Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
555/07.9GAMMV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DANO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 212º,40º,47º,70º,71º DO CP E 410º, 412º,428 DO CPP
Sumário: 1.Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.
2. O julgador está obrigado a indicar os meios de prova em que fez assentar a sua convicção e a esclarecer as razões pelas quais lhes conferiu relevância, não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.
3.Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.
4.O modelo de prevenção – porque de protecção de bens jurídicos – acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
5. De acordo com o disposto no artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, o montante diário da pena de multa deve fixar-se em função da situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais Assim arredadas aqui quaisquer considerações de prevenção geral e especial, bem como o grau de culpa do arguido – vectores essenciais à determinação da medida da pena
6.Pena que sem implicar para o condenado um sacrifício insuportável em detrimento das obrigações e encargos a que ele tem que fazer face, sempre deve traduzir-se na imposição de um real sacrifício para o mesmo, única forma de sentir o desvalor da sua conduta.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. O arguido J., com os demais sinais nos autos, foi submetido a julgamento, porquanto indiciado segundo oportuna acusação deduzida pelo Ministério Público, da prática de factualidade consubstanciadora da autoria material consumada de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal.

A., alegando terem-lhe sobrevindo danos patrimoniais por virtude dessa conduta delitiva, formulou tempestivo pedido de indemnização, pedindo a condenação do arguido a solver-lhe, por tal facto, a quantia de € 3.777,00, acrescida dos juros moratórios legais, contabilizados desde a notificação do demandado, até seu integral pagamento ao demandante.

Na subsequente e normal tramitação processual, realizado o contraditório, proferiu-se sentença determinando, ao ora relevante, a condenação do visado arguido/demandado enquanto agente do assacado ilícito, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, seja, na multa global de € 1.680,00, bem como na obrigação de ressarcir aquele lesado, entendeu-se, pelo montante de € 1.971,18, acrescido dos juros moratórios legais, contabilizados desde a data da sua notificação, e até seu integral pagamento ao demandante.

1.2. Porque dissentido com o sentenciado, o condenado interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação a formulação das conclusões seguintes:

1.2.1. Encontram-se incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto:

- (não provado que...) “o prédio em causa tenha sido arrendado ao Arguido.”;

- (não provado que…) “o Arguido tenha pago, mediante cheque, o valor de € 7.500,00 ao proprietário do terreno na sequência das negociações tidas com este para a compra do prédio.”;

- (provado que…) “A. não fora a destruição da sementeira de milho pelo Arguido, colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual seria vendido a, pelo menos, € 0,15/Quilo, deixando, portanto, de auferir € 1.950,00.”

1.2.2. Impõem decisão diversa da recorrida as seguintes provas:

- Carta que constitui o documento n.º 7 junto à P.I., do punho do proprietário do terreno, AB, recepcionada pelo arguido em Abril de 2006, em que aquele reconhece este último como inquilino e preferente na alienação do prédio;

- Documentos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 nos quais se verifica que o arguido recebeu pagamentos do Ministério da Agricultura, quer por indemnização por impedimento de cultivo, quer subsídios por pousio agronómico de terra arável, ambos relativos ao prédio em causa nos autos;

- Cheques sacados à ordem de AB que constituem os documentos juntos à contestação sob os n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

1.2.3. Existe erro notório na apreciação da prova, que, por absoluto desprezo da disciplina do arrendamento rural (concedendo-se, neste particular, que é difícil cindir matéria de facto e matéria de direito), culminou em dar por não provado que o prédio tenha sido arrendado ao Arguido, isto quando:

- O arguido sucedeu ao seu pai no arrendamento do terreno e que o podia fazer atento o disposto no art.º 23.º do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de Outubro;

- Não obstante não existir escrito, nem por isso o arguido estava impedido de fazer prevalecer os seus direitos como arrendatário atento o disposto no art.º 3.º, n.ºs 3 e 4 desse diploma;

- Atento o recebimento de rendas pelo proprietário, qualquer iniciativa visando o despejo mediante invocação de falta de forma, ficaria paralisada por manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium;

- A falta de pagamento de rendas posterior a 2005 não é de molde a que o arguido deixasse de ser arrendatário uma vez que de acordo com o n.º 3 do art.º 12.º do sobredito diploma legal “o arrendatário pode obstar à resolução do contrato desde que até ao encerramento da discussão em 1.ª instância proceda ao pagamento da renda ou rendas em falta acrescidas de juros de mora à taxa oficial das operações passivas respeitantes ao período de um ano e um dia.”.

