Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
122/10.0TBFND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DIREITO DE RETENÇÃO
CASO JULGADO
CREDOR
HIPOTECA
TERCEIRO
Data do Acordão: 07/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.201, 205, 814, 815, 866, 868 CPC
Sumário: 1.- O terceiro, juridicamente interessado, por ser credor hipotecário, não condenado na sentença que se executa, crédito garantido por direito de retenção, não pode considerar-se vinculado à mesma, em virtude da ineficácia subjectiva do caso julgado formado por aquela sentença.

2.- Após a reforma da acção executiva, é indubitável que o credor reclamante, que não esteja abrangido pelo caso julgado formado em anterior acção declarativa, pode, no concurso de credores, impugnar o crédito exequendo e respectiva garantia real, invocando qualquer fundamento, para além dos constantes dos artigos 814º e 815º, do CPC, designadamente aqueles que possam ser invocados no processo de declaração;

3.- Findo o prazo para a reclamação de créditos, se o credor reclamante não for notificado, pela secretaria judicial, como comanda o aludido art. 866º, nº 1, para impugnar o crédito do exequente, verificar-se-á uma nulidade, nos termos do art. 201º, nº 1, do CPC, a arguir nos termos do art. 205º, nº 1, 2ª parte, do CPC.

4.- Não tendo o reclamante, credor hipotecário, não abrangido pela eficácia do caso julgado formado na acção declarativa anterior, impugnado o crédito do exequente garantido pelo direito real de retenção, como lhe permitia o art. 866º, nº 3, do CPC, deverá este último e respectiva garantia ter-se como reconhecido, nos termos do disposto pelo art. 868º, nº 4, do CPC;

5.- Neste caso o aludido direito de retenção prevalece sobre a hipoteca.

Decisão Texto Integral: I - Relatório

1. Nos presentes autos de reclamação de créditos, instaurados por apenso à execução comum 122/10.0TBFND-A em que é exequente C (…), SA, e executada V (…), Lda., veio a Caixa Geral de Depósitos, SA, peticionar a verificação e graduação de um crédito no montante total de 3.629.753,19 €, à data de 20.11.2012, mais juros vincendos, despesas eventuais e imposto de selo, relativo a contratos de abertura de crédito celebrados com a executada, em virtude dos quais lhe foram disponibilizados capitais, que não foram reembolsados, acrescidos de juros remuneratórios e de mora, despesas e comissões, nos termos contratados.

Alegou, ainda, que para garantia do capital mutuado, juros e demais despesas, a executada constituiu três hipotecas a favor da reclamante sobre o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão sob o nº 1347 da freguesia do Fundão, e inscrito na matriz respectiva sob o art. 617º, hipotecas essas que se encontram registadas a seu favor. Juntou documentos.

Notificados a exequente e a executada, não foi impugnada a reclamação deduzida.

A execução movida pela exequente assenta em crédito beneficiando de direito de retenção sobre tal imóvel, reconhecido por sentença, transitada em julgado. Esta sentença, como título dado à execução, foi junta ao requerimento inicial executivo. Nesse requerimento, no lugar destinado à indicação dos factos, foi mencionado que em tal sentença foi a executada condenada a pagar à exequente uma determinada quantia, e que a mesma sentença reconheceu o direito de retenção da exequente sobre o imóvel atrás identificado.   

Atento o efeito cominatório previsto no art. 868º, nº 4, do CPC, considerou-se reconhecido o crédito reclamado pela CGD, no valor aludido de 3.629.753,19 €, que compreende juros contabilizados até 20/11/2012.

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Foi depois proferida sentença que:

a) Reconheceu o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA, nos seus exactos termos e montante;

e consequentemente,

b) Relativamente ao produto da venda do imóvel penhorado, graduou tal crédito e o crédito exequendo da seguinte forma:

1.º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA;

2.º O crédito exequendo.

*

2. A exequente interpôs recurso, no qual, além do mais, invocou a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, em virtude de a mesma não ter conhecido da existência desse direito de retenção.

