Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | DEMANDANTE CIVIL RECURSO LEGITIMIDADE TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA NA VERTENTE PENAL | ||
Data do Acordão: | 03/15/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA - J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 400.º, N.º 3, DO CPP | ||
Sumário: | I – A circunstância de o lesado não deter a qualidade de assistente não reduz a possibilidade de fazer valer a sua pretensão processual, qual seja, a condenação do demandado civil a indemnizá-lo pelos prejuízos decorrentes da prática de um ilícito penal. II – Consequentemente, o direito de o lesado sustentar e provar o pedido de indemnização pode ser efectivado, quer perante o tribunal de 1.ª instância quer em via de recurso. De outro modo, o direito ao recurso, com consagração legal, de pouco valeria. Se não fosse permitido ao lesado, no caso de admissibilidade de recurso, discutir, em plenitude, perante o tribunal superior, a decisão do tribunal a quo, isso corresponderia a negar-lhe a prerrogativa de sustentação e prova da petição indemnizatória. III – Contudo, nos casos de absolvição na vertente penal, a procedência da impugnação da matéria de facto descrita na sentença recorrida nunca poderá conduzir à revogação daquele veredicto. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo comum singular 1369/13.2TALRA da Comarca de Leiria, Instância Local de Leiria, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento, em 17 de Março de 2016 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Atento o exposto, decide-se: I – Absolver A... e B... do crime de falsificação de documento (art.º 256º-1-d)-3 do C. Penal) de que vinham acusados; II – Isentá-los do pagamento de custas (art.ºs 513º-1 a contrario do CPP); III - Absolver A... e B... do pedido cível que contra si vinha formulado pela ofendida C... , S.A., na qualidade de demandante civil; Custas, nesta parte, a cargo da demandante, por referência ao valor do pedido (art.ºs 523º do CPP e 527º-2 d CPC);
Inconformada com a decisão, dela recorreu a demandante C... , S.A., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: a) A aqui Recorrente apresentou denúncia contra o Arguido, porquanto o mesmo, na qualidade de sócio e gerente da sociedade “ E... , Lda.”, procedeu à dissolução e liquidação da referida sociedade, conforme se pode verificar pelos documentos juntos aos autos. b) De forma a proceder à dissolução e liquidação daquela sociedade, o aqui Arguido em seu nome e em representação da outra sócia -- B... , também Arguida nos presentes autos - declarou que "a sociedade não possui qualquer activo e nem passivo a partilhar pelo que a declara, também liquidada, declara ainda que as contas foram encerradas e aprovadas hoje", declaração esta realizada e atestada perante a Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Leiria. c) Sendo que, tal declaração não corresponde à verdade, constando, daquele documento, facto juridicamente relevante e falso. d) Isto porque, aquela sociedade não procedeu à liquidação das dívidas perante a aqui Recorrente, dívidas essas que, naquela data, ascendiam a € 12.448,35 (doze mil quatrocentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos). e) Ora, entendeu o Tribunal a quo absolver o Recorrido, porquanto terá ficado em dúvida a existência ou não da mencionada dívida à Recorrente. f) Com esta decisão não pode a aqui Recorrente concordar, sendo seu entendimento que a decisão proferida deverá ser revogada, ordenando-se a elaboração de uma nova decisão que, expressamente, decida pela condenação do Arguido. Senão vejamos, g) Nos termos exarados na sentença proferida, verifica-se que o Tribunal deu como não provado que "Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A. ". h) Verifica-se que tal matéria foi considerada como não provada, porquanto entendeu o Tribunal que " ... a prova produzida não foi concludente: se é certo que se apurou que o mesmo declarou perante conservador do registo comercial que na data acima indicada a sociedade E... não era devedora a terceiros, o certo é que embora resultem indícios de que devesse à ofendida C... , S.A. a quantia de € 11.926,50, a demais prova produzida não permitiu alcançar um grau de certeza que o arguido, aquando da declaração ajuizada, o tivesse feito sabendo que devia; com efeito, existiam negócios entre o arguido e a empresa C... , S.A. como referiu a testemunha J... , tendo ficado por regularizar comissões alegadamente devidas ao arguido, desconhecendo-se se as mesmas eram ou não efetivamente devidas, sendo certo que, a serem, em montante que se desconhece, colocam em crise a conclusão imediata e apodítica de que tenha proferido uma declaração maliciosa, visando prejudicar a ofendida (e, nesta sequência, permite inferir que possa haver "encontro de contas" a realizar, "atirando a dívida dos autos para a área de discussão meramente civil, sem qualquer conexão com um ilícito jurídico-penal);". i) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como do próprio senso comum, não pode a Recorrente concordar com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou. j) -A testemunha J... , em sede de audiência de discussão e julgamento, transmitiu ter acompanhado o arguido por diversas vezes na celebração de negócios com a aqui Recorrente na sede desta, k) Na medida em que, para além de