Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
675/12.8TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
BANCO
CONVENÇÃO DE CHEQUE
OBRIGAÇÕES
FALSIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: (ARTIGOS 1º E 3º DA LUCH).
Sumário: 1. Através da convenção de cheque, o Banco sacado está obrigado perante o seu cliente sacador/titular da conta a dispor dos fundos ali depositados, em benefício do terceiro que ele indicar como beneficiário. Para além do dever (principal) de pagar, o banco sacado tem também o dever (lateral e acessório) de fiscalizar a regularidade dos cheques e de os verificar cuidadosamente antes de os pagar.
2. Se o banco abdica, intencionalmente ou por efeito do sistema de truncagem acordado pelo sistema bancário a que os cheques até certo valor estão obrigatoriamente sujeitos, de exercitar os seus deveres de fiscalização e de competência técnica, particularmente de proceder à conferência da assinatura do sacador, deverá assumir os resultados dessa omissão.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


*

A... , Lda intentou a presente acção com processo ordinário contra o Banco B..., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação deste a pagar-lhe: 15.435,27€ correspondente ao montante titulado por 20 cheques grosseiramente falsificados, acrescido dos respectivos juros legais; 25.761,94 €, respeitante aos juros, referentes a 24 cheques grosseiramente falsificados, contabilizados desde a data do seu depósito, até ao pagamento do valor titulado pelos mesmos efectuado pelo réu à autora a 15 de setembro de 2006; quantias estas acrescidas dos respectivos juros legais, após a sua citação, até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, o seguinte: que no exercício da sua atividade comercial recorreu aos serviços de C... que exerceu as funções de contabilista por sua conta entre 1999 e 2005, procedendo à organização da sua contabilidade, apurando, além do mais, os quantitativos que a Autora teria de pagar à Administração fiscal e Segurança Social, sendo que, com base nesse apuramento, a referida contabilista, solicitava à Autora, a emissão dos respectivos meios de pagamento, com vista a entregar esses valores à Administração Fiscal e Segurança Social; nestes termos, foram sacados pela Autora, variadíssimos cheques sobre a conta n° (...) , do B... , agência de S. Martinho do Bispo, de que era titular, nos montantes indicados pela sua Contabilista, e a esta entregues para que os remetesse ou entregasse às respectivas entidades; todavia, a referida Contabilista, uma vez em poder dos cheques, começou a fazer seus, os seus quantitativos, não os fazendo chegar às entidades deles beneficiárias, como devia e lhe era solicitado pela Autora, mas sim depositando-os nas suas contas bancárias pessoais; junto do B... , onde possuía conta à ordem sob o n° (...) , verificou, também, que variadíssimos cheques que entregou à sua contabilista nos montantes por esta indicados, para proceder ao pagamento das suas obrigações tributárias, foram indevidamente pagos à própria àquela; a dita contabilista alterava os cheques mudando pelo seu próprio punho as iniciais dos nomes a favor de quem tais cheques eram emitidos pelas do seu nome, alterações que eram facilmente percetíveis para qualquer pessoa, pois mudava as letras das siglas das entidades, à ordem das quais tais cheques eram emitidos, DGT, CTT e IGFSS, para as iniciais do seu nome F.D.G.R.

Tendo a ora Ré reconhecido o seu erro e a sua responsabilidade, e procedido ao pagamento à Autora de 24 dos 47 cheques falsificados, mas sem juros, reclama da Ré o valor titulado por 20 cheques, grosseiramente falsificados, e ainda não pagos por esta à Autora, na quantia de 15.435,27€; e, ainda, os juros de mora calculados à taxa legal de 4%, sobre cada um dos 24 cheques, já pagos pela Ré à Autora, desde a data do depósito dos mesmos até à data do seu pagamento pela Ré à Autora, que ocorreu a 15 de Junho de 2006, oportunamente reclamados e ainda não pagos.

         Contestou a R. alegando, em resumo: que os referidos cheques foram apresentados a pagamento em Agências da E... e do F... , pelo que, estas Instituições bancárias assumiram assim a posição de Bancos tomadores; como tal, só elas são responsáveis pelo pagamento do cheque e pela inobservância de qualquer disposição legal emergente da verificação da regularidade dos endossos; além disso, a Autora não consultava nem conferia os seus extractos bancários, remetidos mensalmente pelo Banco Réu, onde, certa e facilmente a mesma poderia confirmar as contas em que os montantes titulados nos cheques foram depositados, pelo que a Autora foi omissa nos deveres de diligência que a um normal gerente se imputam; que o B... nunca reconheceu qualquer erro ou responsabilidade, já que, não foi o aqui Réu que procedeu ao pagamento à Autora da supra referida quantia de 116.927,88 € mas o Banco tomador F... , que reconheceu o erro, responsabilizando-se pelo pagamento do valor dos 24 cheques, tendo esta instituição bancária creditado na conta da Autora, domiciliada no B... , quantia de 116.927,88 €.

Requereu a intervenção principal provocada dos Bancos F... e E... .

A AA. replicou pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela ré.

Foi indeferida a intervenção principal e proferido despacho saneador, com a selecção dos factos assentes e controvertidos, sem quaisquer reclamações.

Após julgamento, foi proferida sentença que culminou assim:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condeno a ré no pagamento das seguintes quantias:
€ 14.217,97 correspondente ao montante titulado por 18 cheques grosseiramente falsificados, acrescido dos respetivos juros legais contabilizados desde a data do seu depósito até à data da propositura da ação e após a citação até efetivo pagamento;
€ 25.761,94 € respeitante aos juros referentes a 24 cheques grosseiramente falsificados, contabilizados desde a data do seu depósito, até ao pagamento do valor titulado pelos mesmos efetuado à autora a 15 de setembro de 2006.
No mais absolvendo a ré do pedido.
Custas a cargo da autora e da ré na proporção do respetivo decaimento.”

É desta sentença que a Ré traz o presente recurso, cuja alegação termina com as conclusões que se transcrevem:

“A. O presente recurso tem por objecto a alteração de uma decisão que condenou o banco sacado pelo pagamento de cheques pagos na compensação e que se vieram a apurar terem sido falsificados no campo do beneficiário.

B. No caso de pagamento de cheque através da compensação, o portador e beneficiário do cheque obtém o pagamento através de moeda escritural, vendo creditada a sua conta na importância que lhe corresponde por via de uma operação de liquidações recíprocas e encontro de contas entre bancos: a compensação, operada no banco de Portugal [cfr. n.º 2.1, alínea a) do SICOI].

C. O controlo da regularidade do saque dos cheques, com um determinado montante máximo (estabelecido pelo Banco 5 Cfr. Fernando J. Correia Gomes, Op. Cit., p. 19, nota (31) de Portugal e comunicado aos bancos sob supervisão), não é viável, se os cheques estiverem sujeitos a truncagem ou retenção, caso em que o depositário apenas apresenta na compensação uma lista de cheques nele depositados e que se compromete a conservar, identificando o respectivo sacador e conta e dando a conhecer o montante sacado.

D. A truncagem impede o sacado de efectuar a verificação da assinatura do sacador, relativamente aos cheques depositados em instituições de crédito diferentes da sacada.

E. Por via do princípio da truncagem, os títulos que reúnem determinadas condições não circulam fisicamente entre as instituições de crédito: é o caso dos cheques de valor inferior a 10.000,00.

