Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
541/21.6T8CNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RECLAMAÇÃO DE BENS
MEIOS DE DEFESA
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS PRÓPRIOS DOS CÔNJUGES
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL COM DINHEIRO COMUM
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 195.º, 2; 549.º, 1; 573.º; 574.º, 2; 588.º, 2 E 4; 1097.º; 1104.º; 1105.º E 1108.º, DO CPC
ARTIGOS 1689.º, 1; 1722.º, 1, B) E 2; 1724.º A 1726.º 1729.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- As reclamações contra a relação de bens têm de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC
II- Uma vez citados, os interessados têm o ónus de invocar e de concentrar numa única peça  todos os meios de defesa que considerem oportuno, em face dos factos alegados na petição inicial ou do que foi complementado pelo cabeça de casal, tendo o decurso do prazo de 30 dias efeitos preclusivos quanto a tais iniciativas.
III- São considerados próprios dos cônjuges os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.
IV- Sendo o casamento dos interessados directos na partilha - entretanto já dissolvido por divórcio – contraído segundo o regime da comunhão de adquiridos, se a aquisição por um dos cônjuges de um imóvel advindos por sucessão tiver sido feita com dinheiro comum do casal, o cônjuge beneficiado terá de compensar, adequadamente, o património conjugal comum. E só esta compensação – e não o imóvel - é que deve figurar no inventário como dívida do cônjuge proprietário ao património comum do casal.
V- Cumpre ao Tribunal Superior decidir com base nos argumentos de facto e de direito suscitados pelo recorrente e naqueles que sejam de apreciação oficiosa.
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra

               Juízo Local Cível de Cantanhede

541/21.6T8CNT-A.C1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Em 2-7-2021 veio AA requerer a instauração de inventário para liquidação e partilha do património comum do seu dissolvido casal com BB.

Em 27-10-2021, a cabeça de casal BB apresentou a relação de bens.

Em 10-01-2022, o requerente AA apresentou reclamação contra a relação de bens.

Em 24-08-2022 foi proferida decisão que julgou parcialmente a reclamação de bens.

Inconformada com esta decisão, BB interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. Por aplicação do disposto no artigo 1105º, nº 1 e nº 2 do CPC, o requerimento que abre o Incidente de Reclamação contra a Relação de bens tem que indicar todos os bens que o reclamante considera em falta na relação de bens, e ainda todos os meios de prova, sob pena de preclusão do direito de os indicar.

2. O Despacho Judicial datado de 17-02-2022 com a ref. Citius 87635465 que admitiu o aditamento do bem e respetiva prova indicado na Sentença Recorrida como verba 2, é nulo por violação da norma do artigo 1105º, nº 1 e nº 2 do CPC, uma vez que da Reclamação Inicial não consta reclamada a falta deste bem na relação de bens inicial (Requerimento com ref. Citius 6970580 de 10-01-2022), tendo sido trazido ao processo por requerimento anómalo e extemporâneo (Requerimento com ref. Citius 7017524 de 28-01-2022), quando já estava precludido o direito de o reclamante indicar bens em falta na relação de bens inicial, e respectivos meios de prova.

3. O Despacho Judicial datado de 17-02-2022 com ref. Citius  87635465, que admitiu o aditamento do bem e respectiva prova indicado na Sentença recorrida como verba 2, é nulo por violação do disposto no Decreto-Lei nº 158/2002 de 2 de Julho e do artigo 1733º, nº 1 e) do Código Civil.

4. Deve a verba indicada na relação de bens constante da Sentença recorrida ser retirada.

5. O Despacho proferido em acta datada de 25-02-2022, na primeira sessão de produção de prova é nulo; o despacho proferido no dia 08-03-2022 com ref. Citius 87840890 é nulo; o despacho proferido em 10-03-2022 com ref. Citius 87871989 é nulo; o despacho proferido em acta no dia 15-03-2022 com ref. Citius 87907754 é nulo; o despacho proferido em 3-04-2022 com ref. Citius 88093313 é nulo, todos com os mesmos fundamentos legais- admitiram aditamentos de bens e aditamentos de elementos probatórios, em fases posteriores, sem atender ao efeito preclusivo resultante do disposto no artigo 1105º, nº 2 do CPC, com violação do disposto nesse artigo 1105º, nº 1 e nº 2 do CPC, princípios da concentração, principio da responsabilização das partes com efeito preclusivo, e violação por parte do Tribunal do principio do dispositivo e do poder/dever de gestão processual.

6. Devem tais despachos ser declarados nulos, e em consequência devem ser retiradas da relação de bens constante da Sentença recorrida as verbas 13 a 29.