ser amigo do aqui Arguido, era freelancer (comercial) da sociedade “ E... ”. l) Apesar da sua relação de proximidade com o Arguido e de ser um prestador de serviços daquela sociedade, desconhece, no entanto, quais as comissões devidas, se o eram e a quem - à sociedade ou ao próprio Arguido. m) Tendo ainda afirmado que os negócios dos quais resultaram as supostas comissões em dívida teriam sido celebrados em Fevereiro de 2012, porquanto em Março desse mesmo ano teria ido com o Arguido para Moçambique tratar de um novos negócios. n) Ora, dos documentos juntos aos autos quer com a denúncia apresentada pela Recorrente, quer com o Pedido de Indemnização Cível, verifica-se que as faturas em causa nos presentes autos datam dos meses de Junho de 2011, o) Não podendo, desta forma, colher a tese da compensação de créditos por aquele negócio. Acresce que, p) Durante o seu depoimento, menciona a testemunha referida, por diversas vezes, que a relação comercial estabelecida entre a sociedade representada pelo Arguido A... e a aqui Recorrente, tinha como objetivo a exportação de diversos artigos de hotelaria para Moçambique, q) Tendo sido o arguido o responsável pela entrada da “ C... , S.A.” e pela sua implementação no mercado de Moçambique, que a ajudou em muito nesse sentido. r) Estranho parece à aqui Recorrente tal afirmação, porquanto a Recorrente não tem qualquer estabelecimento implementado ou qualquer relação duradoura estabelecida naquele País. s) De facto e apesar de a " C... , S.A." exportar com regularidade para alguns países, Moçambique não faz parte dos mesmos, realizando algumas e pontuais; muito pontuais, vendas. t) Refere a testemunha, como já se referiu, que acompanhava o Arguido nos negócios da sua sociedade e que estava a par do que ocorria na " E... ". u) No entanto; e diretamente confrontado com o conhecimento relativo às comissões e à compensação de créditos que terá operado, atesta que tinha conhecimento das mesmas, porque o Arguido assim lho terá dito, não tendo verificado, nem tendo estado presente nessas supostas negociações. v) Muito estranho parece à aqui Recorrente que, apesar das sucessivas tentativas de contato com os sócios da " E... " durante o ano de 2011 e 2012, conforme se pode aferir dos testemunhos do Senhor J... e da Senhora L... , nunca tenha sido invocada a compensação de créditos de comissões, w) E que, apenas em sede de audiência de discussão e julgamento tenha aparecido a milagrosa testemunha que participou em diversos negócios e à qual foi dito pelo Arguido que lhe seriam devidas comissões no valor quase exato, pasme-se, das faturas em dívida, x) E que tais factos lhe tenham sido transmitidos dois meses antes da realização do julgamento. ff) Mas, sabe, porque o Arguido telefonicamente lhe transmitiu que não lhe foram pagas quaisquer comissões. gg) Pelo que, não pode o Tribunal a quo conferir a necessária credibilidade ao testemunho do Senhor J... , e com base nesse mesmo testemunho absolver o Arguido criminal e civilmente, quando existem provas concretas de que o mesmo bem sabia as declarações que fazia e bem sabia que as mesmas não correspondiam à verdade. hh) A testemunha da Recorrente, L... , que contatou diversas vezes com a mulher do Arguido, também Arguida nos autos, afirmou perentória e categoricamente que a Senhora D.ª B... , que representava a sociedade E... , tinha conhecimento da dívida e que, por diversas vezes lhe solicitou prazo para proceder ao seu pagamento. ii) Acresce que, no decorrer dos meses de Agosto/ Setembro de 2012, a Arguida contatou a testemunha e solicitou a emissão de notas de crédito relativas às faturas em dívida, uma vez que os descontos comerciais acordados não haviam sido devidamente aplicados. jj) Motivo pelo qual, se verifica a existência e a referência a essas notas de crédito por parte da testemunha. kk) Facilmente se depreende que a D.ª B... e o aqui Arguido tinham perfeito conhecimento de que eram devedores, na medida em que se assim não fosse não teriam, certamente, solicitado a prorrogação do prazo de pagamento, nem, tão pouco, a aplicação do desconto e a emissão das competentes notas de crédito. ll) Ora, dúvidas não restam, que o Arguido sabia que devia e que livre e dolosamente para se locupletar à obrigação do pagamento das faturas, afirmou perante autoridade oficial que a sua sociedade não era devedora de quaisquer quantias, nem tão pouco credora. mm) Pelo que, cometeu o crime de falsificação de documento. nn) A aqui Recorrente para além de ter feito prova da prática do crime, fez também a prova que lhe competia quanto aos valores que determinam o seu prejuízo, na medida em que correspondem ao valor dos bens que foram vendidos à sociedade da qual o Arguido era sócio e gerente e que nunca lhe foram pagos. oo) Assim, deverá a sentença proferida ser revogada e proferida sentença que condene o aqui Arguido pela prática do crime de falsificação de documento e no consequente Pedido de Indemnização Cível deduzido pela Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ordenar-se a sua substituição por sentença que condene o Arguido pelo crime de que vinha indiciado e no pagamento do Pedido de Indemnização Cível deduzido. Assim decidindo, V. Exss. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!
O recurso foi objecto de despacho de admissão na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil.