1.2.4. No mínimo, existe contradição na fundamentação em matéria de facto porquanto ter-se dado por não provado o arrendamento do prédio ao arguido é contraditório com que se deu por provado sob os pontos 11), 12), 13) e 14) e com o que mais vem expendido pelo próprio Tribunal a quo na motivação da sua decisão em matéria de facto.

1.2.5. A indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo, por ilíquida, resulta num injusto locupletamento do ofendido à custa do arguido (recebe pela mesma quantidade de milho o que não receberia se o tivesse de colocar no mercado) pelo que, de duas uma:

- A equidade prevista no n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil imporá desconto não inferior a 30% na quantia ilíquida apurada pelo mesmo Tribunal;

- O concreto quantum indemnizatório deverá ser relegado para liquidação em sede de execução de sentença para apuro dos custos inerentes à colheita, secagem e transporte do milho.

1.2.6. Deveria, pelo exposto, no que concerne aos pontos n.ºs 1) e 2) da Matéria de facto dada por não provada e 16) da matéria de facto dada por provada o Tribunal recorrido ter decidido o seguinte:

1 - Provado que o gozo do prédio em causa nos autos foi cedido ao arguido contra o pagamento de uma renda de € 2000,00, que este nunca foi despejado e que era reconhecido pelo respectivo proprietário e pelo Ministério da Agricultura como inquilino;

2 - Provado que, para aquisição do prédio, o arguido entrou em negociações com AB, proprietário a quem entregou cheque no valor de € 7.500,00, não descontado por este último;

16 - Provado que A. não fora a destruição da sementeira de milho pelo arguido, colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual seria vendido ao preço de € 0,15/Quilo, deduzido do que tivesse de despender em colheita, secagem e transporte para colocação do cereal no mercado.

1.2.7. A medida da pena em que o arguido foi condenado não considerou que a sua conduta não deu origem a consequências especialmente gravosas, a ausência de reincidência, o facto de o arguido ter actuado sob circunstâncias adequadas a tolher a sua liberdade de actuação (com reflexos numa menor intensidade dolosa), os fins que motivaram o arguido e a sua situação económica – art.º 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal –.

1.2.8. A pena de multa fixada ultrapassa, para mais atenta a situação económica do arguido, os montantes comummente fixados pelas instâncias em penas em que estão em causa lesões de bens com outra ressonância ético-jurídica – crimes contra a honra, a integridade física.

1.2.9. É adequada à culpa do arguido e atende aos propósitos de prevenção, seja geral positiva, seja especial, uma pena de multa fixada em 70 dias à razão diária de € 5,00, isto é, num total de € 350,00.

Terminou pedindo que na procedência do recurso, seja decretada a revogação da decisão recorrida, substituindo-se por outra que decida em conformidade com o assim alegado.

1.3. Notificados ao efeito, responderam os sujeitos processuais visados, sustentando ambos – Ministério Público e demandante –, o improvimento da oposição apresentada.

1.4. Remetidos os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.

Foi dado acatamento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 deste inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Por via do que se determinou o prosseguimento do recurso, com recolha de vistos – o que sucedeu –, bem como submissão à presente conferência.

Urge, então, ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. Na decisão recorrida, consideraram-se como provados os factos seguintes:

1. No dia 05 de … de 2007, no período da manhã, o arguido, conduzindo um tractor agrícola acoplado com uma alfaia de corte, introduziu-se dentro de um terreno agrícola, pertença de AB, que havia cedido o seu gozo e fruição a A. em virtude de um contrato de arrendamento efectuado entre os dois.

2. O referido terreno encontrava-se com uma sementeira de milho em fase de maturação e quase pronta a colher, pertença de A.

3. Devido às manobras realizadas com aquele veículo conduzido pelo arguido a sementeira de milho ficou cortada e estragada na sua totalidade.

4. O arguido tinha conhecimento que o uso e a fruição do mencionado terreno estavam cedidos a terceira pessoa e que a cultura de milho que lá se encontrava havia sido semeada, tratada e cuidada por outrem a quem pertencia.

