Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/10.5GFPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 363º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: No domínio do C.P.P. vigente, a omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade sanável, não se suscitando quaisquer dúvidas face à actual redacção do artigo 363º, do C.P.P., introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, nulidade esta sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º, n.º 1, 120º, n.º 1 e 121º, do CPP.
Tal nulidade deve ser invocada em 10 dias perante o tribunal de 1ª instância, a contar do dia em que se entregaram as cópias das gravações à parte requerente.
Pode ainda ser arguida em sede de recurso se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º, n.º 1, do C.P.P..
E pode a Relação conhecer de tal nulidade, não devendo remeter à 1ª instância para conhecimento da mesma.
Decisão Texto Integral: 1. No processo comum singular n.º 178/10.5GFPRT do Tribunal Judicial da Mealhada, o arguido VN..., devidamente identificado nos autos, por sentença datada de 7 de Outubro de 2010, foi decidido:
· a) Condenar o arguido VN..., como autor material, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 248º, 1, a) e 69º, n.º1, al. c), do C.P., por referência ao art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º, do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão;
· b) Substituir a pena de prisão aplicada em a), pela pena de 150 (cento e cinquenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade;
· c) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 12 (doze) meses (artº 69º, nº 1, al. a), do C.P, na redacção actual), devendo o arguido entregar a respectiva carta/licença de condução, na secretaria deste Tribunal, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de, não o fazendo, ser determinada a apreensão daquela carta/licença (cf. artº. 500º, nºs. 2 e 3, do C.P.P.), e de incorrer na prática de um crime de violação de proibições, a que também ficará sujeito se conduzir durante o período acima fixado.
· d) Mais, vai o arguido condenado no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