F. Truncagem significa eliminação de parte de um todo, o que, no caso da telecompensação, significa que parte dos títulos compensados não circulam fisicamente, i.e., não vão ao balcão onde está constituída a respectiva relação de provisão.

G. Os bancos, sob instruções da autoridade de supervisão (o Banco de Portugal) encontram-se dispensados de apresentar, na compensação, imagens dos cheques de valor igual ou inferior ao montante de truncagem acordado pelo sistema bancário, desde que tais cheques não sejam visados (cfr. Reg. Do SICOI, n.ºs 14.1, alínea a), e 19.4) [cfr. o novo SICOI, aprovado pela Instr. N.º 3/2009].

H. No entanto, o banco depositário – que se encarrega da cobrança – deve actuar com diligência e proceder a uma cuidadosa apreciação formal do cheque, verificando se este está completo e se encontra devidamente preenchido, nomeadamente se não há preterição de requisitos essenciais, se as transmissões de que foi objecto se processaram de forma aparentemente regular e se o cheque não foi rasurado.

I. O banco depositário (ou participante apresentante) “leva o cheque” – ou, se sujeito à truncagem, a indicação do respectivo valor e dados (constante do chamado “registo lógico”) – à câmara de compensação, por conta do seu cliente, para, em encontro de contas com o banco sacado (participante receptor), receber a respectiva importância, que deverá creditar na conta do cliente (depositante e último titular do cheque).

J. O banco sacado limita-se a cumprir a instrução que lhe é transmitida, procedendo com a diligência que a uma entidade com a sua capacidade profissional e económica é legal e socialmente exigível.

K. Embora o Regulamento do SICOI não constitua fonte de direito vinculativa para o Tribunal não pode o mesmo para efeitos de verificação de conduta culposa (no sentido de que age com culpa aquele que adopta conduita merecedora de reprovação ou censura do direito) deixar de ser tido em conta em todo o processo de formação da decisão com vista à formulação ou não desse juízo de reprovação ou censura.

L. Por outro lado, não pode o banco réu ser penalizado por participar no sistema de pagamentos regulado pelo Banco de Portugal que, não esqueçamos, é a sua entidade supervisora e reguladora da sua actividade.

M. Pelo que não pode colher o raciocínio de que a participação do banco réu no SICOI equivale à prática intencional de omissão de um dever de fiscalização para efeitos de apreciação da culpa.

N. Esta asserção equivale a aplicar a responsabilidade objectiva ou pelo risco ao banco réu, o que está vedado, pois a existência da convenção de cheque não o permite, impondo a aplicação do regime da responsabilidade contratual e, por conseguinte, a apreciação do pressuposto da culpa.

O. Na verdade, ao dar como provada a matéria constante dos artigos 22.º e 31.º, e, correlativamente, imputar ao banco réu o comportamento omissivo / negligente que integra a aludida factualidade, o Tribunal a quo olvida o teor do depoimento da testemunha Carlos José Gomes Calado Pires,

P. Verificando os montantes de cada um dos cheques enunciados na matéria de facto dada como provada, temos que, todos são inferiores ao montante da truncagem, pelo que o banco réu não viu o campo do beneficiário.

Q. Nem lhe foi possível ver.

R. Assim, como se poderá imputar ao banco réu uma conduta negligente ou omissiva na verificação da regularidade do cheque, maxime no campo do portador?

S. A regularidade do cheque é verificada pelo banco tomador, que aceita o cheque para depósito, verifica a identidade do próprio portador, seu cliente e o apresenta a pagamento, nos termos dos usos bancários, através do Sistema de Compensação.

T. Verifica-se um erro na decisão da matéria de facto, porquanto os juízos formulados nos artigos 22.º e 31.º da matéria de facto dada como provada, deveriam conter a menção de que a existência de tais erros apenas poderia ser detectada pelo banco tomador dos cheques, leia-se, pelos seus funcionários.

U. Pelo exposto, conclui-se pela inexistência de culpa do banco réu, importando assim a revogação da decisão condenatória e sua substituição por uma decisão absolutória dos pedidos.

V. A situação sub judice remete para os princípios gerais da responsabilidade civil;

W. Sendo a culpa o factor a ponderar pelo julgador se chamado a conhecer da imputação de responsabilidade civil em casos como o dos autos;

X. No caso dos autos, a ocorrência do prejuízo deriva da própria actuação pouco cuidadosa da Autora, a quem terá de ser imputada culpa in eligendo e in vigilando pela escolha da contabilista a quem confiou os cheques objecto da lide, não verificando o cumprimento das obrigações que os referidos cheques se destinavam a satisfazer nem conferindo os extractos bancários da conta associada à convenção de cheque.

Y. A negligência da Autora revela-se ainda na forma pouco cuidadosa como preencheu o nome do beneficiário do cheque, apondo meras iniciais dos primitivos destinatários dos mesmos.

Z. O que integra a previsão do artigo 570.º do CC, afastando a obrigação de indemnizar.

AA. Neste contexto, não se vislumbra como, no caso dos autos, pode ter-se como imputável ao banco réu, qualquer culpa, ainda que leve, nos prejuízos decorrentes para a Autora da falsificação de documentos e da burla que se mostrou protagonizada pela sua contabilista.

BB. Daí que a presente acção deva ser julgada improcedente.

CC. Sendo que mal andou a sentença recorrida ao condenar o banco réu, pois ao fazê-lo – e salvo o devido respeito – fez errada aplicação, interpretação e integração do disposto nos arts. 798.º e 799.º e 562.º do CC.

DD. Motivo pelo qual deve ser revogada, para que se julgue a acção improcedente nessa parte.”

A apelada contra-alegou pugnando pelo improvimento do recurso.

Após foi proferido, em 30.9.2013, o seguinte despacho:

“ O Banco de Portugal decidiu aplicar ao B... , S.A. uma medida de resolução que consiste na transferência da generalidade da sua atividade para um banco de transição, denominado D... , criado especialmente para o efeito.

O regime aplicável aos bancos de transição resulta essencialmente do disposto nos artigos 145.°- G a 145.°-I do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.° 31-A/2012, de 10 de fevereiro), bem como do Aviso do Banco de Portugal n.° 13/2012. O Código das Sociedades Comerciais é também aplicável aos bancos de transição, com as adaptações necessárias aos objetivos e à natureza destas instituições. Além deste regime legal, o banco de transição reger-se-á ainda pelos seus estatutos, que foram aprovados pela deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal que determinou a aplicação da medida de resolução.

Medidas de resolução são instrumentos jurídicos ao dispor do Banco de Portugal que lhe permitem intervir em instituições que estejam em situação de potencial ou efetivo desequilíbrio financeiro, com vista a salvaguardar a estabilidade do sistema financeiro e os interesses dos depositantes.

As medidas de resolução podem ser de dois tipos:

Alienação (parcial ou total) da atividade a outra instituição autorizada a desenvolver a atividade em causa;

Constituição de um ou mais bancos de transição e transferência (parcial ou total) da atividade da instituição que se encontre em dificuldades financeiras para esse(s) novo(s) banco(s).