5. Sabia, ainda, que agia contra a vontade do proprietário da cultura de milho, tendo actuado com o propósito conseguido de a cortar e estragar.

6) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

7. O arguido tem registado os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença proferida em …..01 no âmbito do Processo comum singular …/01 do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, transitada em ….01, foi condenado pela prática em 17.06.00 de um crime de dano p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal.

- Por sentença proferida em ….07 no âmbito do Processo comum singular…/06.1 TAMMV do Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho, transitada em …07, foi condenado pela prática em ….06 de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 172.º, do mesmo Código.

8. Da sua actividade profissional, o arguido retira para si, mensalmente, cerca de € 500/550,00.

9. Tem três filhos menores para os quais contribui, a título de alimentos, com € 250,00 mensais.

10. O arguido tem o 7.º ano e o Curso da Escola Agrícola de habilitações literárias.

11. O terreno em causa tinha estado anteriormente arrendado ao pai do arguido que o cultivou, sendo que, após a sua morte, foi o arguido quem o cultivou até cerca de 2004.

12. O arguido pagou pelo gozo do terreno, do ano de 2000 a 2005, € 200,00 anuais.

13. O arguido inscreveu o referido prédio na sua área de cultivo para efeitos de subsídios e indemnizações do Ministério da Agricultura.

14. Sendo que ao tempo dos factos o terreno deveria permanecer em pousio agronómico, à razão do qual o arguido recebeu, e recebe, a correspondente compensação.

15. Quando tomou conhecimento de que o terreno se encontrava cultivado por outra pessoa, o arguido receou perder as ajudas económicas que recebia por tal terreno poder eventualmente ser alvo de vistoria, tendo então decidido destruir a referida cultura.

16. A. não fora a destruição da sementeira de milho pelo arguido colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual, seria vendido a, pelo menos, € 0,15/Quilo, deixando portanto de auferir € 1.950,00.

17. Em deslocações da sua residência para a GNR de Montemor-o-Velho e para o Tribunal e regresso, percorreu o lesado, em automóvel próprio, cerca de 56 Km.

2.2. Por seu turno, e relativamente a factos não provados, consignou-se na apontada decisão:

“Com relevância para a decisão da causa não se provou que:

1. O prédio em causa tenha sido arrendado ao arguido.

2. Que o arguido tenha pago, mediante cheque, o valor de € 7.500,00 ao proprietário do terreno na sequência das negociações tidas com este para a compra do prédio.”

2.3. Por fim, a motivação probatória inserta na dita decisão, tem o teor seguinte:

“O tribunal fundou a sua convicção sobre a factualidade apurada, de acordo com as regras da experiência comum e na livre valoração do julgador assente na imediação com a prova, na conjugação das declarações do arguido, dos depoimentos das testemunhas e dos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente, os de fls. 24 a 35 e 138 a 152.

Assim, é desde logo o arguido quem confessa ter praticado os factos constantes da acusação. Justifica a sua actuação dando conta ao tribunal que tal terreno tinha estado arrendado ao seu pai desde há muitos anos, e que até 2005 pagou sempre as rendas, o que foi corroborado pela demais prova testemunhal e documental junta aos autos; que, por ter inscrito tal terreno na sua área de cultivo (o que também encontra apoio da prova documental junta com a contestação - fls. 138 a 142), o recebimento das ajudas económicas do Ministério da Agricultura dependia de tal terreno se manter em pousio; e que ao ver o terreno cultivado temeu ficar sem os correspondentes subsídios, tendo então decidido destruir a cultura de milho que aí se encontrava. Das suas declarações concluiu o Tribunal, sem qualquer dúvida, que o mesmo tinha conhecimento que o terreno estava cedido a terceira pessoa, e que a sementeira de milho cultivada no mesmo não lhe pertencia, mas sim a terceiro. Mais se conclui que o arguido agiu de forma completamente livre, voluntária, consciente, e até premeditada (de realçar que a testemunha JC relatou ao Tribunal que o arguido lhe transmitiu previamente a intenção de destruir a cultura e a testemunha AC referiu que o arguido tendo verificado que a terra “estava feita” ficou zangado). Na verdade, e pese embora o arguido tentar passar a ideia ao Tribunal que agira convencido de que era, ou arrendatário do terreno, ou mesmo proprietário, e que, portanto, agira na defesa de um direito seu, o que é certo é que reconheceu não dispor de contrato de arrendamento e ter recebido em Abril de 2005 a carta que faz fls. 23 e 145, na qual, segundo o próprio referiu, o proprietário do prédio assumia a responsabilidade de ter cedido o terreno a terceira pessoa. Mais disse que entrou em negociações com tal proprietário com vista à compra do terreno, o que foi pelo mesmo (testemunha AB) confirmado, não tendo, porém, referido que o negócio se havia efectivado. Declarou também que procedeu ao pagamento anual de uma quantia a título de renda só até 2005, na medida em que tal prédio havia estado arrendado ao seu pai e que enviou o cheque no valor de 7.500 € ao proprietário do terreno na sequência daquelas negociações, cheque esse que data de Maio de 2006 (fls. 34 e 152) e que não foi levantado pelo beneficiário. Assim, necessariamente tinha conhecimento de que não dispunha de título legítimo para gozar o dito prédio, nem como proprietário, nem como arrendatário, não podendo ficar com a sua liberdade de actuação perturbada como se refere na contestação, por poder perder benefícios que não lhe era sequer legítimo esperar.

