Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
349/11.7PATNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 06/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 143.º DO CP
Sumário: O tipo legal do artigo 143.º do CP fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho. Por outro lado, não relevam os meios utilizados pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que todas essas circunstâncias devam ser tidas em conta na determinação da medida da pena.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 22 €, o que perfaz o total de 1.430 €.

Na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante B..., foi ainda o arguido condenado a pagar-lhe a quantia de 750 €, a título de danos não patrimoniais.


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Da motivação extraiu as seguintes conclusões:

a) Acerca dos factos vertidos no douto despacho de acusação, apenas prestaram depoimento as testemunhas B...e C...;

b) Do depoimento da testemunha C..., não resulta que o Recorrente tenha praticado o factos vertidos na douta acusação pública;

c) Do depoimento prestado pelo Ofendido B..., também não resulta que o Recorrente lhe tenha dado uma pancada com a sua mão fechada no lado esquerdo da face;

d) Resulta apenas daquele depoimento que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e de lugar vertidas no douto libelo acusatório, se limitou a encostar a sua mão fechada no lado esquerdo da face do Ofendido, pressionando-a.

e) Não deveria ter sido dado como matéria de facto provada que o aqui Recorrente deu uma pancada com a mão fechada no lado esquerdo da face do Ofendido;

f) Sendo que tal factualidade, também não resulta das imagens captadas pelas câmaras de segurança do estabelecimento de combustível onde alegadamente ocorreram os factos, visualizadas em sede de audiência de discussão e julgamento,

g) Perante a circunstância de as referidas imagens terem sido captadas do lado oposto onde o Ofendido refere ter sido atingido, não é possível visualizar nas preditas imagens se efectivamente o Recorrente encostou a sua mão no lado esquerdo da face daquele e muito menos se o atingiu com uma pancada;

h) Resulta dos autos, nem da prova, testemunhal ou documental produzida, matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente tivesse praticado os factos dados como provados,

i) A versão dos factos apresentada pelo próprio ofendido nas suas declarações, segundo a qual o Arguido encostou a mão na sua face esquerda e pressionou-a, não configura, inequivocamente e sem margem para quaisquer dúvidas, a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo 143.°, n.º 1 do Código Penal,

j) Porquanto dali não resulta, nem resulta da prova produzida nos autos, que se mostra preenchido no caso sub judice o elemento subjectivo daquele tipo de crime;

k) O tipo de legal de crime previsto no artigo 143º do Código Penal integra a agressão voluntária e consciente do agente, que previu e quis agredir e molestar fisicamente a vítima;

l) Para o preenchimento do tipo legal de crime de ofensa à integridade física simples, é necessário que o agente tenha actuado com a intenção de agredir e molestar fisicamente a vítima:

m) Não deveria o douto Tribunal a quo considerar como provada a intenção de o Recorrente agredir e molestar fisicamente o Ofendido B..., com base nas declarações deste último e com base nas regras da experiência comum,

n) O próprio ofendido apenas refere que o Recorrente lhe encostou a mão na face esquerda, pressionando-a, não correspondendo, salvo o devido respeito, minimamente às regras do senso comum que quem adopta tal actuação comportamental pretenda agredir e molestar fisicamente alguém, ou sequer que preveja tal resultado;

o) Deveria o Recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física simples de que vinha acusado, por falta de verificação do elemento subjectivo do ilícito em causa, o dolo;

p) A douta decisão recorrida não está suficientemente fundamentada, nem especifica os motivos de facto e de direito da decisão com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal;

q) A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 374.° n.º 2 e 379.° n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal;

r) A prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão diversa à que resulta da sentença recorrida, quanto mais não fosse pela aplicação do princípio in dubio pro reo;

s) Padece a douta sentença recorrida dos vícios constantes do artigo 410.° n.º 2 do Código de Processo Penal, existindo um clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

t) Padece a douta sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova;

u) A decisão recorrida não considerou a presunção de inocência do Arguido, presumindo-se desde o início a sua culpa, em violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;

v) Violou o Tribunal a quo, entre outros, o artigo 32.0 (princípio in dubio pro reo) da C.R.P. e o artigo 374 n.ºs 2 e 3, al. b) do C.P.P.

