Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO | ||
Descritores: | BALDIOS CONCEITO PRESCRIÇÃO USUCAPIÃO POSSE ARRENDAMENTO DE BENS ALHEIOS NULIDADE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. | ||
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Data do Acordão: | 05/23/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – PORTO DE MÓS – JL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 473º, 474º, 1251º E 1287º C. CIV; D.L. 39/76, DE 19 DE JANEIRO; LEI 68/93, DE 4/9). | ||
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Sumário: | I – O regime jurídico dos baldios sofreu consideráveis mudanças, sendo tais terrenos considerados como bens colectivos (propriedade comunal ou comunitária) desde a Idade Média, mas variando a sua consideração como sendo do domínio público ou privado, não obstante, sempre do domínio colectivo. II - No domínio do actual Código Civil foi suprimida a categoria legal de coisas comuns, pelo que se passou a entender genericamente que tais bens eram susceptíveis de apropriação e de usucapião (antiga prescrição aquisitiva), não obstante a existência de algumas vozes discordantes, isto até à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro que, no seu art.º 2º, estatuiu: «Os terrenos baldios, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião». III - A partir do advento deste diploma legal, aliás em consonância com o texto da Lei Fundamental na altura (artº 89º da CRP/76) e até hoje, os baldios são insusceptíveis de apropriação privada. IV - Até à superveniência do D.L. 39/76, de 19 de Janeiro, os baldios tinham-se por prescritíveis à luz quer do Código Civil de 1867 quer à luz do Código Civil de 1967 (cfr. Ac. S.T.J. de 20/1/1999, C.J. Tomo VII, Vol I, fls. 53 e Ac. Rel. do Porto de 16/4/2013, proc. n.º 277/04.2TBMTR.P2, relatado por Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt). V - A subtracção dos baldios à usucapião, por força do D.L. 39/76, só pode valer para futuro, face ao preceituado no n.º 1 do art.º 12º do C.C., que preceitua: «1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular». VI - Para que se verifique a aquisição do direito de propriedade com base na usucapião é indispensável se reúnam os seguintes requisitos: a) a posse do bem; b) o decurso de certo período de tempo; e c) a invocação triunfante desta forma de aquisição. VII - A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade baseada na posse, numa posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade. VIII - A posse susceptível de conduzir à usucapião tem de revestir sempre duas características, quais sejam as de ser pública e pacífica (arts. 1293°, al. a), 1297° e 1300°, n.° 1, todos do C. Civil). As restantes características que a posse eventualmente revista, como ser de boa ou de má fé, titulada ou não titulada e estar ou não inscrita no registo, tem influência apenas no prazo necessário à usucapião. IX – O arrendamento de bens alheios é nulo, por falta de legitimidade do locador, embora este esteja obrigado a sanar a nulidade do contrato, que se torna válido logo que o locador adquira direito ( de propriedade, usufruto, etc. ) que lhe dê legitimidade para arrendar, aplicando analogicamente os arts.895º e 897º do CC. X - O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia. XI - Resulta do artº 474º do C. Civil que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção (o que, no fundo, funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à acção de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra Proc.º n.º 2035/09.9TBPMS 1. Relatório 1.1.-M..., residente na ..., e M... e marido J..., residentes na ..., vieram propor a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra MUNÍCIPIO DA ...; JUNTA DE FREGUESIA DE ...; G...; R..., Lda., com sede na...; e ESTADO PORTUGUÊS. Pedindo a condenação: 1) Das rés a reconhecerem que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da P.I; 2) Das 1.ª e 2.ª Rés a devolverem aos Autores a quantias recebidas a qualquer título das 3.ª e 4.ª Rés, bem como da Guarda Nacional Republicana, pela utilização e ocupação de parte do terreno pertencente aos Autores, acrescida dos juros à taxa legal, contados desde a data do recebimento de cada quantia, até efectivo pagamento integral; 3) Das Rés, solidariamente, a pagarem-lhes todas as quantias a partir da data da citação desta acção, pela utilização e ocupação do espaço, que lhes pertence, cujo valor não pode ser inferior a 1.000,00 € mensais, até à entrega efectiva do local aos Autores, pelos Réus; 4) Das Rés, solidariamente, a pagarem-lhes o montante de 2.000,00 € (dois mil Euros) pelos danos patrimoniais causados; 5) Das Rés, solidariamente, a pagarem-lhes o montante de 2.000,00 € (dois mil Euros) pelos danos não patrimoniais causados; 6) Das Rés a retirarem todo o material que colocaram no prédio que lhes pertence, nomeadamente: construções, antenas, placas, vedações, etc., deixando o prédio como se encontrava antes da ocupação e construções que aí foram levadas a efeito pelas Rés, sem sua autorização. 7) Das Réus, solidariamente, a pagarem-lhes uma indemnização compulsória no valor de € 100,00 (cem Euros) por cada dia que ultrapassar o prazo fixado na sentença final, até que os Réus tenham retirado todas as construções, antenas, vedações, etc., até que o prédio fique nas mesmas condições que tinha antes de cada construção. Para tal alegam, em síntese, que são comproprietários e legítimos compossuidores, na proporção de metade indivisa cada, do prédio rústico que identificam no artigo 1.º da petição inicial e cuja propriedade se encontra inscrita no registo predial em nome; que desde a data da aquisição do prédio, se encontram na detenção, gozo e fruição do prédio, do mesmo modo que os anteriores proprietários, nele praticaram os actos possessórios que identificam no artigo 6.º da petição inicial, à vista de todos e de forma contínua e pacífica, convictos de exercem um direito próprio e legítimo, pelo menos desde 1978, pelo que na ausência de outro título sempre teriam adquirido tal prédio por usucapião; que em inícios de Janeiro de 2006 os autores tiveram conhecimento que as rés se haviam apoderado e ocupado parte do seu prédio, levando a cabo construções, edificações e colocação de antenas, postos de vigia, etc., sem sua autorização ou consentimento; as 1.ª e 2.ª rés têm recebido diversas quantias pagas pelos 3.ª, 4.ª e 5.º réus, este último em representação da GNR, pela utilização e ocupação do terreno que lhes pertence, enriquecendo à sua custa; não obstante as várias diligências e contactos realizados com as rés, nada lhes foi pago ou restituído; em consequência das construções implantadas no prédio, deixaram de poder utilizar parte do imóvel, causando-lhes prejuízos no valor de 2.000,00€; em consequência de toda a situação, têm sofrido ansiedade, tristeza e constrangimento perante os vizinhos, pelo que deixaram de ser as pessoas alegres e bem-dispostas que eram anteriormente à mesma. 