Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
251/09.2GCLSA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
MORADA DO TIR
IRREGULARIDADE
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA LOUSÃ – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 5º E 196º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; LEI N.º 20/2013, DE 21 DE FEVEREIRO;
Sumário:
I – A informação prestada ao OPC por familiar do arguido que este não reside já na morada do TIR mas na Arábia Saudita, sem que seja indicada uma morada concreta, não importa a alteração da morada do TIR, nos termos previstos no art. 196º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Penal, sendo válida a notificação efetuada para a morada constante do TIR, conforme o AUJ n.º 6/2010.

II - A revogação da suspensão da execução da pena integra-se ainda num procedimento de notificação da sentença, pelo que deve o arguido ser notificado para a morada constante do TIR e por via postal simples, incluindo no caso de o TIR ter sido prestado em data anterior à entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Penal decorrentes da Lei n.º 20/2913.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Cristina Branco
1.ª Adjunta: Maria Alexandra Guiné
2.ª Adjunta: Alcina da Costa Ribeiro

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de ...

I. Relatório

1. No âmbito do Processo Comum Singular n.º 251/09.... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ..., o arguido, AA, identificado nos autos, não se conformando com o despacho proferido em 21-09-2023, que indeferiu o por si requerido em 04-09-2023 (concretamente a reparação da irregularidade da notificação ao arguido do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a cessação da contumácia e a notificação do mencionado despacho ao arguido na morada sita na Rua ..., ..., bem como à sua actual defensora), veio dele interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«A.
O DOUTO DESPACHO RECORRIDO JULGOU NÃO VERIFICADA A IRREGULARIDADE INVOCADA PELO RECORRENTE EM 04/09/2023 QUANTO À NÃO TER SIDO NOTIFICADO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO EM QUE HAVIA SIDO CONDENADO;
B.
O DESPACHO A QUO ENTENDEU EU AINDA QUE O RECORRENTE NÃO PETICIONOU NADA DE NOVO NO REQUERIMENTO DE 04/09/2023;
C.
MAS INDISCUTIVELMENTE O RECORRENTE NÃO FOI NOTIFICADO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO NEM SE PODE CONSIDERAR QUE O TENHA SIDO;
D.
QUANDO O RECORRENTE PRESTOU TIR EM 18/02/2010 INDICOU UMA MORADA;
E.
QUANDO FOI PESSOALMENTE NOTIFICADO DA SENTENÇA EM 03/12/2012 INDICOU UMA MORADA DIFERENTE DA DO TIR;
F.
A SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO FOI REVOGADA POR DESPACHO DE 02/02/2016;
G.
FOI PROMOVIDO PELO MP E DECIDIDO PELO TRIBUNAL NOTIFICAR O RECORRENTE DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO COM FUNDAMENTO NO ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DO STJ 15/04/2010, POR VIA POSTAL SIMPLES PARA A MORADA DO TIR, ONDE O RECORRENTE JÁ NÃO VIVIA HÁ VÁRIOS ANOS;
H.
EM 04/09/2023 O RECORRENTE VEIO INVOCAR A EXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADE POR NÃO TER SIDO NOTIFICADO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO;
I.
O TRIBUNAL RECORRIDO ENTENDEU QUE NÃO BASTAVA AO RECORRENTE TER INFORMADO DA MUDANÇA DE RESIDÊNCIA, TAMBÉM TINHA DE TER MANIFESTAR A PRETENSÃO DE QUE AS FUTURAS NOTIFICAÇÕES FOSSEM ENVIADAS PARA A NOVA MORADA,
J.
MAS, PARA ALÉM DESSA INTENÇÃO SE RETIRAR DESDE LOGO DA PRÓPRIA INDICAÇÃO DA MORADA NOVA, A OBRIGAÇÃO DE MANIFESTAR ESSA PRETENSÃO NÃO SE RETIRA DO ART.º 196.º, N.º 2 E N.º 3, AL. C DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL;
K.
NA VERDADE, O DOUTO TRIBUNAL RECORRIDO ENTENDEU FICCIONAR A MORADA DO RECORRENTE PARA CONCRETIZAR A NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO, TENDO AQUELE NA REALIDADE SIDO APENAS NOTIFICADO AO ILUSTRE DEFENSOR ENTÃO NOMEADO AO RECORRENTE;
L.
INEXISTE POR ISSO QUALQUER FUNDAMENTO DE FACTO OU DE DIREITO PARA SE CONSIDERAR-SE QUE O RECORRENTE FOI NOTIFICADO DAQUELE DESPACHO;
M.
ASSIM, O DITO DESPACHO TAMBÉM NÃO TRANSITOU EM JULGADO.
N.
HOUVE UMA IRREGULARIDADE NA DITA NOTIFICAÇÃO DO RECORRENTE, DE HARMONIA COM O DISPOSTO NO N.º 1 E NO N.º 2 DO ART.º 118.º E NO ART.º 119, A CONTRARIO, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
O.
FOI NEGADO AO RECORRENTE O DIREITO AO CONTRADITÓRIO, PREVISTO NO ART.º 61.º, N.º 1, AL. B) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, E GARANTIA CONSTITUCIONAL PREVISTA NO ART.º 32.º N.º 5 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA;
P.
FORAM, OFENDIDOS OS DIREITOS DE DEFESA DO RECORRENTE.
Q.
ENTENDE AINDA O DOUTO DESPACHO RECORRIDO QUE, COMO O RECORRENTE NÃO PETICIONOU NADA DE NOVO, NÃO CUMPRE AO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA REAPRECIAR O QUE ANTES DECIDIU E QUE JÁ TINHAM SIDO INVOCADAS IRREGULARIDADES E NULIDADES,
R.
O QUE RESSALVADO O MERECIDO RESPEITO, NÃO SE VERIFICA, POIS OS REQUERIMENTOS ANTERIORES NOS AUTOS NÃO INVOCAVAM QUALQUER IRREGULARIDADE OU NULIDADE ESPECÍFICA;
S.
O DOUTO TRIBUNAL RECORRIDO ANDOU MAL AO DECIDIR A NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO AO RECORRENTE POR VIA POSTAL SIMPLES PARA A MORADA DO TIR COM BASE NO ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 6/2010, DE 15/04/2010, POIS NA DATA DO TIR, 18/02/2010, AINDA NÃO TINHA SIDO ADITADA AO N.º 3 DO ART.º 196.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL A AL. E), QUE PREVÊ QUE "DE QUE, EM CASO DE CONDENAÇÃO, O TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA SÓ SE EXTINGUIRÁ COM A EXTINÇÃO DA PENA."
T.
TAL ALTERAÇÃO FOI INTRODUZIDA PELA LEI N.º 20/2013, DE 21 DE FEVEREIRO, E ENTROU EM VIGOR A 23/03/2013. ORA,
U.
ATÉ ENTÃO, O TIR, COMO QUALQUER MEDIDA DE COACÇÃO, EXTINGUIA-SE ENTÃO DE IMEDIATO, COM O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO CONDENATÓRIA, O QUE NO CASO DOS PRESENTES AUTOS ACONTECEU EM 26/12/2012;
V.
DECORRE DO ART. 5.º, N.º 2 AL. A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUE ESTÁ VEDADA A APLICAÇÃO DA REDACÇÃO DADA ENTRETANTO PELA REFERIDA LEI À AL. E) DO Nº 1 DO ART. 214.º DO CPP (ADITANDO-LHE O SEGMENTO FINAL “À EXCEPÇÃO DO TIR QUE SÓ SE EXTINGUIRÁ COM A EXTINÇÃO DA PENA”, BEM COMO DA AL. E) QUE A REFERIDA LEI INTRODUZIU AO Nº 3 DO ART. 196º DO CPP: “EM CASO DE CONDENAÇÃO, O TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA SÓ SE EXTINGUIRÁ COM A EXTINÇÃO DA PENA”, VISTO QUE É INDISCUTÍVEL QUE A LEI NOVA VEIO RESTRINGIR OS DIREITOS DE DEFESA DO RECORRENTE.
W.
OS DIREITOS DE DEFESA DO RECORRENTE FORAM VIOLADOS PELO DOUTO TRIBUNAL A QUO.
X.
DEVERIA O TRIBUNAL RECORRIDO NO DOUTO DESPACHO PROFERIDO EM 21/09/2023 TER-SE PRONUNCIADO SOBRE A IRREGULARIDADE INVOCADA PELO RECORRENTE E DETERMINADO A SUA REPARAÇÃO PARA ASSEGURAR AO RECORRENTE O EXERCÍCIO DOS SEUS DIREITOS E BEM ASSIM A CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DE APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO:
DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE:
- DETERMINE A REPARAÇÃO DA IRREGULARIDADE DA NOTIFICAÇÃO AO RECORRENTE DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO;
- DETERMINE A CESSAÇÃO DA CONTUMÁCIA DO RECORRENTE;
- ORDENE A NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO DE REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO AO RECORRENTE NA MORADA Rua ... ..., BEM COMO À DEFENSORA QUE ORA SUBSCREVE.
FAZENDO, ASSIM, V. EXAS. INTEIRA E SÃ JUSTIÇA»

