Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
368/11.3GBLSA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
PEDIDO
PRAZO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Data do Acordão: 09/18/2013
Votação: POR VENCIMENTO COM DECLARAÇÃO DE VOTO
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 47.º, N.º3 E 48.º, N.º 1 CP, 107.º, N.º 2 E 489.º, N.º2 DO C.P.P
Sumário: 1.- O prazo processual estabelecido no n.º 2 do art.489.º do C.P.P, para o pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo peremptório;

2.- Sendo um prazo peremptório, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações ( de diferimento do pagamento ou de substituição da pena de multa por dias de trabalho) para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.

Decisão Texto Integral:             Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

            Por despacho de 4 de Março de 2013, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, deferindo o requerimento apresentado pelo arguido A…, em 22 de Janeiro de 2013, decidiu autorizar o pagamento da multa, em que este fora condenado, em 4 (quatro) prestações mensais iguais e sucessivas, devendo as mesmas mostrarem-se pagas até ao dia vinte de cada mês, e a primeira prestação ser paga no próximo mês de Abril.

            Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A. O prazo para requerer o pagamento da multa criminal em prestações, conforme previsto no art.º 47.º, n.º 3, do Código Penal, é o prazo para pagamento voluntário de tal pena, estabelecido no n.º 2 do art.º 489.º, do Código de Processo Penal.

B. O que decorre da conjugação desses normativos com o n.º 3 deste mesmo inciso legal, e está igualmente conforme com o regime previsto no art.º 491.º, n.ºs 1 e 2, ainda do Código de Processo Penal, para efeitos de instauração de execução para cobrança coerciva da pena de multa.

C. Em matéria de prazos, dita genericamente o art.107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sua prática extemporânea apenas pode ter lugar nos termos aí mencionados, invocando-se justo impedimento.

D. Nada na lei nos indica que o prazo em questão está sujeito a um regime diferente, pelo que deve ter-se como peremptório e, portanto, salvo tal alegação e prova, preclusivo.

E. Tal entendimento em nada colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade: a) porque a própria aplicação de uma pena desta natureza já teve esse objectivo em consideração; b) porque o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão); c) porque mesmo depois da conversão o condenado pode obviar ao cumprimento da prisão pagamento no todo ou em parte a multa em que foi condenado (cfr. art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal) e d) porque a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa nos termos do art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

F. Ou seja, em todo o regime relativo à execução da pena de multa a prisão subsidiária é, efectivamente, a solução de último recurso, a que o arguido só se sujeita por manifestamente não querer cumprir a pena ou por inércia em fazer chegar aos autos alternativas para a sua execução.

G. Mantendo-se o arguido assistido de defensor, a quem foi dado conhecimento da liquidação e da notificação àquele para pagamento, está plenamente assegurado o conhecimento dos prazos, procedimentos de execução e consequência do seu incumprimento, em nada ficando afectados os seus direitos de defesa.

H. Admitir que o arguido não está sujeito ao mencionado prazo de 15 dias é admitir que poderá a todo o tempo ver um requerimento dessa natureza ser deferido (ressalvados os limites temporais contemplados no próprio art.º 47.º, n.º 3), ficando na sua disponibilidade a escolha do melhor momento para cumprir uma pena, o que manifestamente contende com o carácter sancionatório da mesma.

I. Como assim, ao deferir o requerimento do arguido formulado depois de decorrido o prazo de pagamento voluntário da pena de multa, sem que tivesse sido feita qualquer alegação e prova de justo impedimento, a M.ma Juiz a quo fez incorrecta interpretação da lei, violando o disposto nos citados art.ºs 47.º, n.º 3; 107.º, n.º 2; 489.º, n.ºs 2 e 3, e, 491.º, n.ºs 1 e 2.

O arguido não respondeu ao recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Fls. 257: Dispõe o artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal que “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa (...) em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”.

Face ao estado dos autos, importa aquilatar da tempestividade do pedido deduzido pelo arguido de pagamento da multa em prestações, ao abrigo do preceituado pelo n.º 3 do artigo 47.º do Código Penal.

A favor da extemporaneidade de tal pedido, invocar-se-á o consignado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 489.º do Código de Processo Penal, de cuja interpretação literal e conjugada se extrai que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações é o do pagamento voluntário, ou seja, quinze dias a contar da notificação para o efeito.

Porém, a rigidez de tal solução colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e, bem assim, com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio e derradeira via.

Somos, então, de opinião que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações não deverá ser havido como peremptório, nem preclusivo do direito de formular tal pedido, só assim se logrando cumprir o imperativo político-criminal de obviar aos efeitos negativos das reacções penais detentivas.

Aqui chegados, cabe mencionar que o pagamento fraccionado da pena de multa pressupõe a impossibilidade absoluta ou relativa de o arguido, em virtude da sua comprovada incapacidade económica e financeira, proceder ao cumprimento integral da sanção pecuniária.