O regime da resolução está consagrado no Regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro, na redação  introduzida pelo Decreto-Lei n.° 31-A/2012, de 10 de fevereiro), que regula a adoção de medidas de resolução (vide artigos 145.°-A a 153.°-A) e, conjuntamente com a Portaria n.° 420/2012, de 21 de dezembro, o funcionamento do Fundo de Resolução (vide artigos 153.°-B a 153.°-U do Regime Geral).

Como decorre do disposto no art° 269°, n° 2 do CPC “no caso de transformação ou fusão de pessoa coletiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efectuando, se for necessário, a substituição dos representantes”.

O juiz deve providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, ou quando estiver em causa qualquer modificação subjectiva da instância deve convidar as partes a praticar os actos indispensáveis, nos termos do art.° 6.° n.° 2, do CPC, enquanto postulado pelos princípios de direcção do processo, do inquisitório e até da lealdade processual a que todos os intervenientes no processo estão adstritos - art.° 7.° do CPC.

De acordo com os preceitos legais supra citados, no caso foi criado um novo banco para o qual foi transferida a totalidade da actividade prosseguida pelo B... , S.A.

Atento o exposto, e afigurando-se não ser caso de habilitação, considero operada a substituição do B... , S.A. pelo D... , S.A., que passou a ser sujeito dos direitos e obrigações contraídas previamente pelo B... , S.A. e convido o ilustre advogado do B... para, em dez dias, regularizar o mandato, tendo em vista a substituição dos representantes do B... , S.A.

Notifique.”

O D... apresentou procuração a favor dos mandatários do B... .

No entanto, veio do despacho acima transcrito interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

“A) O D... S.A. tem legitimidade para recorrer do despacho que determinou a substituição do Réu B... pelo D... S.A., nos presentes autos, por força do disposto no art. 631.º n.º 2 do CPC.

B) O Banco Recorrente foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do banco de Portugal, tomada em reunião extraordinária de 03 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145.º-G do Regime Legal das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, como uma nova sociedade, habilitada a desenvolver a actividade bancária, completamente autónoma e independente do B... S.A.

C) De acordo com as deliberações de 03 de Agosto e 11 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foram transferidos para o D... S.A. os activos e passivos, devidamente constituídos e consolidados (pelo respectivo valor contabilístico, cfr. n.º 5 do texto consolidado do Anexo 2 à deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014 do mesmo Conselho de Administração), exceptuando quaisquer responsabilidades ou contingências do B... , S.A. (cfr. subalínea (v) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014, na redacção que lhe foi conferida pela deliberação do mesmo Conselho de 11 de Agosto de 2014).

D) Em síntese o Banco de Portugal determinou a exclusão das responsabilidades do B... (que não constituam passivo consolidado) e quaisquer contingência do âmbito da transferência para o D... S.A., cfr. considerando 21. da deliberação do Banco do Portugal de 11 de Agosto de 2014.

E) No presente caso, a Recorrida pretende ser indemnizada por alegados factos ocorridos entre 2000 e 2002, praticados pelo B... , o que configura precisamente uma contingência, e como tal não foi transferida para o D... , S.A.”

Pede, a terminar, que o despacho sub judice seja revogado, determinando-se a exclusão do D... S.A. da presente lide e manutenção do B... S.A., na qualidade de Réu.

O B... contra-alegou pugnando pelo improvimento do recurso.

Junção de documentos:

Com as alegações de recurso, o D... juntou as actas respeitantes às resoluções do Banco de Portugal.

É evidente o interesse das mesmas para a solução da questão da transferência da responsabilidade do B... para o D... .

Por sua vez, o B... juntou, com as contra-alegações de recurso, um documento respeitante ao detalhe das provisões (passivo) constantes do balanço de 3.8.2014, o que também releva para o conhecimento da mesma questão da transferência de responsabilidades.