2. O recurso foi admitido, por despacho de 24-10-2023 (cf. Ref. Citius 92475288).

3. Na sua resposta, o Ministério Público junto do Tribunal pugnou pela improcedência do recurso, concluindo (transcrição):
«1 - O recorrente veio interpor recurso do despacho proferido pela Mm.ª Juiz em 21.09.2023 com a referência citius 9075655 que indeferiu a apreciação da irregularidade suscitada pelo mesmo quanto à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nestes autos.
2 - Não se conformando como referido despacho, o recorrente dele interpôs recurso, invocando nas respetivas conclusões que:
a) O recorrente prestou termo de identidade e residência em 18.02.2010 tendo indicado uma morada, contudo quando foi notificado da sentença em 03.12.2012 indicou uma morada diferente da morada do termo de identidade e residência. Não obstante tal facto o recorrente foi notificado da revogação da suspensão da execução da pena para a morada do termo de identidade e residência e não para a nova morada, pelo que, no entender do recorrente verifica-se uma irregularidade na notificação do referido despacho.
b) Nessa sequência pretende o recorrente que o despacho recorrido seja substituído por outro que:
- Determine a reparação da irregularidade da notificação do recorrente do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
- Determine a cessação da contumácia do recorrente.
- Ordene a notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão ao recorrente na morada Rua ... ..., bem como, à Defensora que ora subscreve.
3 - Não se verifica qualquer irregularidade na notificação ao recorrente do despacho de determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o mesmo foi condenado, porquanto o mesmo foi notificado para a morada do termo de identidade e residência prestado nos autos e que não alterou nos termos do plasmado no artigo 196º, nº3, alínea c) do Código de Processo Penal.
4 - Sendo que, quanto à admissibilidade de tal forma de notificação pronunciou-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. de 15.04.2010.
5 - Ainda que se verificasse alguma irregularidade, que como referimos em nosso entendimento não se verifica, a arguição da mesma é extemporânea atento o disposto no artigo 123º do Código de Processo Penal.
6 - Dos elementos constantes dos autos resulta que não existiu violação do princípio do contraditório, porquanto o que resulta dos autos é que o recorrente se alheou completamente da condenação nestes autos e colocou-se em paradeiro desconhecido, sendo que tal conduta apenas ao mesmo pode ser imputada.
7 - Por tudo o que acaba de se expor consideramos que não assiste razão ao recorrente, não merecendo por isso provimento o recurso interposto.

*
Por todo o exposto, em nosso entendimento, deverá ser negado provimento ao recurso.
V. Ex.as, porém, e como sempre, farão Justiça

4. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu Visto.

5. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


*

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

In casu, de acordo com essas conclusões, o recorrente considera que o despacho recorrido deveria ter reconhecido a irregularidade por si invocada e determinado a sua reparação, ordenando a sua notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena na morada sita na Rua ..., ..., bem como a da sua defensora, e determinado ainda a cessação da sua situação de contumácia.