O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1. Vem a recorrente, nas respetivas alegações, impugnar a matéria de facto, assente como provada, na sentença recorrida; 2. A mesma alega, afinal, no sentido de que se encontram provados, os factos assentes como não provados, em suma, defendendo que ambos os arguidos tinham conhecimento, na data dos factos, a 19/10/2012, da existência de dívidas, por parte da “ E... , Ldª.”, que ambos representavam, à ofendida, " C... , S.A."; 3. A recorrente não impugna a matéria de facto, porém, nos termos em que a lei lho impõe, atento o disposto nos artigos 410º., nº. 2, alíneas a), b) ou c), e 412º., nºs. 3 e 4, ambos do Código de Processo Penal; 4. Aliás, a mesma nem sequer invoca a existência de qualquer dos vícios mencionados no referido artigo 410º., nº. 2, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e/ ou erro notório na apreciação da prova e nem pede a reapreciação da prova; 5. Mas ainda que assim fora, certo é que a prova encontra-se documentada e a recorrente não especificou quais os pontos que considera mal julgados, não o fazendo por referência às provas produzidas, e nem indicou as provas que devem ser renovadas, corno impõe a lei, no artigo 412º., nºs. 3 e 4, do mesmo código; 6. A recorrente, em suma, limita-se a transcrever, na íntegra, as declarações da testemunha, J... , bem como algumas declarações da testemunha, L... , para defender, em suma, que os arguidos sabiam da existência das alegadas dívidas à mesma; 7. A decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto não é suscetível de modificação e nem havendo lugar a reapreciação da prova, já que a matéria de facto não foi impugnada nos termos impostos pelas referidas normas legais; 8. Todavia, e mesmo que tal tivesse sucedido, entendemos que à mesma não assistiria razão; 9. Estão em causa na sentença recorrida, as conclusões valorativas do julgador, insertas na decisão, porquanto, no entendimento da recorrente, o tribunal recorrido deveria ter dado como provados, exatamente, factos diversos dos assentes corno provados para, assim, concluir pela condenação de ambos os arguidos; 10. Face ao poder jurisdicional e atividade do julgador, e não obstante as alegações apresentadas, certo é que a apreciação da prova está diretamente relacionado com o "princípio da livre apreciação da prova"; 11. Todavia, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento mostra-se apreciada, pelo Sr. Juiz "a quo", de forma perspicaz, atenta, lógica e crítica, tendo sido explicitado na motivação, as razões de se ter atribuído credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas, em sede de audiência de discussão e julgamento, inclusive, o referido, J... , elementos conjugados com a prova documental, produzida, e 12. A douta sentença proferida, ao decidir pela absolvição de ambos os arguidos, mostra-se em conformidade com a prova produzida e as normas legais aplicáveis, encontrando-se, pois, devidamente fundamentada, de facto e de direito. Nesta conformidade, deverá ser mantida, a douta sentença recorrida, nos seus precisos termos, pugnando-se pela improcedência do recurso interposto pela recorrente. Vossas Excelências, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!
O arguido e demandado A... respondeu ao recurso, concluindo o seguinte: 1. A demandante civil veio recorrer da decisão que absolveu o arguido da acusação que o Ministério Público (MP) contra ele deduziu e pede que o mesmo seja condenado penalmente e, ainda, no pedido de indemnização civil. 2. Pelo Despacho que antecede, é admitido tal recurso apenas na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil que a demandante havia formulado. 3. Pelo que cumpre apreciar da legitimidade da recorrente para recorrer e, sem prescindir, pugnar pela improcedência do recurso. QUESTÃO PRÉVIA- DA ILEGITIMIDADE DA RECORRENTE 4. S.m.o., é nosso entendimento que a demandante civil carece de legitimidade para recorrer da Douta Decisão proferida pelo Tribunal à quo, por não se ter constituído assistente nos autos, tendo assumindo apenas a posição de parte civil, o que delimita a sua intervenção nos autos a isso mesmo, ou seja, ao pedido de indemnização civil que deduziu. 5. Pelo que, in casu, entendemos que, s.m.o., não tem a recorrente legitimidade, nem interesse em agir para impugnar a decisão recorrida. 6. A intervenção das partes civis no âmbito do processo penal, decorre do princípio da adesão, segundo o qual, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido pelo lesado no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art. 71º do CPP). 7. O lesado - entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que não se tenha ou não possa constituir-se assistente - que deduz pedido civil, na acção penal, intervém restritamente no processo apenas e só quanto à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes (cf. art. 74º do CPP). 8. Os demandantes civis, por terem uma intervenção no processo penal com as limitações processuais de tal posição, são sujeitos processuais de uma acção cível enxertada na acção penal, conferindo-lhes o art. 401º, nº 1, al. e) do CPP, legitimidade para recorrer da parte das decisões contra si proferidas. 9. Sendo nosso entendimento que, as decisões proferidas contra o demandante civil que podem por este ser impugnadas, serão apenas e só as que contrariam os interesses particulares decorrentes do pedido civil sustentado no processo penal e não as decisões de índole penal. 10. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Maio de 1995 - Colectânea de Jurisprudência 1995, tomo 3, página 249: «Numa leitura meramente exegética ( ... ), o texto legal não poderia ser mais claro: as partes civis não podem atacar toda a decisão. Apenas e tão-só, a parte daquela contra quem cada uma foi proferida. O que permite concluir que, para além de uma clara delimitação objectiva do pressuposto processual em causa, o preceito abrange também, uma dimensão subjectiva. Assim, sendo um interveniente meramente civil, «a parte» não se pode considerar atingida ( .. .) com o desfecho penal da causa. Nessa vertente, os atingidos pelos efeitos penais podem ser sempre, o Ministério Público (art. 401º, nº 1, al. a), do Cód. Proc. Penal); em certos casos, o arguido e o assistente (mesmo artigo, nº 1, al. b) e art. 69º, nº 2, al. c) do mesmo diploma); eventualmente, os «condenados ao pagamento de qualquer importância nos termos do Código», ou que tenham de defender um direito (directamente) afectado pela decisão (art.401º, nº 1, alínea d). Ninguém mais em princípio, seja ou não parte civil, se pode declarar atingido pela decisão, o mesmo é dizer, ninguém mais está legitimado para dela recorrer». 11. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido em· 17 de Março de 1993 - Colectânea de Jurisprudência 1993, tomo 2, página 56 - tendo decidido que: «O lesado não assistente não tem legitimidade para, em recurso da parte civil, mesmo de forma indirecta, impugnar a parte penal da sentença» ... " 12. O pedido de condenação em indemnização civil é dependente do de condenação penal, uma vez que se funda na prática do crime. - art.º 71.º do CPP - e que a improcedência da acusação penal determina a absolvição do pedido de indemnização civil, dada a identidade dos factos que determinam a responsabilidade penal e civil. 13. Não é assim possível recorrer no âmbito estritamente civil, a não ser em casos muito contados, como seja o de se pôr em crise, apenas, o montante da indemnização. 14. Por regra, para o recurso ser viável, torna-se necessário recorrer da decisão de natureza penal e da decisão cível. 15. Porém, o art.º 401.º, do CPP, dispõe, no que agora interessa, o seguinte: « Artigo 401.º (Legitimidade e interesse em agir) « 1. Têm legitimidade para recorrer: ( ... ) « b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferida; « e) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas; ( ... )» 16. Temos assim, que não se reconhece legitimidade para recorrer em matéria penal, ao ofendido ou queixoso, mas apenas àquele que se tiver constituído assistente. 17. E temos, por outro lado, que a lei separa a legitimidade do/assistente, para o recurso da decisão contra si proferida - que não pode deixar de ser a de âmbito penal-, da do demandante civil, para o recurso da parte da decisão contra si proferida. 18. Daqui decorre que apenas o assistente tem legitimidade para recorrer da decisão penal, e ainda assim, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, se desacompanhado do MP, apenas quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, conforme jurisprudência fixada pelo Assento n.º 8/99, de 1997/10/30, D.R. 1- A, n.º 185, de 1999/08/10. 19. Assim às partes civis é assegurada a legitimidade para o recurso da parte das decisões contra si proferidas, tendo de entender-se que são decisões proferidas contra a parte civil as que se referem ao pedido civil e não outras. 20. O que traz como sub corolário desta conclusão que quando o recurso civil tenha implícito o recurso em matéria penal, o recorrente, para ser parte legítima, terá de ter a dupla qualidade de parte civil e de assistente. 21. Em nosso entender o art.º 401.º do C.P.P. não consente outra interpretação ao ter diferenciado a legitimidade para recorrer do arguido e do assistente, por um lado, e da parte civil, por outro. 22. Ora, in casu, o recorrente detém a qualidade de parte civil, mas não se constituiu assistente no processo. 23. Por isso falta-lhe a legitimidade para recorrer da decisão penal. E isso arrasta a ilegitimidade para todo o recurso, pois neste caso não é possível autonomizar a matéria do recurso civil da do penal. 24. No sentido da falta de legitimidade do ofendido que não se constituiu assistente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nos. Acórdãos de 20 de Outubro de 1993, cfr. Colectânea de Jurisprudência -Acórdãos do S. T. J. -, ano 1, tomo III/ 1993, pág. 218, sendo o seguinte o sumário publicado: «O ofendido apenas tem legitimidade para recorrer quando se tenha constituído assistente.» e de 30 de Abril de 2003, proferido no processo n.º 619/03, 3.ª secção, relator Lourenço Martins, publicado em http.//www.cidadevirtual.pt/stj/, este com o seguinte sumário: «I demandante civil não constituído assistente, carece de legitimidade para recorrer da decisão penal que, por "arrastamento", traz a improcedência do pedido civil. « II - Não resulta da lei essa faculdade de recurso nem do sistema, na medida em que o papel do demandante civil, que não é assistente, se subordina, como regra, às .posições tomadas pelos outros sujeitos processuais, salvo na parte da decisão contra si directamente proferida.». 25. É ainda de sentido convergente com o exposto o Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 1990, cfr .. Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo 1/ 1990, pág. 247, sendo as seguintes as duas primeiras proposições do sumário publicado: «I - Não é admissível o recurso interposto pelo ofendido do despacho que não recebeu a acusação do M. P., ainda que ele tenha formulado pedido de indemnização pelos danos que sofrera. II - O ofendido não é sujeito do processo, mas um mero participante processual. Por outro lado, o pedido de indemnização, embora enxertado na acção penal, conserva as características de verdadeira acção cível e a causa de pedir não é o crime, mas o dano sofrido pelo lesado. Daí a falta de legitimidade do ofendido para recorrer.». 26. Ainda o Acórdão da Relação de Coimbra, de 16 de Maio de 1996, Cfr. Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo III/ 1996, pág. 44, sendo o seguinte o sumário publicado: «O demandante cível não constituído assistente no processo crime não tem legitimidade para recorrer da sentença proferida no que concerne ao aspecto penal na parte em que esta directamente afecta a pretensão da tutela cível por ele deduzida.». 27. E ainda o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15 de/Dezembro de 2004, proferido no processo n.º 9350/04, 3.ª secção, relator Carlos Almeida, publicado em http://pgdlisboa.pt, com o seguinte sumário: «Uma vez que o recorrente, não obstante ser ofendido nos autos e ter deduzido pedido cível, não requereu a sua constituição como assistente, carece de legitimidade para impugnar a decisão do Tribunal sobre a responsabilidade. criminal dos arguidos (artigos 420.º, n.º 1, e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP); Por isso, e não tendo também sido interposto recurso nem pelo Ministério Público nem arguidos, deve considerar-se que se formou caso julgado quanto à parte criminal, o que impede o tribunal de alterar o, nessa parte, decidido. ». 28. Assim, e em conclusão, parece-nos pacífico o entendimento de que o recorrente carece de legitimidade para o recurso interposto. 29. O despacho proferido em primeira instância, que admitiu o recurso e declarou que o recorrente tem legitimidade, não vincula o Tribunal superior - art.º 414.º, n.º 3, do CPP. 30. Nos termos do disposto no art.º 414.º, n.º 2, do CPP o recurso não deveria ter sido admitido por falta, por parte do recorrente de uma condição necessária para recorrer, a legitimidade. 31. E isto deverá acarretar a rejeição do recurso, nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 1, do CPP, por remissão para o já referido art.º 414.º, n.º 2, do CPP.
