relevada a multa, pelo facto de terem procedido ao pagamento da taxa de justiça pelo valor do processo que consta(va) do citius, procedendo ao pagamento do complemento da taxa de justiça.

5. Foi proferido despacho a 12/12/2013 a indeferir o requerido, entendendo que havendo pagamento parcial da taxa de justiça, a multa deveria ter o mesmo valor do remanescente que não foi liquidado, corrigindo o montante da multa liquidada pela secretaria e determinando a emissão de novas guias para pagamento da multa com o montante correcto, a liquidar no prazo de 10 dias, sob pena de desentranhamento do recurso.

6. Tal despacho foi notificado aos AA. com a guia para pagamento da multa, dela constando como data de início de pagamento 12/12/2013 e data limite de pagamento 08/01/2014.

7. Os AA. juntaram aos autos a guia comprovativa do pagamento da multa em 13/01/2014.

8. O computador do Ilustre Mandatário dos AA., da marca PC esteve a ser reparado entre os dias 29/12/2013 e 13/01/2103.

IV. Razões de Direito

Como questão prévia, importa referir que se encontra ultrapassada a nulidade suscitada pelos Recorrentes, a que aludem os pontos 9 a 11 das suas conclusões do recurso, uma vez que foi, entretanto, suprida a omissão do tribunal e paga a taxa de justiça devida pelo incidente suscitado.

- da verificação do justo impedimento

A respeito do justo impedimento o artº 140 do C.P.C dispõe no seu nº 1: “Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.” Acrescenta o nº 2 que: “A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora de prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.”

Antes da reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996 o conceito de justo impedimento então previsto no artº 146 do C.P.C. assumia contornos mais restritivos do que os actuais, ao associar o justo impedimento ao “evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário.” Aqui se exigia que o justo impedimento apenas funcionasse numa situação em que a parte ou o seu mandatário estivessem colocados quase na impossibilidade absoluta de praticarem o acto em falta.

A reforma do código do Processo Civil introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, veio tornar mais flexível o conceito de justo impedimento, ao introduzir uma ideia de culpa.

O conceito de justo impedimento surge assim associado não apenas a razões estranhas à vontade da parte ou imprevisíveis, que impeçam a prática atempada do acto, antes colocando agora o legislador a enfase, na ideia da ausência de culpa da parte, dos seus representantes ou mandatários, na prática não atempada do acto. Tal como já falava Vaz Serra, in. RLJ 109º- 267: “deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos ou circunstâncias excepcionais.”

À luz do artº 140 do C.P.C. importa então apurar se existe ou não culpa da parte, do seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo para a práctica do acto, o que deve ser valorado de acordo com o critério geral do artº 487 nº 2 do C.Civil que estabelece que na falta de outro critério legal a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso, sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro, no acompanhamento das causas- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/04/2008, in. www.dgsi.pt 

            Retomando o caso concreto, adianta-se, desde já, que os factos que resultaram apurados não são suficientes para preencher o conceito de justo impedimento, por não nos permitirem concluir que a falta da prática atempada do acto não é imputável ao Ilustre Mandatário da parte.

            Alega o Ilustre Advogado, que não pôde ter acesso à notificação que lhe foi feita pelo tribunal em 12/12/2013, através do citius, por avaria do seu computador pessoal.

Revelam-nos os factos provados que o computador do Ilustre Mandatário dos Recorrentes esteve a ser reparado de 29/12/2013 e 13/01/2014. Contudo, essa circunstância não pode, só por si, ser considerada como impeditiva para que o Ilustre Advogado pudesse aceder ao citius, para tomar conhecimento da notificação que lhe foi efectuada para pagamento da taxa de justiça e multa e desse modo cumprir a mesma.

Na verdade, o mesmo podia ter tomado conhecimento de tal notificação através de qualquer outro computador ou equipamento com acesso à internet. Quando muito, ainda que de forma algo forçada, poderia falar-se de justo impedimento, caso tivesse ficado provada a impossibilidade de acesso do Ilustre Advogado a qualquer outro computador ou equipamento, que lhe permitisse tomar conhecimento da notificação para a prática do acto, sendo certo que, a ser assim, lhe competia a alegação e a prova dos factos susceptíveis de poder levar o tribunal a concluir nesses termos e dessa forma a ter como preenchido o conceito de justo impedimento.

O ónus de alegação e prova dos factos capazes de integrar o conceito do justo impedimento é da parte que o invoca, de acordo com o artº 342 nº 1 do C.Civil.

            A decisão recorrida não interpreta devidamente as regras do ónus da prova quando faz recair sobre os RR. a obrigação de provar que o Ilustre Mandatário dos AA. tinha outros computadores disponíveis, ou que o acesso ao Citius poderia ser feito por outro computador- o que aliás pode considerar-se ser do conhecimento comum.

Por outro lado, um advogado diligente no patrocínio judiciário e na condução do processo dos seus clientes, sabendo que efectuou um requerimento ao processo que está dependente de decisão do tribunal, não age com a diligência devida que o patrocínio judiciário lhe impõe, ao estar um mês sem aceder ao Citius, a partir do momento em que tal determina que não fique informado e ciente das notificações processuais que lhe são feitas, podendo qualificar-se a sua conduta, no mínimo, de negligente. É que a notificação teve lugar a 12/12/2013 e o Ilustre Mandatário refere que apenas em 13/01/2014 teve conhecimento da mesma.

