Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO SANTOS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM CONTRATO DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO ALD RESOLUÇÃO RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO LESÃO GRAVE LESÃO DIFICILMENTE REPARÁVEL | ||
Data do Acordão: | 11/28/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 362 Nº1, 368 CPC | ||
Sumário: | I - Visto os procedimentos cautelares servirem para dar utilidade ao que for decidido na acção a favor do requerente, para assegurar a efectividade do direito que lhe for reconhecido, a lesão que se receia acontecer enquanto se aguarda pela decisão definitiva da acção será considerada como de difícil reparação quando, na hipótese de ela se concretizar, retirar efeito útil à decisão definitiva da causa ou impedir a efectividade do direito que for reconhecido ao requerente na decisão definitiva. II – No âmbito de um procedimento cautelar comum em que o locador de um veículo automóvel requer a apreensão e a entrega desse veículo [aluguer de longa duração], configura receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito à restituição do veículo, em consequência da resolução do contrato de aluguer, o receio fundado de dissipação ou ocultação do veículo enquanto se aguarda pela decisão definitiva da causa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
B (…) S.A. com sede em (...) , requereu contra F (…), residente (…) , ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, a apreensão pela autoridade judicial competente do veículo automóvel de marca Audi, modelo A4 A.2.0 TDI, Sport, com a matrícula JI (...) , e dos respectivos documentos, e a entrega subsequente dele ao requerente, sugerindo que para fiel depositária fosse nomeada o requerente. Os fundamentos do pedido foram, em resumo, os seguintes: Após dispensar a audiência do requerido, uma vez que não foi viável a citação pessoal dele, o tribunal a quo proferiu decisão a indeferir as providências requeridas. O requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação pedindo a revogação da decisão. Os fundamentos do recurso foram os seguintes: Não houve resposta ao recurso. * Questão suscitada pelo recurso: Trata-se de saber se a decisão sob recurso incorreu em erro ao indeferir o pedido do requerente. * Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos: 1. No exercício da respectiva actividade comercial, a requerente celebrou com o requerido em 10 de Março de 2014, o pelas partes designado “Crédito Automóvel- Aluguer de Longa Duração com opção de compra” e com o nº (...) , tendo tal acordo sido assinado por ambos e sendo o mesmo composto de condições gerais e especiais. 2. Através de tal acordo e de harmonia com o seu conteúdo que na parte não discriminada aqui se dá por reproduzido, escreveu-se na cláusula primeira das condições gerais que o “B (…)” se obriga a dar em aluguer ao locatário, o equipamento descrito nas condições particulares, sendo que e na cláusula 1ª das condições particulares aí se mostra discriminado como equipamento, o veículo automóvel de matrícula JI (...) , que constitui um Audi A4 2.0 TDIS Sport. 3. Como contrapartida o requerido obrigou-se ao pagamento à requerente de 120 prestações mensais e sucessivas, a primeira no montante de € 1076,60 e as restantes no valor de € 258,14, iniciando-se aqueles pagamentos em 05 de Abril de 2014 e findando em 05 de Março de 2024. 4. O requerido passou a usar o veículo aludido em 2). 5. O requerido deixou de liquidar as prestações a que se alude em 3 em Novembro de 2016. 6. De acordo com a cláusula 23ª – condições gerais - do acordo estabelecido pelas partes com a epígrafe “incumprimento definitivo” aí se deixou escrito: “ 1- Verifica-se incumprimento definitivo por parte do locatário(s) quando, cumulativamente i) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, dois alugueres sucessivos, desde que o valor em conjunto dos alugueres em falta exceda 10% do montante total do capital utilizado para o cálculo do aluguer e ii) o(s) locatário(s) não procedam ao pagamento dos alugueres em atraso no prazo de quinze dias concedido para o efeito pelo B (…) após comunicação dos valores em dívida. 