Assim, deve o recurso ser rejeitado. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SE TERÁ QUE CONSIDERAR QUE,
DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO 32. É nosso entendimento que a prova produzida na audiência de discussão e julgamento se mostra devidamente apreciada/ pelo Exmo Dr. Juiz do Tribunal à quo, que a apreciou de forma atenta, cuidada, lógica e crítica, tendo vastamente exposto na motivação da sua Decisão, a valoração que fez a toda a prova produzida e o juízo de prognose que formulou. 33. Face ao poder jurisdicional do julgador, não obstante as alegações apresentadas pela recorrente, o certo é que a apreciação da prova está directamente relacionada com o “princípio da livre apreciação da prova” pelo julgador. 34. A recorrente, nas suas alegações, vem impugnar a matéria de facto decidida como provada na sentença recorrida. 35. Alegando, em síntese, que se deveriam ter considerados como provados, factos que foram decididos como não provados. 36. No entanto, a recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos previstos na Lei, atento o disposto nas alíneas a), b) ou e) do n.º 2 do art.º 410º e nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, ambos do C.P.P. 37. Não invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova, nem pede a reapreciação da prova - art.º 410, n.º 2 C.P.P. 38. Assim como, não especifica quais os pontos que considera mal julgados, não indicando as correlacionadas provas, não indicando também aquelas que deveriam ser renovadas - art.º 412º, n.º 3 e 4 C.P.P. 39. Não tendo a matéria de facto sido impugnada nos termos impostos pelas supra referidas normas legais, a decisão do Tribunal à quo sobre a matéria de facto não é susceptível de modificação, assim como, não poderá haver lugar a reapreciação da prova. 40. E mesmo que a matéria de facto tivesse sido impugnada nos termos impostos pelas supra referidas normas legais, s.m.o., é nosso entendimento que não assistiria qualquer razão à recorrente. 41. Pois a Douta Decisão proferida. pelo Tribunal à quo ao decidir como decidiu, pela absolvição dos arguidos, mostra-se em conformidade com a prova produzida e em respeito às normas legais aplicáveis, encontrando-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito. Conclui-se, assim, pela integral improcedência do pedido.
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser: - Reconhecida a ilegitimidade da recorrente, ora invocada;
Caso assim não se entenda, por razões que não se vislumbram, - Deve ser mantida a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, pugnando-se pela improcedência do recurso interposto pela recorrente. Com o que v. exas. farão, como sempre, a tão costumada justiça.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da falta de legitimidade do recorrente com a consequente rejeição do recurso, mais alegando que a decisão recorrida na sua fundamentação e no afastamento do dolo esquece a possibilidade de dolo eventual, que parece aqui ter ocorrido, pelo que, não fora a ilegitimidade deveria o recurso proceder.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, a recorrente respondeu afirmando a sua legitimidade com pertinente citação de jurisprudência.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir. *** II. Questão Prévia – Legitimidade da Recorrente O arguido e demandado A... na resposta ao recurso suscita a questão da legitimidade da demandante para recorrer, sendo seu entendimento que carece de legitimidade por não se ter constituido assistente, não podendo impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto. No recurso a demandante impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, pretendo que se considere provado o facto que foi considerado não provado na decisão recorrida e que, em consequência, se condene o arguido pelo crime que lhe foi imputado e no pedido de indemnização cível deduzido. Está em causa a interpretação do artigo 401º, nº 1 do Código de Processo Penal preceituando que “têm legitimidade para recorrer c) as partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas”. O Acórdão do STJ de 10.12.2008, publicado em www.dgsi.pt, incidentalmente aborda a questão e nos seguintes termos: O recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável.” Nos termos do artº 71º do CPP, «o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. Trata-se de uma manifesta interpretação restritiva do preceito acima citado, posto que não só é decisão proferida contra parte civil a relativa ao prejuízo como aquela que não reconhece os pressupostos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência do facto ilícito. Mais recentemente o STJ pronunciou-se mais detalhadamente sobre a questão no Acórdão de 23.2.2012, proferido no processo 296/04.9TAGMR.G1.S1, publicado no mesmo local, nos seguintes termos: A pessoa que considera ter sofrido danos ocasionados pelo crime - o lesado, na definição do artº 74º nº 1 - pode ou não ter direito de se constituir assistente, pois nem sempre quem sofre danos ocasionados pela prática de um crime se encontra numa das situações previstas no artº 68~ nº 1, ambos do mesmo diploma legal. Mas o facto de o lesado não ter a qualidade de assistente em nada diminui as possibilidades de fazer valer a pretensão que apresenta no processo: a condenação do requerido civil a indemnizá-lo pelos prejuízos sofridos com a prática do crime. É assim que o n" 2 do art" 74º lhe garante intervenção processual destinada «à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes». Fundando-se o pedido de indemnização civil na prática de um crime, os factos que preenchem a