Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1369/13.2TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: DEMANDANTE CIVIL
RECURSO
LEGITIMIDADE
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA NA VERTENTE PENAL
Data do Acordão: 03/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 400.º, N.º 3, DO CPP
Sumário: I – A circunstância de o lesado não deter a qualidade de assistente não reduz a possibilidade de fazer valer a sua pretensão processual, qual seja, a condenação do demandado civil a indemnizá-lo pelos prejuízos decorrentes da prática de um ilícito penal.

II – Consequentemente, o direito de o lesado sustentar e provar o pedido de indemnização pode ser efectivado, quer perante o tribunal de 1.ª instância quer em via de recurso. De outro modo, o direito ao recurso, com consagração legal, de pouco valeria. Se não fosse permitido ao lesado, no caso de admissibilidade de recurso, discutir, em plenitude, perante o tribunal superior, a decisão do tribunal a quo, isso corresponderia a negar-lhe a prerrogativa de sustentação e prova da petição indemnizatória.

III – Contudo, nos casos de absolvição na vertente penal, a procedência da impugnação da matéria de facto descrita na sentença recorrida nunca poderá conduzir à revogação daquele veredicto.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum singular 1369/13.2TALRA da Comarca de Leiria, Instância Local de Leiria, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento, em 17 de Março de 2016 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

 Atento o exposto, decide-se:

I – Absolver A... e B... do crime de falsificação de documento (art.º 256º-1-d)-3 do C. Penal) de que vinham acusados;

II – Isentá-los do pagamento de custas (art.ºs 513º-1 a contrario do CPP);

III - Absolver A... e B... do pedido cível que contra si vinha formulado pela ofendida C... , S.A., na qualidade de demandante civil;

Custas, nesta parte, a cargo da demandante, por referência ao valor do pedido (art.ºs 523º do CPP e 527º-2 d CPC);

Inconformada com a decisão, dela recorreu a demandante C... , S.A., extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões:

a) A aqui Recorrente apresentou denúncia contra o Arguido, porquanto o mesmo, na qualidade de sócio e gerente da sociedade “ E... , Lda.”, procedeu à dissolução e liquidação da referida sociedade, conforme se pode verificar pelos documentos juntos aos autos.

b) De forma a proceder à dissolução e liquidação daquela sociedade, o aqui Arguido em seu nome e em representação da outra sócia -- B... , também Arguida nos presentes autos - declarou que "a sociedade não possui qualquer activo e nem passivo a partilhar pelo que a declara, também liquidada, declara ainda que as contas foram encerradas e aprovadas hoje", declaração esta realizada e atestada perante a Senhora Conservadora da 1.ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Leiria.

c) Sendo que, tal declaração não corresponde à verdade, constando, daquele documento, facto juridicamente relevante e falso.

d) Isto porque, aquela sociedade não procedeu à liquidação das dívidas perante a aqui Recorrente, dívidas essas que, naquela data, ascendiam a € 12.448,35 (doze mil quatrocentos e quarenta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

e) Ora, entendeu o Tribunal a quo absolver o Recorrido, porquanto terá ficado em dúvida a existência ou não da mencionada dívida à Recorrente.

f) Com esta decisão não pode a aqui Recorrente concordar, sendo seu entendimento que a decisão proferida deverá ser revogada, ordenando-se a elaboração de uma nova decisão que, expressamente, decida pela condenação do Arguido.

Senão vejamos,

g) Nos termos exarados na sentença proferida, verifica-se que o Tribunal deu como não provado que "Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A. ".

h) Verifica-se que tal matéria foi considerada como não provada, porquanto entendeu o Tribunal que " ... a prova produzida não foi concludente: se é certo que se apurou que o mesmo declarou perante conservador do registo comercial que na data acima indicada a sociedade E... não era devedora a terceiros, o certo é que embora resultem indícios de que devesse à ofendida C... , S.A. a quantia de € 11.926,50, a demais prova produzida não permitiu alcançar um grau de certeza que o arguido, aquando da declaração ajuizada, o tivesse feito sabendo que devia; com efeito, existiam negócios entre o arguido e a empresa C... , S.A. como referiu a testemunha J... , tendo ficado por regularizar comissões alegadamente devidas ao arguido, desconhecendo-se se as mesmas eram ou não efetivamente devidas, sendo certo que, a serem, em montante que se desconhece, colocam em crise a conclusão imediata e apodítica de que tenha proferido uma declaração maliciosa, visando prejudicar a ofendida (e, nesta sequência, permite inferir que possa haver "encontro de contas" a realizar, "atirando a dívida dos autos para a área de discussão meramente civil, sem qualquer conexão com um ilícito jurídico-penal);".

i) Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como do próprio senso comum, não pode a Recorrente concordar com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou.

j) -A testemunha J... , em sede de audiência de discussão e julgamento, transmitiu ter acompanhado o arguido por diversas vezes na celebração de negócios com a aqui Recorrente na sede desta,

k) Na medida em que, para além de ser amigo do aqui Arguido, era freelancer (comercial) da sociedade “ E... ”.

l) Apesar da sua relação de proximidade com o Arguido e de ser um prestador de serviços daquela sociedade, desconhece, no entanto, quais as comissões devidas, se o eram e a quem - à sociedade ou ao próprio Arguido.

m) Tendo ainda afirmado que os negócios dos quais resultaram as supostas comissões em dívida teriam sido celebrados em Fevereiro de 2012, porquanto em Março desse mesmo ano teria ido com o Arguido para Moçambique tratar de um novos negócios.

n) Ora, dos documentos juntos aos autos quer com a denúncia apresentada pela Recorrente, quer com o Pedido de Indemnização Cível, verifica-se que as faturas em causa nos presentes autos datam dos meses de Junho de 2011,

o) Não podendo, desta forma, colher a tese da compensação de créditos por aquele negócio.