Pelo exposto, e nos termos conjugados dos art. 425 e 625, nº 1 do CPC, admite-se a junção dos referidos documentos.
         Recurso (do D... ) do despacho de 30.9.2014:
         Por entender que se verificou uma transformação do B... no D... , para o qual foi transferida a actividade prosseguida pelo primeiro, o Sr. Juiz, no despacho de 30.9.2014, proferido depois da sentença, considerou operada a substituição do primeiro pelo segundo Banco e ordenou a notificação do advogado do B... para regularizar o mandato tendo em vista a substituição dos representantes do mesmo nos termos do art. 268, nº 2 do CPC.
         Não concorda o recorrente D... por entender que apenas foram transferidos para ele os activos e passivos que têm valor contabilístico (cfr. nº 5 do texto consolidado do anexo à deliberação do CA do Banco de Portugal de 3.8.2014), ou seja, aqueles devidamente constituídos e consolidados, o que não é o caso. Acresce que não foram transferidos os passivos respeitantes a “ quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraudes ou de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais” (subalínea V da alínea b) do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3.8.2014). Ou seja: não só não se está perante um passivo consolidado do B... , contabilisticamente registado, e, por isso, insuscetível de transferência, como se está, inclusivamente, perante uma contingência decorrente de fraude, expressamente excluída da transferência para o D... .
         Vejamos.
         É certo que no ponto 5 do texto consolidado do anexo 2 à deliberação da BP de 3.8.2014 pode ler-se: “ Os ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais são transferidos pelo respetivo valor contabilístico, sendo os ativos ajustados em conformidade com os valores constantes do Anexo 2, por forma a valorizar uma valorização conservadora, a confirmar na auditoria prevista no Ponto Três”.
         Todavia, não são registadas contabilisticamente apenas as dívidas já constituídas ou consolidadas. Também o devem ser as provisões destinadas a garantir despesas que ocorrerão muito provavelmente ou até mesmo as contingências que, dependendo embora de factores incertos, é provável que também venham a ocorrer. E, por isso, tem pertinência o argumento do B... de que, à data de 3.8.2014, já a sua eventual responsabilidade pelas consequências da presente acção se encontrava registada na contabilidade por via da provisão especificamente constituída para o efeito, no montante de 40.000 €. Só que o documento, para o qual remete, não prevê qualquer provisão específica para a pressente acção mas apenas uma provisão (ou reservas) genérica para contingências de acções judiciais que não estão identificadas.
         Mas ainda que assim fosse, isto é, mesmo que a provisão para a presente acção estivesse contabilisticamente registada, sempre estariam excluídas da transferência do passivo do B... para o D... as responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude, que são aquelas a que esta acção se reconduz. É o que decorre do ponto 1 (b) (v) da referida deliberação de 3.8.2014: “ As responsabilidades perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o D... , SA, com excepção dos seguintes: (…) (v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais”. Embora a redacção do texto consolidado seja menos clara do que a anterior, por virtude da introdução do termo “ nomeadamente”, que não constava do texto inicial – apesar do propósito de o precisar, anunciado no considerando 21 da deliberação de 11.8.2014 do CA do Banco de Portugal – a verdade é que não sofre dúvida de que as responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude (como é o caso) estão excluídas da transferência, permanecendo na esfera jurídica do B... .
         Argumenta o B... (nas contra-alegações) que apenas ficaram excluídas da transferência as responsabilidades (decorrentes de fraude, no que agora importa) que estão associadas às relações com o GES.
         Mas não parece que assim seja.
         É correcto que dos considerandos 11, 12 e 16 da deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto, mencionados pelo recorrido, resulta que a deliberação da criação de um D... visou isolar o “ D... dos riscos criados pela exposição do B... , SA a entidades do Grupo Espírito Santo”.
         Porém, nem todos os pontos referidos em 1 (b) do Anexo 2 à deliberação de 3.8.2014, que constituem responsabilidades excluídas da transferência, dizem respeito ao GES. É, além de (v), o caso de (i), (iv) e (vi) de 1. (b).
         Como assim, não tem sentido uma interpretação restritiva do ponto V, em termos de as responsabilidades excluídas da transferência dizerem respeito apenas às responsabilidades ou contingências de entidades que integram o GES.     
         Ou seja: o D... é o sucessor dos direitos e obrigações do B... , exceptuando as responsabilidades e contingências decorrentes de fraude, como é o caso dos presentes autos.
         E não se diga que a transferência decorre da lei: o RGICSF prevê que o Banco de Portugal, na medida de resolução que tomar, exclua do património transferido as responsabilidades que entender. E assim sucedeu: o Banco de Portugal optou pela transferência parcial, excluindo dela as responsabilidades decorrentes de fraude, que ficaram, assim, na esfera do B... .
         Também não colhe, a nosso ver, a invocação do art. 145º-H, nº 13 do RGICSF para significar que a regra é a de que as responsabilidades se transmitem com os elementos do activo a que estão associados. Em primeiro lugar, não se vê a que elementos do activo do B... a responsabilidade decorrente da fraude está associada, que direitos do B... em relação à autora foram transferidos. Por outro lado, está por provar que a manutenção deste passivo na esfera do B... represente, no caso concreto, uma defraudação do património do devedor.
         Também não nos parece haver violação do princípio de que a responsabilidade segue a empresa, uma vez que, como decorre do RGICSF, e como já se disse, é ao Banco de Portugal que cabe definir as responsabilidades que transitam para o D... . Transita a globalidade das responsabilidades, mas com excepções e é nestas que se enquadra a responsabilidade do B... no caso dos autos.
         Argumenta, ainda, o recorrido B... que, ao arrepio do princípio do tratamento equitativo dos credores, imposto pelo art. 145º-B nº 1, al. b) do RGICSF, existe um potencial e ilegítimo tratamento desigual de credores, caso seja acolhida a interpretação preconizada pelo D... , uma vez que a autora, credora do B... seria, desde logo, credora de uma entidade não solvente, pois não é provável que a venda do D... gere um excedente passível de devolução ao B... , nos termos do art. 145º-I, nº 4 do diploma citado, além de que a autora teria de tolerar durante um ano a dispensa do cumprimento pontual das obrigações (art. 145º-J, nº 1, al. b) do RGICSF).
         Porém, não é seguro que o cenário apontado pelo recorrido se possa concretizar, tendo em vista, inclusivamente, o disposto na al. c) e no nº 3 do art. 145º-B do RGICSF, que procura evitar diferenças no tratamento dos credores. Por outro lado, do art. 145º-J não resulta, necessariamente, aquele tratamento desfavorável dos créditos do B... relativamente aos créditos sobre o D... , pois não foi imposta, em simultâneo com a aplicação da medida de resolução, qualquer moratória no cumprimento das obrigações a cargo do B... .       Não se nos afigura, pois, que a interpretação de que o B... é responsável pelo crédito da autora envolva qualquer violação do princípio da igualdade ou de qualquer outro princípio constitucional, que não vem, aliás, invocado.,
         Por outro lado, também não se nos afigura claro que a referida interpretação contrarie qualquer das finalidades das medidas de resolução, maxime a salvaguarda dos interesses dos contribuintes e do erário público enunciadas no art. 145º-A, al. c) do RGICSF, pois está por demonstrar que a permanência do crédito da autora na esfera do B... afecte, necessariamente ou muito provavelmente, o interesse dos contribuintes e do erário público, sendo que este interesse não pode ser visto apenas numa perspectiva imediatista, meramente contabilística, em prejuízo de uma visão sistémica. Nem, ao contrário, o facto de a responsabilidade em causa ser de escassa relevância (e daqui nada se retira), é factor relevante para a sua transferência do B... para o D... .
         Não se aceita, em suma, a interpretação proposta pelo B... , o qual deve continuar, portanto, a assumir a responsabilidade por obrigação decorrente de fraude, caso esta se confirme.
         Recurso (do B... ) da sentença.

         A matéria de facto provada dada como provada na 1ª instância é a seguinte:

“A)A ora Autora é uma sociedade unipessoal, por quotas, cuja sócia gerente é A... , divorciada, contribuinte fiscal n° (...) , que tem como objeto social o comércio por grosso de madeiras e derivados, importação, exportação, não exercendo hodiernamente qualquer atividade.

B) Pelos factos mencionados na PI, a Autora apresentou Queixas-crime contra a C... , que deu origem ao inquérito 977/05.0TACBR e contra o B... , que por sua vez deu origem ao inquérito n° 1302/05.5TACBR posteriormente apensado ao primeiro.

C) Do decurso do referido Inquérito n° 977/05.0TACBR, que deu azo ao processo n°977/05.0TACBR que correu seus termos pela 3a secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra, a mencionada C... acabou por ser acusada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada e por um crime de falsificação de documento na forma continuada.

D) Tendo a mesma a final, vindo a ser condenada, por acórdão proferido pelo Tribunal de Coimbra datado de 19 de Março de 2010, como autora material, em concurso efetivo de dois crimes de falsificação de documentos na forma continuada, na pena de 12 meses prisão para um deles e 15 meses de prisão para o outro, de um crime continuado de abuso de confiança na pena de 15 meses de prisão, e de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, na pena de 18 meses de prisão, sendo em cumulo jurídico na pena única global de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

E) Do referido acórdão resulta que ficou provado, que C... falsificou e indevidamente se apropriou das seguintes quantias, tituladas pelos cheques sacados sobre a conta n° (...) , do B... , de que a Autora era titular, a seguir identificados:

1. Cheque n° 8622749721, datado de 10/04/2000, no montante de 1262.640$00, (6298,02€), à ordem da Direcção Geral do Tesouro;

2. Cheque n° 1022749837, datado de 13/04/2000, no montante de 39000$00 (194,53€), à ordem dos CTT;

3. cheque n° 0322750118, datado de 9/05/2000, no montante de 1490815$00, (7436,15€), à ordem da DGT;