3. Na 1ª instância, foi então proferido despacho que reconheceu tal vício da sentença, tendo sido elaborada nova sentença que:

a) Reconheceu o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA, nos seus exactos termos e montante;

e consequentemente,

b) Relativamente ao produto da venda do imóvel penhorado, graduou tal crédito e o crédito exequendo da seguinte forma:

1.º O crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA;

2.º O crédito exequendo.

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4. A exequente, ao abrigo do art. 670º, nº 3, do CPC, alargou o objecto do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – No seio da corrente jurisprudencial que sufraga o entendimento que o credor hipotecário não está abrangido pela força do caso julgado da sentença exequenda, há unanimidade nos efeitos que daí se extraem ao nível do regime da respectiva acção executiva.

2 – Com efeito, para a corrente jurisprudencial que firma aquele entendimento, o credor hipotecário tem o ónus de impugnar essa garantia do Exequente em sede de reclamação de créditos, sob pena de não o fazendo ela persistir incólume (cfr. Acórdão do STJ de 12.9.2006 –

Proc. 06A2136, Acórdão do STJ de 20.5.2010 – Proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1, Acórdão do STJ de 07.10.2010 – Proc. 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, e Acórdão do STJ de 20.10.2011 – Proc. 2313/07.1TBSTR-B.E1.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt).

3 – Também o Meritíssimo Juiz Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 2007, 10ª edição, págs. 330/331, preconiza que “A falta de impugnação (por parte do credor reclamante) implica o reconhecimento dos créditos e das respectivas garantias.”

4 – Face ao exposto, afigura-se-nos meridianamente claro que, in casu, a falta de impugnação, por parte da credora reclamante, da garantia associada ao crédito exequendo, tem por efeito o reconhecimento da mesma (ut. artigo 868.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil), o que ora se requer e deseja ver apreciado.

5 – Acresce que a fundamentação invocada pela Meritíssima Juiz a quo para não extrair tal consequência da falta de impugnação, por parte da credora reclamante, da garantia associada ao crédito exequendo, assenta numa interpretação equívoca da lei.

6 – Com efeito, a Meritíssima Juiz a quo considera que tal falta de impugnação não poderá surtir como efeito o reconhecimento da garantia real associada ao crédito exequendo porquanto “a credora reclamante foi citada para reclamar o seu crédito nos termos do disposto no artigo 864.º, n.º 3, al. b), do Código Processo Civil, remetendo-lhe, para o efeito, o Agente de Execução apenas o auto de penhora. Não foi notificada para impugnar o crédito do exequente, garantido pelo direito de retenção, nos termos previstos no artigo 866.º, n.º 3, do Código Processo Civil.”

7 – Ora, importa aclarar que a citação dos credores que sejam titulares de direito real de garantia registado ou conhecido, para reclamarem o pagamento dos seus créditos, é feita nos termos do artigo 864.º, n.º 3, al. b), do Cód. Processo Civil, e no prazo de 5 dias contados da realização da última Penhora (ut. artigo 864.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 864.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil).

8 – A reclamação de créditos por parte daqueles credores terá de ser feita no prazo de 15 dias a contar da respectiva citação (ut. artigo 865.º, n.º 2).

9 – Findo esse prazo, e havendo reclamações de créditos, são as mesmas notificadas, pela secretaria, ao executado, ao exequente e aos demais credores reclamantes (ut. artigo 866.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).