Acresce que,

p) Durante o seu depoimento, menciona a testemunha referida, por diversas vezes, que a relação comercial estabelecida entre a sociedade representada pelo Arguido A... e a aqui Recorrente, tinha como objetivo a exportação de diversos artigos de hotelaria para Moçambique,

q) Tendo sido o arguido o responsável pela entrada da “ C... , S.A.” e pela sua implementação no mercado de Moçambique, que a ajudou em muito nesse sentido.

r) Estranho parece à aqui Recorrente tal afirmação, porquanto a Recorrente não tem qualquer estabelecimento implementado ou qualquer relação duradoura estabelecida naquele País.

s) De facto e apesar de a " C... , S.A." exportar com regularidade para alguns países, Moçambique não faz parte dos mesmos, realizando algumas e pontuais; muito pontuais, vendas.

t) Refere a testemunha, como já se referiu, que acompanhava o Arguido nos negócios da sua sociedade e que estava a par do que ocorria na " E... ".

u) No entanto; e diretamente confrontado com o conhecimento relativo às comissões e à compensação de créditos que terá operado, atesta que tinha conhecimento das mesmas, porque o Arguido assim lho terá dito, não tendo verificado, nem tendo estado presente nessas supostas negociações.

v) Muito estranho parece à aqui Recorrente que, apesar das sucessivas tentativas de contato com os sócios da " E... " durante o ano de 2011 e 2012, conforme se pode aferir dos testemunhos do Senhor J... e da Senhora L... , nunca tenha sido invocada a compensação de créditos de comissões,

w) E que, apenas em sede de audiência de discussão e julgamento tenha aparecido a milagrosa testemunha que participou em diversos negócios e à qual foi dito pelo Arguido que lhe seriam devidas comissões no valor quase exato, pasme-se, das faturas em dívida,

x) E que tais factos lhe tenham sido transmitidos dois meses antes da realização do julgamento.

ff) Mas, sabe, porque o Arguido telefonicamente lhe transmitiu que não lhe foram pagas quaisquer comissões.

gg) Pelo que, não pode o Tribunal a quo conferir a necessária credibilidade ao testemunho do Senhor J... , e com base nesse mesmo testemunho absolver o Arguido criminal e civilmente, quando existem provas concretas de que o mesmo bem sabia as declarações que fazia e bem sabia que as mesmas não correspondiam à verdade.

hh) A testemunha da Recorrente, L... , que contatou diversas vezes com a mulher do Arguido, também Arguida nos autos, afirmou perentória e categoricamente que a Senhora D.ª B... , que representava a sociedade E... , tinha conhecimento da dívida e que, por diversas vezes lhe solicitou prazo para proceder ao seu pagamento.

ii) Acresce que, no decorrer dos meses de Agosto/ Setembro de 2012, a Arguida contatou a testemunha e solicitou a emissão de notas de crédito relativas às faturas em dívida, uma vez que os descontos comerciais acordados não haviam sido devidamente aplicados.

jj) Motivo pelo qual, se verifica a existência e a referência a essas notas de crédito por parte da testemunha.

kk) Facilmente se depreende que a D.ª B... e o aqui Arguido tinham perfeito conhecimento de que eram devedores, na medida em que se assim não fosse não teriam, certamente, solicitado a prorrogação do prazo de pagamento, nem, tão pouco, a aplicação do desconto e a emissão das competentes notas de crédito.

ll) Ora, dúvidas não restam, que o Arguido sabia que devia e que livre e dolosamente para se locupletar à obrigação do pagamento das faturas, afirmou perante autoridade oficial que a sua sociedade não era devedora de quaisquer quantias, nem tão pouco credora.

mm) Pelo que, cometeu o crime de falsificação de documento.

nn) A aqui Recorrente para além de ter feito prova da prática do crime, fez também a prova que lhe competia quanto aos valores que determinam o seu prejuízo, na medida em que correspondem ao valor dos bens que foram vendidos à sociedade da qual o Arguido era sócio e gerente e que nunca lhe foram pagos.

oo) Assim, deverá a sentença proferida ser revogada e proferida sentença que condene o aqui Arguido pela prática do crime de falsificação de documento e no consequente Pedido de Indemnização Cível deduzido pela Recorrente.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e ordenar-se a sua substituição por sentença que condene o Arguido pelo crime de que vinha indiciado e no pagamento do Pedido de Indemnização Cível deduzido.