7. O artigo 1722º nº 1 b) do Código Civil prescreve que são considerados bens próprios dos cônjuges, os bens que lhes advieram depois do casamento por sucessão ou doação. E o nº 2 do mesmo normativo prescreve que considerando-se entre outros, adquiridos por direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum.
Este é o caso dos autos. A recorrente já tinha um direito próprio, o seu quinhão hereditário, servindo a partilha apenas para o concretizar.
8. Para o recorrido tentar concretizar o seu pedido de atribuir ao bem a natureza de comum teria que alegar e provar o pagamento de tornas foi efetuado com dinheiro comum do casal. E ainda que alegasse e provasse o referido, o bem continuaria a ser próprio por força do disposto no artigo 1722º nº 1 b) do Código Civil.
9. Assim, o bem descrito na verba 30 da relação de bens constante da Sentença recorrida é um bem próprio da recorrente, por aplicação do disposto no artigo 1722º nº 1 b) e nº 2 do Código Civil, havendo por parte da Sentença recorrida uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 1726º do Código Civil, devendo assim a decisão de bem comum ser substituída por outra que declara ao bem a natureza de bem próprio da cabeça-de-casal/recorrente.
10. Em consequência deve a verba 30 ser retirada da Relação de Bens.
11. A verba A do passivo deve ser retirada da Relação de Bens constante da Sentença recorrida, por errada interpretação e aplicação pelo Tribunal dos pressupostos que a lei faz depender a aplicação do disposto no artigo 1726º e do disposto no artigo 1722º, nº 1 b) e nº 2, ambos do Código Civil e por violação pelo Tribunal do Principio do Dispositivo.
12. Ao serem retiradas da Relação de bens constante da Sentença recorrida as verbas 2, 13 a 29, 30 do activo, e verba A do passivo, existe uma improcedência total do Incidente de Reclamação da Relação de Bens, ao contrário da decidida procedência parcial, o que o recorrente pretende ver decidido.
13. A Sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 1104º, 1105º, nº 1 e nº 2, ambos do Código de Processo Civil e artigos 1733º, nº 1, 1726º, nº 1 e 1722º, nº 1 b) e nº 2, todos do Código Civil.
Requer a procedência total do Presente Recurso, assim se fazendo Justiça.

O recorrido apresentou contra-alegações, sustentando em síntese a improcedência do recurso.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto dos recursos sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1. Saber se devem ser declarados nulos os despachos datados de 17-02-2022, 25-02-2022, 8-03-2022, 10-03-2022, 15-03-2022 e 3-04-2022.
2. Saber se a verba 30 do ativo da relação de bens deve ser considerado bem próprio ou bem comum.
3. Saber se a verba A do passivo deve constar da relação de bens.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

Factos provados
1) Requerente e requerida foram casados entre si, desde 30.06.2001, segundo o regime de comunhão de adquiridos.
2) O divórcio entre os aqui requerente e cabeça de casal correu os seus trâmites no Tribunal de Grande Instância ..., em França, tendo a ação respetiva sido instaurada a 24.05.2017, o despacho de não conciliação sido proferido a .../.../2017 e a decisão de divórcio tomada a 19.12.2019.
3) Na referida decisão de divórcio, foi consignado, além do mais, que a requerente, contrariamente ao cabeça de casal, esteve sem trabalhar durante três anos e que a situação financeira deste último era claramente mais favorável que a da requerente.
4) Nos termos do processo de inventário nº ...5..., do Tribunal Judicial ..., instaurado a 4.01.2005, por óbito de CC, foi arrolado como verba única o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana nº ...09 da freguesia ..., consistente em casa de habitação de rés-do-chão, com a área coberta de 115,60m2, sita na freguesia ..., a conftontar de norte com rua, sul com DD, norte com caminho e poente com EE.
5) No âmbito do referido processo de inventário nº ...5..., a aludida verba única foi adjudicada à aqui cabeça de casal, pelo valor de €6 896,73, datando a sentença homologatória da partilha de 21.03.2007.
6) No âmbito do referido processo de inventário nº ...5..., à interessada BB, aqui cabeça de casal, na qualidade de herdeira, cabia-lhe um quinhão de € 986,24 Euros, correspondente ao seu quinhão hereditário, pagando tornas aos restantes herdeiros no montante de € 5911,....
7) O referido artigo 509 deu origem ao atual artigo ...31 urbano da União de Freguesias ... e ....
8) O requerente veio de França à casa de habitação, sita na Rua ..., ..., ..., e levou consigo:
-uma televisão, correspondente à verba 5 da relação de bens de 27.10.2021;
-uma máquina de lavar a roupa, correspondente à verba 8 da relação de bens de 27.10.2021;
-um móvel aparador de entrada com espelho, correspondente à verba 16 da relação de bens de 27.10.2021;
-cama de casal com colchão, correspondente à verba 14 da relação de bens de 27.10.2021.

               9) Imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...09 da freguesia ..., sito no FF, nº ..., em ..., foi sujeito a obras de reconstrução, nos termos do alvará de obras de construção nº ...08, processo ..., da Câmara Municipal ....

               10) Nos termos do referido alvará, a área de construção ascendeu a 153 m2, em 2 pisos, com uma área de implantação de 116m2 e área bruta de construção de 231, 18m2, com início a 20.02.2008 e fim a 18.02.2009.

               11) O referido prédio urbano era composto por prédio de rés-do-chão com a superfície de 115,60m2, e com o valor patrimonial de apenas € 6896,73 Euros, por ser um prédio já antigo, cujas paredes eram em tijolo sem reboco.

               12) Após a adjudicação em sede de inventário n.º ...5..., o ex-casal constituído pelos aqui interessados pagou a demolição do referido imóvel inscrito na matriz sob o art. ...09, a sua reconstrução e ampliação, demolindo todo o seu interior, só ficando no ar as paredes exteriores.

               13) O imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...31 da União de Freguesias ... e ..., é composto por rés-do-chão e 1º andar, com a superfície coberta de 115,60m2, com a área bruta privativa de € 231,20m2, e com o valor patrimonial de € 41203,85 Euros.

               14) À data de 24.05.2007, os aqui interessados eram titulares da quantia global de €1137, 58 depositada na conta com o IBAN  ...57, da Caixa Geral de Depósitos, S.A..

               15) Os aqui interessados são titulares de um Plano de Poupança Reforma (PPR) constituído pela cabeça de casal na vigência do casamento, denominado “LEVE PPR” em nome da cabeça de casal, Apólice n.º ...12, junto do Grupo Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 7346,58 Euros, à data de 31.12.2012.