*

2. Da decisão recorrida

É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
«A 29.07.2022, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
«Pela Ilustre Advogada Dr.ª BB foi junta aos autos procuração em que o arguido a constitui sua bastante procuradora, conferindo-lhe os mais amplos poderes forenses e poderes especiais para o representar em juízo, podendo negociar, aceitar ou desistir.
Mais veio o arguido, mediante requerimento subscrito pela sua Ilustre Mandatária, invocar que: “1. O arguido desconhecia que contra si corria processo judicial;
2. O arguido nunca foi notificado;
3. O arguido encontra-se ausente de Portugal, estando a trabalhar em DUBAI desde o ano 2009;
4. O arguido vem então requerer que possa ser notificado de tudo quanto haja para ser notificado na morada profissional da sua advogada sito em Avenida ... Edificio ... Bloco ... Loja ..., ... ...;
5. O arguido indica como morada em Portugal a morada onde costuma permanecer aquando da sua estado no nosso país sito em Avenida ..., ..., ... ... em ...;
6. O arguido indica a sua morada de residência no Dubai: ... ... – ... Dubai Emirados Arabes Unidos;
7. O arguido não tentou nunca forjar-se à justiça ou recusar qualquer colaboração, simplesmente nunca soube que contra si pendia processo judicial;
8. O arguido apenas tomou conhecimento do processo quando tentou obter/renovar os seus documentos necessários à sua permanência no Dubai;
9. De imediato o arguido tentou saber o número dos processos e constituir advogado”.
O Ministério Público teve vista nos autos e pronunciou-se nos seguintes termos:
“Promove-se que se indefira o requerido porquanto o arguido encontra-se regulamente notificado pois, contrariamente ao alegado, resulta dos autos que o mesmo tem conhecimento dos presentes autos, designadamente prestou termo de identidade e residência a fls. 41, e foi notificado pessoalmente da sentença proferida em 03.12.2012 conforme resulta de fls. 263.
Mais se promove que se emitam mandados de detenção do arguido por referência à morada ora indicada em Portugal.” Tal promoção do Ministério Público não foi notificada ao arguido pela Secção nem tinha de o ser, como é claro, a menos que houvesse despacho nesse sentido.
Veio, então, a Ilustre Mandatária do arguido, dizendo que havia sido notificada da promoção do Ministério Público, invocar que:
“1. O arguido não foi notificado da sentença em que foi condenado, ao contrário do que afirma a digna procuradora do MP indicando como data de notificação pessoal do arguido a de 3/2/2012;
2. O arguido nunca foi notificado;
3. O arguido encontra-se ausente de Portugal, estando a trabalhar em DUBAI desde o ano 2009; Encontrava-se em Portugal no dia 18 de Fevereiro de 2010, quando foi constituído arguido e prestou TIR, voltando a abandonar o país para efeitos de trabalho.
4. O arguido não esteve presente nem foi verdadeiramente notificado das audiências de discussão e julgamento que se realizaram em 30/5/2011, 20/06/2011 e 4/7/2011;
5. Na verdade poder-se-á considerar o arguido notificado porquanto foram enviadas cartas registadas para a morada sobre a qual prestou TIR (por não saber indicar a sua morada no DUBAI)
6. Sucede que verdadeiramente o arguido NUNCA foi notificado, tanto assim é, que em várias ocasiões o tribunal solicitou a notificação por entidade policial, tendo todas obtido resposta negativa, nomeadamente ao cumprimento dos mandados de detenção para presença em tribunal.
E isto sucedeu porque verdadeiramente o arguido não se encontrava em Portugal;
7. Não se entende como pode o Ministério Publico afirmar que o arguido foi pessoalmente notificado em Fevereiro de 2012, quando existem até hoje várias diligências requeridas e promovidas pelo tribunal para saber o paradeiro do arguido;
8. Se atendermos às próprias declarações do arguido, aquando da sua constituição como arguido e prestação de TIR, vemos inclusivamente que o arguido assumiu parte do seu comportamento;
9. Não é raro, e os tribunais bem sabem, que os arguidos não tenham absoluta consciência e conhecimento da responsabilidade que está implícita na prestação de um TIR, e foi o caso deste arguido;
10. Porém não é correcto dizermos que o arguido foi notificado da sentença em que foi condenado e que conscientemente se furtou ao seu cumprimento, porquanto o mesmo não é verdade;
11. Vem o Ministério Publico e apesar do arguido não ter sido regularmente notificado da sentença, promover a revogação da pena suspensa em que o arguido tinha sido condenado por prisão efectiva;
12. Bem sabendo que o arguido não estava ter conhecimento das decisões que contra si corriam. Prova disso é que o tribunal desencadeou ao longo de anos diversos pedidos de paradeiro do arguido, à GNR, à PJ, às embaixadas consulares, às redes de operadores telefónicas, à EDP e todas as respostas foram sempre negativas. Porque na verdade o arguido não se encontrava em território nacional.
13. A pena a que o arguido foi condenado foi revogada sem que o mesmo tivesse sido ouvido e sem que o mesmo tivesse tido a oportunidade dela recorrer, porque nunca foi notificado;
14. E é tão verdade que em 16 de Julho de 2013 se requereu a notificação do arguido para audição sobre a revogação da pena e tal notificação também não foi concretizada;
15. Sendo certo que o arguido não informou o tribunal da alteração de morada prestada no TIR, não é menos certo que o arguido nunca soube das sentenças em que foi condenado;
16. O propósito do direito penal e o fim da pena aplicada ao arguido não ficou assegurada com a sua revogação para prisão efectiva;
17. Na verdade o arguido nunca mais esteve com a ofendida, nunca mais a viu e nunca mais importunou a sua vida;
18. Aliás o facto da ofendida/demandante saber que o arguido não se encontra em Portugal certamente que a deixaram mais tranquila podendo refazer sem quaisquer limitações psicológicas a sua vida;
19. O arguido estabilizou, logo após o episódio que motivou os presentes autos, a sua vida no estrangeiro;
20. Passaram 10 anos da data em que o arguido foi condenado e a sua vida profissional está definida em DUBAI onde se encontra;
21. Não nos parece que o Estado, o Direito e a Justiça, fiquem a ganhar com o cumprimento de uma pena de prisão efectiva passados 10 anos da sua condenação e sem que dela o arguido tenha sido notificado;
22. Na verdade, o arguido, caso tivesse sabido da pena em que tinha sido condenado, teria podido cumpri-la, nomeadamente quanto ao pagamento de custas em que foi condenado e ao pagamento da indemnização à ofendida bem assim os 30 meses de prisão suspensa na sua execução;
23. É nosso entendimento que revogar uma pena suspensa a um arguido apenas e só porque não foi possível notificar o arguido da sua sentença, não cumpre os fins do direito penal;
24. E mais, retirar alguém de um país onde está inserido social e profissionalmente, como empresário (o arguido gere uma empresa de turismo em DUBAI) não serve os princípios do direito penal;
Assim e porque efectivamente o arguido NUNCA foi notificado das decisões que contra ele foram tomadas, requer-se a V.Exa que possa considerar notificar o arguido para as moradas agora indicadas”.
Aberta vista ao Ministério Público, em observância do contraditório, manteve o já anteriormente promovido. Compulsados os autos constata-se que:
A 18.02.2010, o arguido foi constituído como tal, altura em que prestou termo de identidade e residência, indicando a sua residência e a mesma morada para efeitos de notificação, sita na Rua ..., ... ....º, ... (fls. 40 e 41).
A 26.01.2011, foi deduzida acusação contra o arguido (fls. 94 a 96), notificada ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 09.02.2011, e foi notificada ao seu Ilustre Defensor nomeado oficiosamente (fls. 100 a 103).
A 22.03.2011, foi proferido despacho recebendo a acusação e designando data para a audiência de julgamento, notificado ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 01.04.2011, e foi notificado ao seu Ilustre Defensor, tendo a data do julgamento sido alterada por despacho proferido a 07.04.2011, notificado ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 13.04.2011, e notificado ao seu Ilustre Defensor (fls. 115 a 116, 119, 126 a 127, 129, 132, 133, 141 e 142).
O arguido não esteve presente em julgamento e foi condenado, por sentença proferida a 04.07.2011, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al a), e 2, do Código Penal, na pena de 30 meses de prisão suspensa na sua execução pelo prazo de 30 meses sujeito a regime de prova e com obrigação de não perturbar CC nem a contactar sem a sua autorização (fls. 164 a 167, 172 a 198).
O arguido foi pessoalmente notificado da sentença e do seu direito de recurso a 03.12.2012, informando residir na Rua ..., ..., ..., coincidente com a informação remetida aos autos pelo Gabinete Nacional Sirene, em que se dá conta que o arguido havia sido localizado, a 04.12.2012, pelo SEF – Aeroporto de Lisboa e que este Serviço havia informado que o arguido residia na morada sita na Rua ..., ..., ..., morada que o arguido deu inclusivamente junto do Instituto dos Registos e do Notariado em alteração da anterior (tendo o Bilhete de Identidade que lhe foi emitido a 01.02.2007, com data de validade de 01.10.2017, a morada que então indicou em requerimento de 10.01.2007 - Rua ..., ... ....º, ... – e constando do Cartão de Cidadão que lhe foi emitido a 23.11.2012, com data de validade de 22.11.2027, morada do mesmo sita na Rua ..., ...) e deu junto da Segurança Social (Rua ..., ...) e dos Serviços de Finanças (Rua ..., ..., ..., ...) - fls. 202, 243 a 247, 259, 260, 262 a 263, 298, 348, 393 e 414.
Transitada a sentença e solicitada à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social, vieram informar que o arguido havia sido convocado, via postal, para entrevista a realizar na Equipa a 17.04.2013, que a mãe do arguido contactou a Equipa, a 09.04.2013, informando que o arguido não poderia comparecer por se encontrar emigrado no Dubai, a exercer actividade profissional, desde Dezembro de 2012, que dada a ausência do arguido ficou inviabilizada a elaboração do plano solicitado (fls. 267, 268 e 279 a 280).
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da prisão, foram encetadas diligências com vista à audição presencial do arguido e recolha de informações e foi conferido contraditório ao arguido na pessoa do seu Ilustre Defensor (fls. 293 a 399).
A 02.02.2016, foi proferido despacho de revogação da suspensão da execução da prisão imposta ao arguido e determinando a oportuna emissão de mandados de detenção e condução a estabelecimento prisional, despacho esse notificado ao seu Ilustre Defensor (fls. 400 a 405 e 406).
Foram encetadas diligências com vista à notificação pessoal do despacho de revogação ao arguido (fls. 407, 409 a 440).
A 26.09.2016, o Ministério Público promoveu a notificação postal na morada do termo de identidade e residência, por se lhe afigurar suficiente para se considerar o arguido notificado e assim transitar em julgado a decisão proferida, “Uma vez que o arguido foi notificado na pessoa do defensor, e uma vez que é absolutamente desconhecido o seu paradeiro”, invocando o que “A este respeito decidiu o STJ, em AUJ de 15/4/2010 …”.
Seguidamente, a 04.10.2016, foi proferido despacho, notificado ao Ilustre Defensor do arguido por carta remetida a 07.10.2016 (Ref.ª 72696141), determinando “Seguindo a jurisprudência fixada pelo STJ no AUJ de 15/4/2010, o arguido deverá ser notificado da decisão proferida a 2.2.2016, por via postal, para a morada do TIR” (fls. 442), o que foi efectuado por carta depositada a 10.10.2016 (fls. 443 e 446).
Considerando transitado em julgado a 14.11.2016 o despacho de revogação da suspensão da execução da prisão proferido a 02.02.2016, foram emitidos mandados de detenção para cumprimento de pena a 24.11.2016 que vieram devolvidos sem cumprimento (fls. 447 a 456).
Foram emitidos novos mandados de detenção para cumprimento de pena a 14.03.2017 que foram registados e difundidos a nível nacional no sistema informático da Direcção Nacional da PSP e foram realizadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido (fls. 457 a 478 e promoção de 09.04.2018, despacho de 11.04.2018 e pesquisas realizadas a 12.04.2018 cotados no citius).
Das referidas diligências apurou-se junto das bases de dados da Segurança Social e da Identificação Civil nova morada do arguido sita na avenida ..., Lugar ... ... ..., tendo sido emitido Cartão de Cidadão do arguido a 20.11.2017, com data de validade de 20.11.2027, na sequência do que foram emitidos novos mandados de detenção para cumprimento de pena a 19.04.2018, que a GNR não cumpriu, informando que na referida morada reside o irmão do arguido, DD, o qual informou que o arguido emigrou para o Dubai há cinco anos e desconhece qualquer contacto ou domicílio (fls. 479 a 485).
Continuaram a ser realizadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido, confirmando-se que o arguido aufere rendimentos de pensão da Caixa Geral de Aposentações, I.P., e foi efectuado pedido também, além da Direcção Nacional da PSP, à Direcção Nacional da Polícia Judiciária e ao Comando Geral da Guarda Nacional Republicana para inserção de alerta nas respectivas bases de dados a nível nacional para cumprimento dos mandados de detenção já emitidos a 14.03.2017 e 19.04.2018 (Ref.ªs 78186318 de 19.09.2018 a 4926413 de 05.04.2019 e 80836160 a 80836402 e 80844588 de 13.09.2019).
O Ministério Público promoveu a emissão da mandado de detenção europeu relativamente ao arguido para cumprimento da pena em que foi condenado por não ser conhecido o paradeiro do arguido não obstante as várias diligências efectuadas com vista à sua localização, o que o tribunal determinou caso não se obtivesse nova morada em novas pesquisas, tendo posteriormente sobrestado em tal emissão com os fundamentos expostos no despacho proferido a 24.09.2019 (Ref.ªs 80766349 de 06.09.2019, 80788120 de 11.09.2019, 80836160 a 80836402 e 80844588 de 13.09.2019 e 80919011 de 24.09.2019).
No referido despacho proferido a 25.09.2019, concluiu-se que a emissão do mandado de detenção europeu não se traduzia, no momento, na forma mais eficaz de lograr executar a pena de prisão aplicada ao condenado, porquanto, ao analisar-se o mandado de detenção europeu com vista à sua assinatura, o que implicou a reanálise dos autos, se verificou não existir indícios de que o arguido se encontrasse no espaço da União Europeia, pelo que não se procedeu à sua emissão e se determinou a realização das diligências necessárias com vista à aplicação do instituto da contumácia, mecanismo esse que visa assegurar a efectivação da privação da liberdade e evitar que os condenados se subtraiam à execução da prisão, frustrando desse modo a condenação de que foram alvo e a eficácia do sistema judicial em geral, cabendo ao Tribunal de Execução das Penas a sua declaração, de harmonia com o previsto nos art.ºs 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, e com as implicações previstas no art.º 337.º do Código de Processo Penal, ao qual compete igualmente proceder às diligências prévias necessárias a proferir a declaração de contumácia, nas quais se inclui a notificação edital prevista no art.º 335.º, do Código de Processo Penal, com as adaptações previstas no referido art.º 97.º.