4. Cheque n° 2922750169, datado de 15/05/2000, no montante de, 39000$00, (194,53€), à ordem dos CTT;

5. Cheque n° 2722750665, datado de 10/06/2000, no montante de 1600.774$00, (7984,62€), à ordem da DGT;

6. Cheque n° 3322751009, datado de 10/07/2000, no montante de 1156.414$00, (5768,17€), à ordem da DGT;

7. Cheque n° 1422919856, datado de 15/07/2000, no montante de 39000$00, (194,53€), à ordem dos CTT;

8. Cheque n° 0822920277, datado de 10/08/2000, no montante de 1327.649$00, (6622,29€), à ordem dos CTT;~

9. Cheque n° 2722920609, datado de 10/09/2000, no montante de 1312,250$00, (6545,48€) à ordem da DGT;

10. Cheque n° 8922921044, datado de 10/10/2000, no montante de 1437.250$00, (7168,97€), à ordem da DGT;

11. Cheque n° 1722921052, datado de 12/10/2000, no montante de 39000$00, (194,53€), à ordem dos CTT;

12. Cheque n° 6023138823, datado de 10/12/2000, no montante de 1685.945$00, (8409,46€), à ordem da DGT;

13. Cheque n° 0423138840, datado de 20/12/2000, no montante de 39000$00, (194,53€), à ordem dos CTT;

14. Cheque n° 9823139293, datado de 10/01/2001, no montante de 1074.446$00, (5359,31€), à ordem da DGT;

15. Cheque n° 7323139285, datado de 15/01/2001, no montante de 49000$00, (244,41€), à ordem dos CTT;

16. Cheque n° 2123139668, datado de 10/02/2001, no montante de 1374.446$00, (6855,71€), à ordem da DGT;

17. Cheque n° 9623294116, datado de 10/03/2001, no montante de 1218.578$00, (6078,24€), à ordem da DGT;

18. Cheque n° 6923294507, datado de 10/04/2001, no montante de 1099.250$00, (5483,03€), à ordem da DGT;

19. Cheque n° 9423294515, datado de 18/04/2001, no montante de 158.135€, (788,77€), ao portador;

20. Cheque n° 682329494, datado de 10/05/2001, no montante de 1194.650$00, (5958,89€), à ordem da DGT;

21. Cheque n° 4623139676, datado de 15/02/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

22. Cheque n° 7423294140, datado de 15/03/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

23. Cheque n° 2223294523, datado de 20/04/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

24. Cheque n° 2123294965, datado de 15/05/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

25. Cheque n° 7523490802, datado de 18/06/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

26. Cheque n° 6623491191, datado de 20/07/2001, no montante de 66000$00, (329,21€), à ordem dos CTT;

27. Cheque n° 0523490799, datado de 10/06/2001, no montante de 1331.633$00, (6642,16€), à ordem da DGT;

28. Cheque n° 1623491175, datado de 10/07/2001, no montante de 832233$00, (4151,16€), à ordem da DGT;

29. Cheque n° 6123491558, datado de 10/08/2001, no montante de 789233$00, (3936,68€), à ordem da DGT;

30. Cheque n° 8623491566, datado de 31/08/2001, no montante de 174048$00, (868,16€), ao portador;

31. Cheque n° 1223491779, datado de 10/09/2001, no montante de 633,832$00, (3161,54€), à ordem da DGT;

32. Cheque n° 6123491752, datado de 14/09/2001, no montante de 132000$00, (658,41€), à ordem dos CTT;

33. Cheque n° 7023492236, datado de 10/10/2001, no montante de 533233$00, (2659,71€), à ordem da DGT;

34. Cheque n° 7523348682, datado de 20/10/2001, no montante de 66000S00, (329,21€), à ordem dos CTT;

35. Cheque n° 7123723459, datado de 10/11/2001, no montante de 1994,39€, à ordem da DGT;

36. Cheque n° 6723723190, datado de 15/11/2001, no montante de 888,09€, à ordem do IDFSS;

37. Cheque n° 9323723629, datado de 10/12/2001, no montante de 1196,30€, à ordem da DGT;

38. Cheque n° 2123723637, datado de 15/12/2001, no montante de 888,10€, ao portador;

39. Cheque n° 4623723645, datado de 20/12/2001, no montante de 658,41€, à ordem dos CTT;

40. Cheque n° 0323724048, datado de 10/01/2002, no montante de 1786,16€, à ordem da DGT;

41. Cheque n° 3323724056, datado de 20/01/2002, no montante de 329,21€, à ordem dos CTT;

42. Cheque n° 8124004219, datado de 10/02/2002, no montante de 2.005,16€, à ordem da DGT;

43. Cheque n° 8524004294, datado de 15/03/2002, no montante de 658,41 €, à ordem dos CTT;

44. Cheque n° 7824208566, datado de 10/04/2002, no montante de 4.116,67€, à ordem da DGT;

45. Cheque n° 4024209163, datado de 12/07/2002, no montante de 311, 75€, à ordem da IGFSS;

46.  Cheque n° 6925419341, datado de 10/08/2002, no montante de 3.962,00€, à ordem da DGT;

47. Cheque n° 4024319937, datado de 15/12/2002, no montante de 3.757,05€, à ordem da DGT;

F) Por sua vez a queixa-crime apresentada pela Autora contra o B... , que deu azo ao inquérito n° 1313/07.8TACBR, que veio a ser posteriormente apensado ao processo n° 977/05.0TACBR, foi arquivado, tendo a Autora sido notificada do referido douto despacho de arquivamento a 9 de Junho de 2009.

G) A autora exigiu à ré dos valores titulados pelos aludidos cheques através da carta que lhe dirigiu e cujo teor consta do documento junto sob o n.º 5 com a PI e que aqui damos por integralmente reproduzido.

H) O Cheque n° 1022749837, no montante de 39.000$00, datado de 13/04/2000, emitido à ordem dos CTT foi depositado em Abril de 2000, numa conta da referida Contabilista, da E... , tendo sido recebida a quantia nele titulada.

O Cheque n° 2922750169, no montante de 39000$00, datado de 15/05/2000, emitido à ordem dos CTT, para pagamento de impostos, foi depositado numa conta da referida Contabilista, do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 1422919856, no montante de 39000$00, datado de 15/07/2000, emitido à ordem dos CTT, foi depositado numa conta da referida Contabilista, do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 1722921052, no montante de 39000$00, datado de 12/10/2000, emitido à ordem dos CTT, foi depositado, em Dezembro de 2002, numa conta da referida Contabilista, do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada. O Cheque, n° 6023138823, no montante de 1.685.945$00, datado de 10/12/2000, emitido à ordem da DGT, foi depositado, em Dezembro de 2000, numa conta da referida Contabilista do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 0423138840, no montante de 39000800, datado de 20/12/2000, emitido à ordem dos CTT, para efeitos de pagamento de impostos, o qual foi depositado a 4 de Janeiro de 2001, numa conta da referida Contabilista, da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 7323139285, no montante de 49000$00, datado de 15/01/2000, emitido à ordem dos CTT, foi depositado a 14 de Fevereiro de 2001, numa conta da referida contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 4623139676, no montante de 66.000$00, datado de 15/02/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado a 12 de Março de 2001, numa conta da referida contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 7423294140, no montante de 66.000$00, datado de 15/03/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado a 18 de Abril de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 2223294523, no montante de 66.000$00, datado de 20/04/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Maio de 2001, numa conta da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 2123294965, no montante de 66.000$00, datado de 15/05/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Junho de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 7523490802, no montante de 66.000$00, datado de 18/06/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado a 22 de Junho de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 6623491191, no montante de 66.000$00, datado de 20/07/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado a 23 de Julho de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 6123491752, no montante de 132.000$00, datado de 14/09/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Setembro de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 7523348682, no montante de 66.000$00, datado de 20/10/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Outubro de 2001, numa conta da referida Contabilista da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 6723723190, no montante de 888.09€, datado de 15/11/2001, emitido à ordem do IGFSS, foi depositado numa conta da E... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 4623723645, no montante de 658,41€, datado de 20/12/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Dezembro de 2001, numa conta da referida Contabilista do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 3323724056, no montante de 329,21€, datado de 20/01/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Fevereiro de 2002, numa conta da referida Contabilista do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 8524004294, no montante de 658,41€, datado de 15/03/2001, emitido à ordem dos CTT, foi depositado em Março de 2002, numa conta da referida Contabilista do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada.