Assim, tendo em conta os factos provados na sentença sobre a situação pessoal e financeira do arguido, decide-se autorizar o pagamento da multa a que foi condenado em 4 (quatro) prestações mensais iguais e sucessivas, devendo as mesmas mostrarem-se pagas até ao dia vinte de cada mês.

A primeira prestação será paga no próximo mês de Abril.

O não pagamento de uma prestação importa o vencimento das demais prestações, conforme estipulado pelo n.º 5 do citado artigo 47.º do Código Penal, e o não pagamento integral da multa poderá determinar a sua conversão em prisão subsidiária.

Notifique.»


*
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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público a questão a decidir é a seguinte:

- se a M.ma Juiz a quo violou o disposto no art. 47.º, n.º 3, do C.P. e os artigos  107.º, n.º 2, 489.º, n.ºs 2 e 3, e 491.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P., ao deferir o requerimento do arguido para pagamento da multa em prestações, formulado depois de decorrido o prazo de pagamento voluntário da pena de multa, sem que tivesse alegado e provado o justo impedimento.


-

            Passemos ao conhecimento da questão.

O arguido  A... foi condenado por sentença de 12 de Julho de 2012, pela prática de um crime de violação de domicílio, p. p. pelo  art.190.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, ou seja, na multa de € 360,00.

A sentença foi depositada na Secretaria Judicial ainda em 12 de Julho de 2012.

A Secretaria Judicial procedeu à liquidação da multa, fixando como terminus para o pagamento voluntário da mesma, o dia 4 de Janeiro de 2013, facto dado a conhecer ao arguido, através de notificação postal endereçada em 3 de Dezembro de 2012 para a morada que indicara no TIR (todavia devolvida com a menção de que “não atendeu”) e por notificação endereçada, na mesma data, para a sua defensora oficiosa.

Por requerimento, que deu entrada nos autos em 22 de Janeiro de 2012, o arguido  A... requereu ao Tribunal a quo autorização para pagar a multa em que foi condenado, em quatro prestações mensais e sucessivas.

A Ex.ma Juíza, deferiu este requerimento, fundamentando a sua decisão na «.. opinião que o prazo para requerer o pagamento da multa em prestações não deverá ser havido como peremptório, nem preclusivo do direito de formular tal pedido, só assim se logrando cumprir o imperativo político-criminal de obviar aos efeitos negativos das reacções penais detentivas

O Ministério Público não se conforma com o despacho recorrido, alegando para este efeito, e em síntese, o seguinte:

Da conjugação do art.º 47.º, n.º 3, do Código Penal, com o n.º 2 do art.º 489.º, do Código de Processo Penal, decorre que o pagamento da multa em prestações, previsto naquele preceito, tem de ser requerido até ao termo do prazo previsto nesta última norma, isto é, no prazo de 15 dias a contar da data da notificação para o pagamento da multa. 

Em matéria de prazos, dita genericamente o art.107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a sua prática extemporânea apenas pode ter lugar nos termos aí mencionados, invocando-se justo impedimento.

Nada na lei nos indica que o prazo em questão está sujeito a um regime diferente, pelo que deve ter-se como peremptório e, portanto, salvo tal alegação e prova, preclusivo.

Tal entendimento em nada colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade: a) porque a própria aplicação de uma pena desta natureza já teve esse objectivo em consideração; b) porque o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão); c) porque mesmo depois da conversão o condenado pode obviar ao cumprimento da prisão pagamento no todo ou em parte a multa em que foi condenado (cfr. art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal) e d) porque a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa nos termos do art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

Ou seja, em todo o regime relativo à execução da pena de multa a prisão subsidiária é, efectivamente, a solução de último recurso, a que o arguido só se sujeita por manifestamente não querer cumprir a pena ou por inércia em fazer chegar aos autos alternativas para a sua execução.

Admitir que o arguido não está sujeito ao mencionado prazo de 15 dias é admitir que poderá a todo o tempo ver um requerimento dessa natureza ser deferido (ressalvados os limites temporais contemplados no próprio art.º 47.º, n.º 3), ficando na sua disponibilidade a escolha do melhor momento para cumprir uma pena, o que manifestamente contende com o carácter sancionatório da mesma.

Vejamos.

A pena de multa é uma verdadeira pena alternativa aos casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear.

Devendo comportar um sacrifício, mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores, impõe-se que a mesma seja cumprida pelo condenado.

Nos termos do art.47.º, n.º3, do Código Penal, « Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.».

Trata-se de situações em que o condenado não tem bens disponíveis de imediato ou tendo-os não se quer desfazer deles, requerendo assim o diferimento ou pagamento da multa em prestações.

