Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/04.2TBPBL .C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: EMPREITADA
DESISTÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1229.º DE CÓDIGO CIVIL
Sumário: Decorre a norma do artigo 1229.º do Código Civil que, em caso de desistência do dono da obra, a indemnização abrange tanto o dano emergente quanto o lucro cessante, correspondendo este ao lucro do empreiteiro, que se obtém subtraindo do preço fixado o custo global da obra.
Decisão Texto Integral:    Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

   A....., A. na acção, sedeada na...., interpôs recurso da sentença na parte em que a mesma absolveu os RR. de parte do pedido.

   Pretende que se determinem os factos relevantes para a decisão e se revogue a sentença na parte que absolveu os RR., condenando-os a pagar-lhe a quantia reclamada e a de 38.906,49€ e juros moratórios e compulsórios ou, se assim não se entender, que se relegue a liquidação para execução de sentença.

   Formulou as seguintes conclusões:

   1 – A A. alegou factos e circunstâncias relevantes para a questão da decisão de direito, quanto à perda do lucro, proveito com a desistência da empreitada por parte do R., factos (retro elencados) que deveriam ser versados na base instrutória com vista a , sobre eles, se oferecer e produzir nova prova;

   2 – A resposta ao quesito 25º devia ter em conta o valor global das facturas ou, pelo menos, o valor acrescido de IVA;

   3 – A resposta ao quesito 26º al. B) deverá esclarecer que a piscina executada pelos RR. não foi construída em fibra, conforme convencionado, mas antes em betão, sendo o custo desta opção de valor superior;

   4 – As facturas emitidas e enviadas aos Recrdºs., conforme consta da matéria assente na alínea M), ascendem ao total de 131.054,19€;

   5 – Os Recrdºs. entregaram apenas a quantia de 69.831,68€, pelo que está em dívida a quantia de 61.222,45€;

   6 – O Tribunal a quo, por erro de interpretação e/ou aplicação condenou os Recrdºs. apenas na quantia de 44.846,95€, aos quais deverá acrescer a quantia de 16.375,50€ para perfazer os 61.222,45€;

   7 – Os Recrdºs. desistiram deliberada e convenientemente do contrato de empreitada celebrado com a Recrte.; por tal facto devem indemnizar a Recrte., não só pelos meios dispendidos, como ainda dos gastos e do proveito que obtinha com a obra;

   8 – Aliás, confessada em parte, pelos mesmos, ao admitirem terem de pagar a quantia de 17.677,36€;

   9 – O relatório pericial junto aos autos considera ser o lucro legítimo da obra em causa de 38.906,49€ a favor da Recrte.;

   10 – Devem também os Recrdºs. indemnizar a Recrte. naquele valor de 38.906,49€, além do valor em dívida correspondente ao lucro ou proventos frustrados pela desistência do R. marido da empreitada;

   11 – Ainda que assim não se entendesse, deveria relegar para liquidação em execução de sentença;

   12 – Por erro de interpretação e ou aplicação, mas de molde consentâneos, observados os princípios gerais de direito civil e processual civil, mormente foram violadas as disposições legais atinentes, concretamente, o disposto nos Artº 1207º a 1229º do CC, 490º, 510º, 511º, 513º, 523º, 567º, 653º, 659º do CPC.

   B... e C... , RR. na acção,..., contra-alegaram.

   Defendem a improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida.


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   Para cabal compreensão da matéria, façamos uma breve resenha processual.

  A... intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra B.. e esposa C..., pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 124.699,47 euros acrescida dos juros moratórios vincendos, à taxa legal para os juros comerciais, até efectivo e integral pagamento; subsidiariamente, a pagarem-lhe a quantia de 61.222,45 euros, juros vencidos no montante de 12.057,87 e vincendos sobre o capital à taxa legal de juros comerciais em vigor, até efectivo e integral pagamento; em qualquer das hipóteses, a pagarem-lhe uma indemnização acrescida dos juros compulsórios à taxa legal desde o trânsito em julgado, até efectivo e integral pagamento.

   Alega, para tanto, ter celebrado com os RR. um contrato de empreitada relativo à construção de uma moradia de harmonia com o projecto elaborado e apresentado pelos RR., pelo preço de 39.000.000$00 acrescido de IVA; a A. iniciou os trabalhos e emitiu quatro facturas, no valor global de 131.054,19 euros, encontrando-se em débito o valor de 61.222,45 euros; em determinada altura, os RR., sem o conhecimento, contra a vontade e sem qualquer interpelação, prosseguiram por si os trabalhos, não permitindo a continuação e a conclusão da obra à A.; a desistência dos RR. causou danos à A..

   Citados os RR., invocaram dever à A. apenas o montante de 2.999.992$00, terem despendido 21.456.000$00 para concluir a obra e que a indemnização a que a A. teria direito em caso de desistência seria de 3.543.992$00. Mais alegaram que a A. é que abandonou a obra, por ter perdido o interesse na continuação dos trabalhos. Em reconvenção, pediram a condenação da A. a reparar todos os defeitos e vícios reclamados ou, em alternativa, a pagar aos RR. o valor dos prejuízos sofridos com a falta de licença de habitabilidade e o valor que para a eliminação dos defeitos e vícios vier a ser apurado em liquidação de sentença.

   A A. replicou negando ter construído com defeitos. Termina pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má fé, em multa e indemnização.

   Foi proferido despacho saneador e foi elaborada a base instrutória, que sofreu reclamação atendida a fls. 177.

   Procedeu-se a julgamento e veio a proferir-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado os R. B.. e esposa C... a pagar à A. A... a quantia de 44.846,95 euros (quarenta e quatro mil, oitocentos e quarenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, o R. marido desde 27/5/2002 à taxa de 7% ao ano e desde 1/5/2003 à taxa de 4% ao ano, e a R. mulher desde 2/3/2004 à taxa de 4% ao ano, até integral pagamento, absolvendo-os do mais. Mais julgou totalmente improcedente a reconvenção, pelo que absolveu a A. A...dos pedidos reconvencionais contra ela formulados pelos RR..