               16) Estão na posse da cabeça de casal os seguintes bens móveis adquiridos pelo casal antes de 24.05.2017:

- Máquina de lavar louça, no valor de € 580,00;

- Máquina de secar roupa no valor de € 400,00;

- Ferro de engomar com central a vapor no valor de € 250,00;

-Aspirador Dyson no valor de € 550,00

-Tábua de passar roupa no valor de € 60,00;

-Radiador de aquecimento a gás no valor de € 200,00.

17) Foram também adquiridos pelo ex-casal constituído pelos aqui requerente e cabeça de casal, antes de 24 de maio de 2017, os seguintes bens:

a) Um tapete existente no hall de entrada, na posse da cabeça de casal, no valor de € 10, 00;

b) Um armário em madeira, um conjunto de 3 sofás, uma mesa pequena de centro, um móvel com uma televisão, uma carpete, um varão e dois cortinados, existentes na sala de estar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 240,00.

c) Um micro-ondas, uma placa de indução, um forno do fogão, uma mesa e quatro bancos, existentes na cozinha, na posse da cabeça de casal, no valor de € 800,00.

d) Um balde do lixo e um tapete de casa de banho, existentes na casa de banho do rés do chão, na posse da cabeça de casal, no valor de € 1,00.

e) Um tapete, uma toalha, um cesto da roupa e um espelho existentes na outra casa de banho do rés do chão, na posse da cabeça de casal, no valor de € 1,00.

f) Uma cama de casal com colchão e roupa de cama e duas mesas de cabeceira, tudo com mais de 15 anos, com candeeiros, uma cómoda com espelho, uma cadeira, uma secretária, varão e cortinados, e três tapetes existentes na suite do rés do chão, na posse da cabeça de casal, no valor de € 330,00.

g) Três tapetes e uma toalha existentes na casa de banho com jacusi que faz parte da suite do rés do chão, na posse da cabeça de casal, no valor de € 1,00.

h) Um espelho e um tapete comprido e um vaso em ferro com flores, e um porta fotografias, existentes no corredor do rés do chão, na posse da cabeça de casal, no valor de €1,00.

i) Um espelho afixado na parede do corredor das escadas e um candeeiro, na posse da cabeça de casal, no valor de € 30,00.

j) Uma cama de casal com colchão e roupa de cama, uma mesa de cabeceira com candeeiro, dois tapetes, um candeeiro de teto, e um varão existentes no quarto do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 300,00.

k) Uma cama de casal com colchão e roupa de cama, duas mesas de cabeceira com candeeiros, um candeeiro de teto, um divã, dois tapetes redondos, um varão, uma mesa pequena, existentes na suite do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 300,00.

l) Um cesto em verga de cor bordeaux, um conjunto de três prateleiras e uma toalha, existentes na casa de banho da suite do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 1,00.

m) Dois tapetes de casa de banho, um cesto da roupa, uma prateleira, e dois candeeiros, existentes na casa de banho do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de €1, 00.

n) Uma cama de casal com colchão e roupa de cama, duas mesas de cabeceira com candeeiros, um candeeiro de teto, dois tapetes, varão e cortinado, existentes no quarto do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 200,00.

o) Uma cama de casal com colchão e roupa de cama, uma ventoinha, uma cómoda, uma mesa com televisão, varão e cortinado, existentes no quarto do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de. € 200,00.

p) Um cilindro, um esquentador, uma prateleira, um aspirador, e oito cadeiras e diversos vasos em plástico existentes na garagem, na posse da cabeça de casal, no valor de € 132, 00.

Factos Não Provados
A) Por acordo, foram partilhados todos os bens móveis do casal existentes na casa de habitação de ambos, sita na Rua ..., ..., ....
B) O requerente veio a Portugal com um camião e levou os seguintes bens para França, sem conhecimento ou consentimento da cabeça-de-casal, tendo-os retirado da casa sita na Rua ..., lugar e freguesia ...:

1) Máquina de lavar louça, no valor de € 580,00

2) Forno, no valor de € 400,00

3) Placa de cozinha de indução, no valor de € 350,00

4) Micro ondas, no valor de € 100,00

5) Televisão no valor de € 1100,00

6) Televisão no valor de € 900,00

7) Televisão no valor de € 1000,00

8) Máquina de lavar roupa no valor de € 400,00

9) Máquina de secar roupa no valor de € 400,00

10) Ferro de engomar com central a vapor no valor de € 250,00

11) Aspirador Dyson no valor de € 550,00

12) Tábua de passar roupa no valor de € 60,00

13) Prateleira de secagem de roupa no valor de € 60,00

14) Cama de casal com colchão no valor de € 600,00

15) Radiador de aquecimento a gás no valor de € 200,00

16) Móvel aparador de entrada com espelho no valor de € 500,00

C) O requerente teve um acidente de viação e os bens móveis referidos em 8) dos factos assentes ficaram destruídos e foram para o lixo.

D) Os bens móveis referidos em 8) dos factos assentes foram adquiridos há, pelo menos, 13 anos.

E) O requerente levou consigo um micro-ondas, uma placa de indução e um forno do fogão, tudo do referido imóvel inscrito na matriz sob o artigo 631.

F) Foram os interessados quem comprou o móvel e o espelho com candeeiro existentes no corredor do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de €400,00.

G) Foram os interessados quem comprou duas camas de bebé desmontáveis, duas cadeiras, 1 varão e cortinado e um candeeiro de parede, e um tapete, existentes no corredor do 1º andar, na posse da cabeça de casal, no valor de € 300,00, correspondentes à verba 17 do aditamento à reclamação contra a relação de bens de 24.03.2022.

H) A placa de indução e o forno de fogão foram levados pelo requerente

I) A placa de indução, o forno de fogão, e a máquina de lavar roupa existentes no imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...31º da União de Freguesias ... e ... foram comprados pela cabeça-de-casal.

