Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/22.1T8IDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA MARQUES FERREIRA
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
SENTENÇA DA FASE DECLARATIVA
RECURSO
VALORAÇÃO DA PROVA PERICIAL
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
INEPTIDÃO DA PEÇA RECURSIVA
IGUALDADE DOS QUINHÕES
Data do Acordão: 06/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE IDANHA-A-NOVA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 638.º, N.º 1, E 926.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A ação de divisão de coisa comum contempla uma fase declarativa, onde se decidem questões relativas à propriedade e à divisibilidade dos bens, e uma fase executiva, na qual se procede à sua divisão.

II – A decisão que põe termo à fase declarativa é uma sentença para todos os efeitos, nomeadamente para que, conjuntamente com ela, possam ser interpostos recursos de decisões interlocutórias.

III – O especial dever de fundamentação recai sobre o juiz, não quando concorda com o resultado da perícia, mas quando dela discorda, uma vez que o perito foi chamado para se pronunciar, justamente porque tem um conhecimento técnico de que o julgador não dispõe.

IV – Estabelecendo uma analogia com a petição inicial, também as alegações devem ser rejeitadas caso se revelem ineptas, por cumulação de pedidos ou causas de pedir substancialmente incompatíveis.

V – Não há qualquer imposição legal no sentido de se dividir o prédio em tantas parcelas quanto o número de proprietários, apenas havendo de salvaguardar a igualdade dos quinhões, ainda que que alguma ou algumas das parcelas continue a ser, em si, uma coisa comum.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

Apelação nº 58/22.1T8IND.C1

Juízo de Competência Genérica de Idanha-a-Nova

         Recorrente     AA

         Recorrido        BB

        

Juiz Desembargador Relator:  Anabela Marques Ferreira

Juízes Desembargadores Adjuntos: 

Luís Manuel Carvalho Ricardo 

Cristina Neves

Sumário (da responsabilidade do Relator – artº 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)

(…)

Acordam os juízes que nestes autos integram o coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I – Relatório

Nos autos de ação de divisão de coisa comum, que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Idanha-a-Nova, em que é Autor BB e em que são Réus CC, DD,  EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK LL e AA, o Autor alega, em síntese, que, em conjunto com os Réus, é comproprietário do prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, sendo que o Autor, o 1.º Réu, a 2.ª e 7.ª Ré são comproprietários, cada um, de uma quota correspondente a uma quinta parte do imóvel e as 8.ª e 9.ª Rés são proprietárias em comum e sem determinação de parte ou de direito de uma quinta parte do referido imóvel.

Sucede que, o Autor não pretende continuar na situação de compropriedade, sustentando que o prédio é divisível, atendendo à sua natureza rústica e área total de 64,812500 hectares, propondo a divisão em cinco parcelas correspondentes a 12,96 hectares.

O Réus foram citados e a Ré EE, a qualidade de cabeça de casal e legatária do usufruto dos bens da herança aberta por óbito de MM, e, ainda na qualidade de representante dos seus netos menores, legatários da nua-propriedade dos bens da mesma herança, FF, GG e HH, apresentou contestação, na qual invocou a exceção dilatória em virtude da 2.ª Ré – herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM não ter personalidade judiciária nem jurídica. Mais impugnou a divisibilidade do prédio, opondo-se à mesma por entender que a divisão acarreta prejuízo e desvalorização das parcelas a constituir.

Por despacho de 26.09.2022 o Autor foi notificado para se pronunciar sobre a matéria de exceção alegada na contestação.

Em 07.10.2022, o Autor apresentou requerimento aceitando a ilegitimidade da 2.ª Ré, uma vez que os herdeiros da referida herança também eram réus. Mais requereu a intervenção principal provocada da mulher do Réu CC, nos termos dos artigos 34.º e 36.º, ambos do Código de Processo Civil.