2- Com o incumprimento definitivo do contrato são imediatamente devidas todas as prestações em falta, acrescidas de mora e eventuais encargos ou indemnizações devidas”. 7. Deixou-se escrito na cláusula 24º - condições gerais - do já aludido acordo que: “1. Sempre que a TAN for variável, caso o(s) locatário(s) não aceite(m) as alterações à TAN e TEAG previstas na cláusula 15ª pode(m) no prazo de 15 dias de calendário a contar da comunicação do B (…), resolver o contrato, antecipando a totalidade do saldo devedor nas condições anteriores à alteração, presumindo-se a aceitação das alterações pelo(s) locatário(s) no caso contrário. 2. O B (…) pode resolver o contrato de locação no caso de incumprimento definitivo por outras razões objectivamente justificadas, sendo estas comunicadas pelo B (…) ao(s) locatário(s) através de papel ou outro suporte duradoiro, tais como; a) se o empréstimo for utilizado para fim diferente daquele que foi concedido; b) se se verificar alguma inexactidão ou omissão nas informações prestadas ao B (…) com vista à celebração ou ao abrigo dos contratos; c) se o(s) locatário(s) cessar(em) pagamentos, for(em) executado(s) judicialmente, se apresentar(em) à insolvência ou se requerer(em) alguma medida preventiva destas e ainda se a sua falência ou insolvência for requerida por terceiro(s); d) se forem protestados quaisquer títulos de crédito em que o(s) locatário(s) seja(m) obrigado(s) ou se for devolvido por falta de provisão qualquer cheque sacado pelo(s) locatário(s); e) o não cumprimento total ou parcial pelo locatário(s) de quaisquer obrigações resultantes de um outro contrato celebrado com o Banco ou com qualquer outra entidade que com este esteja em relação de grupo ou ainda com qualquer instituição de crédito ou financeira. 3. Quando o B (…) resolva o contrato, com fundamento no incumprimento definitivo por parte do(s) locatário(s) para além da restituição imediata do equipamento e das demais consequências previstas na lei e neste contrato, o B (…) terá direito a conservar seus os alugueres vencidos e pagos e a receber os vencidos e não pagos acrescido de juros, bem como ao pagamento da indemnização previstas no número seguinte a título de cláusula penal. 4. Em caso de resolução do contrato pelo B (…), será devida ao B (…), uma indemnização pelos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do incumprimento do contrato pelo(s) locatário(s) correspondentes a 50% do valor dos alugueres vencidos até ao fim do contrato. 5. Para os efeitos do presente contrato, constitui causa de vencimento antecipado de todas as obrigações dele emergentes, o não cumprimento total ou parcial pelo(s) locatário(s) de quaisquer obrigações resultantes de um outro contrato celebrado com o Banco ou qualquer outra sociedade que com este esteja em relação de grupo ou ainda com qualquer outra instituição de crédito ou financeira”. 8. Em 30 de Junho de 2017 a requerente remeteu ao requerido, para a morada por aquele indicada no acordo referido em 1), uma missiva, pela qual o informava da existência de um montante em dívida no valor de € 2 819,37, relativo a rendas dos meses de Novembro de 2016 a Julho de 2017 e montantes de comissões e seguros de vida, dando-lhe o prazo até 20de Julho de 2017 para efectuar tal pagamento, com a cominação de não o fazendo ser o contrato a que se alude em 1, resolvido. 9. Com data de 21 de Julho de 2017, a requerente remeteu por correio registado, para a morada indicada pelo requerido no acordo referido em 1, uma missiva pela qual declarava resolvido o contrato com aquele celebrado em Abril de 2014, dando-lhe conta do montante em dívida a essa data, e solicitando-lhe a entrega do veículo de matrícula JI (...) até ao dia 31 de Julho de 2017, na sede do B (…). 10.Na mesma data a que se alude em 9), o B (…) preencheu um documento apelidado de “livrança” anteriormente assinado pelo requerido na parte relativa ao subscritor, tendo data de vencimento o dia 21 de Julho de 2017 com a importância de € 12.887,01. 11.O requerido não devolveu a viatura a qual está registada em nome da requerente. 12.A viatura JI (...) desvaloriza-se a cada dia que passa, não podendo o requerente dela dispor e tirar qualquer rendimento. 