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   Das conclusões supra exaradas extraem-se as seguintes questões a decidir neste recurso:

A) De facto:

1. Ampliação da matéria de facto

2. Erro de julgamento no que concerne aos quesitos 25º e 26º;

B) De direito:

1. Os RR. devem a quantia de 61.222,45€?

2. A A. deve ser indemnizada pela desistência do R.?


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   Comecemos pela primeira questão supra enunciada que se prende com a necessidade ou não de ampliação da matéria de facto.

   Muito embora a mesma não seja completamente perceptível do enunciado de conclusões, compaginado este com a matéria alegada, entende-se que se pretende a ampliação de forma a trazer á acção a matéria constante dos Artº 1º, 33º, 34º, 41, 43º, 45º, 46º, 51º, 52º e 62º da PI.

   Defende-se aqui que tais factos interessam á decisão da causa, designadamente sobre o ganho ou lucro a obter com o contrato de empreitada em questão, pelo que deveriam ter sido levados à base instrutória para, sobre os mesmos, ser oferecida e produzida prova.

   Os Recrdºs. pronunciam-se no sentido de a matéria ali alegada não constituir alegação de factos integradores da indemnização pretendida.

   Relembra-se que a A. peticionou a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 124.699,47€ e juros decorrentes do alegado incumprimento dos RR. (que contabiliza com recurso á seguinte fórmula: 39.000.000$00 – 14.000.000$00 = 25.000.000$00) -falta de pagamento integral do preço convencionado- e, subsidiariamente, da quantia de 61.222.45 e juros decorrente dos trabalhos executados, materiais aplicados e utensílios utilizados.

   A sentença condenou os RR. a pagar á A. a quantia de 44.846,95€ e juros decorrente da mora, não tendo reconhecido prejuízos derivados da desistência da empreitada porquanto “a A. não alegou quaisquer factos integradores da indemnização devida em caso de desistência e não pode exigir, sem mais, o pagamento do preço global acordado pela execução da moradia menos o valor já pago... pois os factos provados não revelam que a A. tenha feito gastos nesse montante e/ou que tal corresponda ao benefício económico que retiraria da conclusão do negócio”.

   Vejamos, então.

   O Artº 712º/4 do CPC permite à Relação a ampliação da matéria de facto se não constarem do processo todos os elementos probatórios que permitam a reapreciação da matéria de facto.

   A ampliação da matéria de facto pressupõe, para ser concretizada, “a possibilidade de desenvolvimento da matéria de facto na 1ª instância, nos termos do Artº 264º, designadamente por haver suporte para o efeito nos factos alegados” (Manual dos Recursos em Processo Civil, Fernando Amâncio Ferreira, pg. 219).

   O Artº 264º do CPC consagra o princípio do dispositivo, do qual resulta, entre outras, que cabe ás partes a alegação dos factos que integram a causa de pedir, e que o juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos que não carecem de alegação e prova, e dos instrumentais que lhe advenham ao conhecimento por via da instrução e prova.

   Importa, assim, antes de mais, percebermos o pedido formulado e compaginá-lo com a causa de pedir invocada para, a partir de ambos, concluirmos pela necessidade ou não de ampliação da matéria de facto em discussão.

   A A. estruturou a acção formulando, como supra se mencionou, um pedido principal e um pedido subsidiário.

   Assentou tais pedidos na circunstância de ter celebrado com o R. um contrato de empreitada, com o que emitiu facturas no valor global de 131.034,19€, dos quais o mesmo só pagou 69.831,75€, pelo que considera em dívida a quantia de 61.222,45€ (1ª causa de pedir que origina, segundo entendemos o pedido subsidiário); alega também  que o R. desistiu da empreitada, o que constitui ambos os demandados na obrigação de  a indemnizar pelo valor de 124.699,47€ obtido com recurso à fórmula já exarada (valor acordado para a obra – valor pago pelo R.) (2ª causa de pedir que fundamenta, ao que se entende, o pedido principal).

   A sentença vem a considerar este pedido infundado.

   Compulsada a petição inicial constata-se que ali se alegava, nos pontos concretamente mencionados no recurso:

   Artº 1º - A A. é uma sociedade comercial cujo capital social se encontra titulado por acções, sendo o seu objecto social a indústria da construção civil, compra e venda de propriedades;

   Artº 33º - O R, marido passou, por si e directamente, a contratar pessoal e a prosseguir os trabalhos até á construção da moradia;

   Artº 34º - Frustrando, assim, as legítimas expectativas da A. na obtenção de um ganho ou lucro com a empreitada;

   Artº 41º - Antes quiseram (os RR.) não pagar o devido e o convencionado para a seguir promoverem a venda da moradia com os ganhos e /ou proventos á custa da A.;

   Artº 43º - A desistência dos RR. constitui-os na obrigação de indemnizar a A. pelos seus gastos do trabalho e dos proventos ou ganhos em empreitadas;

   Artº 45º - E, com o dispêndio de tão só mais meia dúzia de milhares de contos ficaram, assim enriquecidos á custa da A.;

   Artº 46º - Do valor da empreitada obtiveram uma moradia por cerca de metade;

   Artº 51º - Na medida em que para os RR. foi transferida uma obra no valor de cerca de 30.000.000$00, sendo certo ter saído do património da A.  o valor líquido de 26.274.000$00 e o lucro perspectivado;

   Artº 52º - Enquanto do património dos RR. apenas foi transferido para o património da A. o montante de 14.000.000$00;

   Artº 62º -  A A. é credora dos RR. da quantia de 39.000.000$00 – 14.000.000$00 = 25.000.000$00 # 124.699,47€.

   O Artº 511º/1 do CPC dispõe que o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de  facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.

   É, pois, ponto assente, que apenas a matéria de facto releva para a decisão instrutória, pelo que se há-de determinar o significado de tal expressão.

   Vejamos o que nos ensina o STJ a este propósito.

   “A expressão facto é derivada da latina factum, associada ao verbo fazer ou causar, designando o acontecimento ou acto, isto é, tudo o que acontece, que se faz ou é feito. Temos, assim, factos naturais ou acontecimentos sem intervenção do ser humano e voluntários se representarem acções humanas, e, sendo susceptíveis de produzir, efeitos jurídicos, são designados por factos jurídicos.

   Dir-se-á, assim, ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as actuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno.