10 – Com essa notificação, começa a correr o prazo de 15 dias para:

a) Exequente e Executado impugnarem as reclamações de créditos que hajam sido apresentadas (ut. artigo 866.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil);

b) Credores Reclamantes impugnarem (i) os créditos (reclamados) garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia,

(ii) o crédito exequendo, bem como (iii) as garantias reais invocadas quer pelo exequente quer pelos outros credores (ut. artigo 866.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil);

11 – Face ao exposto, e porque nos presentes autos não houve qualquer outra reclamação de créditos para além da que foi deduzida pela credora hipotecária Caixa Geral de Depósitos, o prazo que esta dispunha para impugnar o crédito da exequente bem como a garantia real a ele associada, era de 15 dias a contar da notificação feita ao Exequente e Executada da reclamação de créditos deduzida pela credora hipotecária reclamante, não tendo de haver qualquer notificação à credora hipotecária para esse efeito (seria até anacrónico notificar-se a credora reclamante da sua própria reclamação de créditos). (cfr. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2010, proferido no âmbito do Proc. n.º 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).

12 – Do supra vertido decorre indubitável que o artigo 866.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil não contempla qualquer notificação aos credores reclamantes.

13 – Em rigor, a notificação a que faz referência o n.º 3 do artigo 866.º, é a que se encontra prevista no seu n.º 1.

14 – Ainda que assim não se entendesse, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, nem por isso deixaria de assistir razão à Recorrente no presente recurso.

15 – Com efeito, não competia à Recorrente, mas sim ao Tribunal, realizar a notificação invocada pela Meritíssima Juiz a quo.

16 – Assim sendo, como é, tal (suposta) omissão não pode ser imputável à ora Recorrente.

17 – Por conseguinte, não poderá a Meritíssima Juiz a quo invocar tal circunstancialismo para justificar a razão pela qual não atendeu o direito de retenção da Recorrente, pois a ser assim isso equivaleria a sancionar a Recorrente por uma omissão à qual a mesma é alheia.

18 – Mas, ainda que se admitisse que a notificação referida pela Meritíssima Juiz a quo era obrigatória e que a mesma não teve lugar in casu, estaríamos perante uma nulidade processual (ut. artigo artigo 201.º do Cód. Processo Civil).

19 – Sucede que o prazo para arguição de tal nulidade é de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto processual posterior ou foi notificada para acto processual posterior.

20 – Ora, no caso sub judice, a admitir-se que foi com as Alegações de Recurso da Recorrente que a credora reclamante passou a ter conhecimento que o crédito exequendo tinha associado a si um direito real de garantia sobre o prédio sobre o qual impende a hipoteca da Recorrida, passou então a ser esse o momento em que a Recorrida tomou conhecimento da alegada nulidade decorrente da sua não notificação para impugnar a garantia real invocada pela Exequente e ora Recorrente.

21 – Nessa medida, dispunha a credora reclamante Caixa Geral de Depósitos de 10 dias a contar dessa data para arguir tal nulidade nos autos.

22 – Sucede que a Recorrida não só não invocou tal (alegada) nulidade dentro daquele prazo, como jamais o fez em momento posterior.

23 – Face a tudo o quanto se mostra acima expendido, dúvidas não subsistem que a não valoração do direito de retenção da ora Recorrente nos presentes autos, viola o disposto no artigo 868.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, o que impõe a revogação da douta sentença recorrida, o que ora se requer e deseja ver apreciado.

24 – A ser valorado e atendido o direito de retenção judicialmente reconhecido à ora Recorrente, como legalmente se impõe, a graduação de créditos produzida ao abrigo dos presentes autos não poderá deixar de graduar o crédito exequendo em primeiro lugar nos termos dos artigos 754.º, 755.º e 759.º, n.º 2, todos do Cód. Civil.

25 – Com efeito, constitui jurisprudência pacífica que no confronto com o crédito hipotecário, o direito de retenção prevalece (cfr. Ac. do TRC de 14.02.2012, Ac. do TRC de 15-01-2013, Ac. do STJ de 7.10.2010, Ac. do STJ de 17.04.2007, Ac. do STJ de 10.05.2011 e Ac. do STJ de 20.10.2011, todos consultáveis in www.dgsi.pt; Miguel Teixeira de Sousa, "A Penhora de Bens na Posse de Terceiros”, in ROA, Ano 51º, Abril de 1991, pág. 83; Amâncio Ferreira (2000), Curso de Processo de Execução, 2.ª edição, Almedina, pág. 212; e Remédio Marques (2000), Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, pág. 322 e 331).