O Tribunal fundou a sua convicção relativamente às condições socio-económicas do arguido, nas declarações deste, que, neste ponto, pareceram Sinceras, resultando o seu passado criminal do CRC junto aos autos a fls. 177 a 179.

Para a prova dos danos patrimoniais sofridos pelo demandante civil, teve-se em conta para além das declarações deste, naturalmente pouco parciais, que confirmou que a sementeira foi destruída na totalidade, o que já havia sido reconhecido como verdadeiro pelo arguido, os depoimentos das testemunhas AL e MG agricultores que cultivam terrenos contíguos, e que de forma que pareceu ao Tribunal séria e isenta, deram conta do valor que poderia render a sementeira de milho que foi destruída, apenas corroborando parcialmente, os números indicados pelo demandante, e ainda os elementos constantes dos autos que dão conta das deslocações efectuadas pelo ofendido à GNR (doc. fls. 2 e 37).

As testemunhas AB, proprietário do terreno, e Maria pessoa encarregue de gerir os assuntos relacionados com as propriedades daquele em Montemor-o-Velho e limítrofes e que habita na casa que aquele possui na Carapinheira, depuseram de forma, que apesar de vaga, se considerou em geral credível. O primeiro confirmou a carta de fls. 23 e 145, bem como as negociações iniciadas com o arguido, que não culminaram em qualquer acordo ou contrato, tendo negado o recebimento da quantia de 7.500 €; declarou ao Tribunal haver cedido o gozo do terreno ao ofendido, e formalizado tal acordo mediante contrato datado de 2004 (que faz fls. 4 dos autos). A segunda, confirmou o recebimento das rendas pelo arguido até 2005, mas não o cheque com o valor de 7.500 €, e corroborou as declarações do arguido quanto ao facto de ter sido o pai deste arrendatário do terreno.”


*

III – Fundamentação de Direito.

3.1. O artigo 428.º do Código de Processo Penal faculta a este Tribunal o conhecimento, em recurso, de facto e de direito.

Acresce, conforme jurisprudência corrente, uniforme e pacífica, ser o âmbito do recurso definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigos 412.º, n.º 1 e 403.º, n.º 1, ambos do mesmo diploma), isto sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais (Ac. n.º 7/95, do STJ, publicado no Diário da República, I.ª Série, de 28 de Dezembro de 1995, em interpretação obrigatória).

No caso vertente, não se nos afigurando emergir qualquer um desses vícios (sobre os invocados pelo recorrente, infra nos pronunciaremos) ou nulidades, decorre que o thema decidendum é constituído pela ponderação sobre se: I) deve alterar-se a matéria de facto nos itens 1. e 2. não provados e 16. provado; II) deve reduzir-se o quantum indemnizatório arbitrado ou relegar-se tal tarefa para liquidação em execução de sentença; por fim, concedendo a manutenção da condenação do recorrente, III) deve mitigar-se a pena de multa cominada (na dupla vertente de número de dias e do correspectivo montante diário).

Vejamos.