13.Continuando a ter que pagar o Imposto Único de Circulação. * Descritos os factos, passemos à resolução da questão supra enunciada. Constitui objecto do presente recurso a decisão de indeferir duas providências cautelares requeridas ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, concretamente a apreensão de um veículo automóvel e a sua entrega ao requerente, como depositário. O tribunal a quo indeferiu o pedido dizendo, em síntese, o seguinte: O recorrente contestou esta fundamentação alegando, em síntese: Apreciação do tribunal: As divergências do recorrente em relação à decisão recorrida suscitam essencialmente as seguintes questões: Sendo isento de dúvida que a pretensão do requerente foi deduzida ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC e que foi o disposto neste número que serviu de fundamento jurídico à decisão sobre recurso, a resposta às questões acima enunciadas passa necessariamente pela interpretação do citado preceito e pela interpretação do requerimento inicial. Comecemos pela interpretação n.º 1 do artigo 362.º. Este preceito define o âmbito das chamadas providências cautelares não especificadas, ou seja, das providências destinadas a acautelar o risco de lesão de direitos (risco resultante da demora da decisão definitiva da causa), que não está prevenido por alguma das seguintes providências tipificadas na lei: restituição provisória da posse, suspensão de deliberações sociais, alimentos provisórios, arresto, embargo de obra nova, arrolamento. Define esse âmbito dizendo que, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Com base nestes dizeres podemos afirmar que, na resposta a dar a um pedido de providência cautelar deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, o julgador terá de efectuar o seguinte percurso: Como se escreveu acima, o recorrente sustenta, em matéria de direito a acautelar com as providências por si requeridas, que o que está em causa não é o direito de crédito, consistente em obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas pelo recorrido bem como o pagamento da indemnização devida pelo incumprimento do contrato, mas o direito de propriedade sobre o veículo dado de aluguer. Sobre esta alegação cabe dizer o seguinte. O recorrente tem razão quando afirma que o direito que pretende acautelar não é o direito de obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas pelo recorrido nem o direito de obter o pagamento da indemnização devida pelo incumprimento do contrato de aluguer. A sua razão não significa, no entanto, que, nesta questão, a decisão sob recurso tenha incorrido em erro. É que a decisão recorrida também não afirmou que o direito a acautelar pelas providências era o direito ao pagamento das rendas e da indemnização. Já não tem razão quando afirma que o direito a acautelar é o direito de propriedade sobre o veículo. No entender deste tribunal, o direito que pretende acautelar com as providências é o direito à restituição do veículo em consequência da resolução do contrato de aluguer. Na verdade, apesar de o requerente afirmar que é o proprietário do veículo, a relação que serve de fundamento ao procedimento é o contrato de aluguer do veículo celebrado entre o requerente, como locador, e o requerido, como locatário. E é com base na resolução do aluguer, por incumprimento contratual do requerido, que o requerente reclama a restituição do veículo, como o atesta a carta remetida ao requerido a declarar a resolução do contrato e a entrega do veículo (fls. 11 e 12 dos autos). De resto, no artigo 32.º da petição o requerente afirma: “está assim em causa o direito à restituição e simultaneamente o direito de propriedade do requerente”. Ora o direito a acautelar tido em vista pela decisão foi precisamente o direito à restituição do veículo como o comprova a seguinte passagem dela: “Não estando alegados factos integradores do pressuposto de que depende o decretamento da providência inominada requerida, ou seja, que a conduta omissiva da requerida cause ao requerente lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito (art.º 362.º, n.