   A matéria de direito, por seu turno, envolve a expressão dos princípios e das regras jurídicas a aplicar, ou seja, tem essencialmente a ver com a interpretação e aplicação das normas jurídicas.

   As conclusões sobre a matéria de facto são desta natureza, o que não acontece, como é natural, com as conclusões jurídicas, nem com os juízos de valor, sejam estes de facto ou de direito” (Ac. de 11/12/2008 com a referência 08B3743, in www.dgsi.pt).

   Voltemos, então, ao caso concreto para lhe aplicar, estes ensinamentos.      

   Tal como vem alegado, o recurso inculca no sentido de nenhuma daquela matéria ter sido chamada á decisão que seleccionou a matéria de facto, o que não corresponde à verdade.

   Desde logo, quanto ao Artº 1º, a matéria de facto relevante integrou a alínea A) da especificação, sendo que o mais que ali vem alegado é conclusivo e resulta evidenciado da designação da A.; no que concerne ao Artº 33º, a matéria respectiva integrou a alínea J) da especificação.

   A matéria contida no Artº 34º é absolutamente conclusiva, pelo que em circunstância alguma deve ser objecto de prova, o mesmo ocorrendo com o que se alega sob o Artº 41º, 45º, 46º, 51º, 52º e 62º. Já a matéria contida no Artº 43º é de direito, o que impõe também a sua não quesitação.

   Não se verifica, assim, qualquer violação dos Artº 511º e 513º do CPC, pelo que não se impõe a invocada anulação do julgamento com vista á ampliação da matéria de facto.

   Improcede, deste modo, a 1ª das questões em análise.

   A segunda questão trazida ao recurso prende-se com um invocado erro de julgamento no que se reporta à matéria constante dos quesitos 25º e 26º/b).

   No cumprimento do ónus decorrente do disposto no Artº 690º-A/1 do CPC, a Recrte. indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, os concretos meios probatórios que impunham diversa decisão.

   Trata-se de avaliar o relatório pericial em que se fundou a decisão recorrida e as respostas dadas pelo Tribunal a quo á matéria que integrava os quesitos acima mencionados e ainda, segundo se retira da alegação, a resposta ao quesito 27º.

   Conforme supra exposto, os Recrdºs. contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão.

   Os poderes de reapreciação da matéria de facto pela Relação estão circunscritos à reapreciação dos concretos meios probatórios invocados, dispondo, contudo, a mesma da possibilidade de valorar de forma diversa da da 1ª instância, os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, como é o caso dos relatórios periciais.

   Indagava-se nos quesitos em referência o seguinte:

   Quesito 25º - Na parte da moradia que construiu, designadamente, fundações, 1ª, 2ª e 3ª placas, colocação do telhado, execução de divisões, instalação de electricidade (parte), águas, os reboques e estuques, placas interiores nos tectos, rebocos exteriores (parte) e placas nas paredes, cantarias (parte), chapa, revestimento, a A. gastou quantia não superior a 17.000.000$00?

   Quesito 26º/b) – Para concluir a obra os RR. gastaram, para construção da piscina, 6.000.000$00?

   Quesito 27º - Caso tivesse terminado a construção da moradia, a A. apenas teria que despender a quantia de 21.456.000$00?

   Ao quesito 25º o Tribunal a quo respondeu provado que o valor da parte da moradia que a A. construiu, designadamente, fundações, 1ª, 2ª e 3ª placas, colocação do telhado, execução de divisões, instalação de electricidade (parte), canalizações, rebocos e estuques, placas interiores nos tectos, rebocos exteriores (parte) e placas nas paredes, cantarias (parte), chapa, revestimento, ascende a 22.991.000$00.

   Ao quesito 26º/b) o Tribunal respondeu provado que para concluir a obra os RR. gastaram para construção da piscina, 4.731.000$00.

   E, ao quesito 27º, provado apenas que caso tivesse terminado a construção da moradia, a A. apenas teria que despender a quantia de 16.878.500$00.

   Exarou-se na decisão respectiva que “o relatório pericial de fls. 213 e ss. e os esclarecimentos prestados a fls. 262 a 264 permitiu esclarecer o valor dos trabalhos executados pela A., o valor dos trabalhos de conclusão da obra e a existência de desconformidades da obra face ao projecto”.

   Pretende a Recrte. que a resposta ao quesito 25º devia ter em conta o valor global das facturas ou, pelo menos, o valor acrescido de IVA; que na resposta ao quesito 26º/b) se deverá esclarecer que a piscina executada pelos RR. não foi construída em fibra, conforme convencionado, mas sim em betão, o que atinge um valor superior; e a propósito do quesito 27º que o valor assim obtido terá de ser interpretado nesse contexto, ou seja, com a construção da piscina, com execução de fundações e da estrutura em betão.

   Conforme decorre do que dispõe o Artº 690ºA/1-b), impugnada a matéria de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição, os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.

   Daqui decorre que da alegação há-de poder concluir-se, qual é, afinal, a resposta que o recorrente pretende que o tribunal profira.

   Quanto ao primeiro dos quesitos, em vez do valor mencionado pelo Tribunal, a Recrte. pretende que se dê como provado o valor resultante das facturas (isto na conclusão); ou o valor ali mencionado acrescido de IVA (conforme alegação constante de fls. 461).

   A Recrte. não esclarece a que facturas se reporta. E, tratando-se de matéria alegada pelos RR. na sua contestação, também os mesmos não invocam qualquer factura como elemento de prova. As facturas que existem nos autos foram as juntas pela A., que mereceram impugnação por parte dos RR. (Artº 16º da contestação).

   A matéria foi objecto de prova apenas através do relatório pericial, sendo que a resposta, no que concerne ao valor dela constante, é exactamente coincidente com o que os peritos propõem a fls. 219 com o esclarecimento que consta de fls. 262 e 263.

   Porém, se bem atentarmos na resposta, a mesma sofre de um vício não alegado pela Recrte..

   A matéria em causa foi introduzida nos autos pela R. a título de impugnação do valor facturado pela A..

   A A. alegou que iniciou a obra, procedeu aos trabalhos, executando as diversas fases com aplicação dos materiais indicados no caderno de encargos e utensílios necessários e emitiu quatro facturas no valor global de 131.054,19€, facturas que foram entregues e recebidas pelo R. que, em pagamento das mesmas lhe entregou a quantia de 69.831,75.