Para além do pagamento da multa poder ser diferido ou realizado em prestações, o art.48º, n.º1, do Código Penal, prevê a possibilidade de substituição da multa por trabalho, ao estatuir que « A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

No âmbito do cumprimento da pena de multa, dispõe ainda o Código Penal, no art.49.º, sob a epígrafe «Conversão da multa não paga em prisão subsidiária», designadamente, o seguinte:

« 1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…).

 2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

  3. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa (…).».

Da conjugação destes preceitos entendemos ser medianamente claro que o legislador previu o cumprimento da pena de multa através de um sistema múltiplo e sucessivo de etapas:

- pagamento voluntário através de uma única entrega de quantia monetária;

- pagamento ( voluntário) diferido ou em prestações da multa, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;

 - substituição da pena de multa por dias de trabalho, após deferimento de requerimento formulado nesse sentido pelo condenado;

- pagamento coercivo; e

- conversão da multa em prisão subsidiária. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser-lhe suspensa.

Decorrendo a execução da pena de multa no processo penal e sendo este por definição uma sequência de actos juridicamente pré-ordenados, os actos processuais tendo em vista aquela execução têm de ser praticados dentro de determinados prazos.

O art.105.º, n.º1 do Código de Processo Penal estatui que, « Salvo disposição em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual.».  

Os prazos processuais, no que atende à sua eficácia, podem ser dilatórios, peremptórios ou meramente ordenadores.

Os prazos dilatórios marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado ou ter início a sua execução, a qual se encontra, de certo modo, suspensa no decurso do prazo. 

Os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado ( terminus intra quem).

Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá mais, em regra, ser praticado, como resulta do art.145.º, n.º 3, do C.P.C. ao dispor que “O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.”

Os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem validade. A generalidade dos prazos processuais para a prática de actos pelo tribunal, pelo Ministério Público na fase do inquérito e, pela secretaria, são prazos meramente ordenadores. A sua prática para além do prazo máximo não os torna inválidos.[4] 

O artigo 107.º, n.º 2, do C.P.P.., ao prescrever que «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade (...), desde que se prove justo impedimento», esclarece, por um lado, que a natureza peremptória dos prazos é a regra e, por lado, estabelece uma verdadeira válvula de segurança de todo o sistema, ao permitir a prática do acto fora do prazo, desde que o interessado tenha sido impedido de o fazer no tempo devido. Os requisitos do justo impedimento serão:
- a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis); que o evento seja estranho à vontade da parte (não se pode venire contra factum proprium); e que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito).
A lei permite a prática extemporânea de actos processuais, independentemente do justo impedimento, no prazo dos 3 dias a que aludem os n.ºs 5 a 7 do art.145.º do C.P.C., através do pagamento de multa ( art.107.º-A. do C.P.P.).

No que concerne ao “prazo de pagamento” da pena de multa, o art.489º, do Código de Processo Penal estabelece que « A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.» (nº 1); « O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.» (nº 2); e « O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.» ( n.º 3).

Por seu turno, sob a epígrafe “Substituição da multa por dias de trabalho”, dispõe o artigo 490º do mesmo C. P. Penal, que « O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nº 2 e 3 do artigo anterior…» (nº 1), e que « Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação da decisão.» (nº 4).

Da conjugação dos artigos 47.º, n.º 3, 48.º, n.º1 e 49.º do Código Penal, com os artigos 489.º e 490.º, n.º1 do Código de Processo Penal, resulta, prima facie, que o pagamento voluntário da multa deverá ter lugar no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito e que o requerimento para pagamento diferido ou em prestações da multa ou para substituição da multa por dias de trabalho, deve ser apresentado naquele prazo de 15 dias, sob pena de se passar á fase do pagamento coercivo.

Dizemos prima facie, uma vez que parte da jurisprudência vem entendendo que o prazo de 15 dias a contar da notificação para o pagamento voluntário da multa, a que alude o art.489.º, n.º2 do C.P.P., não é um prazo peremptório.

O acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18-09-2012 ( proc. n.º 597/08.7CBTVR-B.E1),[5] decidiu que o decurso do prazo de 15 dias, após notificação para pagamento da multa, não preclude a possibilidade do condenado requerer esse pagamento em prestações, porquanto, em primeiro lugar, o espírito que deve iluminar toda a execução da pena de multa , é dar primazia à vontade manifestada pelo arguido de cumprir (ainda que fora do aludido prazo de 15 dias) a pena de multa em que foi condenado.

Em segundo lugar, não é rigoroso afirmar-se, por forma literal, que a pena de multa tem que ser, necessariamente, cumprida em 15 dias, após a notificação para o efeito, quando o pagamento for integral, ou no prazo inerente às prestações fixadas, pois resulta, do disposto no artigo 49º do Código Penal, que o arguido está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ainda que já tenha entrado em incumprimento e mesmo quando esse incumprimento tenha sido declarado.