º 1, do C.P.C.), no caso a restituição do veículo locado há que julgar improcedente o pedido”. Pelo exposto, em matéria de direito a acautelar, a decisão sob recurso não merece censura. A segunda questão suscitada pela alegação prende-se com a interpretação feita pela decisão recorrida do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, na parte em que faz depender o recurso ao procedimento cautelar do receio de lesão dificilmente reparável ao direito do requerente. Em causa está o segmento da decisão onde se afirmou que a desvalorização do veículo automóvel, embora consubstanciasse um prejuízo, algumas vezes grave, não era de considerar como dificilmente reparável porque o requerente não alegara quaisquer factos atinentes à situação patrimonial do requerido, à sua capacidade para cumprir a responsabilidade resultante do contrato, o perigo de fuga ou outra conduta susceptível de determinar o perigo de se colocar em situação de não se poder solver o devido. O recorrente, transcrevendo o que foi afirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de Fevereiro de 2015, no processo n.º 1617/14.1T8SNT, publicado em www.dgsi.pt., sustenta que, numa situação como a dos autos, o que interessava e era relevante para aferir sobre o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável era a afectação do direito de propriedade da requerente e que, embora as consequências da eventual acção do requerido, fossem meramente patrimoniais, se se levasse ao limite o raciocínio de que os danos patrimoniais eram ressarcíveis por uma adequada indemnização em dinheiro, ter-se-ia de concluir que só quando estivessem em causa bens eminentemente pessoais é que se poderia invocar o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável e mesmo aí podia objectar-se que também tais danos seriam indemnizáveis. Sobre esta alegação cabe dizer o seguinte. O sentido dado pela decisão recorrida à parte do n.º 1 do artigo 362.º que se refere “ao receio de lesão … dificilmente reparável ao seu direito” tem subjacente a seguinte lógica: quando o direito que se quer acautelar tiver natureza patrimonial, a lesão receada só será de qualificar como de difícil reparação quando, atendendo “às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente”, se concluir que o requerido não tem condições económicas para suportar a reparação da lesão causada. Esta interpretação tem sido aplicada a casos como o dos autos por múltiplas decisões judiciais. Citam-se, a título de exemplo, as seguintes decisões, todas publicadas em www.dgsi.pt: Todas elas entenderam que, que estando em causa lesões patrimoniais nos direitos do locador, só se poderá falar em lesão dificilmente reparável quando o locatário não dispusesse de meios para o ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo locador em consequência da não restituição ou da demora na entrega do veículo Há, no entanto, decisões a sustentar o contrário. Assim, no acórdão do tribunal da Relação de Lisboa proferido em 12-10-2010, no processo n.º 5549/09-7, publicado em www.dgsi.pt entendeu-se que “mantendo-se o locatário a utilizar o automóvel, na sequência da resolução do contrato e sem pagar as rendas, e denotando a sua oposição ao procedimento cautelar comum, interposto pelo locador, a intenção de assim continuar, deve ter-se por verificada a existência de periculum in mora”. Também no acórdão proferido pela mesma Relação em 18-11-2010, no processo n.º 339/10.7TBSSB, publicado em www.dgsi.pt [acórdão citado pelo recorrente na conclusão L] se entendeu que “estando provado que o requerido mantém em seu poder e está a utilizar a viatura, apesar da resolução do contrato (quando devia proceder à sua entrega), completamente fora da álea do contrato que celebrara, sem qualquer controlo e contrapartida para a Requerente – não poderá essa conduta deixar de ser considerada lesão grave e de difícil reparação ao direito de propriedade sobre a viatura cuja entrega está a ser pedida por aquela”. Também o acórdão do tribunal da Relação de Évora de 14-04-2010, proferido no processo n.º 46/10.0TBAF, publicado em www.dgsi.pt citando o que já havia sido decida noutro acórdão da mesma Relação (proferido no recurso n.