1.2. - Citado, contestou o G..., S.A., arguindo a sua ilegitimidade passiva e, admitindo a execução da obra de instalação de posto e antenas emissoras, entre 1992-1993, no sítio da ... e nas instalações da Rádio ... (pré-existentes no local e que foram ampliadas pela T...), impugna a factualidade inerente, quer à alegada aquisição do direito de propriedade do prédio pelos autores, por desconhecer, quer à prática pelos mesmos de quaisquer actos possessórios sobre o prédio, por tal não ser verdade. Alega, em oposição, que o terreno em causa é baldio e que a T... actuou de acordo com as autorizações para esse efeito concedidas, quer pela Junta de Freguesia de ..., em representação da Assembleia dos Compartes, quer pela Rádio ... Mais alega que posteriormente a T... transferiu a gestão, manuseamento, conservação e desenvolvimento rede de telecomunicações à sociedade ..., S.A. a qual veio a formalizar com a Junta de Freguesia de ... um contrato de arrendamento através de escritura outorgada em 18.03.1996 e à qual vem entregando pontualmente a renda acordada. 1.3. Citada, contestou a ré R..., Lda., arguindo a falta de personalidade e capacidade judiciária do “Grupo R..., S.A”, uma vez que tal entidade inexiste, admitindo que em 1988 instalou no local uma antena e respectivo emissor, contrapõe, porém, que o terreno ora reivindicado pelos autores é terreno baldio, que executou a construção com a autorização da Junta de Freguesia de ... através da cedência de uma parcela de terreno baldio do C..., e que inscreveu em seu nome a edificação construída no local na respectiva matriz predial urbana daquela freguesia. Mais alega que executou a construção à vista de toda a gente sem oposição de ninguém e que desde 1988 até 2008, os autores ou quaisquer outras pessoas nunca invocaram o direito de propriedade sobre o terreno onde a mesma foi implantada; que em 1993 autorizou a T... a ampliar o edifício e a antena de molde a permitir a instalação do respectivo posto emissor de sinal de televisão, esta nova obra foi executada à vista de todos e sem oposição de ninguém, tendo sido objecto de inauguração, pública e publicitada nos media, em 03.12.1988. Mais impugna que os autores hajam praticado quaisquer actos materiais de posse sobre o terreno em causa, pelo menos desde 1988, e alega que a ampliação administrativa da área do prédio pelos autores (de cerca de 4.000m2 para cerca de 9.000m2) é abusiva e, consequentemente, nula. Apresenta ainda reconvenção, impugnando o registo de propriedade a favor dos autores e peticionando o respectivo cancelamento. 1.4. - O Ministério Público apresentou contestação, em representação do Estado Português, arguindo a incompetência material do tribunal para apreciar e decidir o pedido de indemnização formulado contra o Estado Português a título de responsabilidade extracontratual; arguindo a prescrição do direito de indemnização nos termos do art.º 498.º, n.º1 do CC; admitindo, a construção de uma infra-estrutura de comunicações (antenas e posto de vigia) na Serra da ..., alega que a mesma foi implantada com a autorização do Município da ... e em terreno baldio, e não, conforme alegam os autores, em terreno propriedade dos mesmos. Mais invoca a nulidade do acto administrativo de ampliação da área do prédio levado a cabo pelos autores, uma vez que o mesmo não teve por base a sua demarcação, nem de harmonia com o disposto nos art.ºs 1353.º e 1354.º do CC, e, em consequência, impugna a inscrição no registo predial do direito de propriedade dos autores sobre a área de terreno objecto da dita ampliação da área. Impugna ainda a prática pelos autores dos alegados actos de posse sobre o terreno em referência e a respectiva aquisição por usucapião, e invoca o manifesto excesso e injustificação da indemnização peticionada a título de danos patrimoniais, bem como a falta de dignidade e gravidade dos danos não patrimoniais alegados para efeitos do disposto no art.º 496.º, n.º 1 do CC e a inadmissibilidade legal da sanção pecuniária compulsória peticionada por não estar em causa uma prestação de facto infungível. 1.5. - Citados, o Município da ... e a Freguesia do ... apresentaram contestação conjunta, arguindo a falta de personalidade judiciária da “Junta de Freguesia do ...” e alegando, por impugnação, que o terreno em discussão nos autos faz parte integrante do “Baldio do ...” desde tempos imemoriais, razão pela qual nunca pertenceu aos autores nem a quaisquer alegados antepossuidores, encontrando-se legalmente vedada a sua apropriação individual, e que as construções actualmente existentes no local foram sendo erigidas desde 1988 à vista de todos e sem oposição de ninguém, nomeadamente dos autores, até 2007. Mais impugnam, por não corresponder à verdade, por um lado a factualidade atinente à prática de acto de posse pelos autores sobre o prédio e, por outro, a existência e alteração dos alegados marcos indicadores das estremas. Deduzem reconvenção, invocando a nulidade da doação outorgada em 17.03.1978 ao abrigo do art.º 4.º, n.º1 da actual lei dos Baldios e peticionando que seja declarada a nulidade daquela doação e o cancelamento de todas as inscrições em vigor no registo predial e na matriz predial com referência ao mesmo prédio. 1.6. - Os autores, notificados das contestações acima referenciadas, replicaram, pugnando pela improcedência da excepção dilatória de falta de personalidade jurídica da Junta de Freguesia de ...; considerando sanada a inexistência do “Grupo R...” em face da intervenção e da contestação apresentada pela ré Rádio ..., Lda.; pugnando pela improcedência da excepção dilatória de incompetência material arguida pelo Estado Português; pugnando pela improcedência da excepção dilatória de ilegitimidade passiva arguida pela ré Grupo ...; pugnando pela improcedência da prescrição invocada pelo Estado Português, porquanto o acto lesivo em causa é continuado no tempo, mantendo-se até à presente data; e respondendo às reconvenções deduzidas pelos réus R..., Lda., Município da ... e Freguesia do ..., sustentando, ao invés, a não integração do prédio objecto dos autos em terreno baldio e a existência de um terreno confinante inscrito na matriz predial em nome do réu Município da ... e outros vários em nome de particulares, sobre os quais vêm sendo pagas as competentes contribuições autárquicas - facto que o réu Município não pode desconhecer -, a aquisição da propriedade sobre o prédio nos termos já articulados na petição inicial e na sequência da divisão do cabeço em “glebas”, a validade da doação e da ampliação da área do prédio, a nulidade da alegada autorização/cedência dada pela Junta de Freguesia do ... à Radio ... por falta de competências da mesma para o efeito e a anulação da inscrição matricial do prédio urbano em nome desta sociedade. Mais requerem a condenação dos réus Município da ... e Freguesia do ... como litigantes de má-fé, e a pagarem-lhes uma indemnização que liquidam em 5.000,00€ acrescida das despesas enunciadas no artigo 185.º da réplica e ainda a condenação dos réus Município da ... e Freguesia do ... a pagarem-lhes quantia não inferior a 1.000,00€ nos termos do art.º 334.º do CC. Concluem na réplica, peticionando: a) A condenação da 4.ª Ré a retirar tudo o que implantou no terreno dos Autores (benfeitorias), pois foram construídos de má-fé, sabendo muito bem que o terreno não pertencia à junta de Freguesia nem ao Município, tendo em conta o que acima se alegou; b) A condenação das Rés a reconhecer que o registo das construções levadas a efeito pela 4.