Nestes termos e nos mais de Direito, que doutamente serão supridos, devem as presentes conclusões proceder e, por via disso, ser considerada nula a decisão ora em crise, tudo com as legais consequências;

Caso não se entenda pela nulidade da decisão, o que por mera cautela se admite, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, tudo com as legais consequências.


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Respondeu a Magistrada do MºPº junto do Tribunal a quo defendendo que deve a decisão recorrida ser mantida nos seus precisos termos.

Nesta instância, também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificado o arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, não apresentou resposta.

Os autos tiveram os vistos legais.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição):

 Em resultado da prova produzida nos presentes autos e da discussão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1-  No dia 23 de Julho de 2011, pelas 14 horas e 19 minutos, no interior da loja do posto de abastecimento de combustível pertencente à empresa “Pingo Doce, S.A.”, sito no Bairro do Nicho, na área desta comarca de Torres Novas, o arguido avistou o demandante B... junto à caixa registadora, com quem se encontrava desavindo.

2- Nessa ocasião, o arguido aproximou-se do demandante B... e, após uma breve troca de palavras entre ambos, cujo teor não foi determinado, sem que nada o fizesse prever, o arguido encostou a sua mão fechada no lado esquerdo da face do demandante, pressionando-a, e deu-lhe uma pancada com a mesma.

3- Com tal conduta, o arguido causou dores ao demandante na zona atingida.

4- O arguido previu e quis, nas circunstâncias atrás descritas, agredir e molestar fisicamente o demandante e causar-lhe dores físicas. 

5- O arguido agiu determinado por vontade livre e de forma consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.

6- O demandante sentiu humilhação pelo comportamento do arguido defronte das pessoas que estavam no local onde os factos ocorreram.

7- O arguido A... declarou que aufere o vencimento mensal de 3.000 euros da sua actividade de médico dentista.

8- Declarou que a esposa é gerente e aufere o vencimento mensal de 1.200 euros.

9- Declarou ainda que tem dois filhos com 14 e 13 anos a seu cargo.

10- Declarou também que vive em casa própria, estando a pagar a amortização do empréstimo contraído com a sua aquisição.

11- Tem como habilitações literárias a licenciatura em medicina dentária.

12- O arguido declarou para efeito de IRS ter auferido no ano de 2011 o rendimento bruto anual de 28.840 euros, enquanto que a esposa declarou ter auferido o rendimento bruto anual de 21.630 euros.

13- O arguido é considerado pelas pessoas com quem priva como estando bem inserido na comunidade onde reside e como sendo trabalhador.

14- Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.


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Por outro lado, o tribunal considerou que não ficaram provados os seguintes factos, com relevância para o presente processo:

A) Na ocasião referida em 1) e 2), o arguido aproximou-se do demandante B... pelas costas.

B) A agressão realizada pelo arguido sobre o demandante consistiu numa pancada no pescoço deste.


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MOTIVAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:

O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos descritos em cima como estando provados nas declarações das testemunhas arroladas pela acusação, em audiência de discussão e julgamento, na visualização que fez da gravação das imagens pelas câmaras de segurança do estabelecimento de abastecimento de combustível onde ocorreram os factos, nos demais documentos juntos aos autos, e na ponderação daí advinda.

Designadamente, tanto o arguido, como o ofendido B..., admitiram que o dia, a hora e o local onde ocorreram os factos são aqueles que constam na acusação. Além disso, resultou do depoimento de ambos igualmente que havia uma desavença entre eles devido a factos que teriam ocorrido quando o ofendido trabalhou para uma empresa de que o arguido era dono e que estava sedeada na Guiné.