3.2. O primeiro segmento da impugnação do recorrente contende com uma alteração acerca da matéria de facto.

Alvitra, assim, que a tida por não provada sob os itens 1. e 2. da decisão recorrida[1] passe a ter redacção distinta enquanto provada[2], ao passo que o item 16. provado da mesma decisão[3], pese embora subsista, o deve ser com distinta redacção, que, igualmente, sugere[4].  

3.2.1. Breves e prévias considerações sobre os moldes em que é legalmente permitida essa forma de impugnação, permitirão aquilatar da sorte do recurso aqui interposto.

De acordo com a regra geral contida no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Ou seja, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, tal tarefa “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”[5] Sendo “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material»”[6] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional –, impõe a lei (cfr. n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[7] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[8] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[9].

É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no artigo 355.º do Código de Processo Penal, pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na sua recepção directa[10]. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”[11]

No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[12].

Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.”[13]

É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si.”[14] Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas.”[15]

A reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente “já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.”[16]

Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Certo também que a sindicância da matéria de facto pode, ainda (apenas ou mesmo simultaneamente com a impugnação da matéria de facto nos termos acabados de referir), obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão (desta, e não do julgamento) – de resto, de conhecimento oficioso, como já mencionado –, que podem constituir fundamento do recurso “mesmo nos casos em a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” como expressamente permitido no n.º 2 do encimado artigo 410.º. Esses vícios, os três que vêm enumerados nas alíneas deste preceito (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e erro notório na apreciação da prova), terão de ser ostensivos e passíveis de detecção através do mero exame do texto da decisão recorrida (sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum.

3.2.2. Na posse deste enquadramento, ponderemos do dissídio suscitado.

E, começando por dizer-se não padecer a decisão recorrida dos vícios que o recorrente lhe comina.

Tudo porquanto, arredios a qualquer elemento externo ao respectivo texto, como mister, e sem elencarmos exaustivamente a estruturação de cada um deles, o que se nos depara é que a matéria da facto se não mostra eivada, sobre a mesma questão, de posições antagónicas e inconciliáveis, e, por outro lado, não contém enquanto provados factos que, perante as normais regras da experiência e da lógica corrente, não se poderiam ter verificado.

Precisando:

Descortina o arguido um pretenso erro notório enquanto o Tribunal a quo consignou como não provado que ele fosse o arrendatário do prédio em causa.

Ora, vendo-se, na íntegra, o texto do recorrido, e só ele, a propósito desse facto não se descortina qualquer infracção ás comuns regras da experiência e da vida. Apenas que, ponderando a envolvência do “gozo” desse mesmo imóvel – reconheça-se, sem grande dissídio ao menos sobre a titularidade da cultura de milho alvo da actuação do arguido, que o próprio reconhece não serem suas –, se cingiu a M.ma Juiz recorrida a ter por inequívoco aquilo que efectivamente assim resultou provado, descurando – até porque esta não era a sede própria ao efeito –, elementos que se mostravam sem particular pertinência ao objecto processual definido pela acusação.

Por outro lado, lendo-se novamente o texto em causa, também se não mostra daí emergir, sobre a mesma questão, uma qualquer contradição insanável.

Vislumbra-a o recorrente quando não se dando por provado aquele vínculo arrendatário, se dá por provada a materialidade inserta nos itens 11., 12., 13., e 14.

Sendo estes, em verdade, elementos eventualmente adjuvantes à provável existência daquele contrato, certo é que não são (ou foram, pelo menos na ponderação do Tribunal sindicado), bastantes (suficientes) para tanto. O que é coisa distinta da invocada contradição, e antes contenderia, quiçá, com um (in) devido julgamento da matéria de facto.

Mas, então, e em rigor, incorreu a julgadora em “erro de julgamento”?

Relativamente aos concretos pontos controvertidos – não prova dos itens 1. e 2. e prova distinta do 16. provado -, arrimou-se a sua convicção em meios admissíveis de prova (cfr. artigo 125.º, do Código de Processo Penal), quais fossem vários documentos particulares juntos aos autos, não arguidos de falsos; as declarações do próprio arguido, e distintos depoimentos acolhidos, mormente do proprietário do imóvel.

Tudo conjugado, e sem que aqui e agora se proceda à sua reprodução, bastando-nos com a “transcrição” constante da “motivação probatória”, não questionada por qualquer modo, a conclusão indubitável do acerto do decidido, uma vez que em linha com o descrito princípio da livre apreciação das provas.