ª Ré no terreno dos Autores, é nulo e as construções foram feitas contra a sua vontade e sem autorização destes; c) E em consequência do pedido da alínea b), a anulação da inscrição na matriz predial das construções a favor da Ré, e caso esta não negoceie com os Autores, serem demolidas à custa da Ré, com todas as consequências legais daí resultantes; d) A declaração de nulidade da escritura pública celebrada no dia 18/03/1996, no Cartório Notarial da ..., bem como da acta que está identificada nessa escritura pública que possibilitou ao então Presidente da Junta celebrar tal escritura pública, bem como a inscrição do prédio omisso na matriz, e referidos no artigo 175.º deste articulado, e em consequência: i. Serem as Rés condenadas a reconhecer que a parcela inscrita na matriz predial do ..., resultante das declarações falsas feitas no requerimento apresentado na Repartição de Finanças de ... para declaração do prédio omisso, bem como na escritura pública e documento particular de 18/03/1996, pelo Sr. Presidente da Junta de Freguesia do ..., que tais declarações são nulas e que os documentos elaborados são também nulos, e em consequência terá de ser anulada a inscrição da parcela, com todas as consequências legais daí resultantes; e) A condenação das Rés como litigantes de má fé, no pagamento da quantia de 5.000,00 € a seu favor, tendo em conta tudo o que acima alegaram; f) A condenação dos Réus a pagarem-lhes, nos termos do disposto no artigo 457.º do C.P.C., despesas: de Taxas de justiça inicial e subsequente; Custas finais; Honorários ao Mandatário dos Autores; Fotocópias; Correio electrónico; Correio CTT; Faxes; Deslocações ao Tribunal dos Autores e seu Mandatário; Despesas de peritagens; Todas as despesas que comprovadamente os Autores tiverem de suportar até ao final desta acção, e não estiverem descritas nos números anteriores; g) A condenação das Rés pelo claro abuso de direito, a pagarem-lhes uma quantia não inferior a € 1.000,00 (mil euros), nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil. Por fim, requerem a intervenção provocada das sociedades ... e a condenação das mesmas nos pedidos formulados na acção e na Réplica. 1.7. - Por despacho proferido no dia 03.02.2012, a fls. 437-439 dos autos, foi admitida a intervenção principal provocada, ao lado dos réus, das sociedades ... 1.8. - Citadas as Chamadas, apresentaram contestação conjunta, declarando fazer sua a contestação e respectivos documentos apresentados pela ré Grupo ... 1.9. - A fls. 464 foi elaborado despacho a convidar os autores a aperfeiçoarem a petição inicial, concretizando a factualidade atinente à localização temporal dos actos possessórios alegados nos artigos 6.º e 7.º da petição inicial, à extensão ou área, e sua localização, da parte do terreno ocupada pelos réus, e aos danos patrimoniais referenciados nos artigos 65.º e 66.º da petição inicial, ao que aqueles responderam com a apresentação de nova petição inicial a fls. 472 e ss. Notificados os réus, os mesmos reiteraram o teor das contestações já apresentadas nos autos. Procedeu-se ao registo dos pedidos reconvencionais. 1.10. - Foi elaborado despacho saneador a fls. 516-534, onde se decidiu: i. Admitir a ampliação da causa de pedir e do pedido constantes da réplica; ii. Admitir as reconvenções apresentadas pelos réus R..., Lda., Município da ... e Freguesia do ...; iii. Julgar este Tribunal materialmente incompetente para a apreciação dos pedidos formulados sob os pontos 3, 4 e 5, parte final, da petição inicial, no que aos réus Estado Português, Município da ... e Freguesia do ..., absolvendo-os da instância, na parte em que respeita aos pedidos formulados sob os pontos 3, 4 e 5. iv. Julgar improcedente a excepção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciárias invocadas pela ré Rádio ..., Lda., rectificando-se o erro de identificação contantes da petição inicial, julgar validamente demandada a ré Rádio R..., Lda.; v. Julgar improcedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária invocadas da ré Junta de Freguesia do ..., actuando a mesma processualmente em representação da Freguesia do ...; vi. Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pela ré Grupo ... vii. Declar prejudicada a excepção peremptória da prescrição invocada pelo Estado Português; viii. Fixar o valor da em 30.007,05€; ix. Seleccionar a matéria de facto assente e os factos controvertidos. Notificado o despacho saneador às partes, apenas o Ministério Público reclamou da base instrutória a fls. 539-540, a qual veio a ser deferida por despacho de fls. 574-575, determinando-se a correcção da base instrutória nos termos requeridos. 1.11. – Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal, após proferida sentença, onde se decidiu, julgar parcialmente procedente a acção, e, em consequência: A) Declarar autoras ... proprietárias do prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., composto de terra de mato, com a área total de 9467m2, ..., na proporção de metade indivisa para cada uma; B) Condenar os réus e as Chamadas a reconhecerem às autoras o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel nos termos acima descritos; C) Declarar que o arrendamento celebrado através da escritura pública outorgada no dia 18.03.1996 no Cartório Notarial da ..., entre a Junta de Freguesia de ... e a ré R... é nulo, considerando-se o dito negócio jurídico sem qualquer efeito; D) Condenar a ré Freguesia de ..., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar aos autores a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação, correspondente às quantias auferidas a título de rendas desde o ano de 1996 até à presente data na sequência do factos provados número 2.1.17). a 2.1.24.), acrescida de juros legais desde a data da respectiva citação para a presente acção. E) Absolver os réus e as Chamadas do mais peticionado. 2. Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pela ré Rádio ... e, em consequência, absolver os autores do pedido reconvencional. 3. Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pelos réus Município da ... e Freguesia de ... e, em consequência, absolver os autores do pedido reconvencional. 4. Julgar improcedente o pedido de condenação dos réus Município da ... e Freguesia de ... como litigantes de má-fé. 5. Condenar os réus reconvintes nas custas das respectivas reconvenções. 1.12. Inconformados com tal decisão dela recorreram os RR. - MUNICÍPIO DA ... e FREGUESIA DE ... -, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ... 1.13. Da mesma forma dela recorreu a R. R..., Ld.ª, terminando a motivação com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ... 1.14. Os AA. responderam ao recursos apresentados terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ... 1.14. Os AA. apresentaram recurso subordinado terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ... 1.15. Os RR. - MUNICÍPIO da ... e FREGUESIA do ... responderam ao recurso subordinado dos AA, terminando com as conclusões (que se transcrevem): ... 1.16. – A R. Rádio ..., Lda. apresentou resposta ao recurso subordinado terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (que se transcrevem): ... 2. Fundamentação 2.1. Factos Provados: ... 