Para além disso, o Tribunal ponderou a visualização que fez das imagens de vídeo que foram captadas pelas câmaras de segurança da loja do estabelecimento de abastecimento de combustível onde ocorreram os factos e que se encontram juntas aos autos em relação ao período temporal em causa. Na verdade, é visível nas referidas imagens que na ocasião o ofendido B... já se encontrava na referida loja, na zona das caixas registadoras, a pagar o abastecimento que tinha feito. Entretanto entrou o arguido na loja e aproximou-se da zona das caixas registadoras, certamente para pagar igualmente o abastecimento que tinha feito. Nessa altura houve uma breve troca de palavras entre eles, estando o arguido bastante exaltado. Na sequência, o arguido aproximou-se do ofendido B..., encostou a mão fechada ao lado esquerdo da cara deste último e pressionou-a. Além disso, o arguido deu igualmente uma pancada com a mão nessa parte da cara do ofendido. Em seguida, o ofendido libertou-se da pressão que o arguido lhe estava a fazer na cara, pagou o abastecimento e saiu da loja. No entretanto o arguido continuou a proferir algumas palavras em tom exaltado na direcção do ofendido.

Refira-se que, conforme refere o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, Universidade Católica Editora, pág. 529: as imagens e os sons obtidos por sistema de videovigilância (como acontece no caso concreto) porque não têm nenhum visado em especial, não estão submetidos ao regime do artigo 6º, da Lei nº 5/2002 e podem ser juntas aos autos e valoradas. Deste modo, estas imagens de vídeo captadas pelas câmaras de vigilância da loja do estabelecimento de abastecimentos de combustível são válidas e podem ser livremente valoradas como meio de prova pelo Tribunal, designadamente nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Também no Ac. do STJ de 20-6-2001, proc. nº 244/00-3, in www.dgsi.pt, para uma situação semelhante se decidiu que: A vídeo-gravação dos arguidos por um sistema mecânico colocado num posto de abastecimento de combustíveis e num outro local público, visando a protecção da vida, da integridade física e do património dos donos dos veículos e dos referidos locais, não viola os artigos 18º, 26º, e 32º, nº6, da Código de Registo Predial e os artigos 167º e 126º, do Código de Processo Penal, porquanto, não estando a câmara de vídeo colocada com a justificação acima exposta, em recinto vedado, fechado ou de acesso restrito, a filmagem dos arguidos nos locais mencionados não constitui violação do direito à reserva das respectivas vidas privadas.

Levou-se ainda em consideração o depoimento do ofendido B... que foi considerado convincente pelo Tribunal atenta a visualização das imagens das câmaras de segurança referidas supra, que confirmaram a sua versão. Designadamente, veio o ofendido confirmar que se encontrava na zona das caixas registadoras da loja do estabelecimento, a pagar o abastecimento que tinha feito, quando apareceu o arguido no mesmo, aproximou-se dele e encostou a mão fechada na face do lado esquerdo do demandante, pressionando-a. Além disso, ter-lhe dado uma pancada nesse local com a mão. Informou que sentiu dores no local onde sofreu a agressão. Em seguida, virou-se e conseguiu libertar-se da pressão que lhe estava a ser feita pelo arguido. Que houve uma troca de palavras, em que o arguido lhe disse que o derretia todo. Que em seguida, procedeu ao pagamento do abastecimento e retirou-se da loja. Que se dirigiu ao seu carro e saiu do local.

Ponderou-se ainda o depoimento da testemunha C..., que, na ocasião, prestava serviço nas caixas da loja do estabelecimento de abastecimento de combustível em causa nos autos. Esta testemunha informou que na ocasião, o arguido e o ofendido estavam junto às caixas para pagar o abastecimento, tiveram uma discussão e andaram a empurrar-se.

Deste modo, se fez a prova dos factos referidos nos pontos 1) a 3), inclusive.

O Tribunal não considerou minimamente credível a versão dos factos apresentada pelo arguido, onde alega que não agrediu o ofendido B..., limitando-se a encostar-lhe um dedo na cara para lhe chamara a atenção. Deste modo, o arguido limitou-se a vir fazer o que normalmente fazem a maior parte dos arguidos, mesmo quando confrontados com provas no sentido contrário, ou seja negou que os factos que subsumiriam na actividade ilícita por ele desenvolvida tivessem ocorrido. Para além disso, tais afirmações foram de forma convincente desmentidas pelos meios de prova referidos supra, designadamente pela visualização das imagens gravadas pelas câmaras de segurança que desmentem a versão apresentada pelo arguido.