26 – Nessa medida, relativamente ao produto da venda do prédio penhorado ao abrigo dos autos de execução, deverá o crédito da Exequente ser graduado em primeiro lugar, o que ora se requer e deseja ver apreciado.

27 – Foram pois e em suma violados os arts. 866.º, n.º 3, e 868.º, n.º 2 e 4, ambos do Código Processo Civil, e os artigos 754.º, 755.º e 759.º, n.º 2, todos do Cód. Civil, o que impõe necessariamente a revogação do doutamente sentenciado no sentido supra alinhavado.

Termos em que concedendo-se provimento à Apelação e revogando-se a douta sentença nos termos supra expendidos se fará inteira e sã

JUSTIÇA

5. A CGD contra-alegou, com as seguintes conclusões:

1) À Apelada Caixa Geral de Depósitos é inoponível o aresto onde foi enunciado o direito de retenção da Apelante sobre a obra edificada no prédio penhorado à Executada V (…), Lda.

2) Constitui jurisprudência pacífica que o credor hipotecário é terceiro juridicamente interessado em virtude da ineficácia subjectiva do caso julgado material formado por aquele aresto.

3) À Apelada, como bem graduou a sentença recorrida, é oponível, isso sim, a penhora do direito de crédito da Apelante, registada na conservatória do registo predial pela Apresentação n.º 3519 de 2012/05/18.

4) A sentença ora impugnada graduou correctamente os créditos com base nos registos inscritos na conservatória do registo predial do imóvel penhorado, com hipotecas registadas previamente à penhora da Apelante.

5) Deve, pois, ser integralmente mantida a sentença recorrida que graduou, para serem pagos pelo produto da venda do bem imóvel penhorado, em 1º lugar o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos e em 2º lugar o crédito exequendo.

Por todo o exposto, deverá o recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se na íntegra a decisão de verificação e graduação de créditos, do tribunal a quo, realizando-se assim a necessária justiça.

II – Factos Provados

Além dos factos que dimanam do relatório supra, está provado, também, que nos autos de execução foi penhorado o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial do Fundão sob o n.º 1347/19960112, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 617, conforme auto de penhora a fls. 33-34 dos autos principais.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Prevalência do crédito exequendo, garantido por direito de retenção, sobre o crédito reclamado, garantido por hipoteca.

2. Face ao título executivo a exequente é titular do direito de retenção sobre o imóvel penhorado nos autos, imóvel esse onerado com 3 hipotecas voluntárias a favor da credora reclamante.

Todavia a credora reclamante não foi demandada na acção declarativa em que foi reconhecido o direito de retenção a favor da exequente, apesar de poder ter sido demandada, pois 2 hipotecas já estavam à altura inscritas registralmente.

Assim, tal direito de retenção, apesar de judicialmente reconhecido por sentença transitada em julgado, não é oponível ao credor hipotecário, já que este, quanto aos limites subjectivos, não fica abrangido pela eficácia do caso julgado (vide art. 671º, nº 1, do CPC, e Acds. do STJ, de 12.9.2006, Proc.06A2136, de 20.5.2010, Proc.13465/06.8YYPRT-A, de 7.10.2010, Proc.9333/07.4TBVNG-A, e de 20.10.2011, Proc.2313/07.1TBSTR-B, em www.dgsi.pt, acórdãos esses todos, apropriadamente, referidos pela recorrente). É esta a solução jurídica que nos se afigura ser a correcta e que, consequentemente, sufragamos, e que é largamente maioritária na jurisprudência do nosso mais alto tribunal 

Aliás, esta foi a posição jurídica tomada na sentença recorrida, e acaba por não vir questionada no recurso por ambas as partes, recorrente e recorrida.

A discórdia reside noutro ponto. E tem a ver com a falta de impugnação por parte da credora reclamante, em sede de reclamação de créditos, da garantia associada ao crédito exequendo.