Na verdade, quer dos documentos mencionados, quer das declarações e depoimentos colhidos, sobressaem vicissitudes envolvendo o gozo do prédio em questão, sem que, por enquanto, se mostrasse possível aquilatar da exacta dimensão que vários dos actos praticados assumiram: permitindo arvorar o arguido em seu arrendatário à data dos factos; talvez, seu possível promitente-comprador (traduzindo a quantia de € 7.500,00 constante do cheque o preço ou sinal do mesmo, todavia, relembra-se, não levantado pelo seu efectivo dono A B); por fim, sem suporte evidente no sentido a que ao preço considerado como sendo o da venda do milho cumpriria abater-se o custo que decorreria da sua colheita, secagem e transporte para colocação no mercado, isto no exacto ponto em que se não deve menosprezar a utilização do termo “pelo menos” no item 16., traduzindo, manifestamente, que o preço de € 0,15/kilo era líquido, logo abatidos já os factores que o recorrente agora pretendia também e ainda considerar e deduzir.

Tudo a determinar, consequentemente, e em síntese, a improcedência deste fundamento do recurso e com ela a manutenção do acervo fáctico tal como fixado na 1.ª instância.

3.3. O seguinte pomo de discórdia do recorrente com a sentença aí proferida, contende com o montante arbitrado civilmente a título ressarcitório pela perda da colheita de milho ocasionada ao lesado A..

Inquestionável a emergência, aliás não contestada, da verificação dos pressupostos indispensáveis à sua responsabilização extra contratual, como se fundamentou devidamente na decisão recorrida.

Alegando que com o recebimento da quantia de € 1.950,00 tal lesado auferirá quantia que não granjearia caso a tivesse ele próprio de colocar no mercado, reclama o recurso a juízo de equidade, abatendo-se 30% a esse quantitativo, ou, caso assim se não entenda, o relegar-se a fixação do montante efectivamente devido para liquidação em execução de sentença.

A pretensão do recorrente olvida, como dissemos, que a quantia considerada de venda do milho foi já líquida e pelo valor de € 0,15/kilo.

Nesta circunstância e por decorrência do regime instituído no artigo 562.º do Código Civil, mostra-se já possível, e obrigatório, fixar o montante ressarcitório como bem o fez a sentença impugnada.

Seja, também do improvimento deste fundamento do recurso.

3.4. Por fim, rebela-se o arguido contra a medida da pena fixada (número de dias de multa e seu montante diário).

3.4.1. Dispõe o artigo 40.º do Código Penal que «A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» – n.º 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» – n.º 2.

Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a “forma plástica” de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições ao legislador cabe defi­nir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma apontada condensa, assim, em três proposi­ções fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.

Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «anta­gonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.

O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40.º determina, por isso, que os critérios do artigo 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre a culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.

O modelo de prevenção – porque de protecção de bens jurídicos – acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na ma­nutenção (e reforço) da validade da norma violada[17].

A medida de prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (pro­tecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de preven­ção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circuns­tâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependi­mento), ao mesmo tempo que também transmitem indica­ções externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

No caso, nada de relevante, entendemos, opõe o arguido à decisão recorrida.

Na verdade, aqui ponderaram-se devidamente as necessidades de prevenção geral (a conduta do recorrente assumiu verdadeira, mas indevida, acção directa); a culpa, que se traduziu na forma mais intensa do dolo, pois que directo – e, em contrário do que sufraga na peça recorsória –; as necessidades de prevenção especial não assumem particular acuidade, embora não devamos olvidar a personalidade mal formada que denota todo o modo de actuação do arguido.

Tudo conjugado, e como mais pormenorizadamente se mencionou na sentença recorrida, que não deve também aí ser alvo de censura, tem-se por proporcionada e adequada a sanção aplicada nesta primeira vertente.

3.4.2. Última que urge considerar a que contende com o montante diário que deve assumir a pena fixada.

A propósito, invoca o recorrente a sua situação socio-económica e uma conjugação com os valores usualmente arbitrados quando se mostram ofendidos bens que reclamam tutela superior porque em causa a honra, a integridade física, etc.