            2. Inconformado, o arguido recorreu da sentença.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1. A factualidade dada como provada nas alíneas c), d), e), f) e 1), m) e n) não traduz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, com exactidão, tudo aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento e não está conforme com a prova ali produzida.
2. O tribunal alicerçou a sua convicção no depoimento prestado pela testemunha AF..., que no era de todo desconforme com as declarações do próprio arguido, como resulta da gravação da prova - cfr. gravação em suporte magnético com o n.° 981, da volta 126 (inicio da gravação) à volta 194 (fim da gravação) - esclarece que no se recusou a expirar o ar para o aparelho solicitado, no estrito cumprimento das ordens dadas pela autoridade; todavia, de seguida, perante a solicitação de repetição do procedimento para outro aparelho que pediu para realizar a contra-prova com análise ao sangue, explicando que em data anterior, no âmbito de uma fiscalização pelas autoridades, que após ter expirado ar para um aparelho, realizou uma contraprova com análise ao sangue e que os níveis de álcool detectados no sangue foram mais reduzidos; esclareceu que desconhecia qual o valor acusado, pois no lhe foi sequer comunicado pelas autoridades e deixou bem claro que a única razão por que no quis soprar novamente foi a diferença de procedimento relativamente à referida fiscalização anterior de que foi alvo e que estava nervoso e no percebeu que era proibida a sua recusa em expirar o ar pela segunda vez, para um aparelho diferente, estando convencido que a sua prontidão para prestar a contra-prova ao sangue demonstrava a sua prontidão em colaborar.
3. A testemunha AF... confirma que o arguido estava nervoso, com questões da sua vida e que este solicitou a contra-prova, com análise ao sangue, e ainda, que no foi dito ao arguido quais os valores registados.
4[1]. A factualidade dada como provada não traduz, a nosso ver, e salvo o devido respeito, com exactidão, tudo aquilo que se passou em audiência de discussão e julgamento e não está conforme com a prova ali produzida, uma vez que o tribunal alicerçou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação – mãe e irmãs da ofendida BX..., em detrimento dos depoimentos das testemunhas indicadas pela defesa, no sentido de não ter atribuído igual importância a estes, por ter considerado que estas tinham um “conhecimento da vida do casal de forma superficial, dado o relacionamento casual com os mesmos”. Todavia, o contacto com as testemunhas de acusação no era diário, nem próximo, sendo certo que uns viviam na Suíça e outros em Portugal, e grande parte dos relatos que fizeram foi a reprodução de conversas com a ofendida e de telefonemas feitos por esta.
5. O arguido quando não expirou o ar pela segunda vez, não teve consciência da ilicitude da sua conduta porque afinal até solicitou a contraprova ao sangue e acreditava que era um procedimento correcto.
6. Nas alíneas l), m) e n) dos factos provados constam três condenações do arguido, resultantes do certificado de registo criminal junto aos autos, de fls, onde consta que o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de condução em estado de embriaguez, praticados em 29/11/2004 e 06712/2003, e ainda, por um crime de desobediência, praticado em 01/08/2002.
7. Da douta sentença resulta que na escolha e determinação da medida da pena o arguido já foi condenado, por três vezes, pela prática de crimes relacionados com a circulação estradal, sendo um deles pela prática do crime de desobediência, contudo, do certificado de registo criminal no se pode extrair que o arguido tenha sido condenado três vezes pela prática de crimes relacionados com a circulação estradal.
8. As únicas condenações do arguido relacionadas com a circulação estradal só as de condução em estado embriaguez, não resultando do certificado de registo criminal que o crime de desobediência tenha qualquer relação com a circulação estradal.
9. A condenação do arguido pela prática do crime de desobediência foi no âmbito de uma decisão sobre a edificação de um muro.
10. Assim, e salvo melhor opinião, a conclusão vertida na douta sentença sobre as referidas condenações anteriores do arguido são um erro notório na apreciação da prova, o que obviamente, influencia também na medida da pena.
11. Se os referidos factos não fossem considerados provados, no restam dúvidas que da restante matéria de facto considerado provada, o arguido não seria condenado em cinco meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 12 meses.
12. Deste modo, tendo a douta sentença condenado o arguido nos termos em que o fez, em desrespeito pelos princípios supra enunciados, poderá mesmo consubstanciar, a nosso ver, tanto uma violação do art° 127° do Cód. Proc. Penal, como uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, por incorrectamente julgada e apreciada a matéria de facto constante das alíneas c), d), e), f) e l), m) e n) com o sentido que lhe atribuiu, vícios que aqui expressamente se invocam e a que se refere a al. a) do n°. 2, do art° 410º do Cód. Processo Penal, pois, como é jurisprudência pacífica, tal vício ocorre, além do mais, quando da factualidade vertida na decisão em recurso se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser julgados, são necessários para se formular um juízo seguro (neste caso) de condenação (cfr. Acs. Do S.T.J. de 98.03.19, Proc. N.° 1467, de 98.12.09, Proc. 1165/98, e 99.01.07, Proc. N.°
1055/98, citados por Simas Santos e Leal Henriques,
in «Recursos em Processo Penal», 4ªa edição - 2001, pp. 72 e 73).
13. Do que poderia resultar provado, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e ainda, do certificado de registo criminal, deveria o arguido ser absolvido da prática do crime de desobediência, mas mesmo que assim no se entenda, e no caso de entender que deve ser condenado, ser aplicada uma pena inferior, sendo certo que ao ter sido condenado nos termos em que o foi, verificou-se uma violação do art° 71° do C. Penal
14. Não constam dos autos elementos que permitam a condenação do arguido na pena de cinco meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses.
Termos em que deve a sentença em apreço ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime pelo qual foi acusado, e caso assim no se entenda, seja alterada a pena aplicada ao arguido, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o acórdão recorrido deve ser mantida na íntegra, assente que a mesma fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei ao caso concreto.
Conclui assim:
«1. A prova dos factos indicados nas alíneas a) a f) da sentença recorrida decorre do depoimento de AF... (gravado em suporte magnético com o n°981, da volta 126 à volta 194), militar da GNR que procedeu à acção de fiscalização e que confirmou o teor do auto de notícia por si lavrado.
2. Esclareceu esta testemunha que, após a abordagem ao arguido, foi solicitada a realização de teste de pesquisa de álcool no sangue por ar expirado através de aparelho qualitativo, ao que o arguido acedeu. No entanto, após ter sido informado de que tinha acusado uma taxa positiva de álcool no sangue e de que, por esse motivo, teria de efectuar o teste de pesquisa de álcool por ar expirado através de aparelho quantitativo que se encontrava no Posto da GNR, o arguido recusou-se a efectuar esse teste.
3. Esclareceu ainda esta testemunha que o arguido foi informado de que poderia efectuar o teste de pesquisa de álcool através de colheita sanguínea em sede de contraprova, após a realização do teste quantitativo pelo ar expirado e de que, não o fazendo, incorreria na prática do crime de desobediência, ao que o arguido, esclarecido do procedimento a adoptar e ciente das consequências da sua conduta, recusou efectuar o aludido teste.
