Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
715/08.5TBACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
INTERESSE EM AGIR
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 11/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.1022, 1064, 1083, 1084 CC, LEI Nº 6/2006 DE 27/2 (NRAU), 494, 668 CPC
Sumário: 1. - Não é nula a sentença que conheça de excepção dilatória inominada, ainda que a verificação desta não tenha sido invocada por nenhuma das partes.

2. - Não configura excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir ou falta de interesse processual o recurso à acção judicial para obter a resolução de contrato de arrendamento urbano com fundamento em mora superior a três meses no pagamento das rendas vencidas.

3. No âmbito do NRAU, a comunicação extrajudicial prevista no artigo 1084º do Código não constitui meio único ao dispor do senhorio para operar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento naquele incumprimento do arrendatário, tendo igualmente possibilidade de, para o mesmo efeito, recorrer à acção judicial (de despejo), competindo-lhe optar pelo uso de um ou outro meio.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

            R (…), residente na Rua (…), ...., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra AB (…) residente na Rua (…) Alcabideche, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Outubro de 2007 relativo ao rés-do-chão do prédio urbano, sito na Rua ...., freguesia de ...., concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....; que a Ré seja condenada a entregar, imediatamente, ao Autor o local arrendado, livre e devoluto; e que a Ré seja condenada a pagar ao Autor as rendas vencidas e não pagas, no montante de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), bem como as vincendas até entrega efectiva do arrendado e os juros de mora.

            Para tanto, alega que, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…) e por contrato celebrado em 1 de Outubro de 2007, o Autor deu de arrendamento à Ré o mencionado prédio urbano e que esta deixou de pagar a correspondente renda mensal, no valor de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), a partir de Janeiro de 2008.

            Pessoalmente e validamente citada, a Ré não contestou.

            Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu “julgar procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir”, absolvendo-se a Ré da instância, e condenando nas custas do processo o Autor.

            Discordando desta decisão, dela interpôs o Autor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões, assim sintetizadas:

-“A. A sentença é nula porquanto conheceu de questão que não podia conhecer, uma vez que a excepção da falta de interesse em agir não foi suscitada pelas partes – artigo 668”, n.°l, alínea b) do CPC.

B. Tendo a Ré sido regularmente citada e não tendo a Ré contestado, face ao artigo 484°, n.°l do CPC consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor.

C. Face à revelia da Ré a Mma. Juiz devia ter dado cumprimento ao disposto no n.°2 do artigo 484° do CPC.

D. De todo o modo não se verifica no caso dos autos falta de interesse em agir por parte do Autor /ora Recorrente.

E. O interesse em agir basta-se com a existência de “risco para o credor, quando conduta do devedor tal crie, no momento da sua exigibilidade, e mesmo que sobre a boa fé dessa oposição”, outro entendimento é violação da regra do artigo 8° do CC e art. 384° n°l in fine, e art. 472° n° 2 ou 662° n° l do CPC.

(…)

G. O Autor instaurou a presente acção de despejo peticionado a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, pelo que, existe manifestamente, interesse processual em agir, por banda do Autor, que se traduz na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial, para satisfação de um direito, em relação a cuja existência existe incerteza objectiva e grave.

H. É nosso entendimento que assiste ao Autor ora Recorrente (na qualidade de senhorio) o direito de intentar a acção declarativa, com vista à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento da renda, independentemente da duração da mora, mesmo que tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial,

I. A opção ou escolha por uma dessas vias há-de depender da própria iniciativa do senhorio, podendo este, perante o caso concreto, lançar mão da solução que melhor lhe aprouver ou se configurar como a mais adequada à defesa dos seus direitos.

J. Em abono deste entendimento podem coligir-se diversos argumentos, desde logo o facto desta solução não ter sido de alguma forma afastada pelo legislador, porquanto ao criar um novo enquadramento jurídico em matéria de arrendamento urbano, sabedor que tal questão forçosamente se iria colocar, na futura aplicação da lei, nada fez para excluir essa possibilidade.

K. A Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento Urbano n° 34/X, evidencia que se pretendeu apenas permitir/facultar a formação de título executivo extrajudicial, possibilitando ao senhorio o recurso imediato à acção executiva, mas não impor-lhe esta via;

(…)

N. A possibilidade de recurso à via judicial em caso de falta de pagamento de rendas superior a três meses, encontra correspondência no texto legal e é o que melhor reconstitui o pensamento legislativo tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias específicas do tempo em que é aplicado, bem como o desejável acerto e adequação das soluções consagradas (artigo 9° do CC na redacção dada pela NRAU) dispõe de forma inequívoca, que a notificação é uma possibilidade e nunca uma obrigação.