Assim decidindo, V. Exss. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1. Vem a recorrente, nas respetivas alegações, impugnar a matéria de facto, assente como provada, na sentença recorrida;

2. A mesma alega, afinal, no sentido de que se encontram provados, os factos assentes como não provados, em suma, defendendo que ambos os arguidos tinham conhecimento, na data dos factos, a 19/10/2012, da existência de dívidas, por parte da “ E... , Ldª.”, que ambos representavam, à ofendida, " C... , S.A.";

3. A recorrente não impugna a matéria de facto, porém, nos termos em que a lei lho impõe, atento o disposto nos artigos 410º., nº. 2, alíneas a), b) ou c), e 412º., nºs. 3 e 4, ambos do Código de Processo Penal;

4. Aliás, a mesma nem sequer invoca a existência de qualquer dos vícios mencionados no referido artigo 410º., nº. 2, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e/ ou erro notório na apreciação da prova e nem pede a reapreciação da prova;

5. Mas ainda que assim fora, certo é que a prova encontra-se documentada e a recorrente não especificou quais os pontos que considera mal julgados, não o fazendo por referência às provas produzidas, e nem indicou as provas que devem ser renovadas, corno impõe a lei, no artigo 412º., nºs. 3 e 4, do mesmo código;

6. A recorrente, em suma, limita-se a transcrever, na íntegra, as declarações da testemunha, J... , bem como algumas declarações da testemunha, L... , para defender, em suma, que os arguidos sabiam da existência das alegadas dívidas à mesma;

7. A decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto não é suscetível de modificação e nem havendo lugar a reapreciação da prova, já que a matéria de facto não foi impugnada nos termos impostos pelas referidas normas legais;

8. Todavia, e mesmo que tal tivesse sucedido, entendemos que à mesma não assistiria razão;

9. Estão em causa na sentença recorrida, as conclusões valorativas do julgador, insertas na decisão, porquanto, no entendimento da recorrente, o tribunal recorrido deveria ter dado como provados, exatamente, factos diversos dos assentes corno provados para, assim, concluir pela condenação de ambos os arguidos;

10. Face ao poder jurisdicional e atividade do julgador, e não obstante as alegações apresentadas, certo é que a apreciação da prova está diretamente relacionado com o "princípio da livre apreciação da prova";

11. Todavia, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento mostra-se apreciada, pelo Sr. Juiz "a quo", de forma perspicaz, atenta, lógica e crítica, tendo sido explicitado na motivação, as razões de se ter atribuído credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas, em sede de audiência de discussão e julgamento, inclusive, o referido, J... , elementos conjugados com a prova documental, produzida, e

12. A douta sentença proferida, ao decidir pela absolvição de ambos os arguidos, mostra-se em conformidade com a prova produzida e as normas legais aplicáveis, encontrando-se, pois, devidamente fundamentada, de facto e de direito.

Nesta conformidade, deverá ser mantida, a douta sentença recorrida, nos seus precisos termos, pugnando-se pela improcedência do recurso interposto pela recorrente.

Vossas Excelências, porém, e como sempre, farão JUSTIÇA!

O arguido e demandado A... respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1. A demandante civil veio recorrer da decisão que absolveu o arguido da acusação que o Ministério Público (MP) contra ele deduziu e pede que o mesmo seja condenado penalmente e, ainda, no pedido de indemnização civil.

2. Pelo Despacho que antecede, é admitido tal recurso apenas na parte em que foi julgado improcedente o pedido de indemnização civil que a demandante havia formulado.

3. Pelo que cumpre apreciar da legitimidade da recorrente para recorrer e, sem prescindir, pugnar pela improcedência do recurso.

QUESTÃO PRÉVIA- DA ILEGITIMIDADE DA RECORRENTE

4. S.m.o., é nosso entendimento que a demandante civil carece de legitimidade para recorrer da Douta Decisão proferida pelo Tribunal à quo, por não se ter constituído assistente nos autos, tendo assumindo apenas a posição de parte civil, o que delimita a sua intervenção nos autos a isso mesmo, ou seja, ao pedido de indemnização civil que deduziu.

5. Pelo que, in casu, entendemos que, s.m.o., não tem a recorrente legitimidade, nem interesse em agir para impugnar a decisão recorrida.

6. A intervenção das partes civis no âmbito do processo penal, decorre do princípio da adesão, segundo o qual, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido pelo lesado no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art. 71º do CPP).

7. O lesado - entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que não se tenha ou não possa constituir-se assistente - que deduz pedido civil, na acção penal, intervém restritamente no processo apenas e só quanto à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes (cf. art. 74º do CPP).

8. Os demandantes civis, por terem uma intervenção no processo penal com as limitações processuais de tal posição, são sujeitos processuais de uma acção cível enxertada na acção penal, conferindo-lhes o art. 401º, nº 1, al. e) do CPP, legitimidade para recorrer da parte das decisões contra si proferidas.

9. Sendo nosso entendimento que, as decisões proferidas contra o demandante civil que podem por este ser impugnadas, serão apenas e só as que contrariam os interesses particulares decorrentes do pedido civil sustentado no processo penal e não as decisões de índole penal.

10. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Maio de 1995 - Colectânea de Jurisprudência 1995, tomo 3, página 249:

«Numa leitura meramente exegética ( ... ), o texto legal não poderia ser mais claro: as partes civis não podem atacar toda a decisão. Apenas e tão-só, a parte daquela contra quem cada uma foi proferida.

O que permite concluir que, para além de uma clara delimitação objectiva do pressuposto processual em causa, o preceito abrange também, uma dimensão subjectiva. Assim, sendo um interveniente meramente civil, «a parte» não se pode considerar atingida ( .. .) com o desfecho penal da causa.

Nessa vertente, os atingidos pelos efeitos penais podem ser sempre, o Ministério Público (art. 401º, nº 1, al. a), do Cód. Proc. Penal); em certos casos, o arguido e o assistente (mesmo artigo, nº 1, al. b) e art. 69º, nº 2, al. c) do mesmo diploma); eventualmente, os «condenados ao pagamento de qualquer importância nos termos do Código», ou que tenham de defender um direito (directamente) afectado pela decisão (art.401º, nº 1, alínea d). Ninguém mais em princípio, seja ou não parte civil, se pode declarar atingido pela decisão, o mesmo é dizer, ninguém mais está legitimado para dela recorrer».

11. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, em Acórdão proferido em· 17 de Março de 1993 - Colectânea de Jurisprudência 1993, tomo 2, página 56 - tendo decidido que:

«O lesado não assistente não tem legitimidade para, em recurso da parte civil, mesmo de forma indirecta, impugnar a parte penal da sentença» ... "

12. O pedido de condenação em indemnização civil é dependente do de condenação penal, uma vez que se funda na prática do crime. - art.º 71.º do CPP - e que a improcedência da acusação penal determina a absolvição do pedido de indemnização civil, dada a identidade dos factos que determinam a responsabilidade penal e civil.

13. Não é assim possível recorrer no âmbito estritamente civil, a não ser em casos muito contados, como seja o de se pôr em crise, apenas, o montante da indemnização.

14. Por regra, para o recurso ser viável, torna-se necessário recorrer da decisão de natureza penal e da decisão cível.

15. Porém, o art.º 401.º, do CPP, dispõe, no que agora interessa, o seguinte:

« Artigo 401.º (Legitimidade e interesse em agir)

« 1. Têm legitimidade para recorrer:

( ... )

« b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferida;

« e) As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;

 ( ... )»

16. Temos assim, que não se reconhece legitimidade para recorrer em matéria penal, ao ofendido ou queixoso, mas apenas àquele que se tiver constituído assistente.

17. E temos, por outro lado, que a lei separa a legitimidade do/assistente, para o recurso da decisão contra si proferida - que não pode deixar de ser a de âmbito penal-, da do demandante civil, para o recurso da parte da decisão contra si proferida.

18. Daqui decorre que apenas o assistente tem legitimidade para recorrer da decisão penal, e ainda assim, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, se desacompanhado do MP, apenas quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, conforme jurisprudência fixada pelo Assento n.º 8/99, de 1997/10/30, D.R. 1- A, n.º 185, de 1999/08/10.

19. Assim às partes civis é assegurada a legitimidade para o recurso da parte das decisões contra si proferidas, tendo de entender-se que são decisões proferidas contra a parte civil as que se referem ao pedido civil e não outras.

20. O que traz como sub corolário desta conclusão que quando o recurso civil tenha implícito o recurso em matéria penal, o recorrente, para ser parte legítima, terá de ter a dupla qualidade de parte civil e de assistente.

21. Em nosso entender o art.º 401.º do C.P.P. não consente outra interpretação ao ter diferenciado a legitimidade para recorrer do arguido e do assistente, por um lado, e da parte civil, por outro.

22. Ora, in casu, o recorrente detém a qualidade de parte civil, mas não se constituiu assistente no processo.

23. Por isso falta-lhe a legitimidade para recorrer da decisão penal. E isso arrasta a ilegitimidade para todo o recurso, pois neste caso não é possível autonomizar a matéria do recurso civil da do penal.

24. No sentido da falta de legitimidade do ofendido que não se constituiu assistente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nos. Acórdãos de 20 de Outubro de 1993, cfr. Colectânea de Jurisprudência -Acórdãos do S. T. J. -, ano 1, tomo III/ 1993, pág. 218, sendo o seguinte o sumário publicado: «O ofendido apenas tem legitimidade para recorrer quando se tenha constituído assistente.» e de 30 de Abril de 2003, proferido no processo n.º 619/03, 3.ª secção, relator Lourenço Martins, publicado em http.//www.cidadevirtual.pt/stj/, este com o seguinte sumário: «I demandante civil não constituído assistente, carece de legitimidade para recorrer da decisão penal que, por "arrastamento", traz a improcedência do pedido civil. « II - Não resulta da lei essa faculdade de recurso nem do sistema, na medida em que o papel do demandante civil, que não é assistente, se subordina, como regra, às .posições tomadas pelos outros sujeitos processuais, salvo na parte da decisão contra si directamente proferida.».

25. É ainda de sentido convergente com o exposto o Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Janeiro de 1990, cfr .. Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo 1/ 1990, pág. 247, sendo as seguintes as duas primeiras proposições do sumário publicado:

«I - Não é admissível o recurso interposto pelo ofendido do despacho que não recebeu a acusação do M. P., ainda que ele tenha formulado pedido de indemnização pelos danos que sofrera.

II - O ofendido não é sujeito do processo, mas um mero participante processual. Por outro lado, o pedido de indemnização, embora enxertado na acção penal, conserva as características de verdadeira acção cível e a causa de pedir não é o crime, mas o dano sofrido pelo lesado. Daí a falta de legitimidade do ofendido para recorrer.».

26. Ainda o Acórdão da Relação de Coimbra, de 16 de Maio de 1996, Cfr. Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, tomo III/ 1996, pág. 44, sendo o seguinte o sumário publicado:

«O demandante cível não constituído assistente no processo crime não tem legitimidade para recorrer da sentença proferida no que concerne ao aspecto penal na parte em que esta directamente afecta a pretensão da tutela cível por ele deduzida.».