4. Trata-se de depoimento de testemunha imparcial, agente de autoridade no exercício das suas funções, que não conhecia o arguido e, por esse motivo, totalmente desinteressado na causa. Para além disso, respondeu sempre de forma segura e coerente, sem hesitações ou contradições, esclarecendo a todos os pormenores que lhe foram solicitados, pelo que não merecem credibilidade as declarações do arguido e a alegação de que não se teria recusado à elaboração do teste por ter solicitado a realização de colheita sanguínea.
5. Para além disso, conhecia o arguido os concretos moldes deste procedimento, uma vez que já não era a primeira vez que era abordado e solicitada a realização de exame de pesquisa de álcool, atento o facto de, à data da prática dos factos, ter já sofrido duas condenações pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, como resulta dos factos provados em l) e m) e do certificado de registo criminal junto aos autos.
6. Acresce que, o arguido nunca invocou nenhuma impossibilidade de realização do teste quantitativo por ar expirado, nomeadamente por motivos de saúde, pelo que o militar, ao informá-lo daquele procedimento, agiu em conformidade com o preceituado no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas aprovado pela Lei n.° 18/2007 de 17 de Maio e com o artigo 153.0 do Código da Estrada.
7. Por todo o exposto, sabendo o arguido que o teste qualitativo era meramente indicativo para efeito de despistagem e que, tendo acusado uma taxa positiva, teria de se submeter ao teste quantitativo por ar expirado e não tendo invocado qualquer causa de impossibilidade de realização desse tipo de teste, nomeadamente de saúde, recusando-se a efectua-lo, como fez, incorreu na prática do crime de desobediência, como foi condenado.
8. Quanto ao facto de o arguido, após a realização do teste qualitativo, ter sido apenas informado de que tinha sido detectada uma taxa positiva, sem menção do concreto valor apresentado, esclareceu o militar que esse procedimento decorre do facto de o aparelho ser utilizado tão só para despistagem, não tendo o mesmo grau de precisão do teste quantitativo. Por esse motivo, i.e. por poder gerar confusão no examinado, é procedimento policial comunicar apenas a existência de uma taxa positiva ou negativa, sem menção da respectiva taxa (quanto a esta questão veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 01.07.2008, relatado pela Desembargadora Margarida Blasco, processo n.° 8891/2007-5, disponível em www.dgsi.pt).
9. Ora, esta circunstância, i.e. a afirmação pelo arguido de que não lhe foi comunicada qual a concreta taxa do aparelho qualitativo não sendo justificação para a recusa, permite ainda concluir que sabia o arguido que teria de se submeter a outro teste para determinação da concreta taxa.
10. Assim, não podemos concordar com o recorrente quando afirma nas suas alegações que o tribunal desvalorizou por
completo a voluntariedade do arguido na realização do teste de despistagem de álcool no aparelho qualitativo e a justificação apresentada para não realizar o teste quantitativo”: não só não desvalorizou o tribunal a referida voluntariedade do arguido na realização do teste de despistagem de álcool no aparelho qualitativo, como o considerou provado na alínea b) dos factos provados.
11. Quanto à justificação apresentada, entendeu o tribunal, como claramente expôs na motivação da decisão de facto, e entendemos nós, que não se trata de justificação que pudesse motivar uma recusa tanto que o arguido sabia, como admite nas suas alegações referindo-se a experiência anterior, que, após a realização do teste quantitativo por ar expirado cuja realização lhe foi solicitada, poderia sempre pedir a realização de contraprova através de análise ao sangue, sendo este o resultado prevalecente, pelo que não existia qualquer motivo razoável para a recusa, ao contrário do que alega.
12. Por todo o exposto, tendo o arguido sido informado de que, antes da contraprova, teria de efectuar o teste quantitativo por ar expirado e que a recusa em submissão a esse teste o faria incorrer na prática de crime de desobediência e o arguido, mesmo após este esclarecimento, mantido a recusa - só podemos concluir que o arguido agiu de forma livre, voluntária e esclarecida ao recusar-se a efectuar o teste, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal, pelo que o tribunal recorrido ao considerar como provados os factos indicados nas alíneas c), d), e) e f) decidiu em conformidade com a prova produzida, inexistindo qualquer erro na sua apreciação.
13. Acresce que, não se vislumbra qualquer nulidade da sentença recorrida por insuficiência da matéria de facto existente nos autos para a decisão tomada, uma vez que os factos julgados provados integram todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em que o arguido foi condenado, não se tendo apurado quaisquer outros com relevância, nomeadamente que permitissem concluir pelo preenchimento de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou de desculpação.
14. Quanto aos antecedentes criminais do arguido: ainda que se entendesse que os factos decorrentes da condenação pelo crime de desobediência que se encontra averbado no CRC estiveram relacionados com a edificação de um muro, o que igualmente não se encontra demonstrado nos autos, sempre se dirá que não existe qualquer erro notório na apreciação da prova, porquanto os factos provados relativamente aos antecedentes criminais do arguido e constantes das alíneas 1), m) e n), encontram-se integralmente demonstrados pelo CRC junto a fls. 14 a 17.
15. Poderá apenas existir equívoco, por concluir o tribunal que se trata de três condenações relacionadas com a circulação estradal, quando não se encontra junto aos autos qualquer elemento que permita apurar quais os concretos factos que fundamentaram aquelas condenações, embora, quanto às duas primeiras, a relação com a circulação estradal resulte da própria natureza do crime.
16. Não obstante, sempre se dirá que esta circunstância não influi na escolha e determinação da pena, uma vez que sempre tem de ser valorada a existência de três condenações anteriores, como se confirma pelo certificado de registo criminal junto aos autos meio idóneo à prova dos factos constantes das alíneas 1), m) e n).
17. Para além disso, ainda que se considere, como alegado, que o crime de desobediência esteve relacionado com a construção de um muro, duas das condenações estiveram relacionadas com a circulação estradal, como sucede na situação sub judice, sendo a terceira uma condenação pela prática do mesmo tipo legal de crime, que, independentemente da variedade de situações que pode abranger, protege o mesmo bem jurídico: a autonomia intencional do Estado (CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, página 350) — tudo circunstâncias que devem ser valoradas na escolha e determinação da medida da pena.
18. Assim, tendo ao arguido, nas três condenações anteriores, sido aplicada pena de multa, temos de concluir, como se fez na sentença recorrida, que esta espécie de pena não realizou de forma suficiente as exigência de prevenção criminal, nomeadamente o afastamento do arguido do crime, pelo que as finalidades de punição previstas no artigo 40.° do Código Penal apenas podem ser acauteladas com a aplicação de uma pena de prisão.
19. No que diz respeito à medida concreta da pena, a determinar, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, perante os elementos ponderados pelo tribunal a quo, que o arguido não contesta especificamente, nem indica quais as outras circunstâncias que aqui ponderadas determinariam decisão diferente quanto à medida da pena, julgamos adequada a pena de 5 meses de prisão aplicada ao arguido substituído por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que permitirá a reintegração do agente na sociedade, sem prejuízo das suas relações familiares e sociais, bem como da sua actividade profissional.
Em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida apreciou correctamente a prova examinada e produzida em audiência, inexistindo qualquer erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria de facto para a decisão, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, decidindo-se conforme for de JUSTIÇA».
 