Assim, no aludido despacho, julgou-se materialmente incompetente este Juízo de Competência Genérica ... para declarar a contumácia do condenado e suas implicações e para proceder às diligências prévias necessárias a proferir a declaração de contumácia, sendo competente para o efeito o Tribunal de Execução das Penas de ....
Mais se determinou a notificação de tal despacho ao Ministério Público e ao Ilustre Defensor do arguido e a remessa, após trânsito, ao Tribunal de Execução das Penas de ..., para que pudesse fundadamente ponderar se era de declarar a contumácia do condenado no caso concreto, de certidão do despacho em causa, com nota de trânsito em julgado, da sentença, com nota de trânsito em julgado, juntamente com a certidão da notificação da sentença ao arguido e do termo de identidade e residência que o mesmo prestou nos autos, e do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, com nota de trânsito em julgado, juntamente com as notificações, positivas e negativas, e diligências cotadas a fls. 406 a 446, com vista à notificação desse despacho, e com certificação narrativa que os mandados de detenção emitidos para cumprimento da pena de prisão não foram cumpridos por desconhecimento do paradeiro do arguido.
O referido despacho proferido a 24.09.2019 foi notificado ao Ilustre Defensor do arguido e ao Ministério Público em Setembro de 2019 (Ref.ªs 80944085 e 80944124).
A 12.11.2019, foi remetido ao Tribunal de Execução das Penas de ... o expediente mencionado no despacho proferido a 24.09.2019 (Ref.ªs 81320957 a 81349744),
O Tribunal de Execução das Penas de ... declarou o arguido contumaz, por despacho proferido a 04.02.2020 transitado em julgado e determinou a emissão de mandados de detenção tendo em vista o cumprimento pelo condenado da pena de prisão (Ref.ªs 5423498, 81924514, 5582638, 5707656 e 5843392).
Continuaram a ser realizadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido (Ref.ªs 83889451 a 87975469).
Foi, então, que a Ilustre Advogada Dr.ª BB veio juntar aos autos a procuração já supra referida, vindo o arguido, mediante requerimento subscrito pela sua Ilustre Mandatária, também já supra referido, requerer que possa ser notificado de tudo quanto haja para ser notificado na morada profissional da sua Advogada sita em Avenida ... Edificio ... Bloco ... Loja ..., ... ..., indicando como morada em Portugal a morada onde costuma permanecer quando está em Portugal sita em Avenida ..., ..., ... ... em ... e indicando a sua morada de residência no Dubai sita em ... ... – ... Dubai Emirados Arabes Unidos, sobre que recaiu promoção do Ministério Público de indeferimento, remetendo, então, a Ilustre Advogada Dr.ª BB o requerimento também já supra referido, requerendo que o tribunal possa considerar notificar o arguido de todas as decisões que contra ele foram tomadas para as moradas agora indicadas, e pronunciando-se o Ministério Público mantendo o já anteriormente promovido.
Ora, do supra elencado, resulta, contrariamente ao invocado pelo arguido, que o mesmo bem sabia e sabe que contra si pende o presente processo crime, desde logo, tendo sido constituído arguido a 18.02.2010 e tendo sido pessoalmente notificado da sentença a 03.12.2012, pelo que não tomou conhecimento do presente processo, como diz, apenas quando tentou obter/renovar os seus documentos, nem se pode concluir que o arguido apenas esteve em Portugal a 18.02.2010, como parece concluir a Ilustre Advogada Dr.ª BB.
E quanto ao mais que a Ilustre Mandatária do arguido veio depois invocar, pelo supra elencado resulta estar o poder jurisdicional deste tribunal esgotado, pois o julgamento foi realizado, a sentença foi proferida, dela foi o arguido pessoalmente notificado, o despacho de revogação da suspensão da execução da prisão imposta ao arguido foi proferido, este despacho foi notificado ao seu Ilustre Defensor, decidiu-se notificar o referido despacho ao arguido por via postal simples com prova de depósito para a morada do termo de identidade e residência invocando-se jurisprudência fixada pelo STJ no AUJ de 15.04.2010, do que foi o seu Ilustre Defensor notificado, e foi o referido despacho considerado transitado em julgado, efectuada que foi aquela notificação ao arguido por via postal simples com prova de depósito, tendo sido emitidos mandados de detenção do arguido, e foi proferido despacho em que se declarou o arguido contumaz transitado em julgado.
Destarte, não há que repetir nenhuma notificação, nem tem a titular dos presentes autos já competência para reapreciar o que anteriormente já foi decidido.
Mais se acrescenta que tendo o arguido sido declarado contumaz - no caso mediante despacho proferido pelo Tribunal de Execução das Penas, de harmonia com o previsto nos art.ºs 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - a declaração de contumácia apenas caduca quando o arguido se apresentar ou for detido, atento o disposto no art.º 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, decido indeferir o requerido.»
Em tal despacho fez-se a resenha da tramitação processual do processo que o antecedeu.
Esse despacho foi notificado ao Ministério Público e à Ilustre Advogada Dr.ª BB.
A 03.02.2023 – Ref.ª 7837929, é junto aos autos requerimento através de email de DD, intitulando-se irmão do arguido, sobre o qual incidiu o seguinte despacho:
«Informe o requerente que o mesmo não tem legitimidade para intervir nos presentes autos e que ao tribunal não compete proceder a consulta jurídica, motivo pelo qual inexiste fundamento legal para dar resposta às questões colocadas.
Ainda assim, informe que o arguido se encontra representado pela Ilustre Advogada Dr.ª BB, conforme procuração junta aos autos.»
A 07.03.2023, o TEP solicita informação sobre se o arguido fez a sua apresentação neste Tribunal, tendo-se informado negativamente, tendo-se remetido cópia de fls. 542 a 556, 591, do despacho com a referência 90533738 de 15.02.2023, de todos os requerimentos apresentados pela Ilustre Mandatária Dr.ª BB, do despacho proferido a 29.07.2022 e do requerimento remetido aos autos a 02.02.2023, registado a 03.02.2023, sobre o qual recaiu o despacho com a referência 90533738 de 15.02.2023, tendo-se facultado o acompanhamento electrónico do presente processo ao TEP, para cabal esclarecimento.
A 03.05.2023, foi junta aos autos procuração em que o arguido constitui sua bastante procuradora a Ilustre Advogada Dr.ª EE.
A 01.06.2023, foi proferido nos autos o seguinte despacho:
«Ref.ª 8098540 de 26.05.2023:
Veio o arguido AA, o qual se encontra declarado contumaz nos presentes autos, através da sua Ilustre Mandatária, invocar a prescrição da pena em que o arguido foi condenado alegando que no seu entender “(…) considerando a data do término da suspensão da pena, 26/06/2015, é forçoso concluir que a mesma prescreveu volvido quatro anos, de harmonia com o disposto na al. d) do n.º1 do art.º 122.º do CP, ou seja, em 26/06/2019 (…)”, requerendo a final a declaração de prescrição da pena suspensa em que o arguido foi condenado.
Aberta vista ao Ministério Público, em observância do contraditório, promoveu-se que se indefira o requerido por ausência de fundamento legal, nos termos da promoção que antecede, que aqui se dá por reproduzida.
Compulsados os autos constata-se que:
A 18.02.2010, o arguido foi constituído como tal, altura em que prestou termo de identidade e residência, indicando a sua residência e a mesma morada para efeitos de notificação, sita na Rua ..., ... ....º, ... (fls. 40 e 41).
A 26.01.2011, foi deduzida acusação contra o arguido (fls. 94 a 96), notificada ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 09.02.2011, e foi notificada ao seu Ilustre Defensor nomeado oficiosamente (fls. 100 a 103).
A 22.03.2011, foi proferido despacho recebendo a acusação e designando data para a audiência de julgamento, notificado ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 01.04.2011, e foi notificado ao seu Ilustre Defensor, tendo a data do julgamento sido alterada por despacho proferido a 07.04.2011, notificado ao arguido por carta simples com prova de depósito remetida para a morada que o mesmo deu nos autos, depositada a 13.04.2011, e notificado ao seu Ilustre Defensor (fls. 115 a 116, 119, 126 a 127, 129, 132, 133, 141 e 142).
O arguido não esteve presente em julgamento e foi condenado, por sentença proferida a 04.07.2011, pela prática de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al a), e 2, do Código Penal, na pena de 30 meses de prisão suspensa na sua execuçãopelo prazo de 30 meses sujeito a regime de prova e com obrigação de não perturbar CC nem a contactar sem a sua autorização (fls. 164 a 167, 172 a 198).
O arguido foi pessoalmente notificado da sentença e do seu direito de recurso a 03.12.2012, informando residir na Rua ..., ..., ..., coincidente com a informação remetida aos autos pelo Gabinete Nacional Sirene, em que se dá conta que o arguido havia sido localizado, a 04.12.2012, pelo SEF – Aeroporto de Lisboa e que este Serviço havia informado que o arguido residia na morada sita na Rua ..., ..., ..., morada que o arguido deu inclusivamente junto do Instituto dos Registos e do Notariado em alteração da anterior (tendo o Bilhete de Identidade que lhe foi emitido a 01.02.2007, com data de validade de 01.10.2017, a morada que então indicou em requerimento de 10.01.2007 - Rua ..., ... ....º, ... – e constando do Cartão de Cidadão que lhe foi emitido a 23.11.2012, com data de validade de 22.11.2027, morada do mesmo sita na Rua ..., ...) e deu junto da Segurança Social (Rua ..., ...) e dos Serviços de Finanças (Rua ..., ..., ..., ...) - fls. 202, 243 a 247, 259, 260, 262 a 263, 298, 348, 393 e 414.
Não foi interposto recurso da sentença proferida nos autos, na sequência do que foi remetido boletim ao registo criminal, com certificação do trânsito em julgado a 26.12.2012 da sentença.
Solicitada à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social, vieram informar que o arguido havia sido convocado, via postal, para entrevista a realizar na Equipa a 17.04.2013, que a mãe do arguido contactou a Equipa, a 09.04.2013, informando que o arguido não poderia comparecer por se encontrar emigrado no Dubai, a exercer actividade profissional, desde Dezembro de 2012, que dada a ausência do arguido ficou inviabilizada a elaboração do plano solicitado (fls. 267, 268 e 279 a 280).
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da prisão, foram encetadas diligências com vista à audição presencial do arguido e recolha de informações e foi conferido contraditório ao arguido na pessoa do seu Ilustre Defensor (fls. 293 a 399).
A 02.02.2016, foi proferido despacho de revogação da suspensão da execução da prisão imposta ao arguido e determinando a oportuna emissão de mandados de detenção e condução a estabelecimento prisional, despacho esse notificado ao seu Ilustre Defensor (fls. 400 a 405 e 406).
Foram encetadas diligências com vista à notificação pessoal do despacho de revogação ao arguido (fls. 407, 409 a 440).
A 26.09.2016, o Ministério Público promoveu a notificação postal na morada do termo de identidade e residência, por se lhe afigurar suficiente para se considerar o arguido notificado e assim transitar em julgado a decisão proferida, “Uma vez que o arguido foi notificado na pessoa do defensor, e uma vez que é absolutamente desconhecido o seu paradeiro”, invocando o que “A este respeito decidiu o STJ, em AUJ de 15/4/2010 …”.
Seguidamente, a 04.10.2016, foi proferido despacho, notificado ao Ilustre Defensor do arguido por carta remetida a 07.10.2016 (Ref.ª 72696141), determinando “Seguindo a jurisprudência fixada pelo STJ no AUJ de 15/4/2010, o arguido deverá ser notificado da decisão proferida a 2.2.2016, por via postal, para a morada do TIR” (fls. 442), o que foi efectuado por carta depositada a 10.10.2016 (fls. 443 e 446).
Considerando transitado em julgado a 14.11.2016 o despacho de revogação da suspensão da execução da prisão proferido a 02.02.2016, foram emitidos mandados de detenção para cumprimento de pena a 24.11.2016 que vieram devolvidos sem cumprimento (fls. 447 a 456).
Foram emitidos novos mandados de detenção para cumprimento de pena a 14.03.2017 que foram registados e difundidos a nível nacional no sistema informático da Direcção Nacional da PSP e foram realizadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido (fls. 457 a 478 e promoção de 09.04.2018, despacho de 11.04.2018 e pesquisas realizadas a 12.04.2018 cotados no citius).
Das referidas diligências apurou-se junto das bases de dados da Segurança Social e da Identificação Civil nova morada do arguido sita na avenida ..., Lugar ... ... ..., tendo sido emitido Cartão de Cidadão do arguido a 20.11.2017, com data de validade de 20.11.2027, na sequência do que foram emitidos novos mandados de detenção para cumprimento de pena a 19.04.2018, que aGNR não cumpriu, informando que na referida morada reside o irmão do arguido, DD, o qual informou que o arguido emigrou para o Dubai há cinco anos e desconhece qualquer contacto ou domicílio (fls. 479 a 485).
Continuaram a ser realizadas diligências para apuramento do paradeiro do arguido, confirmando-se que o arguido aufere rendimentos de pensão da Caixa Geral de Aposentações, I.P., e foi efectuado pedido também, além da Direcção Nacional da PSP, à Direcção Nacional da Polícia Judiciária e ao Comando Geral da Guarda Nacional Republicana para inserção de alerta nas respectivas bases de dados a nível nacional para cumprimento dos mandados de detenção já emitidos a 14.03.2017 e 19.04.2018 (Ref.ªs 78186318 de 19.09.2018 a 4926413 de 05.04.2019 e 80836160 a 80836402 e 80844588 de 13.09.2019).
O Ministério Público promoveu a emissão da mandado de detenção europeu relativamente ao arguido para cumprimento da pena em que foi condenado por não ser conhecido o paradeiro do arguido não obstante as várias diligências efectuadas com vista à sua localização, o que o tribunal determinou caso não se obtivesse nova morada em novas pesquisas, tendo posteriormente sobrestado em tal emissão com os fundamentos expostos no despacho proferido a 24.09.2019 (Ref.ªs 80766349 de 06.09.2019, 80788120 de 11.09.2019, 80836160 a 80836402 e 80844588 de 13.09.2019 e 80919011 de 24.09.2019).