27. E ainda o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15 de/Dezembro de 2004, proferido no processo n.º 9350/04, 3.ª secção, relator Carlos Almeida, publicado em http://pgdlisboa.pt, com o seguinte sumário:

«Uma vez que o recorrente, não obstante ser ofendido nos autos e ter deduzido pedido cível, não requereu a sua constituição como assistente, carece de legitimidade para impugnar a decisão do Tribunal sobre a responsabilidade. criminal dos arguidos (artigos 420.º, n.º 1, e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP);

Por isso, e não tendo também sido interposto recurso nem pelo Ministério Público nem arguidos, deve considerar-se que se formou caso julgado quanto à parte criminal, o que impede o tribunal de alterar o, nessa parte, decidido. ».

28. Assim, e em conclusão, parece-nos pacífico o entendimento de que o recorrente carece de legitimidade para o recurso interposto.

29. O despacho proferido em primeira instância, que admitiu o recurso e declarou que o recorrente tem legitimidade, não vincula o Tribunal superior - art.º 414.º, n.º 3, do CPP.

30. Nos termos do disposto no art.º 414.º, n.º 2, do CPP o recurso não deveria ter sido admitido por falta, por parte do recorrente de uma condição necessária para recorrer, a legitimidade.

31. E isto deverá acarretar a rejeição do recurso, nos termos do disposto no art.º 420.º, n.º 1, do CPP, por remissão para o já referido art.º 414.º, n.º 2, do CPP.

Assim, deve o recurso ser rejeitado.

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SE TERÁ QUE CONSIDERAR QUE,

DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

32. É nosso entendimento que a prova produzida na audiência de discussão e julgamento se mostra devidamente apreciada/ pelo Exmo Dr. Juiz do Tribunal à quo, que a apreciou de forma atenta, cuidada, lógica e crítica, tendo vastamente exposto na motivação da sua Decisão, a valoração que fez a toda a prova produzida e o juízo de prognose que formulou.

33. Face ao poder jurisdicional do julgador, não obstante as alegações apresentadas pela recorrente, o certo é que a apreciação da prova está directamente relacionada com o “princípio da livre apreciação da prova” pelo julgador.

34. A recorrente, nas suas alegações, vem impugnar a matéria de facto decidida como provada na sentença recorrida.

35. Alegando, em síntese, que se deveriam ter considerados como provados, factos que foram decididos como não provados.

36. No entanto, a recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos previstos na Lei, atento o disposto nas alíneas a), b) ou e) do n.º 2 do art.º 410º e nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, ambos do C.P.P.

37. Não invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova, nem pede a reapreciação da prova - art.º 410, n.º 2 C.P.P.

38. Assim como, não especifica quais os pontos que considera mal julgados, não indicando as correlacionadas provas, não indicando também aquelas que deveriam ser renovadas - art.º 412º, n.º 3 e 4 C.P.P.

39. Não tendo a matéria de facto sido impugnada nos termos impostos pelas supra referidas normas legais, a decisão do Tribunal à quo sobre a matéria de facto não é susceptível de modificação, assim como, não poderá haver lugar a reapreciação da prova.

40. E mesmo que a matéria de facto tivesse sido impugnada nos termos impostos pelas supra referidas normas legais, s.m.o., é nosso entendimento que não assistiria qualquer razão à recorrente.

41. Pois a Douta Decisão proferida. pelo Tribunal à quo ao decidir como decidiu, pela absolvição dos arguidos, mostra-se em conformidade com a prova produzida e em respeito às normas legais aplicáveis, encontrando-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.

Conclui-se, assim, pela integral improcedência do pedido.

Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser:

- Reconhecida a ilegitimidade da recorrente, ora invocada;

Caso assim não se entenda, por razões que não se vislumbram,

- Deve ser mantida a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, pugnando-se pela improcedência do recurso interposto pela recorrente.

Com o que v. exas. farão, como sempre, a tão costumada justiça.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da falta de legitimidade do recorrente com a consequente rejeição do recurso, mais alegando que a decisão recorrida na sua fundamentação e no afastamento do dolo esquece a possibilidade de dolo eventual, que parece aqui ter ocorrido, pelo que, não fora a ilegitimidade deveria o recurso proceder.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, a recorrente respondeu afirmando a sua legitimidade com pertinente citação de jurisprudência.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

II. Questão Prévia – Legitimidade da Recorrente

O arguido e demandado A... na resposta ao recurso suscita a questão da legitimidade da demandante para recorrer, sendo seu entendimento que carece de legitimidade por não se ter constituido assistente, não podendo impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto.

No recurso a demandante impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, pretendo que se considere provado o facto que foi considerado não provado na decisão recorrida e que, em consequência, se condene o arguido pelo crime que lhe foi imputado e no pedido de indemnização cível deduzido.

Está em causa a interpretação do artigo 401º, nº 1 do Código de Processo Penal preceituando que “têm legitimidade para recorrer c) as partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas”.

            O Acórdão do STJ de 10.12.2008, publicado em www.dgsi.pt, incidentalmente aborda a questão e nos seguintes termos:
            “Na verdade a Lei 48/2007 introduziu um novo nº 3 no artigo 420 do Código de Processo Penal no qual, à revelia de entendimento jurisprudencial sustentado e fixado no acórdão 1/2002, se comina a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal.
            Mas, perguntamo-nos até que ponto se pode estender o conhecimento do tribunal de recurso, a pedido do recorrente do segmento cível, quando transitou em julgado a parte penal que julgou definitivamente a responsabilidade criminal?
            Entendemos que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal.

O recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável.

Nos  termos  do  artº  71º  do  CPP,  «o  pedido  de  indemnização  civil  fundado  na  prática  de  um  crime  é  deduzido  no  processo  penal  respectivo,  só  o  podendo  ser  em  separado,  perante  o  tribunal  civil,  nos  casos  previstos  na  lei”.