O. A exclusão do respectivo regime da figura da acção de despejo criaria incongruências, como a não aplicação do disposto no artigo 14° do NRAU relativamente ao incidente de despejo imediato por falta de pagamento de renda, e impossibilitaria o senhorio de peticionar o pagamento de rendas não vencidas há menos de 3 meses.

P. A mora do arrendatário diz respeito às diferentes rendas que se vão vencendo, em regra mensalmente, pelo que se quanto à primeira que deixou de ser paga o atraso é superior a três meses, já quanto às demais ainda não tem essa duração e, pretendendo o senhorio, certamente, fundar a resolução na falta de pagamento de todas as rendas em atraso, terá de recorrer à acção de despejo, assim o impondo a lei.

Q. Veja-se ainda que nos casos em que o senhorio pretenda resolver  extrajudicialmente o contrato por não pagamento da renda, a impugnação do depósito da renda deve ser efectuada em acção de despejo a intentar no prazo de 20 dias contados da comunicação do depósito.

R. De onde resulta que o senhorio pode quando assim o pretenda resolver judicialmente o contrato por não pagamento de renda, sendo obrigado a instaurar a referida acção, com vista a impugnar o depósito efectuado.

S. Não existe aqui qualquer lógica de celeridade no raciocínio da Mma. Juiz, uma vez que se por um lado, se impõe o recurso à via extrajudicial, por outro, logo se obriga o senhorio ainda que tenha recorrido à resolução extrajudicial, a propor uma acção com vista a impugnar o depósito, exigindo-se assim ao senhorio a utilização de dois procedimentos, com todos os prazos e custos inerentes aos mesmos.

T. Se a intenção do legislador fosse impossibilitar o recurso à acção de despejo para resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas nos casos em que esta podia operar por via extrajudicial, não faria sentido exigir-se o contrato de arrendamento para servir de titulo executivo quando em inúmeros casos de arrendamento, nem sequer existe documento escrito, pelo fica desde logo impossibilitado o recurso à resolução extrajudicial.

U. No caso dos autos sempre o Autor teria de se socorrer da acção de despejo, uma vez que fundou a resolução do contrato na falta de pagamento de rendas de Janeiro a Dezembro de 2008, dizendo a mora respeito a diferentes rendas, sendo que as últimas três vencidas e peticionadas como fundamento da acção, a saber - Outubro, Novembro e Dezembro de 2008-, não tinham à data da propositura da acção – 17/Dezembro/2008- mora superior a três meses.

V. A interpretação feita pela Mma. Juiz no sentido de considerar vedado ou inadmissível o recurso à acção de despejo para resolução do contrato arrendamento fundada em falta de pagamento das rendas em caso de mora superior a três meses implica um retrocesso na tutela judicial do direito de propriedade do senhorio, constitucionalmente consagrado no artigo 62° da CRP e uma denegação do direito de acção, contrariando os princípios consagrados no artigo 20° também da Lei Fundamental.

W. As normas jurídicas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, com o alcance sustentado, como possibilitando o recurso à acção de despejo, para obter a resolução judicial.

X. A decisão recorrida cometeu um erro de julgamento e violou, assim, o disposto nos artigos 20° e 65° da CRP, o artigo 1083°, n.°3 e artigo 1084°, n.°l Código Civil”.

Pugna, enfim, pela revogação da decisão recorrida e, confessados os factos por falta de contestação, conhecendo-se do mérito da causa, julgar-se a acção procedente.

Não foram apresentadas contra – alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

2. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- se existe nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 668º, nº1, d)[3] do Código de Processo Civil;

- se a resolução do contrato de arrendamento fundado na falta de pagamento de rendas apenas pode operar por via extrajudicial, ou se, pelo contrário, também é admissível o recurso à via judicial.

 

III. FUNDAMENTO DE FACTO

Para além do consignado no relatório supra, mostram-se provados os seguintes factos com relevo para a apreciação do recurso:

1.Na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de (…), o Autor, ora apelante, por contrato escrito de 1 de Outubro de 2007, deu de arrendamento à Ré, ora recorrida, o rés-do-chão do prédio urbano sito na ...., freguesia de ...., concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena com o nº .... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...., pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Outubro de 2007, prorrogável por períodos de tempo de três anos, caso não fosse denunciado pelas partes.