O Cheque n° 4024209163, no montante de 311,75€, datado de 12/07/2002, emitido à ordem do IGFSS, foi depositado em Julho de 2002, numa conta da referida Contabilista do F... , tendo sido recebido a quantia nele titulada. l)Tendo o B... , ora Ré, permitido o seu pagamento através do desconto dos cheques.

J) Os cheques cujo pagamento a autora aqui reclama do réu foram apresentados a pagamento nas Agencias da E... e do F... .

L) O réu, em 25.06.2010, enviou à autora a carta junta com a contestação sob o n.°1, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

1°A sócia gerente da Autora, A... , não sabia nem sabe de contabilidade.

2° A Autora sempre se convenceu que a referida contabilista era uma pessoa séria e honesta.

3º A contabilista procedia à organização da sua contabilidade, apurando, além do mais os quantitativos que a Autora teria de pagar à Administração Fiscal e Segurança Social.

4° Com base nesses apuramentos, a referida contabilista solicitava à Autora, a emissão de cheques, com vista a entregar esses valores à Administração Fiscal e Segurança Social.

5º A autora entregou os cheques à referida contabilista para que esta procedesse à sua entrega ou os remetesse às respetivas entidades.

6° A Autora sempre se convenceu que aquela procedia à entrega dos referidos cheques junto das Finanças, Segurança Social ou CTT.

7° Todos os extratos da conta sacada eram entregues pela própria Autora à referida contabilista a fim de os conferir com os respetivos elementos da contabilidade.

8 ° Nos primeiros anos da sua existência a autora teve uma atividade comercial intensa, o que a obrigou a ter uma contabilidade organizada e a recorrer a um gabinete de contabilidade.

9° A Autora veio a verificar, anos depois de ter dado início à sua atividade comercial, que andava a ser enganada pela pessoa que fazia a sua contabilidade, a Sra. C... .

10° A referida senhora exerceu as funções de contabilista por conta da ora Autora entre 1999 e 2005.

11° Procedendo à organização da sua contabilidade, apurando, além do mais, os quantitativos que a Autora teria de pagar à Administração fiscal e Segurança Social.

12.° Sendo que, com base nesse apuramento, a referida contabilista, solicitava à Autora, a emissão dos respetivos meios de pagamento, com vista a entregar esses valores à Administração Fiscal e Segurança Social.

13° Durante o período de tempo a que se reportam os cheques, a autora não consultava nem conferia os extratos bancários da conta sobre a qual aqueles foram sacados, que lhe eram remetidos pelo banco réu.

14° Para tanto, foram sacados pela Autora, vários cheques sobre a conta n° (...) , do B... , agência de S. Martinho do Bispo, de que era titular, nos montantes indicados pela sua Contabilista, e a esta entregues para que os remetesse ou entregasse às respetivas entidades.

15° Os referidos cheques tanto eram emitidos à ordem da Direção Geral do Tesouro, como do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, consoante se destinassem a pagamento de impostos ou contribuições.

16° Para os mesmos fins, igualmente acontecia, serem tais cheques emitidos à ordem dos CTT.

17° Todavia, a referida Contabilista, uma vez em poder dos cheques, começou a fazer seus, os seus quantitativos, não os fazendo chegar às entidades deles beneficiárias, mas sim depositando-os nas suas contas bancárias pessoais.

18° No ano de 2005, a Autora foi surpreendida, com diversas notificações emanadas da Administração fiscal, e Segurança Social, para que, procedesse ao pagamento de diversas e elevadas importâncias a título de impostos e contribuições que se encontravam em falta, acrescidas de respetivos juros e consequentes coimas, pelo não cumprimento de tais obrigações.

19° Tendo constatado, após várias diligências efetuadas junto da Administração Fiscal e Segurança social, que possuía, várias e elevadas dividas ao Estado, em virtude do não pagamento de impostos, a título de IVA, IRC, e contribuições para Segurança Social, além de muitas declarações em falta.

20° No ano de 2005, a ora Autora constatou, que a sua contabilista, de forma reiterada e sucessiva entre 2000 e 2003, integrou no seu património elevadas quantias, tituladas por cheques, por si emitidos, para pagamento de impostos e contribuições ao Estado.

21° Aquela C... alterou vários cheques que a Autora, lhe entregava para pagamento de impostos e contribuições para o estado, mudando pelo seu próprio punho as iniciais dos nomes a favor de quem tais cheques eram emitidos pelas do seu nome.

22° Alterações facilmente percetíveis para qualquer pessoa, pois mudava as letras das siglas das entidades, à ordem das quais tais cheques eram emitidos, DGT, CTT e IGFSS, para as iniciais do seu nome F.D.G.R..

23° Tal aconteceu com variadíssimos cheques sacados sobre a conta n° (...) do B... , agência de S. Martinho do Bispo, de que a ora Autora foi titular.

24° A sócia gerente da ora Autora, A... , após ter descoberto que variadíssimos cheques sacados sobre a sua conta n° (...) , do B... , os quais tinha entregue à sua Contabilista nos montantes por esta indicados, para proceder ao pagamento das suas obrigações tributárias, nunca chegaram ao seu destino, por terem sido grosseiramente falsificados por aquela e indevidamente pagos pelo seu Banco, efetuou várias reclamações junto da ora Ré, reclamado ser ressarcida por Esta de todos os prejuízos sofridos, designadamente dos valores titulados pelos referidos cheques e atrás indicados e respetivos juros.

25° Tendo o tomador dos cheques reclamados - F... - reconhecido o seu erro e a sua responsabilidade, e procedido ao pagamento à Autora de 24 dos 47 cheques falsificados, mas sem juros, conforme carta enviada pela Ré à Autora, datada de 27 de Setembro de 2006, e extracto bancário junto com a PI sob os Docs. n°s 3 e 4, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

26° O tomador dos cheques reclamados - F... - procedeu, nesses termos ao pagamento à Autora da quantia de 116.927,88 euros correspondente ao valor titulado por 24 cheques que foram falsificados, e indevidamente pagos.

27° O pagamento da quantia de 116.927,88 Euros foi paga à autora pelo Banco F... .

28° O réu diligenciou junto do F... , no sentido de averiguar do sucedido, o que levou este ultimo a reconhecer o erro, responsabilizando-se pelo pagamento do valor dos 24 cheques, pagando-lhe a quantia de 116.927,88 Euros.

29° A data das reclamações apresentadas pela Autora e do referido pagamento realizado pela Ré, ainda só tinham sido descobertos 24 cheques falsificados no âmbito da investigação criminal em curso.

30° Após outras diligências encetadas, apurou-se que para além dos referidos cheques, existiam outros, que igualmente pela referida Contabilista, foram falsificados, através da alteração da designação das entidades à ordem das quais, tais cheques eram emitidos, e que também foram indevidamente pagos pela Ré.

31° A vista desarmada qualquer pessoa de formação mediana se apercebia logo que as siglas das entidades a favor das quais os referidos cheques tinham sido emitidos, tinham sido alteradas.