   Os RR. impugnaram, na sua contestação, o valor constante das facturas (Artº 15º e 16º da contestação).

   Tornou-se, assim, essencial, provar a correspondência real entre os valores constantes das facturas, que, por sua vez, consignam os materiais utilizados, bem como o valor relativo à mão-de-obra utilizada, e o dos trabalhos realizados. Na verdade, uma coisa é o valor facturado, outra, bem diversa, o valor dos trabalhos efectuados, alegação que a A. não fez, mas que os RR. completaram (Artº 15º e 16º da contestação), assumindo que o valor dos trabalhos (material e mão de obra) levados a cabo pela A. ascendeu a quantia não superior a 17.000.000$00.

   Desta alegação nasceu o quesito 25º, que obteve resposta de provado que    o valor da parte da moradia que a autora construiu, designadamente, fundações, 1ª, 2ª e 3ª placas, colocação do telhado, execução de divisões, instalação de electricidade (parte), canalizações, rebocos e estuques, placas interiores nos tectos, rebocos exteriores (parte) e placas nas paredes, cantaria (parte), chapa e revestimento, ascende a 22.991.000$00.

   Ou seja, a resposta extravasa claramente o que se indagava, porque uma coisa é o valor da parte da moradia, outra, o dos gastos.

   Nessa medida, e porque o tribunal só pode servir-se dos factos alegados pelas partes (Artº 664º do CPC), a resposta dada pelo Tribunal recorrido tem que considerar-se não escrita.

   Importa, assim, neste momento, avaliar se os autos revelam elementos probatórios suficientes para alterar a resposta dada ao quesito ou, se, pelo contrário, se impõe a anulação do julgamento nesta parte.

   Conforme já se explicitou, o elemento probatório relevante é o relatório pericial que integra fls. 219 e ss. com os esclarecimentos de fls. 262 e ss.

   Ao quesito formulado com vista ao esclarecimento desta questão os peritos responderam que o valor dos trabalhos executados importa em 22.991.000$00.

   Deste modo, e ao abrigo do disposto no Artº 712º/1-a), 1ª parte do CPC, altera-se a resposta ao quesito para a seguinte: provado que na parte da moradia que a autora construiu, designadamente, fundações, 1ª, 2ª e 3ª placas, colocação do telhado, execução de divisões, instalação de electricidade (parte), canalizações, rebocos e estuques, placas interiores nos tectos, rebocos exteriores (parte) e placas nas paredes, cantaria (parte), chapa e revestimento, a mesma gastou 22.991.000$00.

   No mais reclamado nesta sede pelos Recrtes., o Tribunal não pode responder para além do que o quesito contém.

   Quanto ao quesito 26º/b) o mesmo decorreu de matéria alegada pelos RR. na sua contestação.

   Efectivamente, logo na especificação, ficou assente que os trabalhos de construção da moradia a executar compreendiam, no que concerne á piscina, a sua constituição em fibra (alínea D)-p).

   Na contestação os RR. vieram alegar que para concluir a obra gastaram, na construção da piscina 6.000.000$00.

   Respondeu-se provado que para concluir a obra os RR. gastaram para construção da piscina, 4.731.000$00.

   Pretende a Recrte. que se esclareça que a piscina executada pelos RR. não foi construída em fibra, mas sim em betão, sendo o custo desta opção de valor superior.

   Cabia à A. o ónus de alegação e prova de que a piscina foi construída em betão e que tal obra ascendia a um valor superior ao convencionado.

   Em parte alguma consta tal alegação, pelo que não é pela via do esclarecimento ora proposto que se pode carrear matéria para os autos.

   Não é essa a finalidade do esclarecimento passível de se apor ás respostas, que visa tão só circunstanciar factos alegados de modo a que os mesmos se percebam cabalmente, e não carrear para o processo, em substituição da parte e com violação do princípio do dispositivo, matéria não alegada.

   Não só tal matéria não é alegada, como também não resulta do relatório pericial invocado que, no que concerne à piscina, se limita a referir a respectiva construção e custo, sem dependência de qualquer outro esclarecimento.

   Improcede, nesta parte, argumentação da Recrte..

   Quanto ao quesito 27º, que nem foi levado ás conclusões, pretende a Recrte. que a resposta se interprete num determinado sentido.

   Ora, a interpretação a dar á matéria de facto cuja prova se obteve não cabe no recurso da matéria de facto. Ela há-de efectuar-se na subsunção dos factos ao direito, se for relevante.

   Nenhuma outra censura merece, pois, a decisão em apreciação.


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   Exaremos, então, a matéria de facto cuja prova se obteve:

   1. A autora dedica-se à indústria da construção civil, compra e venda de propriedades.

   2. Os réus possuíam e intitulavam-se donos de um lote de terreno, designado por lote nº 4, sito no loteamento da ..., onde pretendiam construir uma moradia, conforme projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal de ....

   3. Para o efeito, em meados do ano 2000, contactaram a autora, na pessoa do seu administrador/gerente, D.... , e, após conversações e negociações habituais, em 16 de Agosto de 2001, ajustaram com ela a construção e edificação da referida moradia, de harmonia com o projecto que elaboraram e lhe apresentaram.

   4. Os trabalhos de construção da moradia a executar, compreendiam:

a) Estrutura:

• Construção de moradia uni familiar de 3 pisos (cave, r/ch e 1º andar), elaborada em função do projecto de arquitectura.

• A estrutura seria em betão armado, constituída por sapatas, pilares, muro de suporte, vigas e lajes maciças.

• O betão a utilizar era o B20, devendo este ser vibrado e mantido em estado de humidade favorável ao seu endurecimento, se o mesmo for fabricado em obra terá no mínimo 300 kg de cimento para cada 400 l de areia limpa e 800 l de brita (1 e 2).