            4.
Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República deu o seu parecer, defendendo a justeza do acordado e remetendo para a resposta do Colega de 1ª instância.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que se seguiu a legal conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[2] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir consistem em saber
1º- Existe algum vício do artigo 410º/2 do CPP?
2º- Existe erro de julgamento quanto à factualidade c), d), e), f), l), m) e n)?
3º- A haver condenação, a pena foi bem doseada?


2. DA SENTENÇA RECORRIDA
           
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos
a) No dia 29 de Setembro de 2010, cerca das 18H30, o arguido conduziu o veículo automóvel de matrícula …, ligeiro de mercadorias, na Rua do Cruzamento, em Carqueijo, nesta comarca;
b)- Após ter sido mandada parar a sua viatura o arguido foi fiscalizado GNR, que lhe solicitou a realização do teste de despistagem de álcool no aparelho qualitativo, tendo sido indicada uma TAS de 1,71 g/l;
c)- Nessa altura, foi solicitado ao arguido que se submetesse ao respectivo teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue ao que o arguido se recusou;
d) Informado de que esta recusa o faria incorrer na prática de crime de desobediência, o arguido manteve esse propósito;
e) O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente ao recusar-se a efectuar o exame de pesquisa quantitativo de álcool no sangue, bem sabendo que estava obrigado a submeter-se a tal exame e que, agindo desse modo, desobedecia a ordem que lhe foi regularmente comunicada e emitida por autoridade competente no exercício das suas funções, o que quis;
f) Mais sabia que esta conduta era proibida e punida por lei penal.
Apurou-se ainda, que:
g) O arguido é serralheiro e trabalha por conta própria, e declarou auferir cerca de € 550 mensais de remuneração;
h)- Vive com a sua mãe, em casa desta, suportando uma prestação bancária mensal de € 400 relativa ao pagamento de empréstimos pessoais que contraiu;
i) O veículo mencionado em a), da marca Volkswagon Golf, matriculado em 2002, pertence-lhe;
j) Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
l)- O arguido foi condenado por sentença proferida em 2004, transitada, proferida no processo n.º 172/04.5 PTCBR, do 3º juízo criminal de Coimbra, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 6, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º,  do C.P., tendo os factos sido praticados em 29.11.2004;
m) O arguido foi condenado por sentença proferida em 2005, transitada, proferida no processo n.º 31/04.1 GBAND, do 1º juízo do Tribunal de Anadia, na pena de 85 dias de multa, à razão diária de € 5, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, do C.P., tendo os factos sido praticados em 06.12.2003;
n)- O arguido foi condenado por sentença proferida em 2005, transitada, proferida no processo n.º 111/03.0 TAMLD, deste tribunal, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de € 6, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, 1, b), do C.P.º,  do C.P., tendo os factos sido praticados em 01.08.2002».
            2.2. Motivou, assim, a sua decisão de facto o tribunal «a quo», inexistindo FACTOS NÃO PROVADOS: (transcrição):
«O Tribunal fundou a sua convicção, no depoimento da testemunha:
AF..., militar de GNR que presenciou os factos (fiscalizou o arguido). Confirmou o teor do auto de notícia. Relatou ter explicado ao arguido os procedimentos correctos para fazer o teste, designadamente que, depois de ter efectuado um primeiro teste de despiste no aparelho qualitativo, deveria efectuar o mesmo no aparelho quantitativo, bem como, elucidou-o devidamente sobre as consequências da recusa.
Mais esclareceu ter informado o arguido que apenas poderia efectuar recolha de sangue em sede de contra-prova, depois de ter realizado o teste quantitativo através de ar expirado.
A testemunha acima referida depôs de forma segura e coerente, sem hesitações ou contradições, merecendo credibilidade.
Em face disso, não mereceu crédito a versão apresentada pelo arguido, que residiu sobretudo no facto não lhe ter sido permitido realizar o teste mediante análise sanguínea, nem lhe ter sido explicado que deveria obrigatoriamente fazer, antes disso, o teste quantitativo através do ar expirado. Também não alegou o arguido qualquer circunstância factual donde resultasse incapacidade física para a realização do teste através de ar expirado.
No que concerne às condições pessoais, sociais e económicas de VN..., tomaram-se em atenção as declarações que este, sobre tais aspectos, produziu.
Os antecedentes criminais do arguido resultam do c.r.c. junto aos autos».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Comecemos pela impugnação de facto.
Diverge o recorrente da prova dos factos c), d), e) e f) do rol de factos provados.
Antes de mais, urge verificar se estão correctas as conclusões apresentadas.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
Contudo, no caso vertente, o recorrente indica, embora de forma muito imprecisa, mas sempre suficiente, no corpo da motivação as partes dos depoimentos gravados que crê ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, e mesmo considerando que a peça das alegações de recurso não prima pela perfeição processual, entendemos que o recurso satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
O recorrente impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, tendo sido cumprido – mesmo que deficientemente quanto à formulação das conclusões - o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.

