Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
432/11.9TJCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ALÍN. D) DO N.º 1 DO ART.º 238.º DO CIRE
Sumário: I – Os requisitos da alín. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE são de verificação cumulativa;

II – Não é pelo simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência que pode concluir-se daí advirem prejuízos para o credor, v. g., por força do vencimento de juros;

III – Porque impeditivos do direito de pedir a exoneração do passivo restante, é sobre o credor e/ou sobre o administrador da insolvência que impende o ónus da prova dos factos integrantes do prejuízo a que se reporta aquele normativo legal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A... e B... requereram no 3.º Juízo Cível de Coimbra a declaração da sua insolvência e simultaneamente formularam pedido de exoneração do passivo restante.

A insolvência veio a ser decretada e o pedido de exoneração do passivo foi admitido liminarmente, com fundamento na inobservância dos fundamentos de rejeição liminar constantes do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.

Inconformado com essa admissibilidade, recorreu o credor “Banco C..., SA”, apresentando alegações com as seguintes úteis conclusões:

a) – Os insolventes abstiveram-se de se apresentar à insolvência dentro do período de 6 meses a contar do momento da verificação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas;

b) – Os devedores/insolventes face ao elevado passivo de que eram e são devedores não podem ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhes permita amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas;

c) – Era exigível aos insolventes, face ao volume das suas dívidas, de acordo com a ponderação de um homem médio, tivessem tomado conhecimento da sua situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos;

d) – Essa omissão causou prejuízo ao recorrente, que viu os seus créditos aumentar, designadamente com a contínua contagem de juros moratórios das obrigações vencidas e incumpridas e aumento dos custos com vista à sua recuperação que, aliás, se vai tornando cada vez mais difícil;

e) – Deve presumir-se o prejuízo dos credores do facto de o requerente da exoneração não se ter apresentado à insolvência quando seja manifesto que desde há vários anos não tinha bens penhoráveis susceptíveis de satisfazer os créditos dos seus credores;

f) – A decisão recorrida violou o disposto na alín. a) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE pelo que deve ser revogada e substituída por outra que indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante peticionado.

Os insolventes, em resposta, pugnaram pela manutenção do despacho recorrido,

 Dispensados os vistos, cumpre decidir, sendo questão a apreciar:

 - Se se verifica, ou não, o condicionalismo da alín. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE que obste ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante da insolvente, v. g., o prejuízo para o credor recorrente resultante do vencimento de juros e se é sobre o devedor que incide o ónus da prova da inexistência de prejuízo ou se ocorre alguma presunção de prejuízo para o credor.


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            2. Fundamentação

            2.1. De facto

            O quadro factual relevante para a resolução dessa questão é o constante do antecedente relatório, resultando ainda pacificamente do despacho recorrido que, para lá do recorrente, outros credores se pronunciaram no sentido do indeferimento do pedido de exoneração, provando-se também nos autos que o administrador da insolvência se pronunciou favoravelmente a esse pedido.


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            2.2. De direito

            De acordo com as conclusões recursivas, que delimitam o thema decidendum, em apreciação está tão-somente o condicionalismo da alín. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, que dispõe que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

            São, assim, 3 os requisitos, de verificação cumulativa, que impedem a concessão do pedido de exoneração do devedor pessoa singular não titular de empresa (art.º 18.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE):

            a) – Abstenção de apresentação à insolvência nos 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

            b) - A existência de prejuízo para os credores decorrente desse incumprimento;

            c) – Conhecimento pelo devedor da falta de perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

            Vejamos se se verificam tais requisitos.

            Quanto ao 1.º, ainda que os autos não facultem em concreto as datas de apresentação à insolvência, é pacífica entre as partes a conclusão da decisão recorrida de que a situação de insolvência se verificou em data anterior aos 6 meses que precederam tal apresentação, pelo que, tal requisito, pode considerar-se preenchido.