• As armaduras seriam do tipo A400 ER, ao qual corresponde uma tensão de cálculo igual a 348 Mpa. As lajes seriam maciças conforme cálculos apresentados. As sapatas foram calculadas para uma tensão de segurança do terreno igual a 0.275 Mpa, sendo o cálculo corrigido caso se verificasse que o terreno não satisfazia as condições referidas.

b) Fundações:

• Seriam abertas até chão firme e cheias de pedra, com argamassa de cimento e areia ao traço 1:5 (betão ciclópico); entre as sapatas dos pilares, isoladas ao nível das soleiras com as dimensões preconizadas no projecto de estabilidade.

c) Argamassas:

• As argamassas a utilizar seriam fabricadas na ocasião do seu emprego e na proporção do seu consumo, com areia limpa, cimento normal na proporção de 250 kg por m3 e água.

d) Paredes:

• Segundo as espessuras preconizadas no projecto, as paredes exteriores teriam caixa de ar (de acordo com estudo térmico a apresentar) em tijolo furado, tipo facial desempenado, bem cozido e assente com argamassa de cimento e areia ao traço 1:4 bem travados entre si.

e) Pavimentos:

• Seriam de lª qualidade e padrão à escolha do proprietário até 2.500$00/m2 c/IVA incluído.

• Após a regularização de modo a deixar cerca de 3·0 a 3·5 cm para a execução do acabamento e estando a base seca, seriam coladas as peças constituintes do pavimento, incluindo degraus. A superfície de assentamento do ladrilho, deveria ser bastante rugosa, para garantir boa aderência à argamassa de assentamento.

f) Cantarias:

• As pedras naturais, sua natureza, espessura e dimensões deveriam estar de acordo com os vãos a guarnecer e após a sua aplicação seriam protegidas por cartão, aparite ou calda de gesso durante a continuidade dos trabalhos da obra.

g) Azulejos:

• Até ao tecto na cozinha e casas de banho com o padrão e forma à escolha do proprietário.

h) Tectos:

• Seriam em platre com sanca de remate.

i) Reboco de paredes:

• Na cave, cozinhas e casas de banho com um grote de cimento a areia ao traço 1:3 e sobre este a argamassa de cimento, cal hidráulica e areia ao traço 1:1:6, acabadas à esponja interiormente e à colher; as exteriores com pintura a tinta plástica de lª qualidade.

j) Cobertura:

• Em laje aligeirada ou maciça, seria devidamente isolada e revestida a telha regional.

• Os terraços seriam impermeabilizados com tela asfáltica e ainda com assentamento de tijoleira regional com as devidas pendentes, para os tubos de queda de escoamento das águas pluviais.

k) Caixilharias:

• Portas e janelas exteriores seriam em alumínio termo lacado branco e vidro duplo, de correr, abrir ou basculantes, segundo alçados, com as respectivas pedras de soleira bojardados.

• As esquadrias seriam perfeitas e as folgas reduzidas ao mínimo, de modo a garantirem a defesa contra a penetração dos agentes atmosféricos.

• Porta de acesso à habitação e inferiores em madeira de carvalho, acabadas a verniz cera, assim como, as portas dos roupeiros e armários que o projecto indica.

1) Diversos:

• Segundo desenho de pormenor em obra, a cozinha seria adjudicada a firma de especialidade, com modelo à escolha do proprietário.

m) Instalações eléctricas:

• Seriam executadas com materiais de qualidade e por técnico competente, segundo as normas em vigor, não ultrapassando a sua potência os 48 KVA.

n) Execução das instalações de (pré-aquecimento) para ar condicionado, este da conta da A..., excepto às máquinas, interiores e exteriores, que seriam da conta dos RR.

o) Especialidades:

• Os RR apresentariam os projectos de especialidades: - Estabilidades; - Águas e esgotos; - Isolamento térmico; Instalações telefónicas e ficha electrotécnica.

p) Piscina:

• Seria construída a casa das máquinas de acordo com formato e dimensões indicadas nos desenhos e teriam o equipamento indispensável para o seu bom funcionamento, composto pelo equipamento de filtragem e grupo electrobomba.

• A sua constituição seria em fibra.

• O sistema de filtragem e tratamento que nela se ia instalar, permitiria que a água fosse mantida por períodos de 3 ou mais anos, sem que, para tal tenha de proceder à sua renovação total e ficaria acondicionada na casa das máquinas.

q) A rede de águas da moradia:

• Seria ligada à rede pública, com interposição de um contador a instalar no muro de vedação.

• Seriam construídas 3 casas de banho e 1 cozinha, onde, estavam previstos instalar 27 dispositivos de utilização.

• A rede de água quente e fria seria executada de acordo com o esquema traçado em planta, em tubo hidronil, sendo usado no interior o sistema reticulado "Wisapex" ligados a colectores  (embutidos nas paredes) a instalar nas casas de banho e cozinhas, após prévia abertura de roças e atacado com argamassa de cimento ao traço 1/5, com diâmetro assinalados nos desenhos.

• A rede de água quente seria ligada a um termoacumulador ou esquentador (opção do proprietário) e envolvida por uma manga "climaflex".

• Todas as torneiras e acessórios seriam de lª qualidade em laca do ou cromadas, com as mesmas características, manípulos, florões e castelos iguais com dísticos para diferenciar a água quente da fria.

r) Redes de esgotos:

• Seriam ligadas até ao passeio e executadas de acordo com o traçado das plantas apresentadas, cumprindo os diâmetros assinalados.

• Considerando-se o sistema separativo, águas residuais domésticas e águas pluviais, estando prevista a construção de 3 casas de banho e 1 cozinha.

• As caixas de visita serão em alvenaria de tijolo maciço afagado interiormente com reboco hidrofugado ao traço 1/3.

• Nos ramais de descarga das sanitas e pia de despejos, serão utilizados tubos PVC de diâmetro igual a 2" mínimo, para uma pressão de 4 kg/cm2, nos ramais de descarga dos restantes aparelhos sanitários, será usado o mesmo material com diâmetro 2" ou 11/2" para as colunas de ventilação.

• Ao proprietário caberia a escolha da marca, formato e cor de toda a loiça sanitária.

• Dado que as águas da piscina seriam renovadas em pequenas quantidades, as águas de escoar seriam encaminhadas para o colector pluvial existente.

s) Era da conta da A..., fazer caixa para depósito de água com a capacidade de 5.000 L.

t) Seria da conta da A., o seguro de acidentes de trabalho e seguro a terceiros, durante a execução dos trabalhos adjudicados.

u) Faziam parte integrante da proposta, os trabalhos necessários à colocação de betão, moldagem, cofragem e descofragem.

v) Em todos os casos omissos, respeitar-se-ia a legislação, posturas camarárias e regulamentos em vigor.