3.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada (O NOSSO CASO);
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP, mormente o erro notório, incorrectamente invocado pelo recorrente na sua motivação, assente que o rigorosamente denuncia é a existência de um verdadeiro erro de julgamento, a seguir analisado.
O dito erro notório resulta, na tese do recorrente, da circunstância de se invocar que o arguido tem 3 condenações anteriores por infracções estradais, tendo-se ponderado tal realidade na dosimetria da pena aplicada - mas tal é apenas uma menção escrita na parte da fundamentação de Direito, assente que os factos, quanto aos antecedentes criminais, são objectivos e correctos [alíneas l), m) e n) do rol de factos provados], nada havendo a alterar nesse jaez, como é bem de ver.
Diga-se ainda que, mesmo a ser verdade que a condenação pelo anterior crime de desobediência nada ter a ver com a circulação estradal, sempre estaríamos perante uma condenação pela prática do mesmo tipo legal de crime, que, independentemente da variedade de situações que pode abranger, protege o mesmo bem jurídico (a autonomia intencional do Estado), o que pode e deve ser aferido para a operação da escolha e medida da pena.

3.4. Já o erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 - ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, já aqui aludida, prevista no artigo 412.º, n.º 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados[3].
            A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº 3 do mesmo diploma – tal não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas apenas um remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
           
3.5. O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.6. Vejamos, então, se houve ou não erro de julgamento nestes autos.
Invoca o recorrente que foi mal avaliado o depoimento da sua pessoa, conjugado com o da única testemunha de acusação – o guarda da GNR.
Aqui chegados, constatamos que não foi gravada a audiência, ao contrário do que se refere na acta de julgamento (cfr. fls 88).
            No domínio do CPP vigente, o aplicável neste particular, a omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade sanável, não se suscitando quaisquer dúvidas face à actual redacção do já citado artigo 363º do CPP, introduzida pela mencionada Lei n.º 48/2007 de 29/08, nulidade esta sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º n.º 1, 120º, n.º1 e 121º do CPP.
            Já decidimos (Acórdão de 9/12/2009 in Pº 64/08.9GAPNC.C1) que:
  • tal nulidade deve ser invocada em 10 dias perante o tribunal de 1ª instância, a contar do dia em que se entregaram as cópias das gravações à parte requerente;
  • pode ainda ser arguida em sede de recurso se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º/1 do CPP;
  • pode a Relação conhecer de tal nulidade, não a devendo remeter à 1ª instância para conhecimento da nulidade.
Dito de outro modo:
1. A documentação deficiente das declarações prestadas oralmente constitui hoje uma nulidade sanável – artigo 363º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto –, ficando prejudicada a jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 5/2002, que entendia existir irregularidade neste caso e cuja não inconstitucionalidade foi confirmada pelo acórdão do TC n.º 208/2003.
2. No domínio do CPP vigente a omissão ou deficiência da documentação das declarações orais na audiência (gravação) constitui nulidade, sanável, sujeita ao regime de arguição e de sanação dos art.º 105º n.º 1, 120º, n.º1 e 121º do CPP.
3. O termo inicial do prazo de 10 dias do art.º 153º do CPC ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.
4. Esta nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias (artº 105º, n.º 1 do CPP) a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido.
5. Pode ainda ser arguida em sede de recurso se os 10 dias em causa ainda se contiverem dentro do prazo normal de recurso, contado a partir dos momentos temporais do artigo 411º/1 do CPP.