2.A renda mensal acordada foi de € 225,00, actualizável de acordo com os coeficientes legais, a pagar mensalmente até ao dia 8 do mês anterior àquele a que disser respeito, no domicílio do senhorio.

3.O locado destinava-se à habitação da Ré/Recorrida,

4.A qual, desde Janeiro de 2008, deixou de pagar a renda.

           

            IV. FUNDAMENTO DE DIREITO
           

Nulidade da sentença:

            Balizado pelas conclusões das suas alegações, a censura à decisão recorrida centra-se, além do mais, no vício da nulidade da sentença, arguido pelo apelante com fundamento no facto de a Senhora Juíza da 1ª instância ter conhecido de questão que não podia conhecer, já que julgou procedente a excepção dilatória da falta de interesse em agir, que constitui uma excepção dilatória inominada, não estando abrangida pelo artigo 494º do Código de Processo Civil, sem que a mesma tenha sido invocada por alguma das partes.

            Cumpre, por isso, em sede de recurso, apreciar a questão colocada em debate, começando precisamente pela apreciação do invocado vício da decisão e cujo resultado poderá repercutir-se sobre a mesma.

            O nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil prevê os vários casos de nulidade que podem afectar a sentença, determinando que “é nula a sentença quando:

            a) Não contenha a assinatura do juiz;

            b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

            c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;

            d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

            e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido;

f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do nº 4 do artigo 659º”.

            O nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[4], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[5].

            Na perspectiva do apelante a decisão em crise padece de vício de nulidade por violação da alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

            A propósito do vício inserto na alínea d) do aludido normativo, escreveu Anselmo de Castro[6]: «O vício relaciona-se com o dispositivo do art.° 660.°, n.° 2.° e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, como nesse preceito se dispõe.

            A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a “fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sobre os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.

            Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».

            Argumenta a apelante, para sustentar a existência do vício invocado, que não tendo as partes suscitado a questão da falta de interesse em agir, que constitui excepção dilatória inominada e não está prevista no artigo 494º do Código de Processo Civil, estava vedada a possibilidade à Senhora Juíza da 1ª instância dela conhecer.

            A resposta a dar quanto à verificação ou não do vício em causa, demanda antes de mais uma análise mais detalhada sobre a figura da “falta de interesse em agir”, em termos de se indagar da sua natureza e efeitos.

             O interesse em agir, ou interesse processual, na terminologia, entre outros, de Calamandrei, Manuel de Andrade[7], Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[8], “consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial”[9], não se confundindo com o interesse substancial: “ o interesse em agir é um interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário, e tem por objecto a providência solicitada ao tribunal, através da qual se procura ver satisfeito aquele interesse primário, lesado pelo comportamento da contraparte, ou, mais genericamente, pela situação de facto objectivamente existente.

            O interesse em agir surge, pois, da necessidade de obter do processo a protecção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação”[10].

            Duas razões são apontadas para a relevância do interesse processual ou interesse em agir: “pretende-se, por um lado, evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob a cominação de uma sanção grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica.

            Procura-se, por outro lado, não sobrecarregar com acções desnecessárias a actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional”[11].

            Afirmando que o interesse processual não se confunde com os demais pressupostos processuais, esclarecem estes Autores[12]: “relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem que ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.

            O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais que isso”.

            Não é, pois, pacífico o entendimento acerca do enquadramento jurídico da figura do interesse em agir ou interesse processual.

            Castro Mendes[13] sustenta que o interesse em agir não constitui pressuposto processual, e ainda menos condição de acção e que a sua eficácia se restringe ao campo limitado das custas processuais, mas também reconhece: “se o interesse em agir é algo de normalmente presente em todas as acções, e, por isso, não carece de ser especificado como pressuposto processual autónomo, no entanto pode suceder excepcionalmente que a falta de interesse em agir represente uma excepção dilatória.

            Casos pode haver efectivamente em que excepcionalmente falte de todo o interesse em agir, e essa falta conduza à absolvição da instância”.

            Já Manuel de Andrade, o primeiro doutrinador a autonomizar o interesse processual da legitimidade não solucionou, pelo menos de forma definitiva, o enquadramento jurídico a atribuir à figura em causa, tanto a considerando como condição da acção, como elemento integrativo da legitimidade, como mesmo simples causa de condenação em custas por parte da parte activa que vá a juízo sem necessidade de tutela judiciária.