Por despacho de 30.11.2022 foi admitida a intervenção principal provocada de DD, em conformidade com o disposto nos artigos 33.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 316.º, n.º 1, 318.º, n.º 2, 320.º do Código de Processo Civil e 1682.º-A, n.º 1, alínea a) do Código Civil, procedendo-se à sua citação.

Por despacho de 23.02.2023, foi julgada procedente a exceção dilatória invocada na contestação apresentada e, em consequência, foi determinada a absolvição da instância da 2ª Ré: Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM e da 7.ª Ré: Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de II.

Os herdeiros, já identificados nos autos, assumiram a posição que as mesmas tinham nos autos.

Nos termos do artigo 926.º n.º 4 do Código de Processo Civil, foi determinada a realização de perícia com o objeto e quesitos melhor identificados nos despachos de 23.02.2023 (ref.ª citius 35505081) e 19.04.2023 (ref.ª citius 35752024).

Em 08.05.2023, a Ré AA veio requerer a alteração do objeto da perícia. O Autor opôs-se ao requerido por requerimento de 15.05.2023.

Por despacho de 25.06.2023 foram indeferidos os articulados apresentados, por inadmissibilidade legal.

A Ré AA veio apresentar reclamação ao despacho proferido em 25.06.2023 (ref.ª citius 35986969), invocando, para tanto, que o indeferimento dos requerimentos relativos à retificação do objeto da perícia conduz a uma nulidade, porquanto a ampliação do objeto da perícia é permitida ao abrigo do artigo 477.º do Código de Processo Civil.

Por despacho de 17.10.2023, foi indeferida a reclamação apresentada.

Em 19.10.2023 foi junto o relatório pericial (ref.ª citius 3383189).

Notificadas do relatório pericial, as Rés LL e AA vieram requerer que fossem solicitados esclarecimentos ao Sr. Perito no sentido do apuramento da admissibilidade da divisão do terreno em quotas de 1/10 ou, então, quatro quotas de 1/5 e duas quotas de 1/10, invocando que, se assim não for, não veem a sua situação de indivisão cessada.

No exercício do contraditório, o Autor pugnou pelo indeferimento dos esclarecimentos quanto à divisão da quota das Rés, referindo que resulta da certidão do registo predial e da escritura da partilha que estas adquiriram a quota de 1/5, não competindo, aqui, realizar a divisão da referida quota.

Por despacho de 17.11.2023, indeferiu-se o requerido, na medida do que contenda com a divisão da quota das Rés entre si, porquanto tal extravasa o objeto dos presentes autos.

Determinou-se a notificação do Sr. Perito para, no prazo de 10 dias, vir esclarecer a forma de atribuição do valor às parcelas definidas, concretizando os cálculos e os fatores tido em consideração, mais concretamente explicando o motivo foi atribuído o mesmo valor a todas as parcelas.

Em 23.11.2023 o Sr. perito juntou novo relatório com os esclarecimentos solicitados.

Em 11.12.2023 a Ré AA apresentou recurso do despacho de 17.11.2023.

O Autor apresentou a sua resposta ao recurso em 09.01.2024.

Por despacho de 09.02.2024, o recurso foi admitido, tendo sido atribuído ao mesmo efeito meramente devolutivo.

A 22 de Março de 2024, as partes foram notificadas do seguinte despacho:

Considerando que no despacho de 09.02.2024 o Tribunal não concretizou o efeito processual da ausência de resposta das partes, notifique novamente as mesmas para, em dez dias, virem informar se prescindem de declarações de parte e quaisquer outros meios de prova a produzir em audiência final, prosseguindo os autos com prolação de decisões por despacho, com a advertência expressa de que o seu silêncio será interpretado pelo Tribunal como não oposição.

Ao qual, a Recorrente nada respondeu.