Ora, no nosso caso, tal nulidade não foi suscitada perante a 1ª instância, nem sequer neste Tribunal, acreditando-se, assim, que a defensora oficiosa não usou qualquer gravação feita no julgamento, apenas se referindo – na sua motivação de recurso - aos depoimentos de acordo com o que constava da acta (cfr. fls 88).
Assim sendo, tal nulidade está sanada, não tendo sido arguida[4] para poder ser agora por nós conhecida.
Como tal, não poderá este foro sindicar qualquer eventual erro de julgamento existente nos autos.
Não se deixará de notar, contudo, que:
- nem o princípio «in dubio pro reo» poderá aqui ser invocado pois não houve qualquer dúvida na mente do Juiz da Mealhada (revelando-se a única conclusão possível e admissível face ao cotejo da prova produzida, ao encadeamento lógicos dos factos, sendo tal raciocínio perfeitamente legítima face ao conteúdo permitido da livre apreciação da prova);
- o tribunal recorrido nega a versão do arguido, tendo-a pois ponderado - «Em face disso, não mereceu crédito a versão apresentada pelo arguido, que residiu sobretudo no facto não lhe ter sido permitido realizar o teste mediante análise sanguínea, nem lhe ter sido explicado que deveria obrigatoriamente fazer, antes disso, o teste quantitativo através do ar expirado».
           
            3.7. Em CONCLUSÃO, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante do acórdão recorrido, mantendo-se, em consequência, toda a matéria de facto dada como provada na decisão «a quo». 
            Improcedem, assim, as conclusões 1 a 13 (nova numeração por nós dada).

            3.8. DAS PENAS
Os factos apurados são suficientes para se poder chegar à condenação do arguido pelo crime imputado – o de desobediência p. e p. pelos artigos 348º/1 a) e 69º/1 c) do CP (por referência ao artigos 152º/1 a) e n.º 3 e 153º do CE).
Resta falar da pena aplicada ao arguido recorrente, quer a nível principal, quer acessório.
Justificou assim o TRIBUNAL RECORRIDO tais penas:
            «O crime de desobediência é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Sendo o crime cometido pelo arguido, punível, em alternativa, com pena de prisão ou multa, coloca-se-nos, desde logo, o problema da opção entre a aplicação de uma ou de outra das penas.
Dispõe o artº. 70º do C.P. que o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de prevenção e de reprovação do crime).
Todavia, in casu, o arguido já foi condenado, por três vezes, pela prática de crimes relacionados com a circulação estradal, sendo um deles pela prática do crime de desobediência. Foram-lhe sempre aplicadas penas de multa.
Assim verifica-se que a aplicação de tal espécie de pena não realizou de forma suficiente as exigências de prevenção criminal, ou seja, as advertências que lhe foram feitas pelo direito penal não o impediu de praticar novamente um crime e por essa via continuar a mostrar indiferença pela vida, integridade física e património de todos quantos circulam legalmente na via pública.
São por demais conhecidas as necessidades de reprovação deste tipo de condutas, atentos os elevados índices de sinistralidade das nossas estradas.
Deste modo as finalidades da punição só se mostram devidamente asseguradas com a aplicação ao arguido de pena de prisão.
Na determinação da medida concreta da pena e, atendendo aos critérios previstos no artº 71º do C. P., importa considerar:
- O grau de ilicitude do facto, que se nos afigura mediano atento o modo de execução dos factos;
- O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo, cuja intensidade é mediana;
- As condições pessoais e a situação económica do arguido, sendo que declarou auferir uma retribuição de € 550, viver com a sua mãe, e possui viatura própria. Tem como encargos mensais o pagamento de prestações no valor de € 400, decorrentes de créditos pessoais.
Contra o arguido atente-se os antecedentes criminais registados.
Importa considerar, ainda, as exigências de prevenção deste tipo de infracção, sendo muito elevadas as de prevenção geral, face aos elevados índices de sinistralidade verificados nas nossas estradas.
Pelo exposto, considera-se adequada a satisfazer as necessidades da punição, a pena de 5 meses de prisão a aplicar ao arguido.
Entende-se não proceder à substituição da pena aplicada por multa, dada a demonstrada ineficácia da sanção de natureza pecuniária com a repetição da conduta verificada. Nem se afigura ser de aplicar quaisquer outras penas de substituição, com excepção da ponderada infra, por ser necessário impor ao arguido, em termos de prevenção especial, uma atitude de comprometimento com a colectividade no sentido de interiorizar o desvalor da sua actuação e, simultaneamente, demonstrar vontade em não voltar a cometer crimes que coloquem em causa o sentimento de segurança dessa mesma comunidade.
Assim, nos termos do art. 58º do C.P., se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
In casu, considerando que o arguido encontra-se inserido social e profissionalmente e declarou no decorrer da audiência aceitar a eventual prestação de trabalho comunitário, afigura-se adequada e suficiente a substituição da pena de prisão aplicada pela pena de 150 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade – art. 58º, 3 e 5, do C.P.
Em conformidade com o disposto no artº 69º, nº 1, al. c), do C.P., na redacção actual, e tendo em conta todos os fundamentos acima referidos, condena-se ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, de quaisquer categorias, pelo período de 12 meses».
            Vejamos.