J) Ao nível da verba 6 do aditamento à reclamação de 24.03.2022, a televisão foi comprada pela cabeça-de-casal após Junho de 2017.

K) Ao nível da verba 3 do aditamento à reclamação de 24.03.2022, o micro ondas foi dado à cabeça-de-casal pela filha após o pai ter levado o existente inicialmente, após Junho de 2017; a placa de indução, o forno de fogão, e a máquina de lavar roupa, foram comprados pela cabeça-de-casal após o reclamante ter levado os aparelhos inicialmente existentes na casa.

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Saber se devem ser declarados nulos os despachos datados de 17-02-2022, 25-02-2022, 8-03-2022, 10-03-2022, 15-03-2022 e 3-04-2022.
Vejamos os factos relevantes para a apreciação desta questão:
1- Em 27-10-2021, a cabeça de casal apresentou a relação de bens.
2- Em 10-01-2022, o requerente AA apresentou reclamação contra a relação de bens.
3- Em 20-01-2022, o requerente veio juntar aos autos as plantas da Câmara Municipal ... relativamente ao prédio urbano artigo 631º da União de Freguesias ... e ..., que protestara juntar.
4- Em 28-01-2022, o requerente AA veio expor e requerer o seguinte:
“ Na reclamação à relação de bens, por lapso não foi reclamado pelo interessado, um bem que é do casal.
Trata-se de um Plano de Poupança Reforma (PPR)constituído pela cabeça de casal na vigência do casamento.
Ora, nos termos do art. 1724º al. b) do Código Civil, o referido PPR é um bem comum do
casal, devendo por isso ser também partilhado.
Assim sendo, vem o interessado R. a V.ª Ex.ª se digne admitir na relação de bens o seguinte bem:
Título de Crédito
Plano Poupança Reforma (PPR) denominado “LEVE PPR” em nome da cabeça de casal, Apólice n.º ...12, emitido em .../.../2013, junto do Grupo Caixa Geral de Depósitos, no valor de € 7346,58 Euros”.
5- Em 7-02-2022, a cabeça de casal  BB apresentou oposição ao incidente de reclamação.
6- Em 17-02-2022 foi proferido o seguinte despacho:

Refªs 7017524 e 7038298:
“O requerente apresentou, alegadamente por lapso, sob a refª 7017524, aditamento à reclamação contra a relação de bens datada de 20-01-2022.
A cabeça de casal reputou tal aditamento de extemporâneo.
Vejamos.
O aditamento em causa prende-se com um produto financeiro recocnhecidamente em nome da cabeça de casal.
Ora, o cabeça de casal já se havia reportado a produtos financeiros depositados ou intermediados pela CGD. Aliás, nessa senda, já foi ordenado.
Nessa medida, a objeção levantada pela cabeça de casal viu a sua pertinência esvaziada.”
7- Em ata de inquirição de testemunhas de 25-02-2022 foi proferido o seguinte despacho:
“Defere-se o requerido pelo requerente, considerando que faz parte do processo a identificação dos bens que constituíram os bens móveis objeto da reclamação contra a relação de bens.
Quanto à notificação de novo da testemunha GG, deverá ser requerida, se assim for entendido para a requerida prova.
Para continuação da presente diligência, designa-se o dia 15 de março de 2022, pelas 09:45 horas, data alcançada por comum acordo de todos os presentes.

Notifique.”
8- Em 7-03-2022, o requerente veio expor e requerer o seguinte:

“Na sequência das declarações da testemunha GG, de que conhecia todos os bens móveis do casal existentes na casa de ..., os quais referiu, terem desaparecido daquela casa, em julho/ agosto de 2017;

E, segundo lhe transmitiu a cabeça de casal, que tais bens se encontram na posse do interessado em França, conforme a própria cabeça de casal admitiu na sua resposta à reclamação;

E, tendo sido, arrolados os bens móveis do casal no processo de inventário com o n.º ...49 que correu termos em frança; DOC 1

Afigura-se imprescindível à descoberta da verdade material, e à boa decisão da causa, confrontar a referida testemunha com a relação de bens arrolada naquele inventário.

Assim sendo, requer-se a V. Ex.ª se digne admitir a junção aos autos do referido documento do arrolamento dos bens móveis do casal, bem como, a inquirição da testemunha GG.

Mais acresce, que tendo em conta que o requerente/interessado é de nacionalidade francesa, não conhecendo outras pessoas/testemunhas que possa indicar, Requer a V. Ex.ª, nos termos do art. 466º n.º1 do CPC, a prestação de declarações relativamente a toda a matéria, uma vez que se tratam de factos em que teve intervenção direta, podendo, assim, esclarecer o tribunal de viva voz sobre as suas circunstâncias.”
9- Em 8-03-2022 foi proferido o seguinte despacho:

“Refª 7110752:

Defere-se o requerido, no que concerne à testemunha e à junção do documento, caso a requerida nada oponha, aproveitando-se a data designada.

Oportunamente, pronunciar-nos-emos sobre a eventual condenação em multa, pela apresentação tardia do documento.

Deferem-se as declarações de parte. Admite-se a intérprete indicada, cujo custo será suportado pelo requerente. Caso tanto não seja aceite, terá de ser o tribunal a nomear o intérprete, entrando o respetivo custo em regra de custas.”
10- Em 10-03-2022 foi proferido o seguinte despacho:

“Refª 7120553:

O tribunal mantém o despacho de 08.03.2022, porquanto o aí apreciado surgiu na sequência do requerimento formulado pelo requerente na diligência de 25.02.2022, por sua vez motivado pela dificuldade manifestada pela testemunha GG em identificar os bens móveis, em tempos, existentes no imóvel sito no concelho ....

Acresce que a diligência de produção de prova constituenda não terminou, tendo continuação marcada para nova data.