3. Motivação 3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.). Tendo presente que estamos perante recurso principal (interposto pelos RR. Município da ..., Freguesia do ... e Rádio ...) e recurso subordinado interposto pelos AA., por uma questão de método iremos em primeiro lugar analisar o recurso principal após o recurso subordinado. A – Recurso Principal As questões a decidir resumem-se, pois, a saber: I - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª deve ser alterada; II – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada na parte recorrida e substituída por outra que absolva os RR. e procedente o pedido reconvencional formulado pelos recorrentes. Tendo presente que são duas as questões ventiladas pelas recorrentes, iremos em primeiro lugar analisar o recurso da matéria de facto, após o que, passaremos à análise do recurso de direito. I - Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª deve ser alterada Cabe, desde logo, referir que nada obsta ao conhecimento deste recurso, por terem sido observados os requisitos do art.º 640, do C.P.C. Com é sabido, o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no art.º 607.º, n.º 5, do C.P.C., é aquele que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena. Com efeito, salvaguardadas as excepções que consigna na 2ª parte do n.º 5, do preceito o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Analisadas as provas à luz das regras de experiência e da lógica, gerou-se no juiz o convencimento - fundado, não arbitrário - sobre a probabilidade séria da conformação dos factos a uma determinada realidade. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza. A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...” (in. Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245). A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420). Ou seja, o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a matéria de facto fixada em 1.ª instância quando os meios de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante, tanto mais que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas antes verificar se o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo”, conjugados com outros elementos de prova, mormente documental, lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348). Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão às apelantes, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por si pretendidos. ... O tribunal “ a quo” com base no depoimento de parte e dos documentos juntos e da ainda da inspecção ao local apurou que o mesmo é pertença das AA. ... Visto que foi o recurso da matéria de facto, vejamos o recurso de direito. II – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada, na parte de que se recorre, e substituída por outra que absolva os RR., e procedente o pedido reconvencional formulado pelos recorrentes. Cabe, desde já, salientar que a análise jurídica, assentará na matéria de facto fixada em 1.ª instância, por este tribunal não ter vislumbrado razões para a modificar. Ambos os recorrentes pretendem ver a sentença recorrida e revogada e substituída por outra que os absolva do pedido, no que concerne aos pedidos em que foram condenados. Assim, cabe referir quais os pedidos que os recorrentes – (Município da ..., Freguesia do ...) pretendem ver revogados: a) – Declaração que as autoras ... são proprietárias do prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., composto de terra de mato, com a área total de 9467m2, ..., na proporção de metade indivisa para cada uma; b) – Condenação em reconhecerem às autoras o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel nos termos acima descritos; c) - Declaração que o arrendamento celebrado através da escritura pública outorgada no dia 18.03.1996 no Cartório Notarial da ..., outorgada entre a Junta de Freguesia de ... e a ré R..., é nulo, considerando-se o dito negócio jurídico sem qualquer efeito; d) Condenação da ré Freguesia de ..., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar aos autores a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação, correspondente às quantias auferidas a título de rendas desde o ano de 1996 até à presente data na sequência do factos provados número 2.1.17). a 2.1.24.), acrescida de juros legais desde a data da respectiva citação para a presente acção. Por sua vez a recorrente Rádio ... pretende ver revogados os pedidos procedentes, a saber: a) – Declaração que as autoras ... são proprietárias do prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., composto de terra de mato, com a área total de 9467m2, ..., naproporção de metade indivisa para cada uma; b) – Condenação em reconhecerem às autoras o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel nos termos acima descritos; c) - Declaração que o arrendamento celebrado através da escritura pública outorgada no dia 18.03.1996 no Cartório Notarial da ..., outorgada entre a Junta de Freguesia de ... e a ré R..., é nulo, considerando-se o dito negócio jurídico sem qualquer efeito; Vendo os pedidos que os recorrentes pretendem ver revogados, verificando que alguns são comuns, serão apreciados em conjunto. Assim, apreciaremos em conjuntos os pedidos aludidos nas alíneas a), b) e c), por serem comuns a todos os recorrentes, analisando o referido na alínea d), apenas quanto à recorrente Freguesia de ..., ainda que tenha interposto recurso conjunto com o R. Município da ... Dito isto passaremos à análise dos pedidos em causa. a) – Declaração que as autoras ... são proprietárias do prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., composto de terra de mato, com a área total de 9467m2, ..., na proporção de metade indivisa para cada uma. Nesta questão será apreciado o pedido reconvencional formulado pelos recorrentes no que concerne à validade ou não da doação, por estar interligado. O art.º 1316º do Código Civil, com a epígrafe – modos de aquisição, preceitua “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei” Perante a factualidade assente, passemos à apreciação do objecto do presente recurso, convindo todavia traçar, ainda que perfunctoriamente, um breve quadro do regime jurídico dos baldios, já que a questão em apreço, como bem se refere na sentença recorrida, prende-se com a natureza jurídica dos baldios, começando, necessária e logicamente, pelo próprio conceito de baldio. O Professor Marcello Caetano, definia baldio como «terreno não individualmente apropriado, destinado a servir de logradouro comum dos vizinhos de uma povoação ou de um grupo de povoações», consistindo tal logradouro comum « na apascentação do gado, a monte ou pastoreado, na roça de mato ou de lenha, apanha de estrume, fabrico de carvão de sobro, extracção de barro ou proveitos análogos» (cfr. Baldio in Enciclopédia Verbo, vol. 3, cols. 427-428). O Código Administrativo de 1940 definia no art.