3.9. DA PENA PRINCIPAL
O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
            Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
            Ora, aqui chegados, e com este pano de fundo, só há que considerar que a pena – 5 MESES de prisão[5] - se mostra equilibrada e ajustada às reais necessidades de prevenção que se sentem neste caso em que este homem prevarica reiteradamente depois de ter cumprido penas de multa pela prática de crimes semelhantes.
            Os argumentos do recorrente são absolutamente genéricos e pouco eivados em factos justificativos da pura alegação, ficando sem se saber o que significa, de facto, o termo “pena inferior” aposto nas alegações de recurso (fls 54 – 13ª conclusão).
São, na realidade, prementes as exigências de prevenção especial, face ao já aqui aludido passado criminal do arguido (se é certo que acreditamos que um erro na vida não significa uma vida de erros, também cremos que são demasiados erros na vida deste homem, relacionados – pelo menos dois – com infracções estradais).
Como tal, parece-nos razoável e adequada a opção pela pena de prisão (em detrimento da pena de multa enquanto pena alternativa – não nos esqueçamos que pelo anterior crime de desobediência já havia sido condenado em pena de multa, o que se veio a revelar ineficaz - ou pena substitutiva), depois substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58º do Código Penal[6].
Nem é preponderante aqui o facto de o anterior crime de desobediência não estar ligado à criminalidade estradal, como alega o recorrente, pois, mesmo assim, a pena seria igual pela razão até indicada em 3.3. (parte final).

3.10. DA PENA ACESSÓRIA
Porém, o crime em questão é também punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, a fixar entre três meses e três anos, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 77/01,de 13 de Julho.
            O recorrente pede apenas uma «PENA INFERIOR».
A proibição de conduzir veículos motorizados como sanção acessória que é, tal como a pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no citado artigo 71º.
No caso dos autos, é média a gravidade da ilicitude.
O dolo é directo e de intensidade de grau médio.
            A pena acessória (e não rigorosamente uma sanção acessória, essa destinada a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, sendo mais uma medida de segurança administrativa) tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.
            Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.
            Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cf. art. 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do Código Penal, ou por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, sendo que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 165).
            A proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui, como se disse, uma pena acessória que, como tal, se baseia num juízo de censura e tem por fim (mediato) a tutela dos bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado (Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Porto, 2007, p. 209). Como pena acessória tem em vista complementar uma outra pena, a principal, só surgindo quando esta é aplicada em atenção à natureza ou gravidade do crime.
            A proibição de conduzir decretada nos termos do citado artigo 69.º, n.º 1, não emerge automaticamente da lei, antes pressupõe a intervenção mediadora do Juiz, que atendendo, ao circunstancialismo do caso e perante a avaliação da culpa do agente, deve fixar a sua concreta duração.
             Quer isto dizer que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal como a pena de prisão e a multa, deve ser graduada dentro dos limites legais, ou seja, entre 3 meses e 3 anos, atendendo aos critérios e factores mencionados no artigo 71.º do Código Penal vigente, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
De facto, ambas as penas – principal e acessória – assentam num juízo de censura global pelo crime praticado, remetendo a sua determinação concreta para os critérios do referido normativo.
            Tendo presente que a culpa estabelece o máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar, a moldura de prevenção é definida entre o limiar mínimo abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a sua função tutelar de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias, e a medida máxima e óptima de tutela dos bens jurídicos e das mencionadas expectativas. Dentro desses limites, relevam as exigências de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 238 e segs.).
            O arguido mostra-se socialmente integrado.
            Em contraposição, as razões de prevenção geral são sempre prementes neste tipo de crimes (não se olvide que o tipo de crime em causa está embrionariamente ligado à condução etilizada), dada a elevada incidência da sinistralidade rodoviária.
Além disso, não é primário.
Ficaremos nos 12 meses ou haverá que descer a pena acessória para valor menos elevado?
«Só em casos pontuais e devidamente comprovados pode haver “benevolência” na aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, Processo n.° 2315/2001, disponível para consulta em http:www.dgsi.jtl).
Sabemos que a actual letra do artigo 69º do CP foi introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7 – esta alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática sanção acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.
Deste modo, tal agravação derivou de uma inequívoca opção político-criminal que reconhece – sabia e pragmaticamente - que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador.
Cotejando os períodos de proibição de conduzir já por nós decretados em anteriores recursos, e por uma questão de justiça relativa, constatamos que a medida dos 12 meses é a mais adequada e proporcional ao caso vertente, sendo indiferente a falta que faz a carta ao prevaricador (espera-se que ele sinta bem na «pele» esta condenação, evitando reincidências, dizendo-se ainda que, exactamente por precisar da carta, é que o arguido poderia e deveria ter agido de outro modo).
Assim, a pena acessória fixada em 12 meses está suficientemente longe do mínimo da moldura (três meses) e algo distanciada do seu máximo (três anos), sendo insuficiente qualquer pena inferior pedida pelo arguido.
O juiz não é um computador e ainda bem, diga-se.
Tudo depende de vários factores que deverão ser sopesados.
Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção (não nos esquecendo nós do seu dolo directo), considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 12 (DOZE) meses, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.
Improcede, deste modo, a CONCLUSÃO 14ª.
3.11. Termos em que se conclui que o recurso do arguido improcede na sua totalidade.