Foi então proferida sentença, nos seguintes termos:

Nestes termos, e com os fundamentos que antecedem, decide-se:

a) Declarar materialmente divisível o prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, de que Autor e Réus são comproprietários.

b) Fixar os quinhões nos seguintes termos:

i. 1/5 para o Autor;

ii. 1/5 para o Réu CC;

iii. 1/5 indiviso para os Réus EE, FF, GG e HH, em representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de MM;

iv. 1/5 indiviso para os Réus II, JJ e KK em representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de II;

v. 1/5 indiviso para as Rés LL e AA.

c) Determinar o prosseguimento dos autos para formação dos quinhões.

d) Condenar o Autor e o Réus no pagamento das custas processuais, em partes iguais.

         A Recorrente AA interpôs recurso dessa decisão, concluindo, nas suas alegações, que:

(…).

O Recorrido BB respondeu ao recurso, concluindo, nas suas contra-alegações, que:

(…).



II – Objeto do processo


Colhidos os vistos legais, prestados contributos e sugestões pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos e realizada conferência, cumpre decidir.

Da conjugação do disposto nos artºs 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 1 e 639º, todos do Código de Processo Civil, resulta que são as conclusões do recurso que delimitam os termos do recurso (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 608º, nº 2, ex vi artº 663º, nº2, ambos do mesmo diploma legal). Assim:

Questões a decidir:

1.Da admissibilidade do recurso das decisões interlocutórias

2.Da nulidade da sentença

3.Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

4.Da ineptidão do recurso da sentença e a (im)possibilidade da divisão de coisa em dez ou seis parcelas

5.Do valor da causa



III – Fundamentação


A) De facto

Factos dados como provados na sentença recorrida:

1. Por escritura de doação outorgada em 29.11.1974, o prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04, com a área de 64,8125 hectares foi doado em comum e partes iguais ao Autor, ao 1.º R., a MM, a II e a NN.

2. Em ../../2020 faleceu MM, tendo deixado como herdeiros EE, FF, GG e HH.

3. Em ../../2019 faleceu II, tendo deixado como herdeiros JJ JJ, II e KK.

4. No âmbito do processo de inventário aberto em virtude do óbito de NN, encontra-se registado a favor das Rés LL e AA, em comum e sem determinação de parte ou de direito, 1/5 do prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04.

5. O prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 encontra-se registado a favor de MM, a II, e a NN, LL e AA.

6. O prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 é descrito como terra de cultura arvense e prado natural.

7. A divisão do prédio em substância não terá impacto negativo no valor das parcelas a criar.

8. Se o prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 for dividido em cinco parcelas com iguais dimensões, todas as parcelas a criar terão acesso para a EN ...53 com uma frente que varia entre os 180 metros e os 386 metros.

Factos dados como não provados na sentença recorrida:

         Inexistem factos por provar com relevância para a causa.

Da admissibilidade do recurso das decisões interlocutórias

O Recorrido invoca a inadmissibilidade da interposição, neste momento, dos recursos das decisões interlocutórias proferidas por despachos de 25 de Junho e 17 de Novembro de 2023, alegando que:

G. O dispositivo prescrito na parte final do art.º 926.º, n.º 2 do CPC é uma norma de carácter excepcional em relação ao regime geral dos Recursos plasmado nos artigos 637.º e seguintes do CPC.

H. O referido preceito apenas possibilita às partes a apelação da decisão (sentença e não qualquer outro despacho) que tenha por objecto o pedido de divisão e as questões a ele inerentes.

I. A Sentença de 12 de junho de 2024 não põe termo à causa nos termos do art.º 644.º n.º 1 do CPC, porquanto queda tramitar a parte executiva da acção especial de divisão de coisa comum, prosseguindo os autos para a conferência de interessados com vista à adjudicação dos quinhões aos comproprietários por acordo ou sorteio.

J. Os despachos de 25/06/2024 (ref.ª 35986969) e de 17/11/2023 (ref.ª 36478053) apenas poderão ser impugnáveis no recurso da decisão final que proceda à referida adjudicação dos quinhões e ponha termo ao processo.

Vejamos.