5. O depósito de água referido na alínea s) do ponto anterior era da conta do réu B...

6. Para construção da obra referida no ponto 3, a autora e o réu marido acordaram no pagamento do preço de 39.000.000$00, incluindo IVA relativo a 12.000.000$00 .

7. O pagamento seria mediante a facturação a apresentar, tendo como orientação o seguinte faseamento:

-- Cap. I - Sinal.

-- Cap. II - Fundações:

-- 2.1 - Fundações cheias e muros da cave 1.500.000$00

-- Cap. III - Placas: --

-- 3·1- lª Placa construída 1.500.000$00

-- 3·2 - 2a Placa construída 1.500.000$00

-- 3·3 - 3a placa concluída 1.500.000$00

-- 3.4 - Telhado colocado 3.000.000$00

-- Cap. IV - Divisões: --

-- 4·1 - Execução de divisões (2x750.000$00) 1.500.000$00

-- Cap. V - Electricidade e canalização de água e gás:

-- 5·1 - Colocação de caixas e tubos da parte eléctrica 300.000$00

-- 5·2 - Execução de canalização de água e gás 500.000$00

-- Cap. VI - Carpintarias:

-- 6.1 - Aduelas assentes 1.000.000$00

-- 6.2 - Portas de roupeiros 1.500.000$00

-- 6·3 - Móveis de cozinha c/pedra e s/electrodomésticos 500.000$00

-- Cap. VII - Rebocos e estuques:

-- 7·1 - Platre interior nos tectos 500.000$00

-- 7·2 - Rebocos exteriores (2 x 1.150.000$00) 2.300.000$00

-- 7·3 - Platre em paredes 1.000.000$00

-- Cap. VIII - Cantarias:

-- 8.1 - Peitoris e soleiras em janelas e portas 500.000$00

-- Cap. IX - Chapa:

-- 9·1 - Chapa no chão para assentamento de revestimentos 1.500.000$00

-- Cap. X - Revestimentos:

-- 10.1 - Mosaico na sala e corredores e chão nos quartos (2x900.000$00) 1.800.000$00

-- 10.2 - Chão da cave pronto 1.100.000$00

-- 10.3 - Azulejo cm casas de banho e cozinhas 800.000$00

-- Cap. XI - Caixilharias alumínios e estores:

-- 11.1 - Alumínios aplicados 1.750.000$00

-- 11.2 - Estores aplicados 400.000$00

-- Cap. XII - Pintura:

-- 12.1 - Pintura interior 1.000.000$00

-- 12.2 - Pintura exterior 800.000$00

-- 12·3 - Gradeamento interior nas escadas 300.000$00

-- Cap. XIII - Louças sanitárias:

-- 13·1- Fornecimento e aplicação das louças sanitárias 1.700.000$00

-- Cap. XIV - Piscina:

-- 14.1 - Com a conclusão da piscina 2.000.000$00

-- Cap. XV - Serralharias:

-- 15·1 - Portões assentes com comando 500.000$00

-- Cap. XVI - Obra pronta:

-- 16.1 - Conclusão de todos os trabalhos 750.000$00

   8. A autora iniciou a obra, procedeu aos trabalhos de construção da moradia dos réus, executando as diversas fases, com a aplicação dos materiais indicados no caderno de encargos e utensílios necessários.

   9. Os réus entregaram à autora, para pagamento dos trabalhos por ela realizados as seguintes quantias:

a) Em 18/3/2002, o cheque nº ... sacado pelo R.

marido sobre o Banco ..., no valor de €: 11.971,92;

b) Em 30/9/2001, o cheque nº ..., sobre o ..., no valor de €: 29.927,87;

c) O cheque nº ...., datado de 17/9/2001, sacado sobre o ..., no valor de €: 9.975,96;

d) O cheque nº ..., datado de 18/3/2002, sacado sobre o Banco ..., no valor de €: 7.980,00;

e) O cheque nº ..., sobre o Banco ... - Caxarias, no valor de €: 9.976,00.

   10. A A. emitiu e entregou ao R. marido, os seguintes recibos:

1. R003529, no valor de Esc.: 2.400.154$00; €: 11.971,92;

2. R003589, no valor de Esc.: 5.999.999$00; €: 29.927,87;

3. R003590, no valor de Esc.: 2.000.000$00; €: 9.975,96;

4. R003591, no valor de Esc.: 1.599.841$00; €: 7.980,00;

5. R003592, no valor de Esc. 2.000.000$00; €: 9.976,00.

   11. A autora emitiu as facturas de fls. 40, 43, 45 e 46, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, com datas de emissão, respectivamente, de 30/12/2001, 20/5/2002, 20/5/2002 e 23/5/2002, que foram recebidas pelos réus.

   12. As facturas referidas no ponto anterior foram emitidas nas datas nelas referidas.

   13. As facturas mencionadas no ponto 11 apenas foram entregues ao réu em Abril e Maio de 2002.

   14. Os réus entregaram à autora a quantia de 14.000.000$00 antes de a autora entregar as facturas mencionadas no ponto 11.

   15. A sapata das fundações estava projectada para funcionar centrada com o pilar e ficou excêntrica.

   16. A autora aplicou mais um degrau do que o projectado na escada de acesso ao primeiro andar.

   17. A autora não construiu a laje do primeiro andar de acordo com o projecto, avançando-a mais do que o projectado.

   18. O projecto previa isolamento térmico à base de roofmate ou material equivalente.

   19. A autora construiu o telhado que serve de cobertura aos quartos do lado poente com mais 20 cm de altura do que o projectado, pelo facto de a placa deixar de ser inclinada e passar a ser nivelada e de forma a manter o pé direito dos quartos.

   20. O arranque da escadaria de acesso ao terraço do primeiro andar foi iniciado antes do que foi projectado, o que obrigou à criação de mais um degrau.

   21. A autora construiu chaminés rectangulares, quando no projecto de arquitectura são redondas.

   22. O réu concordou com os trabalhos executados pela autora, incluindo aqueles que consistiram em alterações ao que estava projectado.