            Conclui-se que, embora tenha ficado provado que o computador do Exmº Advogado esteve a ser reparado de 29/12/2013 a 13/01/2014, tal facto, só por si, é insuficiente para constituir um obstáculo à prática atempada do acto não imputável à parte ou ao seu mandatário, por não poder considerar-se que o mesmo, sem culpa, não tomou conhecimento da notificação que lhe foi efectuada, de acordo com a previsão do artº 140 nº 1 do C.P.C., não podendo por isso falar-se da existência de justo impedimento, revogando-se a decisão recorrida na parte em que assim o dispõe.

- da aplicação do disposto no artº 139 nº 6 do C.P.C.

Considera a decisão sob recurso que, ainda que não houvesse justo impedimento, a consequência da prática do acto fora de prazo pelos AA. não seria a rejeição do recurso, mas sim a notificação dos mesmos para procederem ao pagamento da multa acrescida da penalização, nos termos do artº 139 nº 6 do C.P.C. uma vez que o acto, foi praticado no terceiro dia útil após o fim do prazo e que só no caso de tal pagamento não ser efectuado no prazo de 10 dias, seria rejeitado o recurso.

No caso em presença, não oferece dúvidas que o acto foi praticado no 3º dia útil após o prazo. Na verdade, terminando o prazo a 08/01/2014 que foi uma 4ª feira, o dia em que teve lugar a prática do acto, no caso o pagamento da multa, foi o 3º dia útil após o fim do prazo- 13/01/2014, 2ª feira.

A questão que se põe é então a de saber se estamos perante um acto que ainda pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, independentemente de justo impedimento, conforme é previsão do artº 139 nº 5 do C.P.C.

Está em causa a prática de um acto, que aqui corresponde ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, com a multa, pelo facto de aquela não ter sido liquidada nos termos legais, quando dessa mesma interposição do recurso.

O artº 642 do C.P.C. refere-se à omissão do pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, estabelecendo o seguinte:

“1. Quando o documento comprovativo da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para este efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC, nem superior a 5 UC.

2. Quando no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa, ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentada pela parte em falta.

3. (…).”

Na situação em presença, a secretaria notificou os Recorrentes, nos termos previstos na parte final do nº 1 do artº 642 do C.P.C., ou seja, para efectuarem o pagamento da taxa de justiça na parte omitida, acrescido da multa, no prazo de 10 dias. Foi este pagamento que os Recorrentes vieram efectuar já no 3º dia útil depois do prazo legal.

Contudo, o direito que o artº 139 nº 5 do C.P.C. confere às partes de praticar o acto nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa respectiva, não se aplica aos prazos previstos para pagamentos de taxa de justiça e multa, em face do que estabelece o artº 40 do Regulamento das Custas Judiciais, salvo disposição especial em contrário.

O artº 40 do RCJ a respeito da contagem dos prazos, dispõe: “Salvo disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente regulamento não se aplica o disposto no nº 5 do artº 139 do C.P.C.” Já na sua redacção anterior, o artº 40 do RCJ excluía a aplicação do artº 145 nº 5 do anterior C.P.C., com redacção idêntica à do actual artº 139 nº 5 do C.P.C. Vigora assim a regra da inaplicabilidade do regime previsto no artº 139 nº 5 e nº 6 do C.P.C. aos prazos para pagamentos previstos no R.C.J., ou seja, ao prazo para o cumprimento de actos processuais tributários, sem prejuízo das excepções que sejam estabelecidas. Neste sentido, de considerar que o regime do nº 5 do artº 145º do C.P.C. apenas se refere à prática de actos processuais e não de actos tributários, como é o caso do pagamento da taxa de justiça pronunciou-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/02/2011, in. www.dgsi.pt

Em face do exposto, conclui-se, contrariamente ao que considerou a decisão recorrida, que não há lugar a nova notificação ao interessado por parte da secretaria, nos termos do artº 139 nº 6 do C.P.C., por não estarmos perante um acto que ainda pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, independentemente de justo impedimento, conforme é previsão do artº 139 nº 5 do C.P.C. em face do estabelecido no artº 40 do RCJ e atenta a inexistência de disposição especial em contrário.

A falta da junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça e multa, no prazo legal de 10 dias, após a notificação pela secretaria, determina assim a aplicação da cominação prevista no nº 2 do artº 642 do C.P.C., importando por isso o desentranhamento da alegação apresentada pela parte em falta.

Revoga-se assim a decisão recorrida que se substitui por outra que, pelas razões referidas, determina o desentranhamento da alegação de recurso apresentada pela parte em falta, nos termos do artº 642 nº 2 do C.P.C.

V. Sumário:

1. A avaria no computador do Ilustre Mandatário da parte não constitui, só por si, facto suficiente para considerar que o mesmo, sem culpa, não tomou conhecimento da notificação que lhe foi efectuada, não integrando por isso o conceito de justo impedimento na previsão do artº 140 nº 1 do C.P.C.

2. A menos que esteja especialmente previsto, o regime do artº 139 nº 5 e nº 6 do C.P.C. apenas se aplica à prática de actos processuais e não de actos tributários, como é o caso do pagamento da taxa de justiça, sendo a sua aplicação excluída pelo artº 40 do RCJ.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se o desentranhamento da alegação de recurso apresentada, nos termos do artº 642 nº 2 do C.P.C.

Custas pelos Recorridos.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 24 de Março de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Carvalho Martins (2º adjunto)