No referido despacho proferido a 25.09.2019, concluiu-se que a emissão do mandado de detenção europeu não se traduzia, no momento, na forma mais eficaz de lograr executar a pena de prisão aplicada ao condenado, porquanto, ao analisar-se o mandado de detenção europeu com vista à sua assinatura, o que implicou a reanálise dos autos, se verificou não existir indícios de que o arguido se encontrasse no espaço da União Europeia, pelo que não se procedeu à sua emissão e se determinou a realização das diligências necessárias com vista à aplicação do instituto da contumácia, mecanismo esse que visa assegurar a efectivação da privação da liberdade e evitar que os condenados se subtraiam à execução da prisão, frustrando desse modo a condenação de que foram alvo e a eficácia do sistema judicial em geral, cabendo ao Tribunal de Execução das Penas a sua declaração, de harmonia com o previsto nos art.ºs 97.º, n.º 2, e 138.º, n.º 4, al. x), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, e com as implicações previstas no art.º 337.º do Código de Processo Penal, ao qual compete igualmente proceder às diligências prévias necessárias a proferir a declaração de contumácia, nas quais se inclui a notificação edital prevista no art.º 335.º, do Código de Processo Penal, com as adaptações previstas no referido art.º 97.º.
Assim, no aludido despacho, julgou-se materialmente incompetente este Juízo de Competência Genérica ... para declarar a contumácia do condenado e suas implicações e para proceder às diligências prévias necessárias a proferir a declaração de contumácia, sendo competente para o efeito o Tribunal de Execução das Penas de ....
Mais se determinou a notificação de tal despacho ao Ministério Público e ao Ilustre Defensor do arguido e a remessa, após trânsito, ao Tribunal de Execução das Penas de ..., para que pudesse fundadamente ponderar se era de declarar a contumácia do condenado no caso concreto, de certidão do despacho em causa, com nota de trânsito em julgado, da sentença, com nota de trânsito em julgado, juntamente com a certidão da notificação da sentença ao arguido e do termo de identidade e residência que o mesmo prestou nos autos, e do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, com nota de trânsito em julgado, juntamente com as notificações, positivas e negativas, e diligências cotadas a fls. 406 a 446, com vista à notificação desse despacho, e com certificação narrativa que os mandados de detenção emitidos para cumprimento da pena de prisão não foram cumpridos por desconhecimento do paradeiro do arguido.
O referido despacho proferido a 24.09.2019 foi notificado ao Ilustre Defensor do arguido e ao Ministério Público em Setembro de 2019 (Ref.ªs 80944085 e 80944124).
A 12.11.2019, foi remetido ao Tribunal de Execução das Penas de ... o expediente mencionado no despacho proferido a 24.09.2019 (Ref.ªs 81320957 a 81349744),
O Tribunal de Execução das Penas de ... declarou o arguido contumaz, por despacho proferido a 04.02.2020 transitado em julgado e determinou a emissão de mandados de detenção tendo em vista o cumprimento pelo condenado da pena de prisão (Ref.ªs 5423498, 81924514, 5582638, 5707656 e 5843392).
Ora, dispõe o art.º 122.º, do Código Penal, que: “1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão; c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º”.
Assim, tendo o arguido sido condenado na pena de 30 meses de prisão suspensa na sua execução pelo prazo de 30 meses, o prazo de prescrição de tal pena é de quatro anos, prazo esse com início no termo do período da suspensão, ou seja, com início a 26.06.2015.
No entanto, conforme resulta do que supra se elencou, tal pena substitutiva, ou seja, a pena de suspensão da execução da pena de prisão foi revogada antes de se ter esgotado o prazo da sua prescrição e com o supra anotado trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão da execução da prisão imposta ao arguido - 14.11.2016 - deixou de subsistir a pena de substituição, estando sim para execução a pena de 30 meses de prisão.
O prazo de prescrição de tal pena de 30 meses de prisão é de dez anos, prazo esse com início a partir da data do trânsito em julgado do despacho de revogação da suspensão e que, como tal, ainda não decorreu.
Sobre esta matéria pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.02.2018, Processo n.º 125/98.8IDSTB-A.S1, disponível in www.dgsi.pt, citado pela Digna Magistrada do Ministério Público na sua promoção, no seguinte sentido que também sufragamos:
“I - O prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).
II - Não é defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na la. d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Meter no mesmo caldeirão, da citada al. d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5, do CP – prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, como próprio princípio da culpa. Na al. d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a 2 anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas als. anteriores.
III - A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das als. do art. 122.º, n.º 1, do CP.
IV - Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP). O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão”.
Destarte, no caso concreto, a pena principal de 30 meses de prisão apenas prescreverá no prazo de 10 anos após o supra anotado trânsito em julgado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena - 14.11.2016 -, sem prejuízo da consideração oportuna de causas de interrupção ou suspensão do decurso do prazo de prescrição, prazo esse de prescrição que manifestamente ainda não decorreu.
Pelo exposto, indefiro o requerido por ausência de fundamento legal.
Notifique, incluindo a promoção do Ministério Público que antecede.»
Tal despacho foi notificado ao Ministério Público e às Ilustres Advogadas Dr.ª BB e Dr.ª EE.
A 04.09.2023, a Ilustre Mandatária Dr.ª EE remeteu requerimento aos autos, onde, aludindo à tramitação processual que, designadamente, no supra primeiro despacho aludido se elencou, realçou desse elenco que:
- o arguido, quando foi pessoalmente notificado da sentença pela PSP a 03.12.2012, informou residir na Rua ..., ..., ..., morada coincidente com a constante em serviços elencados no referido despacho, concluindo que tal morada é diferente da indicada aquando da prestação do TIR – o que, acrescentamos nós, é evidente pelo que se elencou, designadamente, no supra dito despacho;
- a DGRSP informou que a mãe do arguido contactou a Equipa, a 09.04.2013, a informar que o arguido se encontrava emigrado no Dubai, concluindo que não havia fundamento para considerar que o mesmo se encontrava em paradeiro desconhecido – o que, ponderamos nós, não se entende pois paradeiro conhecido é saber onde em concreto e não genericamente num emirado ou numa cidade com milhões de habitantes, para não falar que não basta alguém singelamente indicar um arguido como estando em determinado sítio para se concluir que forçosamente ele ali está.
Prossegue depois referindo, a propósito da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que, nas diligências com vista à audição presencial do arguido e recolha de informações, o tribunal não cuidou de apurar a morada do arguido no Dubai, nem de assegurar o seu direito ao contraditório, tendo-lhe sido «“conferido” o contraditório por simples notificação ao seu Ilustre Defensor, com quem o Arguido nunca teve qualquer contacto», que o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão foi notificado ao mesmo Ilustre Defensor mas nem nas diligências então levadas a cabo para conseguir a notificação pessoal ao arguido o tribunal cuidou de saber a morada do arguido no Dubai, porque então já era sabido que o arguido se encontrava efectivamente a viver no Dubai, que não se percebe porque é que o Ministério Público promoveu a notificação postal na morada do TIR quando o arguido, independentemente de se encontrar ou não no Dubai, já tinha indicado outra morada em Dezembro de 2012, já tinha comunicado aos autos outra morada que não a do TIR, além de que não poderia o Ministério Público considerar como desconhecido o paradeiro do arguido, pelo que promover a notificação postal na morada do TIR não teve qualquer alcance prático em lograr a efectiva notificação do arguido – aqui anotamos que, no seguimento da promoção do Ministério Público, foi proferido despacho judicial determinando «Seguindo a jurisprudência fixada pelo STJ no AUJ de 15/4/2010, o arguido deverá ser notificado da decisão proferida a 2.2.2016, por via postal, para a morada do TIR» e anotamos que, para efeitos do disposto no art.º 196.º, n.ºs 2 e 3, al. c), do Código de Processo Penal, não basta aos arguidos informar singelamente da mudança de residência, pois têm de manifestar a pretensão de que as futuras notificações sejam enviadas para a nova residência.
Conclui não poder considerar-se que o arguido foi notificado do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pelo que também não se verifica o trânsito em julgado do mesmo, verificando-se uma irregularidade na dita notificação do arguido, invocando os art.ºs 118.º, n.ºs 1 e 2, e 119.º a contrario, do Código de Processo Penal, na senda do Acórdão do TRP de 02.11.2022 (Processo n.º 22/20.5SFPRT-L.P1), que cita, depois citando o Acórdão do TC n.º 491/2021.
Continua dizendo que, não tendo tido conhecimento do dito despacho de revogação, o valor do acto da notificação está fatalmente afectado, bem como os seus termos subsequentes, nomeadamente a declaração de contumácia.
Termina requerendo que o tribunal ordene, nos termos do art.º 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a reparação da irregularidade da notificação ao arguido do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão, ordene a cessação da contumácia do arguido e ordene a notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão ao arguido na morada Rua ... ..., bem como à sua actual Defensora.
O Ministério Público tomou posição nos seguintes termos:
«Ref.ª 8284172 de 04.09.2023:
Atendendo ao teor do despacho já proferido em 29.07.2022 com a referência citius 88303810, promove-se que se indefira o requerido.»
Ora, o arguido já havia invocado anteriormente nos autos a falta da sua audição previamente à revogação da suspensão da pena – anotando nós que, perante a renovação de tal invocação, o arguido nada peticiona – e já havia invocado anteriormente nos autos a falta de notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão e requerido que fosse notificado do mesmo, sobre o que recaiu o já aludido despacho de 29.07.2022.
E, muito embora o arguido avance agora que, pela falta de notificação do despacho de revogação da suspensão, este não transitou em julgado – anotando nós que tal é a consequência duma falta de notificação de um despacho – e que se verifica uma irregularidade na dita notificação do arguido - invocando os art.ºs 118.º, n.ºs 1 e 2, e 119.º a contrario, do Código de Processo Penal, na senda do Acórdão do TRP de 02.11.2022 (Processo n.º 22/20.5SFPRT-L.P1), no qual, anotamos nós, na situação em causa o ali arguido havia comunicado uma alteração da morada constante do TIR e a pretensão de que fossem enviadas para essa nova morada as notificações, e depois citando o Acórdão do TC n.º 491/2021 que julgou “inconstitucional a norma interpretativamente extraída do artigo 495.º, n.º 2, e do artigo 119.º, ambos do CPP, que permite a revogação da suspensão da pena de prisão não sujeita a condições ou acompanhada de regime de prova, com dispensa de audição presencial do arguido/condenado e sem que lhe tenha sido previamente dada a oportunidade de sobre a mesma se pronunciar, por esta preterição redundar em mera irregularidade”, quando, anotamos nós, o que suscita o arguido é a falta de conhecimento do dito despacho de revogação por não lhe ter sido devidamente notificado – mantém-se o que se concluiu no já aludido despacho de 29.07.2022, ou seja, a propósito do invocado e pelo já elencado – realçando-se que o tribunal fez questão de fazer, no despacho de 29.07.2022, a resenha da tramitação processual do processo que o antecedeu -, o poder jurisdicional deste tribunal está esgotado, pois o julgamento foi realizado, a sentença foi proferida, dela foi o arguido pessoalmente notificado, o despacho de revogação da suspensão da execução da prisão imposta ao arguido foi proferido, este despacho foi notificado ao seu Ilustre Defensor, decidiu-se notificar o referido despacho ao arguido por via postal simples com prova de depósito para a morada do termo de identidade e residência invocando-se jurisprudência fixada pelo STJ no AUJ de 15.04.2010, do que foi o seu Ilustre Defensor notificado, e foi o referido despacho considerado transitado em julgado, efectuada que foi aquela notificação ao arguido por via postal simples com prova de depósito, tendo sido emitidos mandados de detenção do arguido, e foi proferido despacho em que se declarou o arguido contumaz transitado em julgado, em função do que já se concluiu e se conclui novamente que não há que ordenar a repetição de nenhuma notificação, não tendo a titular dos presentes autos já competência para reapreciar o que anteriormente já foi decidido.
Com efeito, ao tribunal de 1.ª instância não cumpre reapreciar o que nele se decidiu.
Mais se acrescenta que o deferimento do já anteriormente requerido sempre teria que pressupor o reconhecimento da existência de alguma irregularidade ou nulidade, que não deixaria de se considerar invocada, não obstante não se ter intitulado enquanto tal as invocadas faltas de notificação das decisões tomadas contra o arguido, o que, podendo eventualmente não ter resultado claro, agora se refere expressamente.
Acrescenta-se ainda que, decidindo o arguido suscitar a intervenção do Tribunal da Relação – que poderá, é claro, vir a considerar não ser admissível a interposição de recurso, designadamente por extemporaneidade ou, não obstante este tribunal não se ter eximido de ir tomando posição quanto aos sucessivos requerimentos remetidos aos autos, dada a situação de contumácia do arguido, muito embora, no caso concreto, a apresentação do arguido importe na sua detenção para cumprimento de pena e muito embora, a estar o arguido efectivamente no estrangeiro, a proibição de obtenção de documentos possa obstaculizar à sua apresentação em Juízo –, sempre poderá, em confronto com os fundamentos do citado AUJ de 15.04.2010, eventualmente, mais argumentar - desde logo, em face da data em que o arguido prestou termo de identidade e residência nos autos, data essa mencionada no elenco do despacho de 29.07.2022, e que a consulta do próprio termo espelha, como não poderia deixar de ser – que ainda não havia sido aditada a al. e) ao n.º 3 do art.º 196.º, do Código de Processo Penal, quando prestou o termo de identidade e residência, o que apenas teve lugar por via da Lei n.º 20/2013, de 21.02, com entrada em vigor a 23.03.2013, apenas então passando a estar previsto que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena, de tal devendo ser dado conhecimento aos arguidos.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.»