            Já Anselmo de Castro trata o interesse processual como pressuposto processual autónomo e inominado, acrescentando, a propósito de tal conclusão: “nem a isso obsta a sua não inclusão nos arts. 494º, nº1 e 288º, nº1, e) uma vez que aquele primeiro preceito está redigido em termos de admitir outras excepções dilatórias (pressupostos processuais) para além das aí enumeradas. Acresce que, numa legislação como a nossa, em que se fez da legitimidade pressuposto e não fundo, é mais congruente considerar o interesse como pressuposto e não como condição da acção (fundo); por outras palavras, é mais conforme com a lei, na falta de interesse em agir, vedar ao juiz o conhecimento do mérito[14]”.

            De todo o modo, tem vindo, de forma pacífica, a jurisprudência a qualificar de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, a falta de interesse em agir ou falta de interesse processual, conduzindo, nas acções declarativas comuns, à absolvição do réu da instância[15].

            Nessa medida, não constitui nulidade prevista no artigo 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil o conhecimento da questão da falta de interesse em agir, ainda que a mesma não tenha sido suscitada por qualquer das partes.

            Como resulta do artigo 288º, nº1, e) do Código de Processo Civil, “o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando julgue procedente alguma outra excepção dilatória.

            Verificando-se, assim, uma qualquer excepção dilatória que não seja a de incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo artigo 110º, ou que resulte da preterição do tribunal arbitral voluntário, não só o juiz pode dela conhecer, como o deve fazer oficiosamente[16], ainda que não tenha sido invocada por nenhuma das partes.

E não se argumente, como o faz a recorrente, que a falta de interesse em agir constitui uma excepção dilatória inominada não incluída no artigo 494º do Código de Processo Civil, para se defender não ser a mesma de conhecimento oficioso.

Como claramente resulta da letra do artigo 494º do referido diploma, o mesmo não contém uma enumeração taxativa das excepções dilatórias, mas antes uma enumeração exemplificativa, abarcando, por conseguinte, também as designadas excepções dilatórias inominadas, incluindo a falta de interesse em agir.

Não se configura, deste modo, o vício arguido pela recorrente nas suas alegações: a excepção dilatória, a existir, podia/devia ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, independentemente de invocada ou não pelas partes.

Questão diferente é a de saber, como adiante se verá, se efectivamente existe falta de interesse em agir, como entendeu existir a Senhora Juíza da primeira instância.

            Resolução do contrato de arrendamento

            O ora recorrente peticionou, em acção judicial que para o efeito propôs contra a recorrida/arrendatária, e com fundamento na falta de pagamento por esta de rendas vencidas, parte das quais há mais de três meses, que se decrete a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre ambos, e se condene a segunda a entregar, de imediato, o local arrendado, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas e vincendas até efectiva entrega do mesmo, além de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4% ao ano.

            Julgou a Senhora Juíza da primeira instância configurar-se a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir por entender que a resolução do contrato de arrendamento com o fundamento invocado pelo recorrente, com a vigência da NRAU só pode obter-se pela via extrajudicial, estando vedado o recurso à via judicial.

            Diferente entendimento é sustentado pelo recorrente no recurso que interpôs daquela decisão, para quem a resolução do contrato de arrendamento pode também ser obtida com recurso à via judicial, conferindo-lhe o NRAU a faculdade de escolher uma ou outra via.

            Com vista à solução do diferendo em debate, importa, antes de mais determinar a natureza do contrato celebrado entre as partes e o regime legal aplicável.

            Trata-se de um contrato de locação, tal como é definido pelo artigo 1022º do Código Civil: “Locação é o contrato pelo qual uma das partes obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um coisa, mediante retribuição”.

O contrato de arrendamento é um contrato bilateral, sinalagmático. Através da sua celebração, estabelecem-se obrigações a cargo do senhorio e do inquilino.

É também um contrato oneroso: “o sacrifício patrimonial que cada uma das partes suporta é compensado, do seu ponto de vista, pelo benefício que aufere”[17].

O contrato em causa foi celebrado em 1 de Outubro de 2007, ou seja, após a entrada em vigor do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27.02, estando, como tal, subordinado ao respectivo elenco normativo[18], designadamente artigo 1064º e seguintes do Código Civil.

De acordo com o nº1 do artigo 1083º do Código Civil, “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais do direito, com base em incumprimento pela outra parte”.

Segundo o nº 3 do mesmo dispositivo, “é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (…), sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte”.

Por sua vez, estabelece o nº1 do artigo 1084º do mesmo diploma legal: “a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”; e o nº2: “a resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no nº 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo”.