   23. Na parte da moradia que a autora construiu, designadamente, fundações, 1ª, 2ª e 3ª placas, colocação do telhado, execução de divisões, instalação de electricidade (parte), canalizações, rebocos e estuques, placas interiores nos tectos, rebocos exteriores (parte) e placas nas paredes, cantaria (parte), chapa e revestimento, a mesma gastou 22.991.000$00.

   24. A autora endereçou uma carta ao réu marido, em carta registada c/AR, datada de 23 de Maio de 2002, carta que o réu recebeu em 27 de Maio de 2002, onde reclamava o pagamento da quantia de Esc.: 12.274.000$00; €: 61.222,45.

   25. Após o réu marido ter recebido a carta referida no ponto anterior, os RR. não pagaram o valor que ali foi pedido.

   26. O réu marido passou, por si e directamente, a contratar pessoal e a prosseguir os trabalhos de construção da moradia.

   27. O R. continuou por si a construção da obra depois de ter recebido a carta referida no ponto 24, onde consta que caso não procedesse à entrega de 12.274.000$00 a A. não podia assegurar a continuidade das obras, vendo-se forçada a suspender os trabalhos, e quando se dirigiu ao Algarve e constatou que a obra estava parada, apenas ali se encontrando um pedreiro que a autora tinha subcontratado, pedreiro este que contratou directamente para continuação e acabamento da obra .

   28. Foi sem qualquer interpelação que o réu prosseguiu por si os trabalhos de construção da moradia referida.

   29. Para concluir a obra, os réus gastaram:

a) Ao pedreiro, em mão-de-obra, 1.103.000$00

b) Para construção da piscina, 4.731.000$00

c) Em carpintaria 1.229.000$0

d) Em cantarias, 521.500$00

e) Em caixilharias e alumínios, 1.751.000$00

f) Nas portadas (para substituir os estores), 484.000$00

g) Em pinturas, 1.937.000$00

h) Em serralharias, 447.000$00

i) Em azulejos e mosaicos, 1.788.000$00

j) Em revestimentos (no chão em frente do garagem, muros e

passeios exteriores), 782.000$00

k) Em torneiras e sanitários, 1.453.000$00

1) Em despesas com canalizador, 291.000$00

m) Na Limpeza da obra, 100.000$00

n) Em peitoris e soleiras, 261.000$00

   30. Caso tivesse terminado a construção da moradia, a autora apenas teria que despender a quantia de 16.878.500$00.

   31. Os réus casaram um com o outro no dia 11/8/63 sem convenção antenupcial.

   32. O réu foi gerente de uma sociedade que se dedicava a obras de construção civil e à compra e venda de propriedades até Fevereiro de 2002, altura em que se reformou.

   33. Com os proventos e ganhos auferidos com essa actividade, o réu faz face aos encargos normais da vida do seu agregado familiar, onde se inclui a ré, designadamente, com alimentação, vestuário, calçado, cuidados de saúde, educação, energia eléctrica, gás água e todas as despesas inerentes a uma economia doméstica.

   34. Ao ajustar o acordo referido no ponto 3, fê-lo o réu com o acordo e anuência da ré.


*

   Passemos, agora, à discussão das questões jurídicas, a primeira das quais se reporta á concreta dívida dos RR. para com a A..

   Contudo, e conforme expusemos supra, a ora Recrte. formulou um pedido principal e um pedido subsidiário.

   Ora, ao que entendemos da sua formulação, esta questão prende-se com a procedência do pedido subsidiário (que obteve parcial procedência na acção), pelo que teremos que iniciar a discussão jurídica pela segunda das enunciadas questões, ou seja, a indemnização por desistência da empreitada.

   A Recrte. alega na sua petição inicial que o R. desistiu da empreitada, o que constitui ambos os demandados na obrigação de  a indemnizar pelo valor de 124.699,47€ obtido com recurso à seguinte fórmula matemática – 39.000.000$00 (valor acordado para a obra) – 14.000.000$00 (valor pago pelo R.) = 25.000.000$00 (ou seja, 124.699,47€).

   Em sede de recurso, a A. invoca uma outra fórmula – a aplicação da percentagem de 15 a 20% sobre o valor acordado para a obra.

   Provou-se que o réu marido passou, por si e directamente, a contratar pessoal e a prosseguir os trabalhos de construção da moradia. O R. continuou por si a construção da obra depois de ter recebido a carta em 27/05/2002, onde consta que caso não procedesse à entrega de 12.274.000$00 a A. não podia assegurar a continuidade das obras, vendo-se forçada a suspender os trabalhos, e quando se dirigiu ao Algarve e constatou que a obra estava parada, apenas ali se encontrando um pedreiro que a autora tinha subcontratado, pedreiro este que contratou directamente para continuação e acabamento da obra. Foi sem qualquer interpelação que o réu prosseguiu por si os trabalhos de construção da moradia referida.

   Partindo deste pressuposto fáctico a sentença recorrida concluiu que estava demonstrada a vontade do R. em dar por terminados os trabalhos da A. e passou a analisar a questão à luz do disposto no Artº 1229º do CC, consignando que a desistência não carece de qualquer forma específica, podendo a declaração ser expressa ou tácita. Concluiu pela improcedência do pedido em virtude de a A. não ter alegado “quaisquer factos integradores da indemnização devida em caso de desistência, e não poder exigir, sem mais, o pagamento do preço global acordado pela execução da moradia, menos o valor já pago... pois os factos provados não revelam que a A. tenha de facto feito gastos nesse montante e/ou que tal corresponda ao benefício económico que retiraria da conclusão do negócio”.

   O Artº 1229º dispõe que o dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.

   Sem por em causa a qualificação da atitude do R. como desistência, passemos, então, a apreciar a questão relativa à indemnização.

   Da norma legal acima mencionada, que consagra uma forma específica de destruição da relação contratual, decorre que, em caso de desistência, a indemnização, abrange, tanto o dano emergente, quanto o lucro cessante.