Trata-se de uma manifesta interpretação restritiva do preceito acima citado, posto que não só é decisão proferida contra parte civil a relativa ao prejuízo como aquela que não reconhece os pressupostos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência do facto ilícito.

Mais recentemente o STJ pronunciou-se mais detalhadamente sobre a questão no Acórdão de 23.2.2012, proferido no processo 296/04.9TAGMR.G1.S1, publicado no mesmo local, nos seguintes termos:

A  pessoa  que  considera  ter  sofrido  danos  ocasionados  pelo  crime  -  o  lesado,  na  definição  do  artº  74º  nº  1  -  pode  ou  não  ter  direito  de  se  constituir  assistente,  pois  nem  sempre  quem  sofre  danos  ocasionados  pela  prática  de  um  crime  se  encontra  numa  das  situações  previstas  no  artº  68~  nº  1,  ambos  do  mesmo  diploma  legal.

Mas  o  facto  de  o  lesado  não  ter  a  qualidade  de  assistente  em  nada  diminui  as  possibilidades  de  fazer  valer  a  pretensão  que  apresenta  no  processo:  a  condenação  do  requerido  civil  a  indemnizá-lo  pelos  prejuízos  sofridos  com  a  prática  do  crime.  É  assim  que  o  n"  2  do  art"  74º  lhe  garante  intervenção  processual  destinada  «à  sustentação  e  à  prova  do  pedido  de  indemnização  civil,  competindo-lhe,  correspondentemente,  os  direitos  que  a  lei  confere aos assistentes».

Fundando-se  o  pedido  de  indemnização  civil  na  prática  de  um  crime,  os  factos  que  preenchem  a  infracção  criminal  e  que,  por  isso,  constam  da  acusação  integram  simultaneamente  a  causa  de  pedir  da  acção  civil.  São,  pois,  factos  comuns  à  acção  penal  e  à  acção  civil.

O  direito  de  sustentar  e  provar  o  pedido  civil  abrange  também,  portanto,  os  factos  descritos  na  acusação  como  integrando  o  crime  aí  imputado  aos  arguidos,  desde  que  o  requerente  os  tenha  alegado,  autonomamente,  como  no  caso,  ou  por  remissão  para  a  acusação.  Num  e  noutro  são  factos  do  pedido civil,  estando  garantido  ao  lesado  o  direito  de  os  sustentar  e  provar,  à  luz  daquela  norma.

E  esse  direito  há-de  poder  ser  feito  valer  tanto  perante  o  tribunal  que  julgou  em  lª  instância  como  perante  o  tribunal  de  recurso,  sendo  este  admissível.  De  outro  modo,  o  direito  ao  recurso,  apesar  de  consagrado  na  lei,  como  no  caso,  de  pouco  valeria.  Na  verdade,  se  não  fosse  permitido  ao  lesado,  nos  casos  de  admissibilidade  de  recurso,  discutir  perante  o  tribunal  superior  a  decisão  do  tribunal  de  1ª  instância  de  considerar  não  provados  factos  que  são  fundamento  do  pedido  de  indemnização,  isso  equivaleria  a  negar-lhe  a  possibilidade  de  sustentar  e  provar  o  pedido  civil.  De  que  serviria,  com  efeito,  numa  tal  hipótese  a  afirmação  da  sua  legitimidade  para  recorrer,  se  não  pudesse  no  recurso  impugnar  a  decisão  de  considerar  não  provados  factos  que  alegou  e  são  determinantes  para  a  procedência  do  seu  pedido?  A  resposta  é  uma  só:  de  nada.

Nem  se  compreenderia  que  os  meios  para  o  requerente  civil  poder  fazer  vingar  a  sua  pretensão  fossem  diferentes  conforme  o  pedido  fosse  deduzido  no  processo  penal  ou  em  separado,  perante  o  tribunal  civil,  podendo  neste  caso,  em  função  do  valor  da  alçada  e  da  sucumbência,  discutir  em  recurso  a  decisão  negativa  sobre  factos  que  são  fundamento  do  pedido,  e  não  naquele.

E  não  se  diga,  como  faz  o  acórdão  recorrido,  que  «cabe  ao  ofendido  optar  por  formular  o  pedido  de  indemnização  civil  no  âmbito  do  processo  penal  ou,  face  ao  disposto  no  72º  C.P.  Penal,  deduzir  em  separado,  instaurando  a  competente  acção  civel»,  porque,  por  um  lado,  a  opção  pela  dedução  do  pedido  em  separado  não  depende  em  muitos  casos  da  vontade  do  lesado  e,  por  outro,  sendo  a  acção  a  mesma,  intentada  no  processo  penal  ou,  em  separado,  perante  o  tribunal  civil,  por  ser  o  mesmo  o  direito  a  fazer  valer,  os  meios  de  defesa  desse  direito  hão-de  ser  também,  os  mesmos,  não  havendo  qualquer  fundamento  para  variarem  em  função  da  natureza  do  processo.