32.° Foi também falsificado o:

-Cheque n° 1022749837 no montante de 39.000$00, para pagamento de impostos, o qua foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT”, alteradas para as iniciais CMTL, tendo sido também aposto no verso do cheque a sigla CML e o nome C...[fls. 77 e 295],

- Cheque n° 2922750169 no montante de 39.000$00, para pagamento de impostos, foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FDR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FDR e o nome C...[fls. 78 e 289],

- Cheque n° 1422919856 no montante de 39.000$00, para efeitos de pagamentos de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCDR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCDR e o nome C...[fls. 79 e 290],

- Cheque n° 1722921052 no montante de 39.000$00, para efeitos de pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CFP, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CFP e o nome C Paiva [fls. 80 e 300vs.].

- Cheque, n° 6023138823 no montante de 1.685.945$00, para efeitos de pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “DGT” alteradas para as letras FDGR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FDGR e o nome C...[fls. 81 e 287/88],

- Cheque n° 0423138840 no montante de 39.000$00, para efeitos de pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT" alteradas para as letras CDR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CDR e o nome C...[fls. 277 e 278],

- Cheque n° 7323139285 no montante de 49.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CRR e o nome C...[fls. 278 vs. e 279].

- Cheque n° 4623139676 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CRR e o nome C...[fls. 82 e 296 vs.].

- Cheque n° 7423294140 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCRR e o nome C...[fls. 83 e 297],

- Cheque n° 2223294523 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCPR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCPR e o nome C...[fls. 84 e 297 vs.]

- Cheque n° 2123294965 no montante de 66.000S00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCFR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCFR e o nome C...[fls. 85 e 298]

- Cheque n° 6623491191 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CFR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CFR e o nome C...[fls. 87 e 299]

- Cheque n° 6123491752 no montante de 132.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCRR e o nome C...[fls. 88 e 299 vs]

- Cheque n° 7523348682 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CFR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CFR e o nome C...[fls. 89 e 300]

- Cheque n° 4623723645 no montante de 658,41€, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CRR e o nome C...[fls 91 e 291/92]

- Cheque n° 3323724056 no montante de 329,21€, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras FCRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCRR e o nome C...[fls. 92 e 292 vs]

-Cheque n° 8524004294 no montante de 658,41€, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CDR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CDR e o nome C...[[fls. 93 e 293/94]

-Cheque n° 4024209163 no montante de 311,75€, para pagamento de contribuições à Segurança Social, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “IGFSS” alteradas para as letras FGRDS, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCRDS e o nome C...[fls. 273 e 274]”

Foram dados como não provados os seguintes factos:

“32° Foi também falsificado o:

- Cheque n° 7523490802 no montante de 66.000$00, para pagamento de impostos, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “CTT” alteradas para as letras CRR, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla CRR e o nome C....

- Cheque n° 6723723190 no montante de 888,09€, para pagamento de contribuições à Segurança Social, o qual foi objecto de falsificação, tendo sido as siglas de “IGFSS” alteradas para as letras FGRSS, tendo sido aposto no verso do cheque a sigla FCRSS e o nome C....”

         Impugnação de facto:

Sustenta o apelante B... que, ao dar como provada a matéria constante dos artigos 22.º e 31.º, e ao, correlativamente, imputar-lhe o comportamento omissivo / negligente que integra a aludida factualidade, o Tribunal a quo olvidou o teor do depoimento da testemunha Carlos José Gomes Calado Pires, pelo que os juízos aí formulados deveriam conter a menção de que a existência de tais erros apenas poderia ser detectada pelo banco tomador dos cheques, leia-se, pelos seus funcionários.

Em primeiro lugar, é duvidoso que, com a exígua referência #1.23# o apelante tenha indicado com exactidão a passagem da gravação em que funda o seu recurso, sabendo-se, como se sabe, que não basta a mera transcrição (art. 640, nº 1, al. b) do CPC).

Mas mesmo admitindo que o fez (o que, benevolentemente, se concede), a decisão proposta pela recorrente envolve matéria de facto conclusiva. Haveria sempre que explicar porque é que as falsificações apenas poderiam ser detectadas pelo banco tomador dos cheques, porque é que o Banco sacado estava impedido de ver o campo do beneficiário objecto de adulteração (art. 640, nº 1, al.c) do CPC).

Ora, o réu B... não alegou, sequer, a matéria de facto subjacente, respeitante à truncagem dos cheques, que não lhe permitia a leitura integral dos mesmos na operação de compensação, factos que, por serem essenciais à procedência da excepção do B... , deviam ter sido, oportunamente, alegados na contestação (art. 264 do CPC anterior). E não foram.

         Finalmente, o depoimento de uma testemunha do réu não pode ser considerado suficiente para a prova do limite máximo dentro do qual era consentida a truncagem dos cheques levados à compensação. Sempre seria de exigir prova mais idónea, oriunda, designadamente, do Banco de Portugal.

         Improcede, pois, a impugnação de facto.

         O Direito:
         Em causa está a responsabilidade civil contratual do B... pelo pagamento que o dito Banco fez à contabilista da autora dos cheques sacados sobre a conta da última e grosseiramente falsificados pela contabilista.

Argumenta o B... que no caso de pagamento de cheque através da compensação, no Banco de Portugal, o controlo da regularidade do saque dos cheques, com um determinado montante máximo, não é viável, se os cheques estiverem sujeitos a truncagem ou retenção, caso em que o depositário apenas apresenta na compensação uma lista de cheques nele depositados e que se compromete a conservar, identificando o respectivo sacador e conta e dando a conhecer o montante sacado, ficando o Banco sacado impedido de efectuar a verificação da assinatura do sacador, relativamente aos cheques depositados em instituições de crédito diferentes da sacada. Assim, no caso dos cheques de valor inferior a € 10.000 (limite até ao qual a truncagem dos cheques era permitida), os bancos, sob instruções do Banco de Portugal encontravam-se dispensados de apresentar, na compensação, imagens dos cheques de valor igual ou inferior ao montante de truncagem desde que tais cheques não fossem visados (cfr. Reg. Do SICOI, n.ºs 14.1, alínea a), e 19.4) [cfr. o novo SICOI, aprovado pela Instr. N.º 3/2009]. Apenas levavam (como continua a suceder) ao Banco de Portugal o valor dos cheques e o chamado registo lógico, limitando-se o Banco sacado a cumprir a instrução que lhe era transmitida. Por isso, entende que não pode ser penalizado por participar no sistema de pagamentos regulado pelo Banco de Portugal que é a sua entidade supervisora e reguladora da sua actividade.

Mas não tem razão, salvo o devido respeito.

         Como se sabe, o Banco sacado, através da convenção de cheque, está obrigado perante o seu cliente sacador/titular da conta a dispor dos fundos ali depositados, em benefício do terceiro que ele indicar como beneficiário (artigos 1º e 3º da LUCH).

         Portanto, se o Banco pagar cheques falsificados por (outro) terceiro, incumpre o contrato de cheque, só se libertando da responsabilidade para com o seu cliente se conseguir provar que, mesmo cumprindo escrupulosamente tal dever, não podia ter dado pela falsificação (Ac. STJ de 22.10.2013, Ana Paula Boularot, em www.dgsi.pt).