º 388º os baldios como «os terrenos não individualmente apropriados dos quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição ou parte dela». Como escreveram Silva Paixão, Aragão Seia e F. Cadilha, no seu Código Administrativo anotado, «os baldios são terrenos usados e fruídos colectivamente por uma comunidade, que se encontram, por disposição legal, fora do comércio jurídico, sendo insusceptíveis de apropriação privada por qualquer forma ou título» (S. Paixão, Aragão Seia, C. A. F. Cadilha, Código Administrativo actualizado e anotado, 5ª edição, 1989, pg. 195). Porém, o regime jurídico dos baldios sofreu consideráveis mudanças, sendo tais terrenos considerados como bens colectivos (propriedade comunal ou comunitária) desde a Idade Média, mas variando a sua consideração como sendo do domínio público ou privado, não obstante, sempre do domínio colectivo. Na vigência do Código Civil de 1867 (Código de Seabra) os baldios eram tidos pela doutrina civilista da época como integrando a propriedade pública das autarquias locais, podendo entrar no domínio privado por desafectação, erguendo-se, no entanto, algumas vozes contrárias a este entendimento, como a de Marcello Caetano e Rogério E. Soares. Porém, o Código de Seabra havia criado, no seu art.º 379º, a figura de coisas comuns (restaurando a trilogia romana de coisas comuns, coisas públicas e coisas privadas), pelo que, no seu domínio, o eminente civilista Luís da Cunha Gonçalves, acompanhado pela jurisprudência coetânea, considerava os baldios municipais ( que se contrapunham dos baldios paroquiais) alienáveis e prescritíveis acentuando que essa era a tendência da legislação da época «para se favorecer o incremento da produção agrícola» (cfr. Luiz da Cunha Gonçalves, in Tratado de Direito Civil, Vol. III, pág. 145) Por isso, no domínio daquele Código muitas vozes se inclinavam no sentido de considerar que também os baldios podiam ser adquiridos mediante a prescrição aquisitiva ou positiva que era regulada nos artºs 517º e segs. do citado compêndio legal. A partir do advento deste diploma legal, aliás em consonância com o texto da Lei Fundamental na altura (artº 89º da CRP/76) e até hoje os baldios são insusceptíveis de apropriação privada. Por isso, como resumidamente se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de 20-6-2000, «o baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do art.º 82º, nº 4, alínea b) da CRP» acrescentando que «os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na própria lei, nas fronteiras do artigo 4º, nº 1, da Lei 68/93» ( Relator, o Exmº Conselheiro Pinto Monteiro, Pº 00A342, in www.dgsi.pt) - (Para um maior aprofundamento sobre a evolução conceptual e do regime jurídico dos baldios são dignos de referência o Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Janeiro de 1999 (Relator, o Exmº. Conselheiro Miranda Gusmão) in Col. Jur/Acs STJ, ano VII, I, pg.53-58 e o estudo de António Bica, «O Regime Jurídico dos Baldios», publicado na Revista «Voz da Terra» de Janeiro de 2003. Do exposto resulta que até à superveniência do D.L. 39/76, de 19 de Janeiro, os baldios tinham-se por prescritíveis à luz, quer do Código Civil de 1867, quer à luz do Código Civil de 1967 (cfr. Ac. S.T.J. de 20/1/1999, C.J. Tomo VII, Vol I, fls. 53 e Ac. Rel. do Porto de 16/4/2013, proc. n.º 277/04.2TBMTR.P2, relatado por Vieira e Cunha, in www.dgsi.pt, citados na sentença recorrida, por nós consultados). A subtracção dos baldios à usucapião, por força do D.L. 39/76, citado, só pode valer para futuro, face ao preceituado no n.º 1 do art.º 12º do C.C., que preceitua «1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (cfr. Oliveira Ascensão, in Direito Civil, Reais, fls. 174), pelo que, como bem se refere na sentença recorrida “ (…) vindo os AA. invocar o usucapião com reporte também à posse dos antepossuidores (cfr. art.º 5 da P.I. e 35 da réplica) com vista à apreciação da validade da doação ora impugnada”, não tem aplicação a impossibilidade de aquisição por usucapião. No Código Civil vigente, estabelece o art. 1287° que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião. Para que se verifique a aquisição do direito de propriedade com base na usucapião é indispensável se reúnam os seguintes requisitos: a) a posse do bem; b) o decurso de certo período de tempo e c) a invocação triunfante desta forma de aquisição. A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade baseada na posse, numa posse em nome próprio, de uma intenção de domínio, e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua autenticidade - V. Prof. Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, Revista de Legislação e Jurisprudência, 122, pág. 67.. Como decorre do art. 1251° CC posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. Nesta definição legal de posse se insere a nota do "corpus" - quando alguém actua - e a nota do "animus" - por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. E uma relação entre "corpus", enquanto exercício de poderes de facto que encerre uma vontade de domínio, e "animus", enquanto intenção jurídica ou vontade de agir como titular de um direito real (cfr. Durval Ferreira, Posse e Usucapião, pág. 126 e seg, Almedina.) A posse susceptível de conduzir à usucapião tem de revestir sempre duas características, quais sejam as de ser pública e pacífica (arts. 1293°, al. a), 1297° e 1300°, n.° 1). As restantes características que a posse eventualmente revista, como ser de boa ou de má fé, titulada ou não titulada e estar ou não inscrita no registo, tem influência apenas no prazo necessário à usucapião. O lapso de tempo necessário à usucapião é variável conforme a natureza móvel ou imóvel dos bens sobre que a posse incida e conforme os caracteres que esta revista. O tempo necessário é mais curto ou mais longo conforme exista boa ou má fé e conforme os restantes caracteres permitam inferir uma maior ou menor probabilidade da existência do direito na titularidade do possuidor e uma maior ou menor publicidade da relação de facto. Assim, tratando-se de imóveis, o prazo de usucapião é menor se o possuidor estiver de boa fé e se houver registo, quer do título, quer da mera posse (arts. 1294º a 1296°); tratando-se de móveis sujeitos a registo, aquele prazo é mais curto se houver boa fé do possuidor e título de aquisição registado (art. 1298°); tratando-se, finalmente, de outras coisas móveis, o prazo da usucapião é mais breve no caso de haver boa fé e título de aquisição (art. 1299°). O prazo da usucapião varia ainda conforme a posse incida sobre coisas móveis ou imóveis: é mais curto em relação às primeiras por se entender que, tratando-se de bens negociados amiúde e cuja exacta situação jurídica é, em regra, mais difícil de averiguar do que a dos imóveis, deve ser decidido em prazo não muito dilatado o conflito entre o titular do direito e aquele que exerce um poder de facto sobre a coisa como se, em relação a ela, dispusesse de um direito real definitivo (cfr. M. Henrique Mesquita, in Direitos Reais, pg. 97 e ss. e L. A. Carvalho Fernandes in Lições de Direitos Reais, 4.ª Ed., pg. 232 e ss.). No caso em apreço resulta provado que desde data anterior a 1940 até 1978, os pais das autoras mulheres, e antes destes os avós maternos daquelas, cortaram mato e apanharam lenha na parcela de terreno sob litígio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, convictos de exercerem um direito próprio de quem é dono (cfr. factos 2.1.4. a 2.1.8.). Como bem se refere na sentença recorrida, face a tais factos a posse iniciou-se na vigência do Código Civil de 1867. Por se concordar com a mesma e com a sua argumentação, aqui transcrevemos o referido a respeito « … Ora, considerando que em face da factualidade provada, a posse se iniciou na vigência do Código Civil de 1867 (doravante, Código de Seabra), temos que, para efeitos de constituição por usucapião, o Código de Seabra contém regulamentação que, na sua essência, é semelhante ao CC actual, pois que, nos termos do art.