*

3. Da análise dos fundamentos do recurso

Conforme acima referimos, o recorrente considera que o despacho recorrido deveria ter reconhecido a irregularidade por si invocada e determinado a sua reparação, ordenando a sua notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena na morada sita na Rua ..., ..., ..., bem como a da sua defensora, e determinado ainda a cessação da sua situação de contumácia.

Para assim entender, alega, em síntese, que o despacho que revogou a suspensão a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada não transitou em julgado porquanto não foi dele regularmente notificado, não podendo considerar-se válida a notificação efectuada para a morada constante do TIR quando veio indicar outra, pelo que tal notificação padece de irregularidade, de harmonia com o disposto nos arts. 118.º, n.ºs 1 e 2, e 119.º, a contrario, ambos do CPP, tendo-lhe sido negado o direito ao contraditório.

Acrescenta que na data em que prestou TIR ainda não havia sido aditada ao n.º 3 do art. 196.º do CPP a sua al. e), pelo que o TIR, como qualquer medida de coacção, se extinguia de imediato com o trânsito em julgado da decisão condenatória, estando vedada, por força do art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, a aplicação da redacção entretanto conferida à al. e) do n.º 1 do art. 214.º e da al. e) introduzida no n.º 3 do art. 196.º, ambos do CPP, por ser «indiscutível que a lei nova veio restringir os direitos de defesa do recorrente.»

Uma correcta resenha dos trâmites processuais que aqui relevam consta já do despacho recorrido, pelo que nos dispensaremos de voltar a enumerá-los exaustivamente, sem prejuízo de uma mais detalhada referência sempre que tal se justificar.

E, analisada essa tramitação, adiantamos desde já que não assiste razão ao recorrente.

Vejamos porquê.