Efectivamente, na sentença recorrida considerou-se que a ora recorrida não foi notificada para impugnar o crédito do exequente, garantido pelo direito de retenção, nos termos previstos no art. 866º, nº 3, do CPC, pelo que aderiu, na íntegra, à posição assumida pelo Prof. Lebre de Freitas no artigo “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença”, de que a impugnação da garantia real do exequente continua depois, como antes, da reforma da acção executiva a ser uma faculdade que assiste ao credor reclamante, e não um ónus, cujo incumprimento acarrete o reconhecimento da garantia real invocada pelo exequente ou a prevalência desta, por inexistir norma geral e especial que estabeleça tal cominação. Concomitantemente, decidiu que, face a tal falta de notificação, a garantia hipotecária prevalecia sobre a do direito de retenção.

Ora, nesta parte discordamos do decidido e entendemos que a apelante tem inteira razão.

Efectivamente, como decorre das disposições processuais, as reclamações podem ser impugnadas, pelo exequente e pelo executado, no prazo de 15 dias, a contar da respectiva notificação (art. 866º, nº 2). E, em igual prazo, a contar da respectiva notificação, podem os restantes credores impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, incluindo o crédito exequendo, bem como as garantias reais invocadas, quer pelo exequente, quer pelos outros credores (art. 866º, nº 3). Com fundamento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência (art. 866º, nº 4), ou se o crédito estiver reconhecido por sentença provida de força de caso julgado em relação ao reclamante, a impugnação só pode basear-se em algum dos fundamentos mencionados nos artigos 814º e 815º, na parte em que forem aplicáveis (art.866º, nº 5).

Por isso, quando o exequente se arrogue um direito real de garantia, como no caso um direito de retenção, que deva prevalecer sobre o direito do credor reclamante, é manifesto o interesse deste em impugnar o próprio direito de crédito ou a garantia invocada.

Se anteriormente à reforma da acção executiva, com base no disposto no art. 866º, nº 3, do CPC, ao conceder aos restantes credores a possibilidade de impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado também qualquer direito real de garantia, sem referência expressa aos reclamantes com garantia sobre os bens em relação aos quais a sua incidia, se defendia solidamente que ao credor reclamante era lícito impugnar o crédito do próprio exequente (vide por ex: Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª Edição, Reimpressão, pág. 476 a 480, e Ac. do STJ, de 11.5.1995, CJ (STJ), T. 2, pág. 81), face à actual redacção do mesmo preceito, introduzida pelo DL 38/2003, de 8.3, não pode haver qualquer dúvida que é permitido ao credor reclamante impugnar o crédito exequendo e as respectivas garantias reais invocadas.

E pode fazê-lo de duas maneiras. Se o reclamante estiver abrangido, directa ou indirectamente, pela eficácia do caso julgado, formado em anterior acção declarativa está impedido de invocar qualquer outro fundamento, para além dos constantes dos art. 814º e 815º, como reza o falado 866º, nº 5, pois não estando abrangido pelo caso julgado já poderá defender-se com a amplitude consentida pelos arts. 816º e 866º, nº4, ex vi do 866º, nº 5, este a contrario sensu, todos do CPC.

Assim, findo o prazo para a dedução de créditos, e notificados, pela secretaria judicial, o executado, o exequente, e os credores reclamantes, atento o disposto no art. 866º, nº 1, do CPC, estes últimos podem impugnar o crédito exequendo e respectivas garantias reais, pois não o fazendo importará que este crédito, e garantias que o acompanhem, deva ser declarado existente e reconhecido, de acordo com o princípio do cominatório pleno, nos termos do estipulado pelo art. 868º, nº 4, do CPC (cfr. Remédio Marques, Curso de P. Executivo à Face do Código Revisto, 2000, pág. 371 e 372).