Por último, o art.491.º, n.º1, do C.P.P., preceitua que findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à “execução patrimonial”, querendo referir-se ao processo executivo, que se inicia se forem conhecidos bens ao condenado, suficientes e desembaraçados, pelo que o requerimento para pagamento em prestações deve ser admitido, pelo menos, antes da fase de cobrança coerciva.

Este acórdão segue de perto a argumentação, entre outros, dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Setembro de 2005 (proc. n.º 0414867)[6], de 30 de Setembro de 2009 ( proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1) e de 15 de Junho de 2011 ( proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1)[7], que conhecendo do prazo para o condenado requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho, decidiram que o fim do prazo de 15 dias sobre a notificação para o pagamento da multa - sem que o pagamento esteja efectuado, seja requerido o seu diferimento ou pagamento em prestações -, não preclude a possibilidade de se requerer a sua substituição por dias de trabalho.

Com o devido respeito, entendemos, tal como decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10 de Setembro de 2008 (proc. n.º 0843469)[8], que o prazo de pagamento da multa em prestações tem de ser requerido até ao termo do prazo previsto no n.º2 do art.489.º do Código de Processo Penal.

No sentido de que o prazo previsto no n.º2 do art.489.º do Código de Processo Penal é peremptório, embora pronunciando-se sobre o prazo para requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho, decidiram, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de Fevereiro de 2011 ( proc. n.º 510/07.9PAMGR-A.C1)[9] e de 13 de Junho de 2012, ( proc. n.º 202/10.1.GBOBR.C1)[10] e da Relação do Porto, de 28 de Maio de 2003 (proc. nº 0311915)[11], de 23 de Junho de 2010 ( proc. n.º 95/06.3GAMUR-B.P1)[12] e de 21 de Março de 2012 (proc. n.º 141/10.6PDVNG-A.P1)[13]

Salvo o devido respeito pela posição contrária, entendemos que os actos processuais necessários ao cumprimento da pena de multa, ou seja, ao pagamento de uma quantia monetária em que o arguido foi condenado, devem seguir a estrita sequência processual determinada na lei e os respectivos prazos.

A primeira notificação que o arguido recebe é para pagamento voluntário da multa, no prazo de 15 dias, a que alude o n.º 2 do art.489.º do C.P.P..

O seu pagamento diferido ou em prestações ou a prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir o diferimento o pagamento faseado ou a substituição por dias de trabalho. E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos dos artigos 47.º, n.º3 ou 48.º, n.º1, do Código Penal, que se verificam os respectivos pressupostos.

Se no prazo processual concedido ao condenado em pena de multa não requerer o pagamento diferido ou em prestações, ou a sua substituição por dias de trabalho, querendo o legislador que o condenado cumpra a pena, impõe-se passar à execução da multa, ao pagamento coercivo, ficando precludido o beneficio ou que o condenado teria em não se quer desfazer de determinados bens penhoráveis.

Se o pagamento coercivo não for possível, porque não são conhecidos ou não tem bens penhoráveis para executar, procede-se à conversão da multa em prisão subsidiária.

A conversão da multa em prisão subsidiária visa determinar o arguido, que o possa fazer, a cumprir a pena de multa em que foi condenado, pelo que o n.º2 do art.49.º do Código Penal permite-lhe o seu pagamento a todo o tempo, como forma de obstar ao cumprimento da prisão subsidiária.

Trata-se, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, de uma “ sanção (penal) de constrangimento), conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa.”. [14]

A dar-se primazia à vontade manifestada pelo arguido de cumprir, independentemente da etapa processual e do respectivo prazo - como é entendimento da posição contrária à aqui defendida -, o arguido mesmo já a cumprir prisão subsidiária, poderia requerer não só o pagamento imediato da multa, como o pagamento diferido ou em prestações ou a substituição por dias de trabalho como forma de obstar à prisão subsidiária. O que manifestamente não está nem na letra, nem no espírito da lei, designadamente do n.º 2 do art.49.º do Código Penal.

A prisão subsidiária poderá ainda não ser cumprida, mesmo em caso de não pagamento voluntário da multa, da sua não substituição por dias de trabalho ou de não pagamento coercivo, sendo-lhe suspensa, se o arguido provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

Só a impossibilidade de pagar a multa, imputável ao condenado é, em princípio, susceptível de o levar a cumprir a prisão subsidiária.

Deste modo, a consideração do prazo do n.º 2 do art.489.º do C.P.P. como peremptório e a não permissão de exercício da faculdade de requerer o pagamento da multa em prestações fora do mesmo, está longe de permitir concluir, como se defende no despacho recorrido, que tal “… solução colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e, bem assim, com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio e derradeira via.”.