Como é consabido[1], a ação de divisão de coisa comum contempla uma fase declarativa, onde se decidem questões relativas à propriedade e à divisibilidade dos bens, e uma fase executiva, na qual se procede à sua divisão.

A decisão de que ora se recorre pôs fim à fase declarativa, sendo em tudo análoga a uma qualquer sentença, proferida em qualquer outro incidente.

Neste sentido, ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2020, proferido no processo nº 583/16.3T8FND.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:

I- A declaração de indivisibilidade de prédio urbano é decisão final correspondente e respeitante à fase declarativa do processo especial de divisão de coisa comum, fase essa em que se define o direito a que alude o art. 926.º, n.os 2 e 3, do CPC.

II - Uma decisão proferida na 1.ª instância e que termina a fase declarativa da forma especial de processo, divisão de coisa comum, é uma verdadeira e real sentença.

III - E em relação a essa parte declarativa é decisão proferida em 1.ª instância que põe termo à causa, pelo que o recurso de apelação cabe no n.º 1, al. a), do art. 644.º do CPC, sendo o prazo para a interposição do recurso de apelação de 30 dias, nos termos do n.º 1, 1.ª parte, do art. 638.º do mesmo CPC. (sublinhado nosso)

Assim, é uma sentença para todos os efeitos, tendo que o legislador tido o cuidado de salientar, no artº 926º, nº 2, 2ª parte, que o recurso tem os mesmos efeitos de uma qualquer sentença, não se tratando de uma exceção, mas sim de um esclarecimento[2].

Deste modo, cumpre conhecer dos recursos das decisões interlocutórias, o que se fará conjuntamente com o conhecimento do recurso da sentença, atenta a coincidência, no essencial, das razões invocadas.

Da nulidade da sentença

O Recorrente invocou a nulidade da sentença, alegando que:

Deve a Sentença proferida a 12 de junho de 2023 ser declarada nula pela conjugação dos artigos 195.º(1) e 615.º(1)(d) CPC, devendo ser retomado o processado a partir do ato nulo.

Apesar de imperfeitamente expresso nas conclusões, verificamos que o Recorrente se sustenta no facto de não ter sido realizado julgamento nestes autos.

O juiz a quo pronunciou-se sobre a invocada nulidade nos seguintes termos:

Veio a recorrente arguir a nulidade da sentença nos termos do disposto nos artigos 195.º e 615.º, n.º 1,

d), ambos do Código de Processo Civil.

Entende a recorrente que o Tribunal não deu cumprimento ao disposto nos artigos 294.º e 295.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi o artigo 926.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Determina o artigo 926.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o seguinte: «Se houver contestação […], o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º;».

Uma vez que, in casu, o Tribunal não marcou audiência final, em violação do disposto no artigo 295.º, do Código de Processo Civil, nem tão pouco deu a oportunidade às partes de alegar, quanto mais não fosse por escrito, proferindo de imediato sentença por escrito, preteriu, no entendimento da recorrente, formalidade essencial e legalmente imposta, geradora de nulidade secundária prevista no artigo 195.º, do Código de

 Processo Civil.

Apreciando.

Preceitua o artigo 295.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi, repisa-se, o artigo 926.º, n.º 2, do mesmo diploma, do seguinte modo:

«Finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 607.º».

Vejamos.

Por despacho datado de 09/02/2024, a que foi atribuída a ref.ª Citius 36799473, foi, de entre o mais, determinado o seguinte:

«As partes foram notificadas do relatório pericial de 23.11.2023 e nada disseram.

Dispõe o artigo 926.º n.º 2 do Código de Processo Civil que “Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.”

Em face da junção da perícia e dos subsequentes esclarecimentos notifique as partes para, em dez dias, se pronunciarem acerca da necessidade/conveniência da audição de testemunhas e outras diligências probatórias.

Notifique».

Mais.