infracção criminal e que, por isso, constam da acusação integram simultaneamente a causa de pedir da acção civil. São, pois, factos comuns à acção penal e à acção civil. O direito de sustentar e provar o pedido civil abrange também, portanto, os factos descritos na acusação como integrando o crime aí imputado aos arguidos, desde que o requerente os tenha alegado, autonomamente, como no caso, ou por remissão para a acusação. Num e noutro são factos do pedido civil, estando garantido ao lesado o direito de os sustentar e provar, à luz daquela norma. E esse direito há-de poder ser feito valer tanto perante o tribunal que julgou em lª instância como perante o tribunal de recurso, sendo este admissível. De outro modo, o direito ao recurso, apesar de consagrado na lei, como no caso, de pouco valeria. Na verdade, se não fosse permitido ao lesado, nos casos de admissibilidade de recurso, discutir perante o tribunal superior a decisão do tribunal de 1ª instância de considerar não provados factos que são fundamento do pedido de indemnização, isso equivaleria a negar-lhe a possibilidade de sustentar e provar o pedido civil. De que serviria, com efeito, numa tal hipótese a afirmação da sua legitimidade para recorrer, se não pudesse no recurso impugnar a decisão de considerar não provados factos que alegou e são determinantes para a procedência do seu pedido? A resposta é uma só: de nada. Nem se compreenderia que os meios para o requerente civil poder fazer vingar a sua pretensão fossem diferentes conforme o pedido fosse deduzido no processo penal ou em separado, perante o tribunal civil, podendo neste caso, em função do valor da alçada e da sucumbência, discutir em recurso a decisão negativa sobre factos que são fundamento do pedido, e não naquele. E não se diga, como faz o acórdão recorrido, que «cabe ao ofendido optar por formular o pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal ou, face ao disposto no 72º C.P. Penal, deduzir em separado, instaurando a competente acção civel», porque, por um lado, a opção pela dedução do pedido em separado não depende em muitos casos da vontade do lesado e, por outro, sendo a acção a mesma, intentada no processo penal ou, em separado, perante o tribunal civil, por ser o mesmo o direito a fazer valer, os meios de defesa desse direito hão-de ser também, os mesmos, não havendo qualquer fundamento para variarem em função da natureza do processo. De igual modo, não é de subscrever a afirmação do tribunal recorrido de que o ofendido, «se pretender deduzir o pedido de indemnização civil no processo-crime e ter uma intervenção mais ampla, nomeadamente em termos de recurso, tem a faculdade de se constituir assistente». Como se disse, o lesado pode não ser ofendido e, nesse caso, não tem o direito de se constituir assistente. E, de qualquer modo, no âmbito do pedido civil, não passa a ter «uma intervenção mais ampla, nomeadamente em termos de recurso», pelo facto de ter a qualidade de assistente. A constituição como assistente tem efeitos apenas no âmbito da acção penal, sendo inócua em matéria civil. Não é pelo facto de não ser assistente que o lesado não pode defender em toda a sua extensão a pretensão indemnizatária, como se vê do citado art" 74º, nº 2. É claro que em casos como o presente, em que houve absolvição da acusação e do pedido civil, por não se terem provado factos que eram simultaneamente integrantes do crime em que se funda o pedido de indemnização e da causa de pedir deste, e a decisão de absolvição na parte criminal se estabilizou, por dela não ter sido interposto recurso por quem tinha legitimidade, a possibilidade de o requerente civil discutir em recurso esses factos, enquanto fundamento do seu pedido, pode conduzir à situação em que determinados factos sejam tidos como não provados, em sede criminal, e como provados, no âmbito de pedido civil. Mas uma tal situação não pode impressionar, pois as duas acções, a penal e a civil, conservam a sua autonomia. A incongruência, a verificar-se, é o resultado de não ter sido interposto recurso na parte penal, sendo-o na parte civil. A lei prevê a possibilidade da ocorrência dessa incongruência em certas situações, entre as quais cabe a de não ter sido interposto recurso da parte penal da sentença, sendo-o na parte civil pelo demandado, e soluciona-a, porque não podia deixar de ser solucionada. Com efeito, nos termos do artº 402º, nº 2, alínea b), do CPP, o recurso interposto pelo responsável civil «aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais». Desta norma resulta que, havendo condenação em 1ª instância do arguido pela prática de um crime e do demandado civil em indemnização, por se terem dado como provados os factos que integram tanto a infracção criminal como a causa de pedir do pedido de indemnização, se o arguido não interpuser recurso, transitando em julgado a sentença na parte penal, mas o interpuser o requerido civil, obtendo do tribunal superior uma decisão que considera não provados os factos em que se .funda o pedido civil, deparar-nos-emos com a situação seguinte: os mesmos factos estão dados como provados na parte penal e como não provados na parte civil, Aqui, por imperativos inalienáveis, para impedir a condenação penal de um inocente, a lei resolve a incongruência fazendo valer relativamente à acção penal a decisão que, em recurso da parte civil, considerou não provados factos que, sendo fundamento do pedido de indemnização, são ao mesmo tempo integrantes do crime pelo qual o arguido fora condenado. E fá-lo porque a decisão de facto do tribunal de recurso é favorável à posição do arguido, afirmando que não