De  igual  modo,  não  é  de  subscrever  a  afirmação  do  tribunal  recorrido  de  que  o  ofendido,  «se  pretender  deduzir  o  pedido  de  indemnização  civil  no  processo-crime  e  ter  uma  intervenção  mais  ampla,  nomeadamente  em  termos  de  recurso,  tem  a  faculdade  de  se  constituir  assistente».  Como  se  disse,  o  lesado  pode  não  ser  ofendido  e,  nesse  caso,  não  tem  o  direito  de  se  constituir  assistente.  E,  de  qualquer  modo,  no  âmbito  do  pedido  civil,  não  passa  a  ter  «uma  intervenção  mais  ampla,  nomeadamente  em  termos  de  recurso»,  pelo  facto  de  ter  a  qualidade  de  assistente.  A  constituição  como  assistente  tem  efeitos  apenas  no  âmbito  da  acção  penal,  sendo  inócua  em  matéria  civil.  Não  é  pelo  facto  de  não  ser  assistente  que  o  lesado  não  pode  defender  em  toda  a  sua  extensão  a  pretensão  indemnizatária,  como  se  vê  do  citado  art"  74º,  nº  2.

É  claro  que  em  casos  como  o  presente,  em  que  houve  absolvição  da  acusação  e  do  pedido  civil,  por  não  se  terem  provado  factos  que  eram simultaneamente  integrantes  do  crime  em  que  se  funda  o  pedido  de  indemnização  e  da  causa  de  pedir  deste,  e  a  decisão  de  absolvição  na  parte  criminal  se  estabilizou,  por  dela  não  ter  sido  interposto  recurso  por  quem  tinha  legitimidade,  a  possibilidade  de  o  requerente  civil  discutir  em  recurso  esses  factos,  enquanto  fundamento  do  seu  pedido,  pode  conduzir  à  situação  em  que  determinados  factos  sejam  tidos  como  não  provados,  em  sede  criminal,  e  como  provados,  no âmbito  de  pedido  civil.

Mas  uma  tal  situação  não  pode  impressionar,  pois  as  duas  acções,  a  penal  e  a  civil,  conservam  a  sua  autonomia.  A  incongruência,  a  verificar-se,  é  o  resultado  de  não  ter  sido  interposto  recurso  na  parte  penal,  sendo-o  na  parte  civil.

A  lei  prevê  a  possibilidade  da  ocorrência  dessa  incongruência  em  certas  situações,  entre  as  quais  cabe  a  de  não  ter  sido  interposto  recurso  da  parte  penal  da  sentença,  sendo-o  na  parte  civil  pelo  demandado,  e  soluciona-a,  porque  não  podia  deixar  de  ser  solucionada.

Com  efeito,  nos  termos  do  artº  402º,  nº  2,  alínea  b),  do  CPP,  o  recurso  interposto  pelo  responsável  civil  «aproveita  ao  arguido,  mesmo  para  efeitos  penais».  Desta  norma  resulta  que,  havendo  condenação  em  1ª  instância  do  arguido  pela  prática  de  um  crime  e  do  demandado  civil  em  indemnização,  por  se  terem  dado  como  provados  os  factos  que  integram  tanto  a  infracção  criminal  como  a  causa  de  pedir  do  pedido  de  indemnização,  se  o  arguido  não  interpuser  recurso,  transitando  em  julgado  a  sentença  na  parte  penal,  mas  o  interpuser  o  requerido  civil,  obtendo  do  tribunal  superior  uma  decisão  que  considera  não  provados  os  factos  em  que  se  .funda  o  pedido  civil,  deparar-nos-emos  com  a  situação  seguinte:  os  mesmos  factos  estão  dados  como  provados  na  parte  penal  e  como  não  provados  na  parte  civil,

Aqui,  por  imperativos  inalienáveis,  para  impedir  a  condenação  penal  de  um  inocente,  a  lei  resolve  a  incongruência  fazendo  valer  relativamente  à  acção  penal  a  decisão  que,  em  recurso  da  parte  civil,  considerou  não  provados  factos  que,  sendo  fundamento  do  pedido  de  indemnização,  são  ao  mesmo  tempo  integrantes  do  crime  pelo  qual  o  arguido  fora  condenado.  E  fá-lo  porque  a  decisão  de  facto  do  tribunal  de  recurso  é  favorável  à  posição  do  arguido,  afirmando  que  não  se  provaram  os  factos  que  sustentaram  a  sua  condenação  penal.  Nessa  situação,  estando  afirmado  no  processo,  ainda  que  no  âmbito  da  acção  civil,  que  não  se  fez  prova  de  o  arguido  haver  praticado  o  crime  pelo  qual  foi  condenado,  seria  insuportável  para  a  ordem  jurídica  a  manutenção  dessa  condenação.

Se  nesse  caso,  de  recurso  só  da  responsabilidade  civil,  este  pode  impugnar  a  decisão  de  dar  como  provados  os  factos  que  fundamentam  o  pedido  civil  e  integram  o  crime  pelo  qual  o  arguido  foi  condenado,  não  obstante  este  não  ter  recorrido,  transitando  em  julgado,  no  âmbito  penal, aquela  decisão,  ainda  que  o  trânsito  seja  parcial,  não  há  razão  para  que,  em  situações  como  aquela  em  que  nos  deparamos,  de  absolvição  da  acusação  e  do  pedido  civil,  havendo  recurso  apenas  do  lesado,  este  não  possa  discutir  em  recurso  a  decisão  que  deu  como  não  provados  os  factos  que,  sendo  integrantes  do  crime  pelo  qual  o  arguido  foi  absolvido,  são  também  fundamento  do  pedido  de  indemnização.  A  diferença  está  apenas  em  que  neste  caso  não  se  tirarão  consequências  em  sede  penal  da  eventual  procedência  do  recurso,  por  nenhumas  se  poderem  tirar.