E o nº 3 do mesmo artigo 1084º dispõe: “a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”.

A deficiente, quase ininteligível, redacção do artigo 1084º do Código Civil tem vindo a suscitar alguma confusão na sua interpretação, nomeadamente quanto ao meio hoje concedido ao senhorio para, com fundamento na situação de mora do arrendatário, quanto ao pagamento das rendas, superior a três meses, fazer cessar, através da sua resolução, o contrato de arrendamento.

E se efectivamente algumas posições – sobretudo na doutrina, já que a jurisprudência é, quanto a tal questão, praticamente uniforme, como adiante se verá – tem vindo a sustentar que a resolução do contrato com base no referido incumprimento do arrendatário só pode operar por via extrajudicial, através da comunicação mencionada no nº1 do artigo 1084º, outras, pelo contrário, defendem que, a par daquele meio, continua a ser facultada ao senhorio a possibilidade de, por via judicial, através da propositura da competente acção judicial, pôr termo à relação locatícia com fundamento naquele mesmo incumprimento.

Esta última é, inequivocamente, a que melhor se adequa a uma interpretação sistemática e teleológica das normas jurídicas que, no âmbito do novo RAU, se destinam a regulamentar o arrendamento e os modos de cessação do mesmo.

Importa, assim e antes de mais, fazer apelo aos artigos 9º, nº7 do NRAU, que define a forma por que deve concretizar-se aquela notificação ou comunicação (notificação judicial avulsa ou contacto pessoal), artigo 15º, nº1, e) (o comprovativo de tal comunicação ou notificação e o contrato de arrendamento passam a constituir título executivo) e o artigo 14º, nº1 (que determina que a acção de despejo constitui meio para fazer cessar a situação jurídica do arrendamento).

As normas em causa não afastam a admissibilidade de recurso à via judicial para operar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na situação de mora por mais de três meses, por parte do arrendatário, no pagamento das rendas vencidas, antes claramente, conferem essa admissibilidade.

Esclarecedor é o que consta do ponto 1 da Exposição de Motivos da Proposta de Lei do Arrendamento nº 34/X: “o regime jurídico manterá a sua imperatividade em sede de cessação do contrato de arrendamento, mas abre-se a hipótese à resolução extrajudicial do contrato, com base no incumprimento que, pela sua gravidade, ou consequências, torne inexigível à outra a manutenção do arrendamento”.

Ou seja: mantém-se a possibilidade de fazer cessar o contrato de arrendamento, com o referido fundamento, nos moldes já previstos no anterior RAU, tendo a nova lei criado um novo mecanismo, para o mesmo fim, com o objectivo de agilizar o procedimento relativo à resolução do contrato e entrega do locado.

Com efeito, existindo mora no pagamento da renda superior a três meses, tal implica um rompimento do equilíbrio contratual formado com a celebração do contrato, comporta uma tal reiteração no incumprimento por parte do arrendatário, indiciadora de uma especial gravidade porque violadora do interesse creditório nuclear do senhorio, abalando a sua confiança num futuro cumprimento pontual do pagamento das rendas, tornando, assim, inexigível a manutenção do vínculo contratual, justificando-se, neste contexto, o novo meio criado pelo legislador do NRAU, que concede ao senhorio, para a apontada hipótese, a possibilidade de resolver extrajudicialmente o contrato de arrendamento, através de notificação judicial avulsa ao arrendatário incumpridor, ou contacto pessoal com o mesmo, com a menção do facto incumprido, servindo o comprovativo dessa notificação ou comunicação, juntamente com o contrato de arrendamento, de título executivo extrajudicial, abrindo directamente as portas à acção executiva para a entrega do locado.

Daí se compreende e justifica que só a mora superior a três meses - note-se que “mora superior a três meses” não é o mesmo que três meses de renda em mora[19] - permita uma resolução extrajudicial do contrato de arrendamento[20].

Quando o motivo invocado para a resolução do contrato seja mora no pagamento da renda, mas igual ou inferior a três meses, só por via judicial aquela poderá ser obtida, funcionando, neste caso, as regras contidas no artigo 1083º, nº2 do Código Civil, ficando o senhorio onerado com a alegação e prova dos factos constitutivos da justa causa da resolução, cabendo ao tribunal, apreciando-os, concluir se os mesmos, pela sua gravidade ou consequências, tornam inexigível a manutenção do arrendamento, ao contrário do que se verificará na hipótese de resolução judicial em que o motivo invocado seja a mora superior a três meses, pois, neste caso, o julgador, comprovada essa mora, está vinculado à determinação legal da justa causa[21].