Por despacho datado de 22/03/2024, a que foi atribuída a ref.ª Citius 36990946, foi ordenado o seguinte: «[…] Considerando que no despacho de 09.02.2024 o Tribunal não concretizou o efeito processual da ausência de resposta das partes, notifique novamente as mesmas para, em dez dias, virem informar se prescindem de declarações de parte e quaisquer outros meios de prova a produzir em audiência final, prosseguindo os autos com prolação de decisões por despacho, com a advertência expressa de que o seu silêncio será interpretado pelo Tribunal como não oposição.

Notifique».

Na sequência dos despachos a que se faz referência acima, apenas o Autor, por requerimento datado de 26/03/2024, com a ref.ª Citius 3548845, veio responder nos seguintes termos (remetendo para requerimento apresentado em 26/02/2024, com ref.ª Citius 3516670): «[…] entende-se que não há necessidade, nem conveniência em proceder à audição de testemunhas ou de realizar diligências probatórias, devendo os autos prosseguir seus regulares e legais termos, com cumprimento do n.º 1 do art.º 929.º do CPC, com prolação da decisão final, o que se requer e pede que seja efetuado».

Uma vez que, na sequência dos despachos em referência e supra transcritos, o Tribunal advertiu as partes de que nada dizendo se teria o silêncio como não oposição à prolação de decisão final por despacho, entendo não ter sido preterida qualquer formalidade legalmente imposta, nem ter sido preterido o direito de as mesmas se pronunciarem em momento anterior à prolação de decisão, não consubstanciando a decisão proferida uma decisão surpresa, nem tão pouco a invocada omissão influi no exame ou na decisão da causa.

Por tudo, não enferma a sentença da invocada nulidade prevista no artigo 195.º, do Código de Processo Civil.

Acresce que, s.m.o., a decisão em crise também não enferma da nulidade apontada e subsumível a artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, antes se entendendo que foram analisadas as questões que neste tocante foram submetidas à apreciação do Tribunal.

Face ao expendido, entende-se que a sentença proferida não enferma da apontada nulidade, mantendo-se a mesma nos exatos termos em que foi proferida.

Mas, V. Exas., mantendo, alterando ou revogando a decisão proferida farão a acostumada justiça.

Concordamos integralmente com o teor do despacho supratranscrito, ao qual pouco há a acrescentar.

Efetivamente, as partes foram advertidas para a possibilidade de a causa ser decidida de imediato e não se opuseram, sendo que o artº 926º, nº 2, do Código de Processo Civil, permite tal tramitação simplificada.

Acresce que, em todo o caso, ouvidas as partes (como aconteceu), o juiz tem o poder/dever de simplificação processual, previsto no artº 6º, nº 1, do Código de Processo Civil, que sempre lhe permitiria optar pela tramitação que foi escolhida, nuns autos em que apenas foi produzida prova documental, em que as partes já expuseram as suas razões por escrito e em que o julgamento se limitaria à produção de “uma breve alegação oral” (artº 295º ex vi artº 926º, nº 2).

Deste modo, concluímos pela inexistência de qualquer nulidade.

Da alteração da decisão relativa à matéria de facto

           

O Recorrente requereu a alteração da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 4, 5 e 7.

Ponto 4, o qual dispõe que:

4. No âmbito do processo de inventário aberto em virtude do óbito de NN, encontra-se registado a favor das Rés LL e AA, em comum e sem determinação de parte ou de direito, 1/5 do prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04.

Pretende que se substitua “No âmbito do processo de inventário” por “Na sequência do processo de inventário” e se elimine a expressão “em comum e sem determinação de parte ou de direito”.

A primeira alteração é inócua e a segunda é claramente improcedente porque não corresponde ao que os documentos traduzem.

Alega que é o que resulta dos documentos juntos aos autos, mas o que resulta efetivamente é que o foi atribuído à Recorrente foi metade, efetivamente em comum e sem determinação de parte ou de direito, de 1/5, também em comum e sem determinação de parte ou de direito, que pertencia ao de cujus.