O arguido foi constituído nessa qualidade nos presentes autos em 18-02-2010 e nessa mesma data prestou TIR.

Vigorava então o art. 196.º do CPP, na versão introduzida pela Rectificação n.º 105/2007, de 09-11, que dispunha:

«1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º

2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

4 - A aplicação da medida referida neste artigo é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no presente livro.»

Realizada a audiência de julgamento, foi o arguido condenado, por sentença de 04-07-2011, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, al a), e 2, do CP, na pena de 30 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 30 meses, com sujeição a regime de prova e com a obrigação de não perturbar CC nem a contactar sem a sua autorização.

Porque essa audiência teve lugar, nos termos legais, na ausência do ora recorrente, que não compareceu nem justificou a sua falta, foi necessário levar a cabo a sua notificação pessoal da sentença, em cumprimento do disposto nos arts. 113.º, n.º 10, e 333.º, n.º 5, ambos do CPP.

Procurado pelo OPC na morada que havia indicado no TIR, para efeitos de notificações, nela o arguido não foi encontrado, pelo que o Tribunal desenvolveu as habituais diligências no sentido da sua localização.

Através dessas diligências, foi obtida uma diferente morada (que o arguido havia indicado junto dos Registos e Notariado, da Segurança Social e dos Serviços de Finanças), na qual o arguido veio a ser localizado e notificado pessoalmente da sentença condenatória, em 03-12-2012.

Após trânsito em julgado da sentença, foi o arguido convocado, por via postal, pela DGRSP para comparecer nos respectivos serviços, com vista à elaboração do plano de reinserção social, tendo a sua mãe informado aquela entidade que o mesmo não iria comparecer por ter entretanto emigrado para o Dubai, pelo que ficou inviabilizada a realização daquele plano, indispensável ao cumprimento do regime de prova.

Promovida pelo MP a revogação da suspensão da execução da pena, foi agendada data (25-06-2013) para audição presencial do arguido, vindo devolvidas as notificações postais enviadas e não sendo também lograda, na referida morada, a sua notificação pessoal (tendo a sua mãe informado o OPC que o arguido não residia na morada há cerca de seis meses e que «nada sabe do filho, presume que emigrou»).

Por despacho de 25-06-2013 foi designada nova data (11-09-2013) para tal diligência, referindo-se expressamente nesse despacho que «a notificação deverá ser feita através de OPC, que nesse acto, e caso não logre a notificação pessoal do arguido, deverá advertir a mãe deste que deverá prestar todas as informações, actuais e completas, sobre a residência actual do arguido, bem como indicar os períodos em que este se encontrará de férias no nosso país, comunicando-lhe que está em causa a eventual revogação da suspensão da execução da pena, e o consequentemente cumprimento de 30 meses de prisão efectiva

Também a notificação pessoal do arguido para esta nova data veio devolvida, com certidão negativa na qual o OPC informava que «não dei cumprimento à presente notificação, em virtude do indivíduo a notificar, já não residir na morada indicada no verso, desde 04DEZ2012, altura em que disse aos pais ir para a Arábia.

DD e FF, a residirem na morada constante no rosto da presente notificação, tomaram ambos conhecimento da eventual revogação da pena e o consequente cumprimento de 30 meses de prisão efectiva, sendo-lhes lido na íntegra o teor do aludido parágrafo.»

Cumprido o contraditório na pessoa do Ilustre defensor do arguido, foi ainda proferido o despacho de 07-11-2013, no qual, entendendo dever ainda ser dada ao arguido «uma última oportunidade para exercer o seu direito ao contraditório, designadamente explicitando os motivos porque se ausentou de Portugal sem pedir autorização, e, para se pronunciar sobre o pagamento da indemnização à vítima em que foi condenado», e «considerando a proximidade com o Natal e a possibilidade do arguido vir a Portugal de férias, e ser localizado no aeroporto com a sua entrada em território nacional», se determinou que fosse solicitada à Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, informação sobre se o arguido se encontra inscrito no Consulado Português, nomeadamente no Dubai, Iraque, Arábia, Angola, Moçambique, e, África do Sul, e que fosse oficiado ao “Serviço de Informação Schengen – Gabinete Sirene” a fim de serem inseridos os dados do arguido, de molde a apurar o seu actual paradeiro e com as legais consequências.

Não tendo com estas diligências sido localizado o paradeiro do arguido, foi solicitada tal informação ao Gabinete Nacional da Interpol.

Esta diligência não teve êxito, tal como o não tiveram novas solicitações à PSP, à Direcção de Finanças de ... e à Segurança Social sobre a existência de bens ou emprego, informando a PSP que na «morada residem os progenitores do executado, não tem qualquer contacto com o filho e desconhecem paradeiro ou pormenores que levem à sua localização».

Em 19-06-2015, foi proferido despacho no qual foi decidido, atento o lapso de tempo decorrido «e a eventualidade de novos contactos/informações sobre o arguido, abrigo do exercício do contraditório, informando sobre os resultados negativos sobre a localização do arguido e com cópia da promoção de fls. 359», notificar o Ilustre defensor oficioso para, querendo, em 10 dias, se pronunciar.

Em 14-07-2015 foi proferido o seguinte despacho:

«Tendo em vista uma decisão mais conscienciosa sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de 30 meses de prisão aplicada ao arguido:

- Oficie-se a DGRS para que informe se após a informação de fls. 280 enviou novas convocatórias ao arguido, explicitando se este compareceu/respondeu ou, por algum meio, contactou os seus serviços, e, bem assim se obteve novas informações sobre o respectivo paradeiro.

- Caso a resposta seja negativa, e decorrendo da informação da Autoridade Tributária-Direcção de Finanças de ... de fls. 353 e segs, que o arguido, em Abril de 2014, procedeu à entrega de declaração de IRS referente ao ano de 2013, na qual declara que a sua residência é no continente (e não no Dubai ou na Arábia cfr. fls. 180 e 313) pesquise nas bases de dados o domicílio fiscal actual do arguido e proceda-se à notificação do despacho de fls. 321/323 ao arguido, por carta registada, para tal domicílio fiscal, e também para a morada de fls. 263, caso não seja coincidente.

- Face às condições da suspensão da pena de prisão impostas, notifique-se a demandante/ofendida para que informe se após 26-12-2012 (data do trânsito da sentença condenatória) o arguido cumpriu a obrigação imposta na sentença condenatória de não a perturbar, nem a contactar sem a sua expressa autorização.

- Sem prejuízo, junte-se, ainda, CRC actualizado do arguido e o relatório de pendência processual.»

Não tendo sido obtida qualquer nova informação sobre o paradeiro do arguido, esgotadas todas as diligências susceptíveis de o apurar (tendo, desta feita, a notificação postal enviada para a dita morada, sido devolvida ao Tribunal, em 18-01-2016, com a indicação de «mudou-se»), e inviabilizada a elaboração/execução do plano de reinserção social e o cumprimento do regime de prova imposto como condição da suspensão da execução da pena, veio a ser proferido, em 02-02-2016, despacho de revogação desta.

Também as diligências para notificação ao arguido deste último despacho se revelaram infrutíferas, tendo o OPC, após deslocação, em 18-03-2016, à morada sita na Rua ..., ..., ..., informado: «O arguido não foi notificado por já não residir na morada indicada, segundo informação da progenitora ali residente, não tem contacto com o filho e consta que o mesmo se encontra na Arábia Saudita».

De novo o OPC se deslocou a tal morada em 25-06-2016, tendo informado os autos: «Contactada a mãe do arguido, a mesma disse que o seu filho jamais depois de ter abandonado a residência dos pais, ali habitou com ela e desconhece o paradeiro do mesmo».

Efectuadas as habituais pesquisas tendentes a localizar o paradeiro do arguido, nenhuma nova morada foi obtida, pelo que foi promovida e deferida, por despacho de 04-10-2016, a notificação postal do ora recorrente na morada por si indicada no TIR, para efeito de notificações, que veio a ser realizada por carta depositada no receptáculo postal em 10-10-2016.

Em suma, o arguido nunca veio indicar outra morada para efeitos de notificação que não a constante do TIR prestado, nos termos previstos no art. 196.º, n.º 3, al. c), do CPP, ou seja, «através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento».

E, apesar de, ainda assim, o Tribunal ter tido em conta a morada sita na Rua ..., ..., após nela o arguido ter sido notificado da sentença (morada que não foi por si indicada ao Tribunal, repete-se, mas obtida por diligências desenvolvidas por este), e de aí ter tentado por diversas vezes a sua notificação, como acima se explicou com detalhe, nunca nela foi encontrado, sendo que os seus familiares aí residentes também não se mostraram disponíveis para revelar a sua morada fora do país, limitando-se a afirmar que estava na Arábia ou no Dubai e que com ele não tinham qualquer contacto, pelo que só poderia concluir-se que estava em paradeiro desconhecido.

Efectivamente, como bem observa o despacho recorrido, «paradeiro conhecido é saber onde em concreto e não genericamente num emirado ou numa cidade com milhões de habitantes, para não falar que não basta alguém singelamente indicar um arguido como estando em determinado sítio para se concluir que forçosamente ele ali está».

Não tem, assim, razão o recorrente em insurgir-se contra a sua notificação na morada constante do TIR, que se mantinha válida para efeitos de notificações[1], em conformidade com a jurisprudência fixada no AUJ n.º 6/2010, de 15-04-2010[2], segundo a qual: «I – Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II – O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). III – A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]».