Em suma: o prazo processual estabelecido no n.º 2 do art.489.º do C.P.P., como tantos outros em que se estabelece um período de tempo em que o arguido pode exercer um direito se o entender fazer é, atento o disposto no art.107.º, n.º 2, do mesmo Código, um prazo peremptório.

Sendo o mesmo um prazo peremptório, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações ( de diferimento do pagamento ou de substituição da pena de multa por dias de trabalho) para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido no art.489.º, n.º2 do C.P.P., e que coincide com o prazo para fazer o pagamento voluntário na multa.

Não tendo o arguido  A... sido diligente na apresentação do requerimento para pagamento da multa em prestações no prazo expressamente definido na lei e não invocando a válvula de segurança de todo o sistema que é a invocação do justo impedimento, o requerimento é extemporâneo e apenas de si se poderá queixar por haver desperdiçado uma das várias possibilidades que a lei lhe concede para cumprir a pena de multa.

Pelo exposto, procede o recurso interposto pelo Ministério Público.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e revogar o douto despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que considerando o requerimento intempestivo ordene o prosseguimento dos autos, tendo em vista a fase seguinte para cumprimento da pena de multa.

             Sem custas.

                                                                         *

Orlando Gonçalves (Relator por vencimento)

Declaração de voto

Como Relator havia elaborado projecto, entretanto vencido, e cujo teor passo a indicar, nos termos essenciais.

«Por via desta delimitação resulta que a questão a decidir in casu respeita à extemporaneidade do pedido efectuado pelo arguido no seu requerimento de 22 de Janeiro de 2013.

2.3. Como decorre do encimado, o dissídio do recorrente Ministério Público apontando para a extemporaneidade do requerimento do arguido solicitando o deferimento do pagamento da multa em que se mostra condenado, em prestações, arrima-se no que sustenta ser a natureza peremptória do prazo previsto no art.º 489.º, do Código de Processo Penal.

Posição distinta da erigida no despacho recorrido que, arredio ao que considera mais não traduzir do que uma simples interpretação literal da norma, sem olvidar “o objectivo de político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e, bem assim, com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio e derradeira via” (sic), já facultou ao arguido a pretensão assim apresentada.

Dispõe o art.º 47.º, n.º 3, do Código Penal, que Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Preceitua, por seu turno, o art.º 489.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe Prazo de pagamento, que A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais (n.º 1); O prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito (n.º 2); O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido deferido ou autorizado pelo sistema de prestações (n.º 3).

A questão que se coloca é, na verdade, a de apurarmos se o prazo de pagamento da multa, e também o prazo para requerer o seu pagamento em prestações, tem natureza peremptória – se a tiver, e no caso sub judice, o requerimento do arguido a solicitar o pagamento da multa em prestações é manifestamente extemporâneo (uma vez que foi apresentado para além do prazo de 15 dias previsto no citado art.º 489.º, n.º 2).

A forma Da execução das penas não privativas de liberdade consta do Título III do Código de Processo Penal, que se inicia, exactamente, com a tramitação relativa à Execução da pena de multa (Capítulo I), e onde se insere o apontado art.º 489.º.

Desta disposição legal, e da sua inserção sistemática, podemos, pois, concluir que a execução da pena de multa só se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e ainda que o condenado tem o prazo de 15 dias para o cumprimento (prazo este que se inicia após a notificação a realizar para o efeito).

Para além do pagamento total, a realizar do aludido prazo de 15 dias, a lei permite que a pena de multa seja cumprida fraccionadamente, isto é, que seja paga em prestações.

Se o condenado quiser pagar a multa em prestações, terá que formular pedido para o efeito, dentro do prazo de cumprimento, ou seja, nos 15 dias seguintes à notificação acima referida.

Decorrido que seja este prazo de 15 dias, sem que nada tenha sido requerido, o condenado entrará em incumprimento.

Se o condenado requerer o pagamento da multa em prestações e o pedido for atendido, o prazo de cumprimento da pena (pagamento da multa), já não é (obviamente) de 15 dias, mas estende-se por todo o período das prestações, terminando quando se verificar o prazo para pagar a última prestação.

No caso destes autos, o arguido foi autorizado a pagar a multa em 4 prestações, mensais e sucessivas, tendo apresentado requerimento para esse efeito quando já tinha passado o referido prazo de 15 dias (mas antes de ser instaurada execução, ou de tomada qualquer outra medida com vista ao cumprimento coercivo da pena, isto tanto quanto ressuma da instrução deste recurso).