Por seu turno, as declarações de parte do requerente podem ser prestadas até ao encerramento da produção de prova, como o permite o art. 466º do CPC, sendo certo que, no caso vertente, foram igualmente as dificuldades manifestadas pela testemunha GG que, na versão do requerente, justificaram o pedido respetivo.

Mantém-se, pois, o despacho de 08.03.2022.

De todo o modo, pela apresentação  tardia e não cabalmente justificada do documento junto sob a refª 7110752, sanciona-se o requerente em multa, que se fixa em 2 Ucs., considerando o momento processual em que tal sucedeu (no decurso da produção da prova constituenda), por força dos arts. 423º n.ºs 2 e 3 do CPC e 27º n.º 4 do RCP).

10- Em ata de inquirição de testemunhas de 15-03-2022 foi proferido o seguinte despacho:

“Com vista ao fim último do inventário, o tribunal admite a junção aos autos das fotografias em questão, naturalmente sujeitas ao contraditório quanto a cada um dos elementos fotografados, contraditório esse que se determina oficiosamente seja objeto de confronto com a própria cabeça de casal que nas declarações prestadas pelo reclamante se desloca com maior frequência ao imóvel em questão, pelo que terá conhecimento preciso acerca dos móveis, caso os mesmos estejam colocados e integrados no mesmo.

Determina-se a prestação de declarações por parte da cabeça de casal.

Pela junção tardia de tais fotos cuja justificação não constitui impedimento a que pudesse tal junção ter lugar em data anterior, o tribunal sanciona o requerente na multa de 2 UC’s, nos termos do art. 27º, nº 4 do RCP e art. 423º, nºs 2 e 3 do CPC.

Mais se determina que atento o número de fotos que sejam as mesmas digitalizadas e juntas em original nos autos e digitalizadas no processo pelo reclamante.

Determina-se igualmente que, caso reclamante e cabeça de casal divirjam na aceitação dos bens como integrantes do imóvel desde data anterior de junho de 2017, seja novamente notificada para depor, na qualidade de testemunha, GG.”

11- Em 3-04-2022 foi proferido o seguinte despacho:

“Refª 7136470:

Vem a cabeça de casal invocar a nulidade dos despachos proferidos na diligência documentada a 15.03.2022.

Apreciando, dir-se-á que, pelas razões expressas nesses despachos – que se mantêm -, não se reputam os mesmos nulos.

Indefere-se, pois, a apontada nulidade.

Refª 7158902:

A reclamação contra a relação de bens ora apresentada é consequencial face aos despachos proferidos na diligência documentada a 15.03.2022.

De todo o modo, considerando que tal reclamação já se prefigurava com a análise das fotografias na dita diligência, nos termos dos arts. 6º e 547º ambos do CPC, concede-se à cabeça de casal prazo de resposta de 15 dias a contar da notificação de acordo com o art. 221º do CPC.

Sem prejuízo do prazo acima concedido, para a continuação da produção da prova no âmbito da reclamação contra a relação de bens, designo o dia 22 de abril de 2022 pelas 15h00.

Notifique, sendo também a cabeça de casal para estar presente e a testemunha GG.

Notifique, sendo também o requerente de que deverá trazer as fotografias exibidas na diligência documentada a 15.03.2022.”

               “Com o atual regime do processo de inventário, introduzido pela Lei 117/2019, de 13 de setembro[1], para além do recuo na tentativa de desjudicialização do processo, e da sua reintrodução no texto do Código de Processo Civil, houve a intenção expressa de aproximação do seu regime ao da ação declarativa e às regras gerais do processo nesta fase inicial dos articulados (que engloba a fase inicial dos articulados e a das oposições e verificação do passivo), na qual se há de concentrar a discussão das questões essenciais relevantes – admissibilidade do inventário, identificação dos interessados, identificação dos bens a partilhar, dívidas e encargos da herança”[2].

               Conforme refere Carlos Lopes do Rego[3] “Este novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte; e assim, o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta:

               I) Uma fase de articulados (em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão) – abrangendo a fase inicial e a fase das oposições e verificação do passivo.

Na verdade, nos arts. 1097.º/1108.º CPC procura construir-se uma verdadeira fase de articulados: o processo inicia-se tendencialmente (ao menos, quando requerido por quem deva exercer as funções de cabeça de casal) com uma verdadeira petição inicial (e não como o mero requerimento tabelar de instauração de inventário) de que devem constar todos os elementos relevantes para a partilha.

Procurou, deste modo, evitar-se que seja sistemática e desnecessariamente relegada para momento ulterior ao início do processo a apresentação de uma série de elementos e documentos essenciais à boa prossecução da causa, como ocorria no regime prescrito no anterior CPC.

Após despacho liminar (em que o juiz verifica se o processo está em condições de passar à fase subsequente), inicia-se a fase seguinte, da oposição ou do contraditório, exercendo os interessados citados o direito ao contraditório, cabendo-lhes impugnar concentradamente no próprio articulado de oposição tudo o que respeite à definição do universo dos interessados diretos e respetivas quotas hereditárias, à competência do cabeça de casal e à delimitação do património hereditário, incluindo o passivo (cuja verificação é, deste modo, antecipada – do momento da conferência de interessados – para o da dedução de oposição e impugnações);

II) Uma fase de saneamento, em que o juiz, após realização das diligências necessárias, e com a possibilidade de realizar uma audiência/conferência prévia, deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar, proferindo também, nesse momento processual – e após contraditório das partes –despacho contendo a forma à partilha (também ele agora antecipado para esta fase de saneamento, anterior à conferência de interessados), em que define as quotas ideais dos vários interessados na herança, antes de convocar a conferência de interessados;