º 1105/09.8TBOER) afirmou que “ perante o incumprimento do contrato, que levou à sua resolução, a não entrega pela requerida de um bem que não lhe pertence, que se desvaloriza pelo uso normal e decurso do tempo e cuja utilização se tomou ilícita por força dessa mesma resolução, indicia fundado receio de lesão grave e difícil reparação”. No entender deste tribunal, embora se deva ter em conta, no juízo sobre a dificuldade da reparação, as possibilidades de o requerido reparar a lesão, especialmente quando a lesão receada for susceptível de reparação, o sentido do requisito ora em análise deve resultar da sua interpretação em conformidade com os factores enunciados no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil. De entre estes factores destacamos o pensamento legislativo, reconstituído com base na razão de ser dos procedimentos cautelares. Vejamos. Sabe-se que a razão de ser dos procedimentos cautelares é a de acautelar o efeito útil da acção, como se diz na parte final do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, ou assegurar a efectividade do direito ameaçado, como se diz na parte final do n.º 1 do artigo 362.º do CPC. Se os procedimentos cautelares servem para dar utilidade ao que for decidido na acção a favor do requerente, se servem para assegurar a efectividade do direito que lhe for reconhecido, então a lesão que se receia acontecer enquanto se aguarda pela decisão definitiva da acção será considerada como de difícil reparação quando, na hipótese de ela se concretizar, retirar efeito útil à decisão definitiva da causa ou impedir a efectividade do direito que for reconhecido ao requerente na decisão definitiva. Por outras palavras, a lesão que se receia há-se ser considerada de difícil reparação quando existir o risco de insatisfação do direito, risco resultante da demora na decisão definitiva da causa. A favor desta interpretação cita-se Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, páginas 214 e 215 ao afirmar “… o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica”. E cita-se ainda o que se escreveu na Revista de legislação e Jurisprudência ano 80, páginas 297, sobre este mesmo requisito previsto no artigo 405.º do CPC de 1939, correspondente ao artigo 362.º n.º 1 do CPC actual: “Este segundo requisito traduz-se no periculum in mora: perigo de insatisfação do direito, proveniente da demora em se obter a decisão definitiva da causa. Receia-se que durante a pendência da acção principal e antes de se alcançar sentença definitiva, se produzam factos que impeçam a satisfação do direito”. Interpretado o n.º 1 do artigo 362.º do CPC, na parte em que se refere ao receio de lesão dificilmente reparável, com o sentido acima exposto, pronunciemo-nos, de seguida, sobre a questão de saber se o requerente alegou factos suficientes para caracterizar como dificilmente reparável a lesão ao seu direito, caso não fosse decretada a apreensão e a entrega do veículo automóvel dado de aluguer. A decisão sob recurso pronunciou-se sobre a questão a partir da hipótese de degradação e diminuição do valor patrimonial do veículo automóvel enquanto não houvesse decisão definitiva na acção principal. É isento de dúvida que o perigo de desvalorização contínua do veículo foi um dos perigos que fundamentou a pretensão do requerente, ora recorrente, como o atestam os artigos 25.º, 26.º e 27.º do requerimento inicial. Sucede que o requerente fundamentou a sua pretensão com a alegação de outros perigos, tanto para o veículo automóvel como para si, caso não fossem decretadas as providências requeridas. Em relação ao veículo alegou o perigo de ele ser dissipado ou ocultado pelo requerido (artigos 14.º e 17.º). Para si alegou que havia o perigo de ser responsabilizado pela prática de crimes ou de contra-ordenações em virtude de utilização imprudente do veículo (artigo 18.º da petição). A responsabilização do requerente pela utilização imprudente do veículo (o requerente refere-se à possibilidade de acidentes – artigo 18.