Pode, assim, concluir-se que, não afastando o complexo normativo que regula o arrendamento urbano, antes a comportando, a possibilidade de resolução judicial do contrato de arrendamento, esta mantém-se, como solução alternativamente colocada à disposição do senhorio para fazer cessar o contrato de arrendamento, mesmo com fundamento em situação de mora no pagamento da renda por mais de três meses.

Em socorro desse entendimento também os critérios teleológicos – objectivos da interpretação, as exigências de coerência sistemática, designadamente entre as normas dos artigos 1048º e 1083º, nº3, princípios amplamente reconhecidos, como os interesses sociais em confronto e os princípios inerentes à ordem jurídica acautelados pelo sistema normativo em causa constituem elementos basilares que adensam o mesmo.

Tem sido esta, de resto, a posição acolhida, quase de maneira uniforme[22] pela jurisprudência portuguesa[23].

Idêntico entendimento tem sido sustentado, entre outros, por David Magalhães[24], Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, França Pitão[25], Gravato Morais[26].

E não se argumente, em abono de tese contrária, como o faz a douta decisão recorrida, que a exclusividade do recurso à via extrajudicial para resolver o contrato de arrendamento no caso em que é invocada mora superior a três meses é imposta pela imperatividade do artigo 1080º do Código Civil, pois, como bem refere o Acórdão desta Relação de 22.6.2010, relatado pelo aqui adjunto, Desembargador Dr. Fonte Ramos, “a imperatividade a que alude o art.º 1080º não é a de se considerar que a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas superior a três meses se faz pela via extrajudicial exclusivamente, a imperatividade aí vertida reporta-se a todos os mecanismos que a lei prevê para obter a cessação do contrato e não apenas àquela (…). Portanto, a regra da imperatividade tem a ver com a definição do regime jurídico da cessação do contrato de arrendamento (a todo ele) e não com a possibilidade que se abre ao senhorio de a fazer operar também por via extrajudicial”.

Do mesmo modo, não colhe o argumento de que a imperatividade/exclusividade do meio extrajudicial para resolver o contrato de arrendamento, promovida através da desjudicialização (pelo menos na fase declarativa) imprime maior simplicidade e celeridade ao procedimento adequado a fazer cessar o contrato de arrendamento com fundamento na mora superior a três meses.

Casos há, e são diversos, que sempre demandam a intervenção jurisdicional e que desmentem tal conclusão:

- quando o senhorio, para além do pagamento das rendas em dívida, pretenda cumular pedido de indemnização contra o arrendatário, ou invoque outros fundamentos para obter a resolução do contrato, ou com a denúncia, quando esta tenha de operar pela via judicial[27], ou ainda accionar a responsabilidade do fiador, (o que, na perspectiva da exclusividade do meio extrajudicial, conduziria à instauração de duas acções autónomas, executiva e declarativa, com um acréscimo de custos para o senhorio e de dificuldades na obtenção da entrega do locado);

- quando não exista contrato de arrendamento escrito, exigido para a constituição do título executivo, tornando-se então necessário o recurso à acção declarativa.

O recurso (facultativo) à via judicial para a hipótese em análise poderá, pelo contrário, promover maior celeridade e agilização no procedimento com vista a fazer cessar o contrato de arrendamento e obter a entrega do arrendado:

- não se exige o “compasso de espera, para perfazer os três meses de mora, para então fazer actuar a comunicação/notificação extrajudicial;

- dispensa novo “compasso de espera” de mais três meses, subsequentes àquela comunicação/notificação para eventual purgação da mora pelo arrendatário incumpridor, como lhe faculta o artigo 1084º, nº3 do Código Civil, e para a exigibilidade da desocupação do prédio, nos termos do artigo 1087º do mesmo diploma (enquanto na acção de despejo a entrega pode ser imediata);

- ultrapassa as vicissitudes decorrentes da dificuldade de concretização da notificação judicial ou comunicação por contacto pessoal do arrendatário, formas exigidas pela resolução extrajudicial, quando o paradeiro deste é desconhecido (dificuldades que na acção judicial podem ser contornadas com o recurso à citação edital);

- evita a suspensão dos termos da acção executiva, quando seja deduzida oposição nos termos do artigo 930º-B, nº1, a) do Código de Processo Civil;

- permite que o arrendatário formule desde logo pedido reconvencional para pedir indemnização com fundamento na realização de benfeitorias, tornando desnecessário o recurso, com esse fim, a uma acção autónoma, ou que tal questão seja discutida em sede de oposição à execução;

- torna mais rápida a purgação da mora, já que na acção judicial só pode ser feita até ao termo do prazo para a contestação, esgotando-se, com o seu exercício, essa faculdade, porquanto só pode ser usada uma vez, conforme decorre do artigo 1048º, nºs 1 e 2 do Código Civil);

- faculta o recurso ao incidente do despejo imediato previsto no artigo 14º, nºs 4 e 5 do NRAU.