Para tanto, basta compulsar a certidão do registo predial junta com a petição inicial (ref.ª citius 2840642) e escritura de habilitação de herdeiros junta com o requerimento de 29.03.2022 (ref.ª citius 2842588).

Aliás, nunca teria uma habilitação de herdeiros a virtualidade de alterar a natureza do bem.

Ponto 5, o qual dispõe que:

5. O prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 encontra-se registado a favor de MM, a II, e a NN, LL e AA.

Pretendo a Recorrente(s) que fique consignado:

O prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 encontra-se registado a favor de MM, II, BB e CC, LL e AA.

Trata-se de um manifesto lapso de escrita – o que desde logo se verifica da simples leitura do dispositivo, onde os proprietários estão devidamente identificados -, que, ao abrigo do disposto no artº 614º, nº1, do Código de Processo Civil, cumpre retificar.

Ponto 7, o qual dispõe que:

7. A divisão do prédio em substância não terá impacto negativo no valor das parcelas a criar.

O Juiz a quo firmou a sua convicção com base no relatório pericial junto em 19.10.2023 e 23.11.2023 (ref.ª citius 3383189 e 3421683), do qual, efetivamente, decorre que o imóvel, quer esteja indiviso que esteja dividido me cinco parcelas, sempre terá o valor total de € 1.309.212,50.

Entende a Recorrente que este facto deve ser julgado não provado, porque havia manifestado discordância em relação às conclusões da perícia, cabendo ao juiz fundamentar a sua concordância com o relatório pericial.

Por um lado, o especial dever de fundamentação recai sobre o juiz, não quando concorda com a perícia, mas quando dela discorda, uma vez que o perito foi chamado para se pronunciar, justamente porque tem um conhecimento técnico de que o julgador não dispõe.

Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Março de 2010, proferido no processo nº 949/05.4TBOVR-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz: 5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.

Por outro lado, não resulta dos fundamentos invocados pela Recorrente qualquer argumento capaz de abalar a convicção formada com base no relatório, até porque, em grande parte, se fundamenta na questão central dos três recursos em apreciação, a de saber de o imóvel deve ser fracionado em mais frações, para que a Recorrente veja também a sua parte dividida em relação à da sua irmã, questão esta que, como infra se verá, não merece provimento.

         Assim, salvo na parte relativa à correção do lapso de escrita, improcede o recurso na parte relativa à decisão da matéria de facto.

Da matéria de facto consolidada

            A supra descrita, que não é necessário reproduzir aqui novamente, com a alteração do ponto 5, que passará a ter a seguinte redação:

“O prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04 encontra-se registado a favor de MM, II, BB e CC, LL e AA.”,

B) De Direito

Da ineptidão do recurso da sentença e da (im)possibilidade da divisão de coisa em dez ou seis parcelas

A Recorrente alega:

IV. A divisão do prédio rústico deve respeitar o número de proprietários da coisa comum ao momento da interposição da ação; (…)

VIII. Se a Sentença recorrida transitar em julgado, resultará na manutenção de uma situação de indivisão referente a duas quotas de 1/10 do terreno.

IX. Esse resultado é inadmissível, considerando que a quota da Recorrente está em compropriedade com os demais proprietários, mas é uma quota autónoma e não em comum e sem divisão de parte ou de direito com a quota da sua irmã.

Mas alega também que:

X. O prédio não é divisível em substância porque a divisão pelos seus seis comproprietários originais não respeitará a área de cultura da região.

XI. Não foi feita prova dos demais critérios de divisibilidade para além do Relatório Pericial que foi impugnado e não permite, sem mais o julgamento destas questões.

Ficamos, assim, sem saber se a Recorrente entende que o prédio não é divisível ou se, pelo contrário, entende que é divisível, não em cinco mas em dez ou seis parcelas.

Estabelecendo uma analogia com a petição inicial[3], também as alegações devem ser rejeitadas caso se revelem ineptas[4], por cumulação de pedidos ou causas de pedir substancialmente incompatíveis; é o caso dos autos.