º da petição), a concretizar-se, não configurará qualquer lesão do direito à restituição do veículo, razão pela qual tal perigo não releva como fundamento das providências requeridas. Já o mesmo não se passa com o perigo de dissipação ou ocultação do veículo. Na verdade, se o veículo levasse descaminho ou fosse ocultado pelo requerido, enquanto decorresse a acção principal, é bom de ver que o direito à restituição seria lesado em termos irreversíveis, o que constitui situação mais gravosa do que a lesão dificilmente reparável. Em tal hipótese, não seria possível satisfazer o direito à restituição do veículo, em consequência da resolução do contrato do aluguer, isto é, estaria comprometida a efectividade do direito que o requerente quer acautelar. Não se ignora que, em tal hipótese, sempre assistiria ao requerente o direito ao valor do veículo. Sucede que, havendo a probabilidade séria da existência do direito à restituição do veículo, em consequência da resolução do contrato de aluguer, assiste ao locador a faculdade de requerer a providência adequada a assegurar a efectividade de tal direito. É o que resulta do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, na parte que dispõe que a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, correspondem os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, e é ainda o que resulta do n.º 1 do artigo 362.º, do mesmo diploma, que refere expressamente, como objectivo das providências aí previstas, o assegurar da efectividade do direito ameaçado. Segue-se do exposto que, na interpretação deste tribunal, o requerente alegou factos susceptíveis de caracterizar o receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito (direito à restituição do veículo). Sucede que o decretamento da providência não se basta com esta alegação. Segundo o n.º 1 do 368.º do CPC, a providência é decretada desde que se mostre suficientemente fundado o receio do requerente. Ora para que o receio do requerente se mostre suficientemente fundado são necessárias duas condições: Em primeiro lugar é necessário, para usarmos as palavras de Marco Gonçalves na obra supra citada, página 214, o seguinte: “o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos”. Em segundo lugar é necessário que o julgador se convença do perigo alegado. Socorrendo-nos das palavras de Lucinda Dias da Silva, Procedimento Cautelar Comum, Coimbra Editora, páginas 145 e 146: “importa,…, que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornam altamente provável a ocorrência de um dano futuro”. A primeira condição está verificada. Com efeito, o requerente trouxe ao conhecimento do tribunal os factos que justificavam o seu receio de que o veículo fosse dissipado ou ocultado. Referimo-nos à alegação de que, perante a falta de resposta do requerido ao pedido de restituição da viatura, contratou uma empresa especializada em recuperação de viaturas, mas não teve qualquer sucesso, ignorando onde é que o veículo esteja (artigos 14.º, 15.º e 16.º). Na verdade, se o requerido não respondeu ao pedido de restituição e se a empresa contratada pela requerente para recuperar o veículo não o encontrou, afigura-se-nos legítimo o receio do requerente quanto ao destino do veículo. O mesmo já não se pode dizer em relação à segunda condição, visto que a sua verificação pressupunha que os factos acima mencionados estivessem provados, o que não acontece no caso. Porém, esta situação não é o resultado de qualquer falha probatória do requerente. Sucedeu que o tribunal a quo não se pronunciou sobre eles, nem para os julgar provados nem para os declarar não provados. Uma vez que este tribunal não tem elementos para se pronunciar sobre os mencionados factos e que os considera essenciais para a decisão do procedimento, o caminho a seguir é a anulação da decisão proferida em 1.ª instância por considerar indispensável a ampliação da matéria de facto, ao abrigo da alínea c), do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, na parte em que dispõe que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que nos termos do n.º 1 permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, considere indispensável a ampliação desta. * Decisão. Anula-se a decisão recorrida e ordena-se a produção de prova sobre a matéria alegada no artigo 15.º do requerimento inicial. * Considerando a decisão recorrida e o artigo 527.º, n.º 1 CPC, na parte em que dispõe que a decisão que julgue os recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, condena-se o requerido no pagamento das custas de parte. Coimbra, 28 de Novembro de 2018
Emídio Santos ( Relator ) Catarina Gonçalves António Magalhães
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