Conferem estas razões, a adicionar às anteriormente expostas, sentido ao entendimento de ser o recurso à via judicial, através da instauração de acção de despejo, o meio também adequado para obter a resolução do contrato de arrendamento com fundamento em mora superior a três meses no pagamento da renda.

Tal entendimento não é afastado pelo acervo normativo que regulamenta a vigência e extinção da relação locatícia e encontra expressão no espírito do mesmo[28]: agilizar e tornar mais célere a resolução do contrato de arrendamento por incumprimento do arrendatário e dificultar o recurso, por parte do mesmo, a expedientes dilatório para evitar o despejo, dispensando, em casos definidos e delimitados, o recurso à acção declarativa de despejo.

Ou como se afirma no Acórdão da Relação do Porto, de 19.02.2009, já mencionado: “conclui-se, deste modo, que a intervenção do legislador na matéria em causa, embora infeliz quanto à redacção e inserção sistemática do nº 3 do artº 1083º do Código Civil, não visou limitar o direito de acção do senhorio, mas apenas facilitar/acelerar a entrega coerciva do arrendado, tornando dispensável, em certas situações a acção declarativa de despejo.

E, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (artº 9º do Código Civil)”.

Como tal, e revertendo de novo ao objecto de discussão do presente recurso, o uso da acção judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento (bem como a entrega do prédio objecto do referido contrato, e ainda o pagamento de rendas, vencidas e vincendas, e juros de mora), porque legalmente permitida e facultada ao recorrente (em alternativa com o meio extrajudicial), não configura a excepção inominada de falta de interesse de agir passível de determinar a absolvição da instância da recorrida, pelo que, nessa conformidade, se impõe a revogação da decisão impugnada.

Nos termos do disposto no artigo 715º, nº2 do Código de Processo Civil, decretada a revogação da decisão recorrida, impõe-se o conhecimento do mérito da causa.

Resulta comprovado documentalmente e por confissão, nos termos do disposto no artigo 484º, nº1 do Código Civil, que recorrente e recorrida celebraram entre si, de forma válida, um contrato de arrendamento urbano[29], para habitação da arrendatária.

Como contrapartida pela ocupação e utilização do local arrendado, convencionaram os contratantes uma renda anual de € 2.700,00, a pagar em duodécimos de € 225,00, pela arrendatária, até ao dia 8 do mês anterior àquele a que diga respeito, no domicílio do senhorio ou noutro local, que, por escrito, àquela viesse a ser indicado.

A recorrida deixou de pagar as rendas desde Janeiro de 2008.

Constata-se, pois, a falta de pagamento das rendas vencidas até à data da propositura da acção e as que, após essa data, se foram vencendo.

O valor das rendas em dívida à data da propositura da acção era de €. 2.700,00 (Janeiro a Dezembro de 2008).

Nos termos do disposto nos artigos 1038º, a) do Código Civil, constitui obrigação do locatário proceder ao pagamento das rendas nos termos convencionados e legalmente estabelecidos.

A recorrida não procedeu ao pagamento das rendas que se venceram desde Janeiro de 2008, nem se mostra comprovado o depósito liberatório a que se refere o artigo 1042º do Código Civil e 17º a 23º do NRAU.

Esse incumprimento confere ao recorrente/senhorio o direito de exigir a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a recorrida, assim como o pagamento das rendas, vencidas e vincendas, e juros de mora, à taxa legal, bem como a entrega do prédio arrendado, nos termos dos artigos 804º, nº2, 805º, nº2, a), 806º, 1083º, nº3, todos do Código Civil.


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Conclusão:

1. Não é nula a sentença que conheça de excepção dilatória inominada, ainda que a verificação desta não tenha sido invocada por nenhuma das partes.

2. Não configura excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir ou falta de interesse processual o recurso à acção judicial para obter a resolução de contrato de arrendamento urbano com fundamento em mora superior a três meses no pagamento das rendas vencidas.