Ora, na adesão ao sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que seguimos, proferido no âmbito do recurso n.º 597/08.7 GBTVR-B.E1, acedido em www.dgsi.pt, e se é certo que o pedido para pagamento da multa em prestações deve ser feito, em princípio, até 15 dias depois da notificação da conta (com a liquidação da multa e das custas), não menos verdade será, por outro lado, ponderando os interesse em jogo e visto o espírito da lei, que deve ser admitido requerimento nesse sentido, pelo menos antes da fase de cobrança coerciva (como acontece no caso em apreço, onde o requerimento para pagamento em prestações foi apresentado antes da instauração da execução).

Ou seja, o decurso do prazo de 15 dias após a notificação para proceder ao pagamento da multa não preclude, só por si e sem mais, a possibilidade de requerer o pagamento dessa mesma multa em prestações.

Em primeiro lugar, atendendo ao espírito que deve iluminar toda a execução da pena de multa (e a nossa lei opta, por princípio, e em todas as possíveis situações, por aplicação de medidas não detentivas), deve dar-se primazia à vontade manifestada pelo arguido de cumprir (ainda que fora do aludido prazo de 15 dias) a pena de multa em que foi condenado.

Em segundo lugar, não é rigoroso afirmar-se, por forma literal, que a pena de multa tem que ser, necessariamente, cumprida ou em 15 dias, após a notificação para o efeito, quando o pagamento for integral, ou no prazo inerente às prestações fixadas. Aliás, e bem vistas as coisas, o prazo de cumprimento da pena de multa não é, afinal, nem de 15 dias, nem é, sequer, o equivalente ao tempo que abrange o vencimento das prestações fixadas.

É o que resulta, claramente, do disposto no art.º 49.º do Código Penal, onde, sob a epígrafe Conversão da multa não paga em prisão subsidiária, se estatui:
1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão (…).

2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3. (…).

4. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída (…).

”.
Isto é, decorre deste normativo que o arguido está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, ainda que já tenha entrado em incumprimento e mesmo quando esse incumprimento tenha sido declarado.

Por último, e em caso de incumprimento da pena de multa, segue-se, diz a lei, a sua “execução patrimonial” – art.º 491.º, do Código de Processo Penal, que, sob a epígrafe Não pagamento da multa, preceitua:

1. Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial.

2. Tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas.

3. A decisão sobre a suspensão da execução da prisão subsidiária é precedida de parecer do Ministério Público, quando este não tenha sido o requerente.

Por conseguinte, quando a lei fala em “execução patrimonial” refere-se a processo executivo, que se inicia se forem conhecidos bens ao condenado, suficientes e desembaraçados.

Ora, tanto quanto reportam os elementos coligidos aos autos, o despacho sob censura foi proferido imediatamente ao decurso do prazo de 15 dias para pagamento voluntário da multa, e numa altura em que sequer tivesse sido instaurada execução patrimonial para sua cobrança.

Adjuvante no sentido propugnado (isto é, da tempestividade do requerimento apresentado pelo recorrido) – embora numa situação em que judicialmente se substituiu por prestação de trabalho a favor da comunidade a pena de multa em que o arguido fora condenado, logo, por isso, por maioria de razão relativamente ao caso presente –, mas porque também refutando o argumento aduzido pelo recorrente na conclusão H), o consignado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, subscrito no âmbito do processo n.º 534/09.1 TDLSB-A.P1, acessível em www.dgsi.pt:

«Entendemos, porém, que deve ser seguido o entendimento perfilhado pelo M.mo Juiz a quo e pelos acórdãos desta Relação de 28 de Setembro de 2005, proc n.º 0414867, relatado por Marques Salgueiro; de 5 de Julho de 2006, proc n.º 0612771, relatado por Borges Martins; de 30 de Setembro de 2009, proc n.º 344/06.8 GAVLC.P1, relatado por Olga Maurício; e de 15 de Junho de 2011, proc n.º 422/08.9 PIVNG-A.P1, também relatado por Olga Maurício, todos in www.dgsi.pt.

É este o entendimento que mais se coaduna com o espírito do sistema jurídico-penal vigente (e que as sucessivas reformas vêm reforçando), que dá preferência, em prol da recuperação e reinserção social (ou não desinserção social) do condenado, a penas não privativas da liberdade, atribuindo à pena de prisão um carácter de último recurso, a utilizar apenas quando as finalidades da punição não possam ser alcançadas por outra via (ver, entre outros, o artigo 70.º do Código Penal). A esta luz, o legislador prevê várias formas de evitar a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, a qual também assume carácter de último recurso.

Afirma-se, a este respeito, no referido acórdão desta Relação de 28 de Setembro de 2005, relatado por Marques Salgueiro:

«As preocupações eminentemente pessoais que atravessam o direito criminal, com relevo para a procura da verdade material e, dentre os fins a atingir com a imposição das penas, a recuperação e a integração social do condenado, preocupações que, necessariamente, se reflectem no direito adjectivo, apontam claramente no sentido de que, por uma razão de cariz essencialmente formal (e o não requerimento no estrito prazo assinado na lei até pode ter sucedido por ignorância dessa prerrogativa legal, ou por mera inadvertência ou, até mesmo, por superveniência da impossibilidade de pagamento da multa), não seja preterida a possibilidade de opção por uma pena que, porventura, se revele mais ajustada.