Por outro lado, as declarações do arguido não constituem qualquer presunção de veracidade. Presunção essa que teria de ser ilidida por prova em contrário. Pelo contrário, tendo em conta que o arguido não está obrigado a falar com verdade, nem presta juramento, o grau de fidedignidade das suas declarações é muito relativo. Desse modo, não se ponderou o seu depoimento para efeito de prova nesta parte.

Quando as pessoas que presenciaram os factos são o arguido e o ofendido, e cada parte apresenta uma versão diferente dos mesmos, não havendo quaisquer outras pessoas terceiras que tenham testemunhado a situação e que venham confirmar aquela versão, o Tribunal não tem que concluir necessariamente pela inconcludência, pela dúvida e pela aplicação do princípio do “in dubio pro reo”, dando assim o facto em causa como não provado. Na verdade, o Tribunal pode levar em consideração outros elementos de prova que existem nos autos. Se os mesmos levam a concluir que a versão apresentada pelo ofendido é plausível, o Tribunal tem perfeita legitimidade para concluir pela demonstração da mesma. Não estará assim o Tribunal em dúvida, mas sim convicto de que a versão apresentada pela testemunha é a que corresponde à realidade dos factos.

Na verdade, o artigo 127º, do Código de Processo Penal, determina que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (ou seja do julgador). Como referem os Drs. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal anotado, I volume, 1999, Rei dos Livros, pág. 683, citando a Dr.ª. Teresa Beleza: o valor dos meios de prova...não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua “livre convicção”. O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o “saber de experiência feito e honesto estudo misturado”.

Também no Ac. do STJ de 11-11-2004, Proc. nº 04P3182, in www.dgsi.pt, se decidiu que: O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através de uma espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio do in dúbio pró réu.

Por outro lado, conforme é referido no Ac. do STJ de 2-7-2002, Proc. nº 256/97, in www.dgsi.pt: A prova em processo penal não pode ser apreciada sem o recurso a um juízo crítico, de acordo com a livre convicção do julgador, atenta às regras de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Por sua vez, no Ac. do STJ de 20-11-1996, Proc. nº 788/96, in www.dgsi.pt, decidiu-se que: A regra central em matéria de apreciação da prova é a liberdade do juiz. Por isso, não é possível afirmar que as declarações do ofendido não chegam para formar a convicção do colectivo (Neste sentido vide o Ac. do STJ de 9-1-1998, Proc. nº 1.031/97, in www.dgsi.pt). Por fim, no Ac. do STJ de 18-9-1997, Proc. nº 367/97, in www.dgsi.pt, decidiu-se que: A credibilidade das testemunhas situa-se no domínio do princípio da livre apreciação da prova, referido no artigo 127º, do Código de Processo Penal, e por isso, não é sindicável pelo STJ.

Em conformidade, ponderando os elementos de prova produzidos nos autos, designadamente, conforme se referiu, as imagens tiradas pelas câmaras de segurança do estabelecimento em relação à situação em causa nos autos, à luz das regras da experiência comum, o Tribunal ficou com a convicção que a versão dos factos apresentada pelo ofendido aconteceu na realidade. Logo terá necessariamente de dar a mesma como provada.

O tribunal ficou assim plenamente convicto e sem quaisquer dúvidas, que o arguido agrediu de facto o ofendido B... nos termos referidos supra. Daí ter dado tais factos como provados.

O tribunal deu como provada a intenção do arguido A... em agredir o ofendido B..., com base nas declarações deste último. Para além disso, levou ainda em consideração as regras da experiência comum, na medida em que quem agride outra pessoa, como o arguido o fez, certamente que tem a intenção de concretizar essa agressão. Logo não restam dúvidas que o arguido actuou de forma intencional, voluntária e consciente, ao agredir o ofendido da forma como o fez. Daí a prova dos factos referidos nos pontos 4) e 5).