A operação em causa deve comando ao artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, em cujos termos o montante diário da pena de multa deve fixar-se em função da situação económico-financeira do arguido e dos seus encargos pessoais.

Arredadas aqui, pois, considerações de prevenção geral e especial, bem como o grau de culpa do arguido – vectores essenciais à determinação da medida da pena –, única indagação exigível é sobre a situação económica e financeira do condenado, bem como os seus encargos pessoais.

Pena que sem implicar para o condenado um sacrifício insuportável em detrimento das obrigações e encargos a que ele tem que fazer face, sempre deve traduzir-se na imposição de um real sacrifício para o mesmo, única forma de sentir o desvalor da sua conduta.

Dos autos decorre que o arguido tem como rendimento mensal € 500/550,00 dos quais retira € 250,00 a título de alimentos devidos a três filhos menores.

Num juízo que também tem sempre imanente alguma subjectividade, reconheça-se, temos antes como adequado fixar o montante devido em € 5,00.

Em conclusão, apenas procede parcialmente este ponto do recurso.


*

IV – Decisão.

São tudo termos pelos quais se concede apenas parcial provimento ao recurso interposto, e, em consequência, mantendo-se o demais decidido na 1.ª instância, condenamos o arguido a solver a multa arbitrada mas tão-somente pelo quantitativo diário de € 5,00.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.

Notifique.


*

Coimbra, 13 de Janeiro de 2010


[1] 1. “O prédio em causa tenha sido arrendado ao Arguido.”

2. “O Arguido tenha pago, mediante cheque, o valor de € 7.500,00 ao proprietário do terreno na sequência das negociações tidas com este para a compra do prédio.”

[2] 1. “O gozo do prédio em causa nos autos foi cedido ao arguido contra o pagamento de uma renda de € 2000,00, que este nunca foi despejado e que era reconhecido pelo respectivo proprietário e pelo Ministério da Agricultura como inquilino.”

2. “Para aquisição do prédio, o arguido entrou em negociações com AB, proprietário a quem entregou cheque no valor de € 7.500,00, não descontado por este último.”

[3] 16. “A, não fora a destruição da sementeira de milho pelo arguido colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual, seria vendido a, pelo menos, € 0,15/Quilo, deixando portanto de auferir € 1.950,00.”

[4] 16. “A não fora a destruição da sementeira de milho pelo arguido, colheria cerca de 13 toneladas de milho, o qual seria vendido ao preço de € 0,15/Quilo, deduzido do que tivesse de despender em colheita, secagem e transporte para colocação do cereal no mercado.”

[5] CPP de Maia Gonçalves, 12.ª edição, pág. 339.
[6] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Volume, pág. 202.
[7] Cfr., com interesse, Ac. n.º 198/2004, do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2004, in DR. II.ª Série, de 2 de Junho de 2004, no qual se exarou: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.”
Como ensina F. Dias (Lições de Direito Processual Penal, pp. 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos – dados objectivos –, sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal, que é livre – art.º 127.º do CPP –, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, mas com a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da preparação da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio do in dúbio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.”
[8] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e á lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. idem, ibidem, pág. 298 -.
[9] “ (…) há caos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será mais inatacável, já que proferida em obediência á lei que impõe que ele julgue de acordo coma  sua livre convicção.” – Ac. RG, de 20 de Março de 2006, processo n.º 245/06-1.
[10] Como se refere no Ac do STJ, de 20 de Setembro de 2005, disponível no site www.dgsi.pt, “a convicção do tribunal é constituída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, olhares, “linguagem silêncios a e de comportamento”, coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidades manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Elementos de que a reapreciação em recurso não dispõe.”
[11] F. Dias, ob. cit, págs. 233/4.
[12] Cfr. Ac deste Tribunal da Relação, de 6 de Março de 2002, in CJ, Ano XXVII, Tomo II, pág. 44: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a pode criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.”
[13] Cfr. Ac. do TC supra citado.
[14] Cfr. Ac. da RC, de 3 de Outubro de 2000, in CJ, Ano 2000, Tomo IV, pág. 28.
[15] Cfr. Ac. do STJ, de 7 de Junho de 2006, in processo 06P763.
[16] Cfr. Ac. do STJ, de 12 de Junho de 2008, in processo 07P4375.
[17] Cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e segs.