Aliás, essa prevalência de tais preocupações de natureza substantiva ressalta em passos vários do processo penal (assim, quanto à produção de prova, a despeito de determinado meio de prova não ter sido oferecido ou requerido na oportunidade ou prazo marcados por lei, o tribunal não deixará de, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a sua produção, se o houver como útil para a descoberta da verdade e boa decisão da causa – art.º 340.º do C. P. Penal), sendo que, especificamente no âmbito da execução da pena de multa, também se nota uma acentuada maleabilidade da lei, quer permitindo que o requerimento para substituição da multa por trabalho seja feito no último dia do prazo para o seu pagamento (o que, no caso de ter sido autorizado o pagamento diferido ou em prestações, pode significar que o requerimento venha a ser apresentado muito para além dos 15 dias assinados para o normal pagamento da multa), quer facultando, por inteiro, novo prazo de 15 dias para pagamento da multa, no caso de indeferimento desse requerimento, quer ainda, como derradeira solução, possibilitando ao condenado evitar, a todo o tempo, a execução, total ou parcial, da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado ou, até mesmo, provando que o não pagamento lhe não é imputável, obter a suspensão da execução da prisão subsidiária (art.º 49.º, n.ºs 2 e 3, do C. Penal).

Equacionou, pois, o legislador todo um leque de soluções, tendo em vista que a execução da prisão subsidiária só como derradeira via se deva equacionar, pelo que se pensa que, a despeito de se já mostrar ultrapassado o prazo referido no n.º 1 do art.º 490.º do C. P. Penal quando o arguido requereu a substituição da multa por dias de trabalho, se não deverá, só por essa razão, deixar de apreciar e/ou indeferir a pretensão formulada.»

Há que ter presente a regra de interpretação lapidarmente consignada no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil: «A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

O espírito e a unidade do sistema jurídico apontam, pois, claramente, no sentido de não impedir a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (evitando, assim, a conversão da multa em prisão subsidiária) apenas porque o requerimento respectivo não foi formulado no prazo a que se reportam os artigos 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Poderá, porém, evocar-se, em defesa da tese em que se apoia o ora recorrente, a regra consignada no n.º 2 do mesmo artigo 9.º do Código Civil: «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

A este respeito, é de salientar o que se afirma nos referidos acórdão desta Relação de 30 de Setembro de 2009 e de 15 de Junho de 2011, ambos relatados por Olga Maurício:

«Mas, podíamos dizer nós, o espírito não basta quando a letra da lei aponte numa determinada direcção, ou seja, o espírito do legislador não seria suficiente para fundamentar decisão contrária se a lei apontasse, inequivocamente, para o facto de a pena de multa ter que ser cumprida ou em 15 dias após a notificação para o efeito, quando o pagamento fosse integral, ou no prazo inerente às prestações fixadas.

Mas a verdade é que não é assim: o prazo de cumprimento da pena de multa não é, afinal, nem de 15 dias, nem é, sequer, o equivalente ao tempo que abrange o vencimento das prestações fixadas.

É isto que resulta, para nós de forma clara, do art.º 49.º do Código Penal, cuja epígrafe é “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”. Diz ele:

“1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3.

4. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída …”.

Afinal, conforme podemos ver, o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, isto mesmo que já tenha entrado em incumprimento e mesmo que o incumprimento tenha sido declarado.»

Assim, a letra da Lei não aponta inequivocamente num sentido. Se for considerado o disposto no citado artigo 49.º do Código Penal já apontará noutro sentido.

O regime deste artigo também serve para rebater o argumento, utilizado pelo recorrente (na linha do que também se afirma no acórdão desta Relação de 11 de Julho de 2007, proc n.º 0712537, relatado por Guerra Banha), segundo o qual a execução da pena de multa não pode (sob pena de ineficácia) ficar na dependência do condenado em cumprir quando quiser. O que é certo é que o artigo 49.º lhe dá a possibilidade de pagar a multa a todo o tempo para evitar a prisão subsidiária.

E se assim é, não se compreenderia que o condenado com recursos monetários pudesse a todo o tempo pagar a multa para evitar a prisão subsidiária e o condenado sem esses recursos não pudesse evitar essa prisão disponibilizando-se a todo o tempo para prestar trabalho a favor da comunidade.

Também por este motivo, a tese que não limita ao prazo previsto nos artigos 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal a possibilidade de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade é a que mais se coaduna com o espírito, a unidade e a coerência do sistema jurídico-penal que nos rege.»