            Quanto ao 3.º, não está concretamente demonstrado, embora o valor dos créditos reclamados (€ 4.324.863,06, dos quais € 408.304,61 quanto ao recorrente) e os parcos rendimentos dos devedores, conforme alegação sua na petição de insolvência possa, desde logo, apontar para a sua verificação.

            Todavia, o 2.º (prejuízo para os credores decorrente da omissão de oportuna apresentação à insolvência), não está demonstrado e porque cumulativo com os demais, a sua inobservância obsta à pretensão recursiva.

            São conhecidas as 2 orientações jurisprudenciais que nas instâncias se têm confrontado quanto à resposta a dar à pergunta se do atraso na apresentação à insolvência se pode concluir daí advirem prejuízos para os credores face ao vencimento de juros sobre os créditos em dívida e consequente aumento do passivo.

            É no sentido de uma resposta positiva que as doutas alegações vêm gizadas.

            Não é esse, contudo o entendimento que vimos seguindo nesta Relação[1], na esteira, aliás, da jurisprudência uniforme do STJ[2], antes o contrário, ou seja, não é pelo simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência que se pode concluir que, daí, advenham prejuízos para os credores.

            A autonomização que o preceito acima referido faz dos prejuízos faz inculcar que estes não decorrem automaticamente do atraso, antes de factos concretos de onde possa concluir-se que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé, v. g., objectivada na dissipação ou oneração do património ou em constituição de novas  dívidas contraídas após consolidação da insolvência, assim reduzindo a garantia patrimonial dos credores.

            Por outro lado, o simples aumento dos débitos do devedor causados pelo acumular de juros, que continuam a vencer-se após a apresentação à insolvência (contrariamente ao que sucedia no CPEREF), não integra aquele conceito de prejuízo já que os credores continuam a ter direito aos juros independentemente do atraso da apresentação à insolvência, como o não integram quaisquer custos procedimentais (aliás não concretizados pelo recorrente) com vista à recuperação dos créditos.

            Quanto à sub-questão do ónus da prova da inexistência de prejuízo para os credores, a impender sobre os devedores, ou à presunção de prejuízo decorrente da inoportuna apresentação à insolvência, em que o recorrente estriba também as alegações, importa referir que não é sobre o devedor que incide tal ónus nem decorre de nenhum preceito legal qualquer presunção de prejuízo para o credor.

            Com efeito, os factos integrantes dos fundamentos de indeferimento liminar do mencionado art.º 238.º do CIRE não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir a exoneração, antes constituem factos impeditivos desse direito e, daí, que o n.º 2 do art.º 342.º do CC faça incidir o respectivo ónus da prova sobre os credores e/ou sobre o administrador da insolvência.[3]

            Em suma, nenhuma censura merece a decisão recorrida quando admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos recorridos.


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            3. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC):

            I – Os requisitos da alín. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE são de verificação cumulativa;

            II – Não é pelo simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência que pode concluir-se daí advirem prejuízos para o credor, v. g., por força do vencimento de juros;

            III – Porque impeditivos do direito de pedir a exoneração do passivo restante, é sobre o credor e/ou sobre o administrador da insolvência que impende o ónus da prova dos factos integrantes do prejuízo a que se reporta aquele normativo legal.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

            Custas pelo recorrente.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
António Magalhães


[1] V. Decisão sumária de 30.6.11, na Apelação n.º 7/11.2TBMGL-D.C1 e mais recentemente Ac. de 6.12.11. na Apelação n.º 401711.9TBCTB-F.C1 que subscrevemos como adjunto.
[2] V. Acs. de 21.10.10, Proc. 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1, 6.3.11, Proc. 570/10.5TBMGR-B.C1.S1, 6.7.11, Proc. 7295/08.0TBBRG.G1.S1 e 3.11.11, Proc. 85/10.1TBVC-F.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] É esta também a posição seguida nos citados Acs. do STJ de 21.10.10 e 6.7.11.