Porém, ainda que assim não fosse, sempre o recurso seria julgado improcedente por não haver de conhecer da hipótese de o imóvel poder ser fracionado em mais frações - para além dos cinco sugeridas pelo Autor - para que a Recorrente veja também a sua parte dividida em relação à da sua irmã, questão que, como já se disse, não merece provimento.

A esta questão respondeu o Tribunal recorrido de forma irrepreensível, no seu despacho de 17 de Novembro de 2025, também em recurso, quando diz:

A presente ação de divisão de coisa comum visa a cessação da indivisão do prédio rústico sito no “...” da freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da secção ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...04.

Nos presentes autos, Autores e Réus são comproprietários do suprarreferido prédio.

A forma pela qual cada um dos comproprietários adquiriu o seu direito é alheia ao Tribunal e, não colidindo com a divisão, nem tendo sido colocada em questão em sede de contestação ou reconvenção, é irrelevante para estes autos.

As requerentes, e Rés, pretendem, agora, que com a divisão do terreno “...” – que é o objeto destes autos –, se proceda, também, à cessação da situação de compropriedade da quota que herdaram relativamente ao sobredito terreno, em virtude da partilha realizada no inventario por óbito de NN e mulher OO.

Com efeito, e conforme escritura de partilha do inventário junto por requerimento de 29.03.2022 (ref.ª citius 2842589), resulta que todas as verbas foram adjudicadas em comum e na proporção de metade para cada uma das interessadas AA e LL.

Ora, tendo as Rés herdado, cada uma na proporção de metade, a quota de 1/5 do terreno, não compete nestes autos dividir essa quota, sob pena de se fazer duas divisões numa única ação.

E note-se: tal até poderia ocorrer se tivesse sido apresentada contestação excecionando as quotas indicadas pelos Autores, ou se tivesse sido apresentada reconvenção, considerando que há jurisprudência que entende que a mesma é admissível1 – o que não sucedeu.

Não tendo sido apresentada contestação contrariando o volume das quotas indicado pelo autor, tendo-se o mesmo como aceite por acordo entre as partes, nos termos do artigo 574.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

Na verdade, do que se trata é de responder ao pedido formulado nos autos, que o foi apenas pelo o Autor, no sentido da divisibilidade do prédio em cinco frações, corresponde às cinco quotas ideais dos cinco donatários originais.

A Recorrente, como herdeira de um deles, conjuntamente e na mesma proporção com a sua irmã, é proprietária, tal como todos os outros proprietários, de uma quota ideal do prédio, no seu caso, correspondente a 1/10 do prédio.

Se pretendia que fosse criada também duas parcelas de 1/10, teria de o ter pedido por via de reconvenção, o que não fez, não havendo que se julgar da existência dessa possibilidade, o que poderá vir a ser mais tarde equacionado noutra sede, tendo então como partes a Recorrente e a sua irmã.

Acresce que não há qualquer imposição legal no sentido de se dividir o prédio em tantas frações quanto o número de proprietários, apenas havendo de salvaguardar a igualdade dos quinhões, ainda que que cada um deles continue a ser, em si, uma coisa comum.

Se assim fosse, não teriam de ser criadas dez, mas sim vinte parcelas, na medida que um dos donatários deixou quatro herdeiros, tornado cada vez mais difícil, senão impossível, a divisão da coisa comum.

Conclui-se, assim, pelo indeferimento dos recursos do despacho de 17 de Novembro de 2023 e da sentença.

         Perde também interesse o recurso do despacho de 25 de Junho de 2023, o qual, de qualquer modo, sempre seria de manter, uma vez que, efetivamente, como se diz no despacho de 17 de Outubro de 2023:

Em primeiro lugar, note-se que a Ré foi notificada para se pronunciar nos termos do artigo 476.º do Código de Processo Civil e nada disse.