Em igual senda, conclui o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, prolatado no processo n.º 540/08.3 PHPRT-B.P1, identicamente acedido em www.dgsi.pt, e que, rebatendo a posição sustentado pelo Ministério Público no sentido do carácter peremptório do prazo constante do art.º 489.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, esta alicerçada, afirmou tal recorrente, nos Acs do TRP de 11/07/2007, proc. 0712537, de 23/06/2010, proc. 95/06.3 GAMUR-B.P.1, e de 13/04/2011, proc. 510/07.9 PCMTS-A.P1, exarou:

«Uma análise sistemática das normas que regem, no Código Penal, a pena de multa e, no Código de Processo Penal, a sua execução, bem como o propósito almejado pelas mais recentes alterações legislativas, apontam em sentido contrário.

É assim que o Código Penal de 1982, no seu preâmbulo, exprime as suas melhores esperanças nas medidas não detentivas, desde logo, na pena de multa, medida substitutiva por excelência da prisão (n.º 10 do referido preâmbulo), numa clara expressão, como diz Figueiredo Dias (“Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 117) da “convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade”, evitando “um dos mais fortes efeitos criminógenos da pena privativa de liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam.” (págs. 120-121)

Os efeitos colaterais da pena de prisão como justificativo da configuração da pena de multa como verdadeira alternativa à pena de prisão surgem de novo no DL n.º 48/95, de 15.03, assim se mantendo a convicção da superioridade desta pena face à de prisão, reservada para situações de maior gravidade e que mais alarme social provocam.

Estas considerações não podem deixar de ser invocadas em situações de incumprimento e quando o condenado ponha termo a este.

Quer-se com isto dizer que no confronto com uma situação de não pagamento da multa substituta da prisão, o retorno a esta não poderá deixar de ter em conta estas considerações. Isto é, ainda nesse momento não poderá deixar de se considerar a pena de prisão como extrema ratio.

Certo é que, como nota o despacho recorrido, a preclusão do direito de pedir o pagamento da multa em prestações não resulta inequivocamente do art.º 47.º do CP e o prazo definido no art.º 489.º, n.º 2, do CPP tem de conformar-se com a convicção sobre a mais-valia da pena de multa face à pena de prisão que enforma todo o nosso sistema penal e processual penal, impondo-se ter em conta a possibilidade de cumprimento da pena de multa quando tal cumprimento ainda assegure as finalidades da punição.

Sobre a peremptoriedade do prazo referido no n.º 2 do art.º 489.º do CPP já se pronunciaram os acórdãos desta Relação de 28.09.2005 (proc. 0414867), 05.07.2006 (proc. 0612771), 30.09.2009 (proc. 344/06.8 GAVLC.P1) e 15.06.2011 (proc. 422/08.9 PIVNG.P1) disponíveis em www.dgsi.pt, para cujos argumentos remetemos.

No caso, o condenado não se exime ao cumprimento da pena de substituição, apenas pretende que lhe seja concedido tal cumprimento faseado, tendo até apresentado argumentos que substancialmente sustentam tal pretensão.

Sendo certo que até a prisão subsidiária pode, nos termos do art.º 49.º, n.º 2, do CP ser evitado, total ou parcialmente, mediante o pagamento total ou parcial da multa, afigura-se-nos razoável o entendimento de que o prazo do n.º 2 do art.º 489.º do CPP se não tenha como peremptório, obstando por razões de natureza meramente formal a um meio de cumprimento da pena de multa quando razões de natureza substantiva a ele não se opõem.»

Tudo a suportar, alcança-se, a bondade do decidido em 1.ª instância.»

Brízida Martins


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva,In "Curso de Processo Penal", verbo, 5.ª edição, Vol. II,  págs. 83 e 84.

[5] Relatado pelo Ex.mo Desembargador João Amaro, in www.dgsi.pt/tre.
[6] Relatado pelo Ex.mo Desembargador Marques Salgueiro, in www.dgsi.pt/tre.

[7] Relatados pela  Ex.ma Desembargadora Olga Maurício,  in www.dgsi.pt/trp. 

[8] Relatado pelo Ex.mo Desembargador Luís Gominho, in www.dgsi.pt/trp.
[9] Relatado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Dias, in www.dgsi.pt/trc.
[10] Elaborado pelo presente relator, in www.dgsi.pt/trc.
[11]Relatado pelo Ex.mo Desembargador Francisco Marcolino, in www.dgsi.pt/trp.
[12] Relatado pelo Ex.mo Desembargador Ângelo Morais, in www.dgsi.pt/trp.
[13] Relatado pelo Ex.mo Desembargador Joaquim Gomes, in www.dgsi.pt/trp.

[14] In “ Direito Penal Português , As consequências Jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 147.