º 517.º, a posse, para o efeito da prescrição (aquisitiva ou positiva), deve ser titulada, de boa-fé, pacífica, contínua e pública. De igual modo, o Código de Seabra define posse pacífica como aquela que se adquire sem violência (art. 521.º) e posse pública como aquela devidamente registada, ou que tem sido exercida de modo que pode ser conhecida pelos interessados (cf. o art. 523.o). Relativamente à boa-fé, dispõe o artigo 520.o do Código de Seabra que a mesma só é necessária no momento da aquisição. Ainda segundo o Código de Seabra, posse contínua é a que não tem sido interrompida, na conformidade dos arts. 552.o e ss (art. 522.o). Quanto ao prazo da usucapião, preceitua o Código de Seabra que os prazos bons para efeitos de usucapião de imóveis são os seguintes: - No caso do registo de mera posse, por tempo de cinco anos (art. 526.o, §1o); - No caso do registo do título de aquisição, por tempo de dez anos, contados em ambos os casos desde a data do registo (art. 526.o, §2o); - Tanto num como noutro dos casos especificados no artigo antecedente, se a posse tiver durado por dez anos ou mais, além dos prazos estabelecidos no mesmo artigo, dar-se-á a prescrição, sem que possa alegar-se a má-fé, ou a falta de título, salvo o que fica disposto no art.º 510.º (art.º 527.º); - Os imóveis ou direitos imobiliários, faltando-lhes o registo da posse, ou do título da aquisição, só podem ser prescritos pela posse de quinze anos (art.º 528.º); - Quando, porém, a posse dos imóveis ou direitos imobiliários, mencionados no artigo antecedente, tiver durado pelo tempo de trinta anos, dar-se-á a prescrição, sem que possa alegar-se a má-fé ou a falta de título, salvo o que fica disposto no art.º 510.º (art.º 529.º). Realmente, de harmonia com o Código de Seabra – em cuja vigência se iniciou a posse - o prazo de prescrição aplicável, no caso de falta de registo, de má-fé e falta de título, era de 30 anos. Esse prazo, de harmonia com o Código Civil de 1966, actual CC – que entrou em vigor no dia 01.06.1967 – é de apenas 20 anos (cfr. art.º 2.º n.º1, primeira parte, do DL 47 344, de 25.11 de 1966 e art.º 1296.º do CC). Ora, está provado nos autos que pelo menos desde a data de 1940, os doadores, e antes destes os seus antepossuidores, exerciam a dita posse pública (os actos são praticados de modo a serem conhecidos pelos interessados – cfr.º art.º 1262.º, do CC) e pacífica (não resulta demonstrado nos autos que a posse exercida tenha sido adquirida com violência, no sentido de coacção física ou moral) sobre o prédio reivindicado nos autos e objecto da escritura de doação outorgada em 19.03.1978 e aqui impugnada. Portanto, quando a 1 de Junho de 1967 entrou em vigor o actual CC tinham decorrido cerca de 27 anos e meio, insuficientes para, à luz do Código de Seabra, já ter decorrido a prescrição. Por isso, a necessidade de invocar a norma do art.º 297.º do CC, cujo sentido Pires de Lima e Antunes Varela resumem do seguinte modo: «O prazo era, por exemplo, de cinco anos e passou a ser de dois. Contam-se dois anos a partir da nova lei. Se, porém, o prazo de cinco anos terminar antes do novo prazo de dois, por já ter decorrido mais de três anos quando a nova lei entrou em vigor, é então aplicável o antigo prazo.» (cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.a edição, 1987, pag. 271). Donde a conclusão de que, in casu, é aplicável o prazo de prescrição de 30 anos previsto no Código de Seabra. E, como tal, impõe-se concluir que à data de entrada em vigor do DL 39/76, de 19.01 os doadores e seus antepossuidores já exerciam a posse – pública e pacífica – sobre a parcela de terreno em referência há mais de 30 anos (pelo menos desde 1940), ou seja, durante o período de tempo bastante para adquirirem o direito real de propriedade sobre a mesma por usucapião. Como tal, é indiscutível que os autores fizeram a prova – que lhes competia - de todos os elementos tendentes a demonstrar a aquisição por usucapião, pelos doadores, do prédio objecto da escritura de doação outorgada no dia 19.03.1978. E, consequentemente, demonstrando a existência do direito real de propriedade do prédio na esfera jurídica dos doadores, demonstraram outrossim, a validade da doação e da aquisição derivada no mesmo direito real pelos autores nos termos constantes da referida escritura de doação e, consequentemente, da inscrição do mesmo direito a favor dos autores, quer no registo predial, quer na matriz predial. Improcedem, nestes termos as reconvenções deduzidas pelos réus Rádio ..., Lda., Município de ... e Freguesia de ... E procede o pedido dos autores ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado no facto provado número 2.1.1-) a favor das autoras ..., na proporção de metade indivisa para cada uma». Assim, face ao exposto improcede esta pretensão dos recorrentes. b) – Condenação em reconhecerem às autoras o direito de propriedade sobre o mesmo imóvel nos termos acima descritos. Tendo presente ao aludido no ponto anterior, também esta pretensão das recorrentes tem de improceder. c) - Declaração que o arrendamento celebrado através da escritura pública outorgada no dia 18.03.1996 no Cartório Notarial da ..., outorgada entre a Junta de Freguesia de ... e a ré R..., é nulo, considerando-se o dito negócio jurídico sem qualquer efeito; Resulta dos artigos 1605, 2299, 1501 e 1446, todos do Código Civil, que têm legitimidade negocial para dar de arrendamento o proprietário, o fiduciário, o enfiteuta e o usufrutuário, respectivamente. Por seu turno, a norma do art.1204, nº1 do CC contem ainda outro princípio sobre a legitimidade para prestar arrendamento até 6 anos, quem for administrador do bem a arrendar e por seu turno, as juntas de freguesia ou a Câmara Municipal em caso de delegação de poderes dos compartes nestas entidades para o efeito (cfr. art.ºs 10, n.º 1 e 22 da Lei dos Baldios – Lei 68/93, de 4/9). No caso em apreço resulta provado que «Por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial da ..., em 18/03/1996, sob a epígrafe “ARRENDAMENTO”, em que intervieram como primeiro outorgante ..., na qualidade de presidente e em representação da Junta de Freguesia de ..., e como segundo ..., na qualidade de procurador de “R..., SA, disseram: «(...) Que entre a “Junta de Freguesia do ...” que o primeiro representa, e a representada do segundo, é celebrado um contrato de arrendamento, que ambos aceitam de boa fé, e na qualidade que outorgam, de um terreno com a área de seiscentos metros quadrados, sito em ..., freguesia de ..., concelho da ..., que corresponde à assinalada como área T..., na planta anexa que arquivo, como parte integrante da presente escritura, pelo prazo e nas demais condições e termos das cláusulas contidas no documento complementar, elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, cujo conteúdo os outorgantes conhecem perfeitamente, (...). Que o citado terreno fica em zona superintendida pela Câmara Municipal da ...». .. e que a parcela de terreno objecto do contrato de arrendamento é propriedade dos AA. Assim, face ao exposto a junta de Freguesia de ... não tem poderes de disposição ou de administração sobre o prédio, pelo que não tinha legitimidade para dar de arrendamento a referida parcela. Para Pereira Coelho ( Direito Civil, Arrendamento, 1980, pág.97 e 98 ) o arrendamento de bens alheios é nulo, por falta de legitimidade do locador, embora este esteja obrigado a sanar a nulidade do contrato, que se torna válido logo que o locador adquira direito (de propriedade, usufruto, etc.) que lhe dê legitimidade para arrendar, aplicando analogicamente os arts.895 e 897 do CC. No mesmo sentido o Ac RP de 20/11/90 ( C.J. ano XV, tomo V, pág.202 ), onde se decidiu que ao contrato de arrendamento de coisa alheia aplica-se, por analogia, o regime da venda de coisa alheia; no sentido do arrendamento sobre bens alheios ser nulo vai também o Ac. desta Relação de 11/11/2003, Proc. n.