3.12. Urge, contudo, fazer UMA correcção de erro material feito na parte dispositiva da sentença [artigo 380º/1 b) e n.º 2 do CPP].
Assim,
· a fls 29, quando se lê:
· «a) Condenar o arguido VN..., como autor material, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 248º, 1, a) e 69º, n.º1, al. c), do C.P., por referência ao art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º, do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão»

            Dever-se-á ler:
· «a) Condenar o arguido VN..., como autor material, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 348º, 1, a) e 69º, n.º1, al. c), do C.P., por referência ao art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º, do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão»



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            III – DISPOSITIVO
           
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em

1º- corrigir o texto da sentença recorrida, determinando-se que
o a fls 29, quando se lê:
· «a) Condenar o arguido VN..., como autor material, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 248º, 1, a) e 69º, n.º1, al. c), do C.P., por referência ao art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º, do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão»

Dever-se-á ler:
· «a) Condenar o arguido VN..., como autor material, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 348º, 1, a) e 69º, n.º1, al. c), do C.P., por referência ao art. 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º, do Código da Estrada, na pena de 5 (cinco) meses de prisão»

2º- negar provimento ao recurso, MANTENDO na íntegra a sentença de 1ª instância.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513º/1 do CPP e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III].

  Paulo Guerra (Relator)
Alberto Mira
.


[1] Há aqui manifesto lapso na numeração – passa do n.º 3 para o n.º 2 outra vez. Faremos aqui a correcção de tal numeração. Convém também aqui deixar escrito que, por erro de colagem, o segundo artigo 2º das CONCLUSÕES (fls 53) contém matéria de outro processo que não este.
[2] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringi8r o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[3] Cf. Acórdão da Relação do Porto de 11/7/2001, processo n.º 01110407, lido em www.dgsi.pt/trp.
[4]Devendo-o ter sido, já que o conteúdo de um depoimento verbal deve ser sempre reportado à sua gravação real e não a eventuais apontamentos tirados em audiência pela defesa. Como tal, seria imperativo que a defesa tivesse pedido, conforme dispõe o artigo 101º, n.º 2 do CPP, uma cópia da gravação para concluir pelo rigor do real conteúdo, invocando só então erro de julgamento. Estatui o artigo 7º, n.º 2 do DL 39/95 de 15/2, aplicável também ao processo penal, que «incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que o requeiram). Se esta defesa o tivesse feito, com toda a certeza que se aperceberia de que não foi afinal feita qualquer gravação, apesar do que consta na acta. Ora, se o não fez, corre contra si tal facto…
[5] Moldura penal abstracta – 1 a 8 anos de prisão (cfr. artigo 210º/1 ex vi artigo 211º do CPP).
[6] Determinada a concreta medida da pena e sendo esta uma pena de prisão, impõe-se verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Dentro das penas de substituição em sentido próprio, para além da pena de multa (artigo.43.º, n.º 1 do C.P.), também as penas de suspensão de execução da prisão (art.50.º do CP) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do CP) podem substituir a pena de prisão de 5 meses aplicada ao arguido.
Há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do CP), a prisão por dias livres (art.45.º do CP - a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, QUE NÃO SEJA SUBSTITUÍDA POR PENA DE OUTRA ESPÉCIE, é cumprida em dias livres) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do CP), estas duas últimas vocacionadas para obstar aos efeitos nefastos da prisão contínua.
Tendo em conta a natureza e os pressupostos de cada uma das diferentes penas substitutivas, damos a nossa concordância à seguinte ordem de ponderação:
Substituição da pena de prisão por:
1º - multa (artigo 43º);
2º - suspensão da pena (artigo 50º);
3º - Prestação de Trabalho a favor da Comunidade (artigo 58º);
4º- regime de permanência na habitação (artigo 44º);
5º - prisão por dias livres (artigo 45º);
6º - regime de semidetenção (artigo 46º).
 No caso, o tribunal optou pela pena do artigo 58º, entendendo implicitamente não ser de aplicar a suspensão da execução.