Ora, a Ré invoca que o Código de Processo Civil prevê o alargamento do objeto da perícia, sendo certo que, notificada nesses termos e para esses efeitos, nada veio dizer, pelo que, sempre seria extemporânea a pronúncia no sentido da alteração dos quesitos, ao abrigo do artigo 476.º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, a Ré socorre-se do regime fixado no artigo 477.º do Código de Processo Civil, sendo certo que o mesmo não tem aplicação no caso concreto, mas sim o artigo 476.º do mesmo diploma, uma vez que a perícia não foi determinada ex officio pelo Tribunal, tendo antes sido requerida na contestação apresentada pela Ré EE, em 05.05.2022.

Ora, como já se referiu, o Tribunal cumpriu o regime prescrito no artigo 476.º n.º 1 do Código de Processo Civil, sendo que nesse momento a Ré não apresentou qualquer ampliação.

Do valor da causa

         Finalmente, a Recorrente recorre do valor da causa, alegando:

XII. A sentença fixa o valor do processo em € 1 309 212,50, apenas com fundamento no Relatório Pericial, que se mostra impugnado, sendo que esse facto nem consta nos factos julgados provados.

XIII. A Recorrente impugna a fixação do valor do processo com fundamento no alegado valor comercial prédio determinado numa avaliação que não se mostra minimamente sustentada e que foi impugnada.

Por um lado, como já escrevemos acima, e que aqui se dá por reproduzido, não há qualquer fundamento para afastar as conclusões do relatório pericial.

Por outro lado, o facto não tem de constar dos factos provados porque não se trata de uma questão colocada pelas partes, mas sim de uma decisão legalmente imposta ao juiz – a de fixar o valor da causa -, que se pode socorrer de todos os elementos que tenha ao seu dispor para o seu apuramento.

Finalmente, salienta-se ainda que a fundamentação utilizada na decisão recorrida - nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º, n.º 1, 302.º, n.º 2 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, ou seja, o valor do imóvel – é a correta[5].

Deste modo, cumpre julgar os recursos improcedentes.



IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos, mantendo integralmente as decisões recorridas.

                                                            

Custas pela apelante – artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil.

         Coimbra, 24 de Junho de 2025

         Com assinatura digital:

         Anabela Marques Ferreira

         Luís Manuel Carvalho Ricardo

         Cristina Neves

        

        

           


[1] Ver, entre outros, acórdão da Relação do Porto de 20/02/2025, proferido no processo nº 539/20.1T8PVZ-E.P1, disponível em www.dgsi.pt: I - A ação de divisão de coisa comum visa pôr termo à indivisão, comportando uma fase declarativa – destinada à apreciação das questões atinentes à existência da relação de compropriedade, à posição relativa de cada consorte sobre os bens comuns e à aferição da divisibilidade ou indivisibilidade dos bens – e uma fase executiva – destinada à concretização da divisão mediante o preenchimento dos quinhões de cada um dos consortes.
[2] Como nos diz António Santos Abrantes Geraldes, “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, páginas 365 e 366, o nº 2, do artº 926º, tem a virtualidade de ultrapassar qualquer dúvida sobre a recorribilidade, face ao disposto no art. 644º, nº 1.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, “"Recursos em Processo Civl", 7ª edição, Almedina, 2022, pág. 184, estabelece também paralelismo com a petição inicial, aí a propósito da rejeição do recurso por falta de conclusões.
[4] Artº 186º, do Código de Processo Civil.

[5] Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Março de 2010, proferido no processo 949/05.4TBOVR-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz:

1. A acção de divisão de coisa comum não se integra nos processos previstos no n.º 4 do artigo 308.º do CPC, porquanto não existe qualquer iliquidez ou indeterminação do seu valor, o qual é legalmente determinado pelo valor da coisa que se pretende dividir.
2. O valor que deve considerar-se como valor processual da causa nas acções para divisão de coisa comum, é o valor real dos prédios em questão, não tendo que corresponder ao respectivo valor patrimonial ou tributário.