   Pires de Lima e Antunes Varela ensinam que “a indemnização devida pelo dono da obra incide, em primeiro lugar, sobre os gastos e trabalho”, sendo considerados todos os danos emergentes, sem se atender à utilidade que a parte executada possa ter para o dono e sem que a fixação dos gastos e trabalho esteja relacionada cm o preço da empreitada. “Devem considerar-se como gastos não só as despesas feitas com a obra, nomeadamente as despesas com a aquisição dos materiais de construção... como também os salários pagos ou devidos aos operários durante o período de tempo em curso”. Já “a determinação do proveito que o empreiteiro poderia tirar da obra terá por base a obra completa e não apenas o que foi executado”, ou seja, terá que atender-se “ao custo global da empreitada e ao preço fixado”, resultando o lucro da subtracção destas duas verbas (Código Civil Anotado, Vol. III, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 908).

   No mesmo sentido, os Ac. do STJ de 23/10/2008 e 3/10/2006 (www.dgsi.pt, refª 08B3104 e 06ª2389, respectivamente).

   Vejamos então se do acervo fáctico resulta matéria suficiente para a integração destes conceitos.

   No que concerne à indemnização por danos emergentes, a alegação da A., sendo muito confusa, veio a beneficiar da intervenção dos RR. quando, em impugnação do valor vertido nas facturas – 131.054,19€-, invocam que na parte da moradia por ela construída, a mesma não gastou quantia superior a 17.000.000$00.

   Ocorre, porém, que o pedido formulado a título principal não reflecte o dano emergente.

   O que a A. peticiona é o lucro cessante, com recurso à fórmula que já mencionámos.

   Desta forma, impõe-se que analisemos se a mesma é adequada à procedência.

   Conforme acima expusemos, o lucro cessante, correspondente ao proveito do empreiteiro, obtém-se subtraindo do preço fixado, o custo global da obra.

   O preço fixado foi 39.000,000$00, incluindo IVA relativo a 12.000.000$00.

   Resultará alegado o custo global da obra?

   Por parte da A., não.

   Com o acervo fáctico carreado para os autos pelos RR., resultou provado que com a parte que construiu a A. gastou 22.991.000$00 e que caso tivesse terminado a construção, teria que despender a quantia de 16.878.500$00 (factos nº 23 e 30). Significa isto que o custo da obra ascendia à quantia de 39.869.500$00.

   A estranheza derivada desta conclusão remete-nos, de novo, para a alegação da Recrte., segundo a qual a resposta ao quesito 27º (que originou o facto nº 30) deve ler-se por referência à construção da piscina em material e técnica diversos dos contratados.

   Porém, nenhum facto, nem nenhuma peça processual, nos permitem extrair tal conclusão.

   Não há, assim, como retirar consequências a nível indemnizatório, pelo que, embora por diversa fundamentação, nenhuma alteração se impõe ao decidido em 1ª instância.

   Mas, e certamente por isso, invoca a A. nesta sede que, tendo-se dado como provado que o valor global da obra ascendia a 39.000.000$00, se deverá aplicar a este valor uma percentagem definida pelos peritos como sendo a do lucro ( 15 a 20% ).

   Efectivamente no relatório que subscreveram, os peritos pronunciam-se no sentido de a percentagem para administração, lucro e equipamento variar entre 15 a 20% do valor global da obra.
   Contudo, por um lado, este não é um facto que tenha sido alegado pela A. em qualquer dos seus articulados, pelo que, conforme decorre do que dispõe o Artº 664º do CPC, jamais pode ser utilizado; por outro lado, o modo de calcular a indemnização a que nos reportamos é aquele que acima expusemos, o qual carece de alegação e prova de factos concretos, que a A. não carreou para os autos. Por outro lado ainda, uma tal alegação apenas trazida aos autos em sede de recurso, jamais poderia proceder, porquanto estes não servem o objectivo de analisar novas questões. Os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais, só podendo fazer-se valer neles o que foi invocado durante  o julgamento da causa, estando vedado aos Recrtes. servir-se deles para submeterem á apreciação do tribunal de recurso questões novas, nunca suscitadas entre as partes e que, por isso, não puderam ser objecto de apreciação em 1ª instância. Apenas se excluem desta conclusão as questões de conhecimento oficioso. “Os  recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 147).
   Por fim também a Recrte. alega que os RR. admitem e aceitam, na sua contestação, indemnizá-la pelo valor de 17.677,36€, pelo que, pelo menos esse valor deveriam ter sido condenados a pagar.
   Não corresponde à verdade que os RR. tivessem aceite dever este valor.
   O que os RR. alegam na sua contestação é que, se por hipótese académica, se vissem obrigados a indemnizar a A., o valor da indemnização seria de 3.543.992$00, decorrente da soma despendida na obra em materiais e mão de obra com o lucro que dela poderia ter retirado, abatendo a este total as importâncias entregues por si.
   Ou seja, o que os RR. fizeram foi interpretar o direito que invocaram e concatená-lo com os factos que trouxeram a juízo, sem que tivessem admitido ser devedores.
   Termos em que improcedem as conclusões ora analisadas.

   Podemos, agora, debruçar-nos sobre o pedido subsidiário.

   A este título peticionava-se a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 61.222,45€ e juros.

   A sentença impugnada veio a condená-los no pagamento da quantia de 44.846,95€ e juros, tendo como pressuposto que os RR. pagaram à A. a quantia de 13.999.994$00 e que o valor da moradia construída pela mesma foi de 22.991.000$00.

   O pressuposto fáctico em que assentou a condenação sofreu alterações nesta decisão que, no entanto, não impõem alteração da decisão condenatória.

   Senão, vejamos.

   Pretendem os Recrtes. que as facturas emitidas ascendem ao valor de 131.054,19€, que os Recrdºs. apenas lhes entregaram 69.831,69€, pelo que está em dívida a importância de 61.222,45€.

   Reclamam, pois, nesta fase, a diferença ente este valor e o valor constante da sentença.

   A Recrte. parte de um errado pressuposto, a saber, o de que as partes não divergem do valor facturado.

   Conforme já expusemos nesta decisão, o valor facturado foi impugnado pelos RR. na sua contestação, pelo que, tendo a sentença decidido em consonância com o valor real dos trabalhos efectuados, ao qual deduziu a importância paga pelos demandados, nada há a censurar.


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   Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.

   Custas pelos Recrtes..

   Notifique.