III) Um procedimento específico para a verificação e redução de eventuais inoficiosidades, através de um incidente com a estrutura de uma ação enxertada no inventário, compreendendo a formulação pelo herdeiro legitimário de um  pedido, explícito e fundamentado, de redução de liberalidades e o exercício subsequente do contraditório pelos requeridos/beneficiários das liberalidades alegadamente inoficiosas, culminando, após produção de prova, numa decisão que decreta ou rejeita a pretendida redução por inoficiosidade – incidente este que deve iniciar-se até ao momento do início das licitações;

IV) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados, em que devem realizar-se todas as diligências que culminam na consumação ou realização concreta da partilha: frustrando-se o acordo (por unanimidade dos interessados, nos termos da lei civil e por exigência do princípio da intangibilidade da legítima), a partilha do acervo hereditário resultará das licitações (que pressupõem a necessária estabilização do valor dos bens, já que funciona como momento terminal para o pedido de avaliação precisamente o início das licitações), que estão compreendidas no âmbito dos atos que integram a própria conferência de interessados, devendo ser também nela deduzidas as oposições a um eventual excesso de licitação por algum dos herdeiros; e, subsidiariamente, terão cabimento as diligências da formação de lotes igualitários, do sorteio ou –como ultima ratio – da adjudicação de bens em contitularidade.

Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória da partilha.

Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente–em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição.

Assim, do regime estabelecido no art. 1104.º CPC decorre obviamente um princípio de concentração no momento da oposição de todas as impugnações, reclamações e meios de defesa que os citados entendam dever deduzir perante a abertura da sucessão e os elementos adquiridos na fase inicial do processo, em consequência do conteúdo da petição de inventário, eventualmente complementada pelas declarações de cabeça de casal; e isto quer tais impugnações respeitem à tradicional oposição ao inventário e à impugnação da legitimidade dos citados ou da competência do cabeça de casal, quer quanto às reclamações contra a relação de bens e à impugnação dos créditos e dívidas da herança (instituindo-se aqui explicitamente um efeito cominatório, conduzindo a revelia ao reconhecimento das dívidas não impugnadas, salvo se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 574.º CPC) .

Ou seja, adota-se, na fase de oposição, um princípio de concentração na invocação de todos os meios de defesa idêntico ao que vigora no art. 573.º do CPC: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal

               Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.

Por outro lado, a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão.

(…).

“Em suma: com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual –ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último.”  

               Dispõe o artigo 1104º, do Código de Processo Civil (CPC), sob a epígrafe “Oposição, impugnação e reclamação”:

               1 - Os interessados diretos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação:

               a) Deduzir oposição ao inventário;

               b) Impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros;

               c) Impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações;

               d) Apresentar reclamação à relação de bens;

               e) Impugnar os créditos e as dívidas da herança.

               2 - As faculdades previstas no número anterior também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no n.º 3 do artigo 1100.º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo.

               3 - Quando houver herdeiros legitimários, os legatários e donatários são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões que possam afetar os seus direitos.”

               Por sua vez, dispõe o artigo 1105º do CPC-Tramitação subsequente:
1- Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2- As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.

(..).

               “O regime atual afasta-se, ainda, do anterior ao eliminar de vez a possibilidade (prevista no nº6 do artigo 1348º do CPC e depois no nº 5 do art. 32º) de as reclamações contra a relação de bens poderem ser apresentadas posteriormente (embora sob a condenação de multa, exceto se demonstrar que a não pode oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável).

               De tal alteração, o primeiro olhar da doutrina maioritária vai no sentido de que o recurso de tal prazo perentório faz precludir o direito de apresentar reclamação à relação de bens”[4].

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[5], sustentam que uma vez citados, os interessados têm o ónus de invocar e de concentrar numa única peça[6] todos os meios de defesa que considerem oportuno, em face dos factos alegados na petição inicial ou do que foi complementado pelo cabeça de casal, tendo o decurso do prazo de 30 dias efeitos preclusivos quanto a tasi iniciativas. Segundo tais autores, “contrariando a solução prevista no artigo 1348º do CPC 1961, a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede à citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo perentório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o direito do contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao ativo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando for convocada a conferência de interessados”.

               Também Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, sustentam que, no atual sistema, o momento das reclamações é necessariamente o previsto no nº 1, sob pena de preclusão do direito de reclamar, ainda que, naturalmente, sem prejuízo da invocação de uma situação de superveniência (cfr. artigo 588º, nº 2)[7].

               Ora, um dos requisitos essenciais para ser admitido um articulado superveniente, quando seja alegado o conhecimento de novo acervo patriminial a partilhar, é que seja alegada e provada essa superveniência (artigo 588º, nº 2, do CPC).

               Se assim não for e o juiz concluir que a arguição da falta de bens relacionáveis foi feita fora de prazo, por culpa do arguente, deve rejeitar liminarmente essa arguição. É o que decorre do disposto no artigo 588º, nº 4, 1ª parte, do CPC.

Segundo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[8] “o que o preceito significa, em harmonia com o regime geral do art. 140-1 (justo imepdimento), é que o autor do articulado superveniente terá, (…), de alegar e provar (ainda que por admissão da parte contrária) que tal não lhe é imputável”.

               Daí que sobre o requerente, ora recorrido impendesse o ónus de alegação e prova da sua falta de culpa na ausência de oportuna reclamação com vista à inclusão das verbas que foram incluidas na relação de bens sob os nºs 2, 13 a 29.

               “E, agir sem culpa significar atuar em termos tais que a conduta, nas circunstâncias concretas em que se desenvolve, não é passível de qualquer censura ou reprovação pessoal ao seu autor”[9].