Por sua vez, a testemunha F... , que é a esposa do ofendido B..., referiu no seu depoimento que se encontrava na viatura de ambos quando viu regressar o demandante da loja do estabelecimento onde tinha ido realizar o pagamento do abastecimento de combustível que tinha feito. Que o ofendido chegou ao veículo apoquentado e queixando-se de dores na face. Que na altura o ofendido se queixou que o arguido o tinha agredido no interior da loja. Além disso, o ofendido demonstrou-se humilhado pela agressão que tinha sofrido. Daí a prova do facto referido em 6).  

Por outro lado, as declarações realizadas pela testemunha arrolada pelo arguido, D..., não foram minimamente credíveis. Pareceu ao tribunal que a mesma veio ostensivamente realizar um depoimento apenas para beneficiar o arguido, devido à amizade que tem com ele. Esta testemunha tentou fazer passar a versão de que se encontrava na viatura conduzida pelo arguido e que quando este estava a abastecer a viatura, viu o ofendido a provocar o demandado, designadamente mostrando-lhe o dedo do meio da mão. Aliás, o Tribunal ficou mesmo convicto que a testemunha D... nem sequer estava presente quando os factos ocorreram. De facto, nenhuma das restantes pessoas que prestaram depoimento em Tribunal, inclusive o próprio arguido, fizeram menção ao facto de esta testemunha estar no interior do veículo conduzido pelo arguido. Deste modo, o Tribunal não deu qualquer credibilidade ao depoimento prestado por esta testemunha D....

O conhecimento da situação económica e familiar do arguido resultou igualmente das suas declarações.

Para a prova do rendimento bruto declarado pelo arguido e pela sua esposa para efeito de IRS no ano de 2011, levou-se em consideração a certidão da declaração do mesmo, que se encontra junta aos autos de fls. 99 a 105.

As testemunhas arroladas pelo arguido, E... e D..., vieram atestar o seu bom comportamento.

Para a prova da falta de antecedentes criminais do arguido levou-se em consideração o respectivo Certificado de Registo Criminal junto a fls. 95.

Não foram considerados provados os factos descritos acima, em virtude de não ter sido produzida qualquer prova em absoluto ou qualquer prova convincente dos mesmos.


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APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, atendendo ao texto da motivação e respectivas conclusões, no presente recurso considera o recorrente que o tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida e, imputando à sentença recorrida os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (previstos nas als. a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP), através dos quais pretende pôr em causa o julgamento da matéria de facto, conclui que deveria ter sido absolvido ao abrigo do princípio in dubio pro reo;

Invoca ainda o recorrente a nulidade da sentença por insuficiente fundamentação, no que concerne ao exame crítico das provas.


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A-

Sustenta o recorrente que a sentença padece de nulidade (por violação do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. a) do CPP) por insuficiente fundamentação, no que concerne ao exame crítico das provas que terão servido de base para formar a convicção do tribunal.

Como dispõe o n.º 2 do artigo 374º do CPP, ao relatório da sentença segue‑se a sua fundamentação com a enumeração dos factos provados, e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Consagrou-se, assim, um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há‑de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido.

De igual modo, tal dever de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional ‑ artigo 205º ‑ em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de estado de direito democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Constituição Anotada, pág. 799).

A razão desta exigência é permitir ao tribunal de recurso averiguar se as provas que o tribunal a quo atendeu são, ou não, permitidas por lei e garantir que o julgador seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova.

Colocada deste modo a necessidade da fundamentação e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões da forma como se formou a convicção do tribunal, é evidente que a decisão recorrida indica qual o suporte probatório que lhe permitiu considerar provados os factos constitutivos da responsabilidade criminal do arguido.

Na fundamentação da matéria de facto o tribunal a quo começa por indicar como formou a sua convicção: “(…) nas declarações das testemunhas arroladas pela acusação, em audiência de discussão e julgamento, na visualização que fez da gravação das imagens pelas câmaras de segurança do estabelecimento de abastecimento de combustível onde ocorreram os factos, nos demais documentos juntos aos autos, e na ponderação daí advinda.