         Pretende o réu recorrente B... , como se disse, demonstrar que se limitou a cumprir a instrução que lhe foi transmitida, pois, segundo o regulamento do SICOI, não tinha acesso à imagem do beneficiário e, por isso, não podia verificar a adulteração dos cheques.

         Deste modo, introduz uma questão nova que não suscitou, oportunamente, na 1ª instância e de que agora não se pode tomar conhecimento.

Além de que não logrou demonstrar sequer que não teve acesso à imagem do beneficiário dos cheques pelo facto de estes terem sido truncados.

Aliás, mesmo que não tivesse tido acesso à imagem dos cheques, nunca estaria dispensado do dever (ainda que lateral e acessório), que decorria da convenção de cheque, de fiscalizar a regularidade dos cheques e de os verificar cuidadosamente antes de os pagar (dever principal) o que podia “ ser decisivo na determinação do suporte do risco de falsificações e de apresentação por um não titular" (Sofia GALVÃO, “O Contrato de Cheque”, 45). Ainda segundo Sofia Galvão, “o Cliente nunca pode ser prejudicado por um abrandamento do cumprimento das obrigações do Banco que seja, meramente, ditado por objetivos de redução de custos ou de celeridade de trânsito” (ob. cit., pág. 67/68). No mesmo sentido se pronuncia também Paulo Olavo Cunha quando refere que ao Banco não pode ser hoje, em pleno século XXI, exigível que actue apenas como um “bom pai de família”, esperando-se dele uma actuação altamente qualificada e especializada numa bitola mais elevada que a aplicável aos negócios jurídicos comuns, devendo demonstrar que utilizou todos os meios adequados à determinação de uma situação de falsificação. E por isso, “se abdica, intencionalmente ou por efeito do sistema de truncagem acordado pelo sistema bancário a que os cheques até certo valor estão obrigatoriamente sujeitos, de exercitar os seus deveres de fiscalização e de competência técnica, particularmente de proceder à conferência da assinatura do sacador, deverá assumir os resultados dessa omissão”.“Trata-se de risco a correr por conta do sacado, que é também compensado com a poupança de custos associados a esse controlo” (Paulo Olavo Cunha, Dissertação de Doutoramento, citado por Ac. STJ de 8.5.2012, Gregório de Jesus, no site do ITIJ). O Regulamento do SICOI (agora invocado no sentido de que na operação de compensação o réu estava impedido de verificar a imagem do beneficiário) não constituiria, pois, fonte imediata de direito a ter em atenção pelo Tribunal (cfr. AUJ nº 4/2008, de 28 de Fevereiro de 2008, Paulo Sá, em www.dgsi.pt) e, por isso, não poderia afastar o regime de responsabilidade legalmente aplicável em resultado da violação de normas da LUCH ou do direito comum, pelo menos nas relações das instituições bancárias com terceiros ou com clientes (externas), na medida em que tem apenas por objecto regular e promover o bom funcionamento no âmbito das relações interbancárias (Ac. STJ de 23.2.2010, Alves Velho, em www.dgsi.pt; cfr,. ainda, os citados Ac. STJ de 8.5.2012 e 22.10.2013).

A responsabilidade contratual do réu B... , decorrente da convenção de cheque, não se mostra assim ilidida (art. 799, nº 1 do CC).

Insiste, ainda, o recorrente que houve negligência da autora, por não ter verificado o cumprimento das obrigações que os referidos cheques se destinavam a satisfazer nem conferido os extractos bancários da conta associada à convenção de cheque, negligência que se revelou, ainda, na forma pouco cuidadosa como preencheu o nome do beneficiário do cheque, apondo meras iniciais dos primitivos destinatários dos mesmos, o que tudo deve conduzir, nos termos do artigo 570.º do CC, à exclusão da obrigação de indemnizar.

Porém, o facto de não ter consultado ou conferido os extractos da conta associada (13º) não é de molde a imputar à autora qualquer culpa. Não está demonstrado que a sócia gerente tivesse motivos para desconfiar que aquela conta estava a ser destinada pela sua contabilista a fins menos lícitos. Além de que se provou que a sócia gerente da autora, que não sabia de contabilidade, sempre se convenceu que a referida contabilista era uma pessoa séria e honesta, não sendo, por isso, de estranhar que lhe entregasse os extractos da conta sacada a fim de ela os conferir com os elementos da contabilidade (1º, 2º e 7º). Também não parece haver incúria da mesma gerente no preenchimento do nome dos beneficiários por iniciais (siglas). Só haveria incúria se tivesse motivos para suspeitar da credibilidade da contabilista e não tivesse tomado quaisquer providências para evitar ocorrências do género.

Não colhe, finalmente, a invocação (feita apenas nas alegações de recurso) da responsabilidade da autora ao abrigo do art. 800, nº 1 do CC., que preceitua o seguinte: “O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”. É que este preceito apenas tem a ver com a responsabilidade da autora relativamente às entidades beneficiárias dos cheques falsificados, a que, em princípio, se destinavam. Nada tem a ver com a responsabilidade da autora relativamente às entidades bancárias.

Como refere Antunes Varela, “a responsabilidade lançada sobre o devedor abrange portanto os actos dos seus auxiliares (mandatários, procuradores, comissários, depositários, etc.), contanto que o sejam no cumprimento da obrigação. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade objectiva, na medida em que para ela se não exige culpa do devedor (na escolha das pessoas, nas instruções para a sua colaboração ou na fiscalização da sua actividade) ” (Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., pág. 103, citado pelo Ac. STJ de 8.5.2012). A responsabilidade prevista no dito art. 800º, n.º 1, refere-se, portanto apenas a actos praticados pelo auxiliar do devedor no cumprimento da obrigação deste para com o credor, com exclusão dos que lhe sejam estranhos, embora praticados por ocasião do cumprimento (cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 11ª edição, pág. 1038, nota 3, citado pelo Ac. STJ de 8.5.2012). O espírito deste normativo é, pois, o de manter a responsabilidade do devedor para com o seu credor pelos actos praticados pelo seu auxiliar aquando e intimamente relacionados com o cumprimento da obrigação do mesmo devedor, em consequência sujeitos a orientação, fiscalização ou vigilância deste (Ac. STJ de 8.5.2012). O que não é o caso, pois, a contabilista não estava a actuar no cumprimento de qualquer obrigação para com o Banco, mas no cumprimento das obrigações da autora relativamente à DGT, aos CTT e ao IGFSS, de que a autora não ficou naturalmente exonerada. Assim, e uma vez que a contabilista não estava a cumprir qualquer obrigação da autora relativamente ao Banco, não pode a autora ser responsabilizada, nos termos e para os efeitos do art. 800, nº 1 do CC, pelos actos de falsificação dos cheques que aquela profissional levou a efeito.
         Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em:
         a) admitir os documentos juntos com as alegações dos dois recursos de apelação;

b) julgar a apelação do despacho de 30.9.2014 procedente e revogar o dito despacho, determinando-se a exclusão do D... S.A. da presente lide e a manutenção do B... S.A. na qualidade de Réu.

c) julgar a apelação da sentença improcedente e confirmá-la na íntegra.

As custas das duas apelações ficam pelo apelado e apelante B... .


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Coimbra, 6 de Outubro de 2015

António Magalhães (Relator)

Ferreira Lopes

Freitas Neto