se provaram os factos que sustentaram a sua condenação penal. Nessa situação, estando afirmado no processo, ainda que no âmbito da acção civil, que não se fez prova de o arguido haver praticado o crime pelo qual foi condenado, seria insuportável para a ordem jurídica a manutenção dessa condenação. Se nesse caso, de recurso só da responsabilidade civil, este pode impugnar a decisão de dar como provados os factos que fundamentam o pedido civil e integram o crime pelo qual o arguido foi condenado, não obstante este não ter recorrido, transitando em julgado, no âmbito penal, aquela decisão, ainda que o trânsito seja parcial, não há razão para que, em situações como aquela em que nos deparamos, de absolvição da acusação e do pedido civil, havendo recurso apenas do lesado, este não possa discutir em recurso a decisão que deu como não provados os factos que, sendo integrantes do crime pelo qual o arguido foi absolvido, são também fundamento do pedido de indemnização. A diferença está apenas em que neste caso não se tirarão consequências em sede penal da eventual procedência do recurso, por nenhumas se poderem tirar. A incongruência que então subsiste é preferível à alternativa defendida na decisão recorrida, que significaria o sacrifício da possibilidade de o requerente civil defender eficazmente a pretensão indemnizatária em nome de considerações de ordem meramente formal. E então o princípio de adesão falharia um dos seus propósitos, que é o de protecção da vitima, permitindo-lhe, nas palavras de Figueiredo Dias, «uma realização mais rápida, mais barata e mais eficaz do direito (. . .) à indemnização» (Direito Processual Penal, I, 197 4, página 562). Onde estaria essa «realização mais eficaz do direito à indemnização» se a dedução do pedido civil no processo penal representasse, em relação à sua instauração nos tribunais civis, um tal recrutamento das possibilidades de o defender, a eliminação, na prática, de o sustentar em recurso, quando este fosse admissivel?» Ac. STJ de 23-02-2012 disponível em www.dgsi.pt. Assim e como inicialmente referido os recorrentes são parte legitima, podendo impugnar a matéria de facto dependente da procedência do pedido de indemnização civil por eles formulado e apenas nessa medida. Quanto que à condenação crime, obviamente, enquanto meros demandantes civis, carecem de total legitimidade para a peticionarem." Em suma se conclui que a recorrente tem legitimidade para recorrer nos termos em que o faz, mas os efeitos do recurso estão limitados ao pedido cível, não podendo afectar a decisão penal, segmento que não é susceptível de recurso por parte civil. Com esta limitação se apreciará o recurso interposto. *** III. Fundamentos da Decisão Recorrida Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto: FACTOS: Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos: 1. Os arguidos eram sócios da sociedade E... , Lda, cabendo a gestão da sociedade ao arguido A... ; 2. Nessa qualidade e em representação da arguida B... , no dia 19.10.2012, perante a conservadora da 1.ª Conservatória de Registo Comercial de Leiria, o arguido A... declarou que a sociedade acima indicada não possuía qualquer activo ou passivo a partilhar e que as contas tinham sido encerradas e aprovadas naquele mesmo dia, pelo que a declarava liquidada; 3. E requereu no mesmo acto a instauração de processo especial de extinção imediata daquela sociedade; 4. Esta declaração ficou lavrada num auto de extinção imediata; 5. A sociedade E... , Lda. foi dissolvida e a respectiva matrícula cancelada no dia 19.10.2012; 6. Nesta data, a sociedade ainda era devedora à sociedade C... , S.A., por fornecimento de bens, titulado pelo contrato datado de 29.06.2011, num total de €11.926,50, acrescido de juros de mora; 7. Dívida que foi objeto de processo de injunção com o n.º 171967/12.7YIPRT; 8. A arguida B... trabalha na D... como consultora imobiliária, como comissionista; recebe €400 de pensão de alimentos, paga pelo ex-marido e aqui arguido; tem três filhos a seu cargo; 9. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS: Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A..
MOTIVAÇÃO: O arguido não compareceu em audiência de julgamento, razão por que não foi ouvido em declarações.
A arguida esclareceu a sua situação económica e de vida com credibilidade, tendo exercido validamente o seu direito ao silêncio quanto aos factos imputados.
P... , funcionário da empresa ofendida, referiu que efetivamente a empresa representada pelos arguidos, E... , ficou a dever a quantia de €11.926,50, e juros, à firma C... , pelo fornecimento de equipamentos vários que especificou, o que tudo ficou descrito em duas facturas respectivas juntas aos autos, depois de apenas ter sido pago parte das mesmas nos montantes de €2.648,86 a 26.05.2011 e de €1.141,84 a 28.07.2011, especificando que se tentou a regularização dessa quantia juntos dos arguidos, por carta e por telefone, sem o conseguir, tendo o último contacto ocorrido a 21.11.2011, tendo depois tomado conhecimento em 04.04.2012 que a sociedade E... foi dissolvida, precisando que o referido montante ficou por pagar até ao momento; precisou que o montante facturado das duas facturas ascendeu a cerca de €19.000, tendo sido emitidas pela ofendida duas notas de crédito a 02.07.2012 referentes a descontos. L... , escriturária da ofendida, esclareceu o montante em dívida da E... à C... , tendo chegado a falar com a arguida já em Junho ou Agosto de 2012, a qual reclamava que o desconto “não estava bem”, razão por que foram emitidas notas de crédito, ficando o montante final de €11.926,50 por pagar até hoje.