Na verdade, o tribunal não se limitou a elencar os meios de prova que serviram para fundamentar a sua convicção, fez também uma descrição do que é visível das referidas imagens e, uma súmula das declarações e depoimentos. E, relativamente ao exame crítico, é o mesmo suficiente e perceptível, nomeadamente quando realça o depoimento do ofendido B..., explicando porque considerou o mesmo convincente e, ao invés, não conferiu credibilidade às declarações do arguido sobre a versão dos factos, no sentido de que não agrediu o ofendido. De igual modo, indicou o tribunal porque não acreditou no depoimento da testemunha D..., arrolada pelo arguido.

Entendemos, assim, que a fundamentação efectuada, no que respeita ao exame crítico das provas, é suficiente para compreender a decisão proferida pelo tribunal a quo; isto é, para que a decisão possa ser compreendida pelos próprios sujeitos processuais e pelo tribunal de recurso.

Segundo o entendimento do Tribunal Constitucional, sufragado no Ac. n.º 27/2007 (Proc. n.º 784/05), in DR n.º 39, 2.ª Série, de 23 de Fevereiro de 2007, “a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética. Nem, por outro lado, a fundamentação tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal.

Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe, na verdade, um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou (…)”.

Só se verifica a nulidade prevista no art. 379º, n.º 1, al. a) do CPP quando o cerne da fundamentação não estiver contida na mesma, o que não acontece in casu.

Na verdade, o recorrente confunde ausência/insuficiência de fundamentação com a sua discordância em relação à forma como se formou a convicção do tribunal.

O n.º 2 do artigo 374º não deve ser entendido como exigindo que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se acha na base da sua convicção de dar como provado determinado facto, sobretudo quando, relativamente a tal facto se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros havidos como provados ([1]).

Conclui-se, assim, pela inexistência da invocada nulidade.


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B-

Como fundamento dos invocados vícios, alega o recorrente que “a prova produzida nos presentes autos impunha ao Tribunal a quo uma decisão diversa à que resulta da sentença recorrida, quanto mais não fosse pela aplicação do princípio in dubio pro reo”, …………….. …porquanto “da leitura da fundamentação vertida na sentença recorrida, não se vislumbra como pode o douto Tribunal a quo considerar como provada a intenção de o Recorrente agredir e molestar fisicamente o Ofendido B..., com base nas declarações deste último e com base nas regras da experiência comum, e isto porque o próprio ofendido apenas refere que o recorrente lhe encostou a mão na face esquerda, pressionando-a, não correspondendo, salvo o devido respeito, minimamente às regras do senso comum que quem adopta tal actuação comportamental pretenda agredir e molestar fisicamente alguém, ou sequer que preveja tal resultado. Assim, deveria o recorrente ter sido absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física simples de que vinha acusado, por falta de verificação do elemento subjectivo do ilícito em causa, o dolo”.

Ora, a existência de vícios tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos.

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o Tribunal recorrido deixou de investigar matéria de facto relevante de tal forma que o que foi apurado não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido a apreciação, deixando de observar o dever da descoberta da verdade material.

E, ocorre erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão recorrida (Simas Santos e Leal Henriques, in Cód. Proc. Penal anotado, II vol., pág. 740).

Não se verifica porque o recorrente discorda da apreciação dada pelos julgadores à prova produzida, mas somente quando perante o texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão logicamente diferente daquela a que chegou o tribunal recorrido, quando os factos provados e não provados não são a consequência lógica da prova produzida que consta do texto da decisão posta em causa.

O tribunal de recurso não procede a um novo julgamento, incumbindo-lhe apreciar se uma questão decidida pelo tribunal de que se recorreu foi bem ou mal decidida e extrair daí as consequências atinentes.

Ainda que in casu o objecto da apreciação seja tão só a própria sentença, cuidou este tribunal de ouvir a gravação da prova produzida em audiência, tendo constatado que a motivação da matéria de facto traduziu de forma fidedigna o essencial das declarações do arguido e do depoimento das testemunhas.

Não conseguimos visualizar as imagens constantes no CD apenso aos autos (por dificuldades com o programa informático). Acontece que, conforme despacho exarado em acta, a fls. 122, “na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 19-11-2012, após as declarações do arguido, procedeu-se ao visionamento da gravação das imagens das câmaras de segurança do estabelecimento onde ocorreram os factos e que captaram a situação em causa. Estas imagens foram visualizadas pelo arguido, pelo seu defensor, pelo Ministério Público, pelo Juiz que preside ao julgamento e pelo mandatário do demandante”.