º 549/03, relatado por Jorge Arcanjo; em sentido oposto Henrique Mesquita ( RLJ ano 125, pág.100, nota 1 ), sustenta a legitimidade do arrendamento de coisa alheia, com base em dois tópicos argumentativos: a natureza obrigacional do contrato e o regime inscrito no art.1034 nº1 a) do CC; escreve, a dado passo - “ (…) se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente a não cumprir “. Pelas razões expostas temos, para nós, que o arrendamento de coisa alheia é inoponível ao proprietário. Assim, também esta pretensão dos recorrentes tem de improceder. d) Condenação da ré Freguesia de ..., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar aos autores a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação, correspondente às quantias auferidas a título de rendas desde o ano de 1996 até à presente data na sequência do factos provados número 2.1.17). a 2.1.24.), acrescida de juros legais desde a data da respectiva citação para a presente acção. Vejamos se assiste razão à recorrente. É sabido que o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia. Instituto esse que entre nós encontra a sua consagração legal no art.º 473 do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (nº 2). Decorre do princípio geral ínsito no citado art.º 473, nº 1, do CC, e na esteira do que escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., págs. 427/431”), a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento (enriquecimento esse que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas, que tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material); b) Em segundo lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido); é sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe deu origem, devendo, todavia, funcionar como directriz geral, em todos os casos, a ideia de que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa, numa definição mais formal, e nas palavras do prof. A. Varela (in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina Coimbra, 4ª ed., pág. 408”) o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa; c) Por fim, e em terceiro lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição ( correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro, benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido, daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro). Por sua vez, dispõe o artigo 474 do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Resulta, pois, de tal normativo que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção (o que, no fundo, funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à acção de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa). Como escrevem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Ob. cit., pág. 433”) “a subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade desse direito”. Por fim, dir-se-á que constitui entendimento claramente prevalecente no sentido de que, à luz do artº 342, nº 1, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto (Vidé, por todos, Acs. do STJ de 16/9/2008, de 20/9/2007, 14/7/2009, e de 14/5/1996, respectivamente, nos processos 08B1644, 07B2156, proc. 413/09.2YFLSB, publicados in “www.dgsi.pt/jstj”, sendo o último na CJ, Acs. do STJ, Ano III, T2 – 172” e Ac. da RC de 2008/12/17, proc. nº 278/08.1TBAVR.C1, publicado in “dgsi.pt/jtrc”). Aqui chegados, analisemos então o caso em apreço à luz de tais considerações e dos factos apurados, dos mesmos resulta que por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial da ..., em 18/03/1996, sob a epígrafe “ARRENDAMENTO”, em que intervieram como primeiro outorgante ..., na qualidade de presidente e em representação da Junta de Freguesia de ..., e como segundo ..., na qualidade de procurador de “R..., SA, disseram: ... Tendo-se demonstrado, in supra, a propriedade dos autores sobre o prédio em discussão e a consequente nulidade do contrato de arrendamento celebrado pela Junta de Freguesia de ... na qualidade de locadora. Daí que seja irrecusável, como se refere na sentença recorrida, a existência de um locupletamento da ré Freguesia de ... correspondente às quantias auferidas a título de rendas à custa do património dos autores – correspondente ao lucro por intervenção (ou por ingerência ou intromissão), atinentes ao uso não lícito de bens ou direitos alheios através da intervenção ilegítima no mesmo. Porém, o mesmo já não ocorre com referência à quantia de 3.000$00, uma vez que a mesma foi auferida não já como contrapartida do gozo do património dos autores, mas sim como contrapartida por uma prestação própria da ré em melhoramentos dos acessos ao ... Assim, temos para nós, que a R. Freguesia do ... obteve um enriquecimento sem causa correspondente às quantias auferidas a título de rendas desde o ano de 1996 até à presente data – não facultando a lei outro meio de reparação/restituição, pois que, indemonstrada, a culpa, não poderia operar o instituto da responsabilidade civil –, só não se sabendo ainda qual o efectivo quantum do mesmo. De facto, como não resultou apurado o valor exacto das rendas auferidas pela ré Freguesia, não pode extrair-se, por ora, qualquer conclusão quanto ao quantum do efectivo locupletamento. Face ao exposto, é de concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que se mostram preenchidos todos os requisitos ou pressupostos legais que permitem aos autores obter da ré, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a quantia que esta obteve sem causa legítima. Assim, face ao exposto também esta pretensão da recorrente não pode proceder. Recurso Subordinado Cabe referir que o Município da ... e a Freguesia do ... aludiram na resposta à falta de pagamento tempestivo da taxa de justiça e multa. A fls. 1487 foi proferido despacho a notificar as recorrentes AA. para efectuarem o respectivo pagamento nos termos do art.º 642, n.º 1, do C.P.C., o que os AA. fizeram. As questões a decidir no mesmo são: a) Saber se a sentença recorrida violou o art.º 154 do C.P.C. b)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas c) e d) do art.º 615 do C.P.C. c) – Se a sentença recorrida violou os art.ºs 13, 20, 202, 204 e 205, todos da C.R.P. d) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que não condenou as RR. a pagarem-lhe qualquer quantia por danos não patrimoniais. Tendo presente que são várias as questões a decidir vejamos cada uma de per si. I-Saber se foi violado o preceituado no art.