E mal se compreende a sua solicitação de que, na procedência do recurso, seja notificado numa morada na qual foi por diversas vezes tentada a sua notificação mas onde nunca foi encontrado, quando entretanto, em 28-03-2022 veio, finalmente, apresentar requerimento com indicação de nova morada para efeito de notificações – a do domicílio profissional da sua então Ilustre mandatária (dando também conhecimento de uma morada, no Algarve, onde diz permanecer quando se encontra em Portugal, e da sua residência no Dubai).

Argumenta, ainda, o recorrente que na data em que prestou TIR ainda não havia sido aditada ao n.º 3 do art. 196.º do CPP a sua al. e), pelo que o TIR, como qualquer medida de coacção, se extinguia de imediato com o trânsito em julgado da decisão condenatória.

E que estava vedada, por força do art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, a aplicação da redacção entretanto conferida à al. e) do n.º 1 do art. 214.º e da al. e) introduzida no n.º 3 do art. 196.º, ambos do CPP, por ser «indiscutível que a lei nova veio restringir os direitos de defesa do recorrente.»

Ora, a questão de saber se (todas) as obrigações decorrentes do TIR se extinguiam com o trânsito em julgado da condenação foi debatida no referido AUJ, e aí tendo sido ponderado, designadamente, que «sendo «o TIR uma medida de coacção enquanto fonte de restrições à liberdade do arguido, ao desaparecer enquanto medida de coacção com o trânsito em julgado da condenação, o que desaparecem são aquelas restrições à liberdade, mas não necessariamente o resto; a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado, acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo (15)[3], ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto; e porque a revogação da suspensão da execução da pena se integra ainda, apesar de tudo, num procedimento de notificação da sentença, é para aí que o arguido deve ser notificado e por via postal simples»», fez vencimento a jurisprudência que veio a ser fixada e que acima citámos.

Esse entendimento foi julgado conforme à Constituição da República Portuguesa pelos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 109/2012[4], 114/2016 e 680/2016[5].

É certo que, em face da alteração introduzida aos mencionados preceitos pela Lei n.º 20/2013, de 21-01, alguma jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos da Relação de Évora de 19-11-2015 e da Relação de Lisboa de 09-02-2017[6], invocados pelo recorrente, considerou que o art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP vedava a aplicação da redacção entretanto conferida à al. e) do n.º 1 do art. 214.º do CPP, em sintonia com o aditamento da al. e) ao n.º 3 do art. 196.º, aos processos com TIR prestado de acordo com a sua anterior previsão, por entender que a lei nova teria vindo restringir os direitos de defesa do arguido.

Tal argumentação foi, no entanto, recentemente rebatida no acórdão do TC n.º 703/2022, de 02-11-2022[7], no qual se lê, para além do mais:

«2.4. O recorrente invoca, ainda, a violação da “garantia geral” do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição: “o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.

A validar-se a posição do recorrente, a consequência seria a seguinte: não poderiam valer, para efeitos de notificação, após a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, os termos de identidade e residência anteriores à vigência dessa alteração, por deles não constar a expressa advertência da sua extinção no momento da extinção da pena. Assim, os tribunais criminais teriam de se abster de notificar os arguidos por via postal simples, ou, em alternativa, promover a prestação de novos termos de identidade e residência e só depois disso proceder às notificações pela apontada via.

Salienta-se, antes de mais, que da circunstância de uma modificação legislativa ser mais favorável ao arguido não se pode retirar, sem mais, que a Constituição já a impunha. Cumpre, ainda, recordar que o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010 foi proferido em momento anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, ou seja, a interpretação da lei infraconstitucional por ele fixada era já uma das possíveis e, em si mesma, não é inconstitucional (Acórdãos n.ºs 109/2012, 114/2016 e 680/2016). A alteração dos artigos 196.º e 214.º do CPP veio apenas tornar mais claro algo que já decorria da lei.

Acresce que, como se faz notar no Acórdão n.º 109/2012, “[…] o condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa sabe que as suas contas com a justiça penal não ficam definitivamente acertadas com a sentença condenatória e que, em grau variável consoante as regras de conduta que lhe forem impostas e a sua conduta no período de suspensão, haverá necessidade de posteriores contactos com o tribunal no âmbito desse mesmo processo”. Ademais, “se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento” (Acórdão n.º 17/2010).

O regime em causa não envolve qualquer modificação surpreendente: o arguido continua a ser notificado nos mesmos termos em que o era, e que já conhecia. Mais improvável e difícil de justificar será o arguido interiorizar que, após a leitura da sentença, a forma de notificação evoluirá para maior solenidade do que aquela que foi adotada até então. Sabendo que tem pendente uma condenação dependente de certas condições que deve observar, e estando assistido por advogado, o mínimo de diligência imporá a noção de que não terão cessado ainda as comunicações do tribunal. Conclusão oposta decorrerá de desinteresse ou de uma errada interiorização de que uma pena de prisão suspensa terminou com a leitura da sentença, sendo que nenhuma destas situações merece tutela.

Não se perspetiva, pelas mesmas razões, a afetação do direito ao recurso das decisões de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pela simples razão de que, sendo aceitável a norma questionada, aceitável é também a presunção de notificação que marca o início do prazo para recorrer.

Que as regras atualmente vigentes tornam o regime mais claro é indiscutível, mas a Constituição – designadamente, por via do seu artigo 32.º, n.º 1 – não o impunha. A alteração de uma formalidade visou facultar ao arguido a informação personalizada sobre uma norma que resulta e resultava já do sistema processual penal. A circunstância de o legislador ter vindo em dado momento impor que isso constasse do termo de identidade e residência, resultando de louvável desígnio de reforço do direito de defesa em processo penal, mais especificamente do direito à informação do arguido, é positiva, mas não é, por essa razão, constitucionalmente imposta.

Não deixará de se assinalar – apesar de a discussão não se situar no plano infraconstitucional – que o princípio da aplicação imediata da lei processual penal ressalva a validade dos atos realizados na vigência da lei anterior (artigo 5.º, n.º 1, do CPP) e a harmonia e a unidade dos atos do processo (artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPP), refletindo a preocupação de manter a estabilidade dos atos praticados antes das alterações legislativas. Só se justificaria romper esse equilíbrio se o aproveitamento do ato da “lei antiga” fosse contrário à Constituição, conclusão que, como vimos, não se justifica.

Em suma, não há razões para concluir pela invocada violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.»

Em consonância com tal entendimento, que sufragamos, não podemos deixar de concluir que nada obstava a que o ora recorrente fosse notificado do despacho de revogação da suspensão da execução da pena nos termos em que o foi, ou seja, por aviso postal simples remetido para a morada que indicou aquando da prestação de TIR e que nunca veio alterar, pela forma prevista na lei.

Validamente notificado o recorrente de tal despacho e efectuada a respectiva notificação também na pessoa do seu defensor, não se verifica a invocada irregularidade nem qualquer violação do seu direito ao contraditório ou de qualquer outro direito de defesa, tendo oportunamente transitado em julgado a decisão de revogação da suspensão da execução da pena.

Também não colhe, em face do disposto no art. 336.º, n.º 1, do CPP, a pretensão de ver determinada a cessação da sua situação de contumácia, que se presume pretender extrair da eventual procedência da referida irregularidade, já que surge apenas no petitório final, sem ter sido abordada no corpo da motivação ou sequer nas suas conclusões.

Por todo o exposto, é de julgar o recurso totalmente improcedente.


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III. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, AA, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, e 514.º, n.º 1, ambos do CPP, 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa).


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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária, sendo ainda revisto pelos demais signatários, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20-09)

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Coimbra, 24-01-2024



[1] A situação dos autos em nada se assemelha às analisadas nos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora no Proc. n.º 288/13.7PBELV-A.E1 e pelo Tribunal da Relação do Porto no Proc. n.º 22/20.5SFPRT-I.P1, a que o recorrente alude. No primeiro, datado de 05-02-2019, o ali arguido havia apresentado nos autos um requerimento em que comunicava uma nova morada, apenas não expressando a declaração de vontade de que para ali lhe fossem endereçadas as notificações. No segundo, datado de 02-11-2022, o ali arguido havia comunicado ao Tribunal uma alteração da morada constante do TIR e expressado a pretensão de que fossem enviadas para essa nova morada as notificações.
[2] Proferida no Proc. n.º 312/09.8YFLSB – 5.ª, in DR 99, Série I, de 21-05-2010, www.dre.pt e www.dgsi.pt.
[3] (15) CPP: Artigo 57.º Qualidade de arguido 2 — A qualidade de arguido conserva -se durante todo o decurso do processo.
[4] Que considerou que «a norma dos artigos 113.º, n.º 3, e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP, interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão ao arguido, por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reação contra o despacho revogatório, não viola o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.»
[5] Todos in www.tribunalconstitucional.pt.
[6] Proferidos, respectivamente, nos Procs. n.ºs 1846/11.0PAPTM.E1 e 103/07.0PALSB.L1-9. E ainda o acórdão do STJ de 08-06-2017, Proc. n.º 47/11.1PFAMD-A.S1 - 5.ª, todos in www.dgsi.pt.
[7] In www.tribunalconstitucional.pt, que decidiu: «a) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 10, do Código de Processo Penal, conjugadas com o artigo 196.º, n.º 3, alínea b), 214.º, n.º 1, alínea e), 2.ª parte, e 495.º, n.º 2, do mesmo diploma, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretados no sentido da admissibilidade da notificação por via postal simples da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão ao arguido que tenha prestado termo de identidade e residência em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, sem constar do mesmo a advertência de que só se extingue com a extinção da pena;»