Na Motivação de Facto da sentença recorrida foi efectuada a descrição das imagens visualizadas, aí se consignando que «(…) o arguido aproximou-se do ofendido B..., encostou a mão fechada ao lado esquerdo da cara deste último e pressionou-a. Além disso, o arguido deu igualmente uma pancada com a mão nessa parte da cara do ofendido. Em seguida, o ofendido libertou-se da pressão que o arguido lhe estava a fazer na cara, pagou o abastecimento e saiu da loja (…) ».

Foi tal prova considerada pelo tribunal a quo.

Ora, questiona o recorrente em que se fundamenta o tribunal para considerar que, para além de o recorrente ter encostado a mão fechada na face esquerda do ofendido, ainda lhe deu uma pancada naquele lado da face, quando nem o próprio ofendido apresentou a referida versão dos factos, nem tão pouco é possível visualizar nas imagens captadas das câmaras de segurança o recorrente praticar tal acto?

Efectivamente, nas declarações que prestou em audiência o ofendido não referiu a palavra “pancada”, tendo descrito a conduta do arguido do seguinte modo: “quando estava debruçado para marcar o código, foi agredido pelo lado esquerdo, tendo o arguido pressionado com a mão fechada na cara (…); sentiu dor, tanto mais que usava barba e ficou repuxada com a pressão”.

Todavia, afigura-se-nos correcta a explicação avançada pela Magistrada do Ministério Público na resposta à motivação do recurso quando salienta «da visualização dessas imagens resulta que, embora o ofendido estivesse efectivamente virado de costas para a câmara, por forma a estar de frente para o recorrente, assim que se apercebeu da presença daquele no local, são perfeitamente visíveis os gestos que o arguido perpetrou contra o ofendido, onde se vê a pancada que o mesmo desferiu na face do ofendido; assim resulta igualmente das imagens captadas pelas câmaras de segurança que o arguido agrediu o ofendido. (…) O depoimento do ofendido foi pormenorizado e, ao invés de dizer logo que o arguido lhe desferiu uma “pancada”, o mesmo optou por explicar em que consistiu essa pancada».

De qualquer forma, como declararam o arguido e o ofendido, em audiência, estão desavindos já há algum tempo, com processos pendentes em tribunal, um contra o outro, pelo que a conduta do arguido dada como provada que consistiu em abordar o ofendido, encostando a sua mão fechada no lado esquerdo da face daquele, pressionando-a e causando-lhe dor, configura inequivocamente a prática de um crime de ofensa à integridade física, estando patente que o arguido quis molestar fisicamente o ofendido.

Por acórdão de 18-12-1991 (publicado no DR, série I-A, de 8-2-1992) o STJ fixou jurisprudência no sentido de que integra o crime do art. 142º do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.

 Assim, o tipo legal em causa (actualmente o artigo 143º do CP) fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou de uma eventual incapacidade para o trabalho. Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que todas essas circunstâncias sejam tidas em conta para a determinação da medida da pena.

Nos termos expostos, o tribunal a quo ao abrigo do poder da livre apreciação da prova que a lei lhe confere, atribuindo relevância à prova produzida, atendendo à forma como a enunciou e ao exame crítico que efectuou, adquiriu a certeza sobre a verdade dos factos, não lhe tendo sido suscitada qualquer dúvida irremovível, caso em que teria de decidir favorecendo o arguido.

Por conseguinte, a fundamentação de facto, quer na enumeração dos factos (provados e não provados), quer na motivação de facto, não apresenta qualquer erro, ou qualquer facto contrário às regras da lógica e da experiência comum, de que qualquer cidadão com formação média logo se aperceba e, é suficiente para a decisão de direito encontrada, pelo que improcedem os alegados vícios.


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Improcede pois, na totalidade, a argumentação do recorrente.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça.


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Elisa Sales (Relator)

Paulo Valério


[1] - Ac. Do STJ, de 28-5-98, proc. n.º 426/98.