3. No âmbito do NRAU, a comunicação extrajudicial prevista no artigo 1084º do Código não constitui meio único ao dispor do senhorio para operar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento naquele incumprimento do arrendatário, tendo igualmente possibilidade de, para o mesmo efeito, recorrer à acção judicial (de despejo), competindo-lhe optar pelo uso de um ou outro meio.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em:

- Julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida;

- Declarar resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre recorrente e recorrida, condenando-se esta a entregar, imediatamente, àquele o rés-do-chão do prédio urbano sito na ...., freguesia de ...., concelho de Alcanena, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena com o nº .... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....;

- Condenar ainda a recorrida a pagar ao recorrente as rendas vencidas até à propositura da acção e não pagas, no valor global de € 2.700,00, as vencidas a partir de Janeiro de 2009 e as vincendas até à entrega efectiva do local arrendado, no valor mensal de € 225,00, acrescidas – rendas vencidas e vincendas – de juros de mora, à taxa de 4%, contados a partir de cada dia 9 do mês correspondente.

Custas:

- da apelação: não são devidas;

- na primeira instância: pela ré/recorrida.

 


Judite Pires ( Relatora )
Carlos Gil
Fonte Ramos


[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma
[3] Embora o recorrente nas suas conclusões (alínea A) aluda à alínea b) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, trata-se de um manifesto erro de escrita, já que o erro em causa se reporta ao vício traduzido no conhecimento indevido de questão que estava vedado à Senhora Juíza da 1ª instância conhecer.
[4] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[6] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 142.
[7] “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 79 a 83.
[8] “Manual de Processo Civil”, págs. 179 a 189.
[9] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. II, pág. 251.
[10] Anselmo de Castro, ob. cit., págs. 252, 253.
[11] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit. pág.182.
[12] O. cit., págs. 180, 181.
[13] “Direito Processual Civil”, II, págs. 187 a 192.
[14] Ob. cit. pág. 254.
[15] Entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra, de 26.09.2000, processo nº 1912/2000, Acórdão da Relação de Coimbra, 15.05.2008, processo nº 937/07.6TBGRD.C1.
[16] Artigo 495º do Código de Processo Civil.

[17] M. Januário Gomes, «Constituição da Relação de Arrendamento Urbano», pág. 115.
[18] Cf. artigo 59º, nº1 da referida Lei.
[19] David Magalhães, “A resolução do Contrato de Arrendamento Urbano”, pág. 211.
[20] Cf. Laurinda Gemas/ Albertina Pedroso/ Caldeira Jorge, “Arrendamento Urbano”págs. 297, 298.
[21] David Magalhães, ob. cit., pág. 220.
[22] Em sentido contrário ao que aqui se defende e coincidente com a posição acolhida pela decisão recorrida, cf. Acórdão desta Relação de 15.4.2008, 937/07.6TBGRD.C1, www.dgsi.pt.
[23] Em sentido coincidente com a posição aqui perfilhada, cf., entre outros, os Acórdãos: desta Relação: de 22.06.2010, procº nº 1280/09.1TBTMR.C1; da Relação do Porto, de 02.03.2010, procº nº 552/08.7TBPRG.P1, de 19.02.2009, procº nº 459/08.8TJVNF, de 26.02.2008, procº nº 0820751, de 31.01.2008, procº nº 0736573; da Relação de Lisboa, de 3630/08.9TMSNT.L1-6, de 15.12.2009, procº nº 8909/08.7TMSNT.L1-1, de 17.04.2008, procº nº 2308/08-2, de 28.05.2009, procº nº 438/08.05YYLSB.L1-8, de 18.06.2009, procº nº 438/08.05YYLSB.L1-8, de 31.03.2009, procº nº 2150/08.6TBBRR.L1-7, de 13.03.2008, procº nº 1154/2008-6, de 11.03.2008, procº nº 543/2008-1, de 25.02.2008, procº nº 469/2008-7, de 23.10.2007, procº nº 6397/2007-7; da Relação de Guimarães de 10.07.2008, procº nº 1432/08-2, de 29.11.2008, procº nº 2205/07-1, do Supremo Tribunal de Justiça de 06.05.2010, procº nº 438/08.5YXLSB.LS.S1, todos em www.dgsi.pt.
[24] Ob. cit., págs. 208 a 226.
[25] “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, pág. 612.
[26] “Novo Regime do Arrendamento Comercial”, págs. 104 e segs.
[27] Artigo 1086º do Código Civil.
[28] Artigo 9º do Código Civil.
[29] Artigo 1022º do Código Civil.