J... , comercial, referiu ter feito negócios e recebido “a sua parte” por conta do arguido, explicando que era este quem geria a sociedade E... , explicando que com a sociedade ofendida eram feitos negócios de compra direta à C... e negócios com clientes de Moçambique, tendo tido conhecimento que o arguido ficou por receber da firma ofendida comissões, explicando que chegou a reunir cerca de cinco ou seis vezes com o representante da firma ofendida para tratar de assuntos de negócios com clientes de Moçambique, precisando o nome dos mesmos, desconhecendo embora quais os montantes das comissões auferidas pelo arguido por tais negócios.
Considerou-se, ainda, conjugadamente, o teor da queixa de fls. 1 a 6, o teor do “auto de extinção imediata” de fls. 7 e 8, o teor da procuração de fls. 9 e 10, o teor dos elementos referentes à instauração de injunção de fls. 12 a 15, 179 a 182, 310 a 338, o teor da certidão permanente da sociedade E... de fls. 24 a 31 (e fls. 122 a 126), o teor da factura e do certificado de exportação de fls. 82 a 89, 169 a 177, o teor do extrato de conta corrente da sociedade E... de fls. 134, o teor do inventário de bens desta sociedade de fls. 140-1, e o teor dos CRC´s dos arguidos de fls. 357 e 359 quanto à ausência de antecedentes criminais.
Da prova produzida considerada no seu conjunto, não resultou de forma inequívoca e consistente que a arguida gerisse a empresa E... , sendo certo que não outorgou na procuração em causa nos autos e, apesar de o arguido estar munido de poderes para dissolver a empresa em causa, os mesmos não o autorizaram a prestar falsas declarações perante conservador em nome da arguida, sendo ainda certo que a mesma não estava presente aquando da produção da declaração que conduziu à extinção da empresa, razão por que se entende que a mesma não pode ser responsabilizada pelos factos imputados, os quais, quanto a si, na parte acima destacada, foram julgados como não provados; quanto ao arguido, a prova produzida não foi concludente: se é certo que se apurou que o mesmo declarou perante conservador do registo comercial que na data acima indicada a sociedade E... não era devedora a terceiros, o certo é que embora resultem indícios de que devesse à ofendida C... S.A. a quantia de €11.926,50, a demais prova produzida não permitiu alcançar um grau de certeza que o arguido, aquando da declaração ajuizada, o tivesse feito sabendo que devia; com efeito, existiam negócios entre o arguido e a empresa C... , S.A. como referiu a testemunha J... , tendo ficado por regularizar comissões alegadamente devidas ao arguido, desconhecendo-se se as mesmas eram ou não efetivamente devidas, sendo certo que, a serem, em montante que se desconhece, colocam em crise a conclusão imediata e apodíctica de que tenha proferido uma declaração maliciosa, visando prejudicar a ofendida (e, nesta sequência, permite inferir que possa haver “encontro de contas” a realizar, “atirando” a dívida dos autos para a área de discussão meramente civil, sem qualquer conexão com um ilícito típico jurídico-penal); por outro lado, houve pagamentos parciais por conta da dívida inicial que não se mostram clara e convenientemente vertidos nos autos, porque não especificados; e sendo ainda certo que apesar de a instauração da injunção ter sido feito em momento anterior à dissolução da sociedade, a notificação ao arguido dessa injunção tendente à cobrança coerciva do crédito reclamado pela ofendida foi em momento posterior à declaração de dissolução (vd. fls. 310), o que não nos informa, com segurança e certeza, sobre se o arguido ao fazer a declaração junto do conservador estava efetivamente animado pelo intuito de fazer falsas declarações ou se, por outro lado, estava convencido de que nada devia à mesma ou a qualquer outro terceiro credor, tanto mais que inexiste talão de aviso de recepção assinado referente à notificação para proceder ao pagamento, constante dos autos (fls. 178), razão por que os factos acima indicados foram julgados como não provados, por funcionamento do princípio do in dubio pro reo, por verificação de dúvida séria e objetiva sobre a verificação dos factos tal como descritos na acusação. *** IV. Apreciação do Recurso A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal). Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal). Vistas as conclusões do recurso interposto a questão de que importa conhecer é a seguinte: - Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo a mesma ser alterada nos termos indicados pela recorrente com a consequente condenação do demandado no pagamento da indemnização peticionada. “Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A..” Limita, porém, o objecto da impugnação ao arguido A... posto que a final apenas pede a condenação deste no peticionado civilmente. No seu entender, em face dos depoimentos das testemunhas L... e J... , funcionários da demandante e do teor vago do depoimento da testemunha J... referindo a existência de comissões que nunca foram invocadas perante aqueles, devia o Tribunal ter considerado como provado o facto não provado. *** IV. Decisão Nestes termos acordam negar provimento ao recurso interposto pela demandante civil, mantendo a sentença recorrida. Pelo seu decaimento em recurso condenam a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro UC. *** Coimbra, 15 de Março de 2017 (Texto processado e integralmente revisto pela relatora) (Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora) (José Eduardo Fernandes Martins - adjunta) |