               No caso de superviência subjetiva, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do apresentante, num quadro normal de diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação.

               Ora, tomando estas considerações como pressupostos e os requerimentos de 28-01-2022 e de 7-03-2022 , fácil é concluir que na situação em análise, não estamos perante nenhuma situação em que o apelado se possa considerar isento de culpa pela falta oportuna de reclamação de bens sobre o património comum e que pretendeu ver relacionados.

Assim, e na falta de acordo dos interessados, as verbas 2, 13 a 29 não podem ser incluidos na relação de bens, por violação do principio da preclusão.

As nulidades por violação do princípio do preclusão, invocadas pela recorrente são  nulidades processuais previstas no artigo 195.º do CPC, porquanto consistiram na prática de atos que a lei não admite e a irregularidades cometidas tiveram influência no exame ou na decisão da causa.

Preceitua o nº 2 deste artigo que “Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes”.

No entanto, essas nulidades estão cobertas por despachos judiciais. Tal significa que o modo que a recorrente tinha para reagir era recorrer e não reclamar dos mesmos, o que foi feito no presente recurso.

Neste sentido são os ensinamentos do Professor Alberto dos Reis ao escrever que “A arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do acto ou da formalidade, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respectivo despacho pela interposição do recurso competente”[10].

Em face do exposto, entendemos que o despacho de 17-02-2022 é nulo na parte em que teve por objeto o requerimento de 28.01.2022, por violação do principio da preclusão previsto no artigo 1105º, nºs 1 e 2, do CPC, com a consequente exclusão da verba 2 da relação de bens.

Igualmente é nulo o o despacho de 25-02-2022, 8-03-2022, , por violação do principio da preclusão previsto no artigo 1105º, nºs 1 e 2, do CPC. Em consequência, anulam-se os termos subsequentes dependentes deste despacho como os despachos de 10-03-2022, 15-03-2022 e 3-04-202 (cf. artigo 195º, nº 2, do CPC).

Excluem-se assim as verbas 13 a 29 da relação de bens.
2. Saber se a verba 30 do ativo da relação de bens deve ser considerado bem próprio ou bem comum.
Na sentença recorrida considerou-se :
“Primeiro, o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09 da freguesia ... (atual artigo ...31 da União de Freguesias ... e ...).
Prescreve o artigo 1726º nº 1 do Código Civil (CC):
“Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.”
Ora, como sustenta o requerente, sendo o valor do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09 da freguesia ... de €6.896,73, dos quais apenas €986,63 correspondiam ao quinhão hereditário da aqui cabeça de casal, o valor das tornas (€5.911,48), liquidado na pendência do casamento e sem que tenha sido feita menção da origem exclusiva do dinheiro, presume-se comum.
Aliás, como resulta da certidão da decisão de divórcio, era o cabeça de casal quem mais contribua HH para a vida do casal.
Assim, conclui-se pela natureza comum do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...09 da freguesia ... (atual artigo ...31 da União de Freguesias ... e ...).
Sobra o direito da cabeça de casal a ser compensada pelo requerente, no valor do quinhão que lhe cabia no dito inventário, no valor de €986,63, o que se determina em sede de passivo.”

A apelante sustenta que a verba 30 do ativo e a verba A do passivo devem ser retiradas da relação de bens constantes da sentença recorrida, considerando que houve uma errada interpretação do disposto nos artigos 1726º e 1722º, nº 1, al. b) e nº 2, ambos do Código Civil.

O apelado defende que deve manter-se na relação de bens esse prédio urbano relacionado como bem comum.

São os arts. 1724º-1726º do Código Civil que, fundamentalmente, nos dizem quais são os bens comuns.

De harmonia com o artigo 1724º, al. b), do Código Civil fazem parte da comunhão os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei.

A lei exectua da comunhão as aquisições por sucessão e por doação- art. 1722º, nº 2, al. b) do CC.

“Os bens adquiridos por estas formas não resultam do esforço partilhado dos cônjuges que justifica a comunhão de adquiridos.

Não há que destinguir se trata de sucessão legal ou voluntária, ou se trata de herança ou legado.

Mas os bens entram em comunhão se o doador ou testador assim o tiver determinado, entendendo-se que essa é a sua vontade se a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente (art. 1729º, nº 1)[11].

Escreveu Remédio Marques[12] “A aquisição de bens nas circunstâncias referidas para a massa dos bens próprios de um dos cônjuges pode implicar a obrigação de o cônjuge adquirente compensar o património comum, ficando este com um crédito sobre aquele, (..), circunstância que será tomada em devida conta na partilha dos bens comuns, na sequência da cessação das relações patrimoniais”.

Por sua vez, preceitua o artigo 1726º- Bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns:

“1 – Os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.

2 – Fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão.”

Em anotação a este artigo escreveu Rute Teixeira Pedro[13] “A qualificação de um bem que dite a sua inclusão no património comum ou no património próprio de um dos cônjuges, apesar de terem concorrido bens de outra massa patrimonial, importará o surgimento de um direito de compensação ao património em que o bem não foi integrado. O cumprimento do dever de compensação, só poderá exigido no momento da partilha”.

Segundo o Ac. do TRG, de 12-11-2020[14] “mesmo que um dos cônjuges tivesse adquirido bens imóveis na partilha da herança de seus pais, com dinheiro comum do casal, aqueles imóveis nunca adquiririam a qualidade de bens comuns, dado que, por força de regra específica do regime de bens sobre que foi contraído o casamento dos interessados, tais bens reverteriam sempre para o cônjuge proprietário dos mesmos, por serem considerados bens próprios daquele – sem prejuízo, em qualquer caso, da compensação devida por esse cônjuge ao património comum. E só esta compensação – e não os imóveis - é que deve figurar no inventário para ser conferida como dívida do cônjuge proprietário ao património comum do casal, se, como é o caso, a aquisição dos imóveis tiver sido feita por ambos os cônjuges, portanto, à custa do património comum (artº. 1689º, nº. 1 do Código Civil).