º 154 do C.P.C. Referem as recorrentes que a sentença recorrida violou o preceituado no n.º 1, do art.º 154 do C.P.C vigente – Dever de fundamentar a decisão – “1 — As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. Opinião oposto têm os recorridos. Vejamos Operando à leitura da sentença recorrida não vemos onde haja falta de fundamentação. Na verdade e para o que interessa o Mm juiz na sentença a fls. 1267 e 1267 v.º refere as razões que o levaram a julgar improcedente a pretensão dos AA. em verem condenados os RR. no pagamento da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e refere “(… para que o facto ilícito seja gerador de responsabilidade civil é necessário que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído, o que sucederá quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo, tendo em atenção a diligência de um bom pai de família e não a diligência normal do causador do dano (art.º 487, n.º 2, do C.C. (…), ora, considerando a factualidade provada e bem assim reiterando os argumentos já expandidos para legitimar a ocupação do prédio dos autores pelos réus e a manutenção dessa ocupação com fundamento em abuso de direito por parte dos autores, no caso em análise, não resulta demonstrada qualquer actuação culposa por parte dos réus (…)” Tendo o Mm Juiz referido a razão de em seu entender não haver lugar a qualquer indemnização, nesta vertente não vemos onde haja falta de fundamentação, tanto mais que também a sentença se encontra fundamentada de facto como resulta de fls. 1246 a 1252. Assim, nesta vertente a pretensão dos recorrentes não pode proceder. II)- Saber se a sentença recorrida é nula por violação das alíneas c) e d) do art.º 615 do C.P.C. Referem também as recorrentes que a sentença é nula por violação das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615 do C.P.C. Opinião oposta têm os recorridos. Vejamos. Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido, pois através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, não têm de ser separadamente analisadas” (cfr. Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143.). Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito. Aliás, operando à leitura da sentença, não vemos onde existe a invocada nulidade, pois não descortinamos sobre que pontos o tribunal não tomou posição. Assim, pelo exposto esta pretensão dos recorrentes não pode proceder. III) – Se a sentença recorrida violou os art.ºs 13, 20, 202, 204 e 205, todos da C.R.P. Alegam as recorrentes que a sentença recorrida violou o preceituado nos artigos 13, 20, 202, 204 e 205, todos da C.R.P. Opinião diversa tem o recorrido. Vejamos. Segundo o art.º 13 da CRP – com a epígrafe de princípio da igualdade - refere no seu n.º 1 que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Operando à leitura da sentença recorrida, não vemos que o tribunal “ a quo” tenha tido um tratamento diferenciado em relação a qualquer das partes, pelo que, nesta vertente a pretensão dos recorrentes não pode proceder. Também não vemos onde a sentença recorrida tenha violado o art.º 20 da CRP, pois não vemos onde foi limitado o acesso ao direito aos recorrentes, o mesmo se diga no que concerne ao art.º 202, pois dos autos e da sentença recorrida não alcançamos onde o tribunal tenha violado os direitos dos recorrentes, e em relação ao art.º 204, pelo que, não vemos a violação de qualquer destas normas constitucionais. O Tribunal “a quo” também não violou o preceituado no art.º 205 da Lei Fundamental, dever de fundamentação, pois como já referimos no ponto I), o tribunal “a quo” fundamentou a decisão, tendo fundamentado também a decisão de facto, como se alcança de fls. 1238 a 1270, pois refere de forma clara onde assentou a sua convicção referindo as razões da mesma, como já aludimos, aquando da análise da matéria de facto fixada em 1.ª instância, para onde remetemos. Face ao exposto, também esta pretensão dos recorrentes não pode proceder. IV) – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que não condenou as RR. a pagarem-lhe qualquer quantia por danos não patrimoniais. Segundo as recorrentes a sentença recorrida deve ser revogada nesta vertente e substituída por outra que condene os RR. a pagarem-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Referindo, para tanto, que resultou provado que, derivado à ocupação do prédio pelas RR., os AA. andaram ansiosos, incomodados e desassogados, pelo que lhe foram causados danos não patrimoniais, por outro lado, resulta provado que os AA., aqui recorrentes ficaram impedidos de cultivar e recolher frutos, da parte do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados, ocupada com as construções edificadas pelas RR. Opinião oposta têm os recorridos. Vejamos. Diga-se, desde já, que temos para nós não assistir razão às recorrentes. Como se sabe são pressupostos da obrigação de indemnizar na responsabilidade civil extracontratual, como é o caso, a existência de um facto voluntário do agente, a ilicitude desse facto consubstanciada na desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, a imputação culposa do facto ao agente, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano. Por outro lado, para que o facto ilícito gere responsabilidade civil é necessário que o agente tenha assumido uma conduta culposa, que seja merecedora de reprovação ou censura em face do direito constituído, o que sucederá apenas, quando em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que o agente podia e devia ter agido de forma diversa, consentânea com o direito. Nos termos do n.º 2 do art.º 487 do C.C. “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. No caso em apreço resulta que “por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial da ..., em 18/03/1996, sob a epígrafe “ARRENDAMENTO”, em que intervieram como primeiro outorgante ..., na qualidade de presidente e em representação da Junta de Freguesia de ..., e como segundo ..., na qualidade de procurador de “R..., SA, disseram: ... Ou seja resulta que existia um contrato de arrendamento que dava às RR. demandadas, sobre esta matéria, a legitimidade de usufruírem aquele espaço. Não tendo as recorrentes provado que apesar do contrato as mesmas sabiam que o terreno em causa não era pertença da Junta de Freguesia do ..., não se pode concluir que as mesmas agiram com culpa. Assim, e como cabia às recorrentes tal prova (cfr. n.º 1 do art.º 342 do C.C.), a sua pretensão tem de improceder. 4. Decisão Desta forma, por todo o exposto, acorda-se: Quanto ao recurso principal a)- Julgar improcedente a pretensão dos recorrentes em ver alterada a matéria de facto fixada em 1.ª instância. b)-Julgar improcedente pretensão dos mesmos em ver a sentença recorrida revogada, mantendo a mesma na integra. Quanto ao recurso subordinado c)-Julgar improcedente pretensão dos mesmos em ver a sentença recorrida revogada, mantendo a mesma na integra. Custas pelos recorrentes no respectivo decaimento, as Rés recorrentes (quanto ao recurso principal) e as AA. (quanto ao recurso subordinado). Coimbra, 23/5/2017 Pires Robalo (relator) Sílvia Pires (adjunta) Maria Domingas Simões (adjunta) |