Deste modo, não tendo a reclamante CGD, não abrangida pela eficácia do caso julgado formado na acção declarativa anterior, impugnado o crédito do exequente garantido pelo direito real de retenção, como o deveria ter feito, deverá ter-se como reconhecido o crédito exequendo e respectiva garantia, nos termos do citado 868º, nº 4, do CPC (veja-se os anteriormente citados Acds. do STJ, de 12.9.2006, 20.5.2010, 7.10.2010 e 20.10.2011, que acompanhamos).

Se a ora recorrida não foi notificada, pela secretaria judicial, como comanda o aludido art. 866º, nº 1, para impugnar o crédito do exequente, garantido pelo direito de retenção – argumento utilizado na decisão recorrida para denegar a prevalência ao crédito exequendo – então o problema coloca-se a nível da ocorrência de uma nulidade processual, nos termos do art. 201º, nº 1, do CPC. O prazo para arguição de tal nulidade é de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto processual posterior ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (arts. 205º, nº 1, 2ª parte, e 153º, nº 1, do CPC).

Contudo, como justamente assinala a apelante, a admitir-se que foi com as alegações de recurso da recorrente que a credora reclamante passou a ter conhecimento que o crédito exequendo tinha associado a si um direito real de garantia sobre o prédio sobre o qual impende a hipoteca da recorrida, passou, então, a ser esse o momento em que a mesma tomou conhecimento da alegada nulidade decorrente da sua não notificação para impugnar a garantia real invocada pela exequente/recorrente. Portanto, dispunha a credora reclamante de 10 dias a contar dessa data para arguir tal nulidade nos autos. Acontece que a recorrida não só não invocou tal nulidade nas suas contra-alegações de recurso, como nunca o fez até ao momento.

Queda, assim, infundado o argumento utilizado na decisão recorrida sobre a referida notificação.

Como atrás dissemos, o crédito exequendo e garantia que o acompanha deve ser declarado existente e reconhecido.  

Ora, preceitua o art. 759º, nº 2, do CC, que o direito de retenção que incida sobre coisa imóvel prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada, anteriormente.

Como assim, procede o recurso.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) O terceiro, juridicamente interessado, por ser credor hipotecário, não condenado na sentença que se executa, crédito garantido por direito de retenção, não pode considerar-se vinculado à mesma, em virtude da ineficácia subjectiva do caso julgado formado por aquela sentença;

ii) Após a reforma da acção executiva, é indubitável que o credor reclamante, que não esteja abrangido pelo caso julgado formado em anterior acção declarativa, pode, no concurso de credores, impugnar o crédito exequendo e respectiva garantia real, invocando qualquer fundamento, para além dos constantes dos artigos 814º e 815º, do CPC, designadamente aqueles que possam ser invocados no processo de declaração;

iii) Findo o prazo para a reclamação de créditos, se o credor reclamante não for notificado, pela secretaria judicial, como comanda o aludido art. 866º, nº 1, para impugnar o crédito do exequente, verificar-se-á uma nulidade, nos termos do art. 201º, nº 1, do CPC, a arguir nos termos do art. 205º, nº 1, 2ª parte, do CPC.  

iv) Não tendo o reclamante, credor hipotecário, não abrangido pela eficácia do caso julgado formado na acção declarativa anterior, impugnado o crédito do exequente garantido pelo direito real de retenção, como lhe permitia o art. 866º, nº 3, do CPC, deverá este último e respectiva garantia ter-se como reconhecido, nos termos do disposto pelo art. 868º, nº 4, do CPC;

v) Neste caso o aludido direito de retenção prevalece sobre a hipoteca.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, e, consequentemente revoga-se a sentença recorrida, graduando-se os créditos em presença, de forma a ser dado pagamento, pelo valor do imóvel, do seguinte modo:

1 - Em primeiro lugar, as custas em dívida (art. 455º do CPC);

2 – Em segundo lugar, o crédito exequendo;

3 – Em terceiro e último lugar, o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos.

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Custas pela recorrida CGD.

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Moreira do Carmo ( Relator )

  Alberto Ruço

  Fernando Monteiro