Temos pois de considerar como bem próprio da recorrente a verba 30 do ativo da relação de bens, pelo que desta deve ser excluido.

No caso em apreço, não foi provada a proveniência do dinheiro utilizado pela cabeça-de-casal para pagamento das tornas.

Cumpre, pois, indagar qual dos cônjuges está onerado com essa prova.

E a nossa resposta, vai no sentido de que é ao cônjuge, que pretende demonstrar que os valores utilizados na aquisição de um bem provieram do seu património, que compete fazer essa prova; ou seja, no caso em apreço, o recorrente como cabeça de casal.

Alega por fim,  recorrente que a sentença viola o princpio do dispositivo, uma vez que toma uma decisão sobre matéria não peticionada, para além dos pedidos do reclamante, o que lhe está impedido.

Assim sendo, resta-nos concluir que as verba 30 do ativo e a A do passivo devem ser excluidas da relação de bens.


3. Saber se a verba A do passivo deve constar da relação de bens

Alega a recorrente que o direito do recorrido seria apenas a compensação ao património comum, nos termos do nº 2 do artigo 1726  º do CC, o que nem sequer está peticionado na reclamação, pois o pedido é apenas declaração da natureza comum do bem.

O recorrido defende que deve manter-se na relação de bens a verba A do passivo.

Como se recolhe dos ensinamentos de Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres[15],  diferentemente do anterior modelo processual, «…a verificação do passivo da herança se inicia ainda na fase dos articulados».

“No actual modelo, os interessados têm um ónus de impugnação dos créditos e das dívidas da herança, semelhante ao que sobre eles incide no que respeita à reclamação quanto aos bens relacionados, antecipando-se, pois, para a subfase da oposição a suscitação de uma questão que anteriormente estava relegada para o momento da conferência de interessados. Se a controvérsia entre os interessados exigir uma pronúncia do juiz, esta terá lugar normalmente na fase do saneamento do processo (arts. 1106º, nº3 e 4 e 1110º, nº1, al. a)».

Cumpre ainda referir que “do disposto no art. 549º, nº 1, do CPC decorre que os processos de inventário são regulados pelas disposições gerais destes processos (arts. 1082º a 1096º), pelas disposições próprias de cada uma dasmodalidades do inventário (arts. 1097º a 1130º e 1131º a 1135º), pelas disposições gerais e comuns do CPC (que são, fundamentalmente, as que constam do Livro I) e, por fim, em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, pelo que se acha estabelecido para o processo comum”[16].

No caso em apreço, a questão da verba em causa não foi suscitada no requerimento “reclamação”, pelo que não pode ser incluida oficiosamente na relação de bens.

Assim sendo, a verba A do passivo deve ser excluida da relação de bens.

                                                                          x

Por fim, importa referir que o recorrido no ponto 22 das conclusões das suas contra-alegações, requer que se aplique à recorrente sanções resultantes de sonegação de bens.

Cumpre ao Tribunal Superior decidir com base nos argumentos de facto e de direito suscitados pelo recorrente e naqueles que sejam de apreciação oficiosa[17].

Ora, a sonegação de bens não é uma questão de conhecimento oficioso, pelo que este tribunal encontra-se impedido de a apreciar.

 Das custas:

O apelado deve suportar, por virtude do seu vencimento, as custas do recurso-- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC.
(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, decide-se:

a)- Declarar a nulidade dos despachos datados de 17-02-2022, 25-02-2022, 8-03-2022, 10-03-2022, 15-03-2022 e 3-04-2022.

b)- Alterar a sentença recorrida nos seguintes termos:

b.1.- excluir da relação de bens as verbas 2, 13 a 29 do ativo.

b.2- excluir da relação de bens as verbas 30 do ativo e A do passivo.

c)- Manter, no mais, o decidido.

Custas deste recurso pelo apelado.

                                                                                                       Coimbra, 14 de março de 2023

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original

                                                                                                      





([1]) Esta lei entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020- art.º 15º.
([2]) António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, p. 521.
([3]) A recapitulação do inventário, Revista Julgar on line, dezembro de 2019, pp. 9-13 e 15,  http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/12/20191216-ARTIGO-JULGAR-A-Recapitulação-do-Inventário-revisão-Carlos-Lopes-do-Rego-v5.pdf.

([4]) Ac. do TRC, de 10-01-2023, proc. 1001/21.0T8PBL.C1, relatora Maria João Areias, www.dgsi.pt.
([5]) Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p.570.
([6]) O sublinhado é nosso.
([7]) O Novo Regime do processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, p. 81.
([8]) Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, Almedina, p. 616.
([9]) Ac. do TRP, de 14-12-2022, proc. 224/17.1T8GDM-B.P1, relator João Diogo Rodrigues, www.dgsi.pt.

([10]) Comentário ao C. Processo Civil, volume II, p. 507. No mesmo sentido, cf. A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, ano 1984, p. 378 – e Manuel de Andrade – Noções Elementares do Processo Civil, 1976, p. 180.
([11]) Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 5ª edição, pp. 602-603.
([12]) Clara Sottomayor (coord.), Código Civil Anotado, Vol. IV, p. 418.
([13]) Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, 2017, Almedina, p. 634.
([14]) Proc. 4660/19.0T8GMR.G1, relatora Maria Isabel Cerdeira, www.dgsi.pt.

([15]) O novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, p. 82.
([16]) Miguel Teixeira de Sousa e outros, obra acima citada, p. 26.
([17]) Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 171