A  incongruência  que  então  subsiste  é  preferível  à  alternativa  defendida  na  decisão  recorrida,  que  significaria  o  sacrifício  da  possibilidade  de  o  requerente  civil  defender  eficazmente  a  pretensão  indemnizatária  em  nome  de  considerações  de  ordem  meramente  formal.  E  então  o  princípio  de  adesão  falharia  um  dos  seus  propósitos,  que  é  o  de  protecção  da  vitima,  permitindo-lhe,  nas  palavras  de  Figueiredo  Dias,  «uma  realização  mais  rápida,  mais  barata  e  mais  eficaz  do  direito  (.  .  .)  à  indemnização»  (Direito  Processual  Penal,  I,  197  4,  página  562).  Onde  estaria  essa  «realização  mais  eficaz  do  direito  à  indemnização»  se  a  dedução  do  pedido  civil  no  processo  penal  representasse,  em  relação  à  sua  instauração  nos  tribunais  civis,  um  tal  recrutamento  das  possibilidades  de  o  defender,  a  eliminação,  na  prática,  de  o  sustentar  em  recurso,  quando  este  fosse  admissivel?»  Ac.  STJ  de  23-02-2012  disponível  em  www.dgsi.pt.

Assim  e  como  inicialmente  referido  os  recorrentes  são  parte  legitima,  podendo  impugnar  a  matéria  de  facto  dependente  da  procedência  do  pedido  de  indemnização  civil  por  eles  formulado  e  apenas  nessa  medida.

Quanto  que  à  condenação  crime,  obviamente,  enquanto  meros  demandantes  civis,  carecem  de  total  legitimidade  para  a  peticionarem."
            Acolhemos inteiramente este entendimento que por um lado não restringe o conteúdo do artigo 401º, nº 1, alínea c), mas por outro lado respeita a limitação imposta pelo artigo 402º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal. Porque ocorreu absolvição penal, a procedência da impugnação da matéria de facto nunca poderá conduzir à revogação da decisão absolutória penal, como decorre do último preceito citado, apenas permitindo que dos recursos interpostos por partes civis se extraiam consequências favoráveis e nunca desfavoráveis para os arguidos.

Em suma se conclui que a recorrente tem legitimidade para recorrer nos termos em que o faz, mas os efeitos do recurso estão limitados ao pedido cível, não podendo afectar a decisão penal, segmento que não é susceptível de recurso por parte civil.

Com esta limitação se apreciará o recurso interposto.


***

III. Fundamentos da Decisão Recorrida

Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto:

FACTOS:

Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. Os arguidos eram sócios da sociedade E... , Lda, cabendo a gestão da sociedade ao arguido A... ;

2. Nessa qualidade e em representação da arguida B... , no dia 19.10.2012, perante a conservadora da 1.ª Conservatória de Registo Comercial de Leiria, o arguido A... declarou que a sociedade acima indicada não possuía qualquer activo ou passivo a partilhar e que as contas tinham sido encerradas e aprovadas naquele mesmo dia, pelo que a declarava liquidada;

3. E requereu no mesmo acto a instauração de processo especial de extinção imediata daquela sociedade;

4. Esta declaração ficou lavrada num auto de extinção imediata;

5. A sociedade E... , Lda. foi dissolvida e a respectiva matrícula cancelada no dia 19.10.2012;

6. Nesta data, a sociedade ainda era devedora à sociedade C... , S.A., por fornecimento de bens, titulado pelo contrato datado de 29.06.2011, num total de €11.926,50, acrescido de juros de mora;

7. Dívida que foi objeto de processo de injunção com o n.º 171967/12.7YIPRT;

8. A arguida B... trabalha na D... como consultora imobiliária, como comissionista; recebe €400 de pensão de alimentos, paga pelo ex-marido e aqui arguido; tem três filhos a seu cargo;

9. Os arguidos não têm antecedentes criminais.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A..

MOTIVAÇÃO:

O arguido não compareceu em audiência de julgamento, razão por que não foi ouvido em declarações.

A arguida esclareceu a sua situação económica e de vida com credibilidade, tendo exercido validamente o seu direito ao silêncio quanto aos factos imputados.

P... , funcionário da empresa ofendida, referiu que efetivamente a empresa representada pelos arguidos, E... , ficou a dever a quantia de €11.926,50, e juros, à firma C... , pelo fornecimento de equipamentos vários que especificou, o que tudo ficou descrito em duas facturas respectivas juntas aos autos, depois de apenas ter sido pago parte das mesmas nos montantes de €2.648,86 a 26.05.2011 e de €1.141,84 a 28.07.2011, especificando que se tentou a regularização dessa quantia juntos dos arguidos, por carta e por telefone, sem o conseguir, tendo o último contacto ocorrido a 21.11.2011, tendo depois tomado conhecimento em 04.04.2012 que a sociedade E... foi dissolvida, precisando que o referido montante ficou por pagar até ao momento; precisou que o montante facturado das duas facturas ascendeu a cerca de €19.000, tendo sido emitidas pela ofendida duas notas de crédito a 02.07.2012 referentes a descontos.

L... , escriturária da ofendida, esclareceu o montante em dívida da E... à C... , tendo chegado a falar com a arguida já em Junho ou Agosto de 2012, a qual reclamava que o desconto “não estava bem”, razão por que foram emitidas notas de crédito, ficando o montante final de €11.926,50 por pagar até hoje.

J... , comercial, referiu ter feito negócios e recebido “a sua parte” por conta do arguido, explicando que era este quem geria a sociedade E... , explicando que com a sociedade ofendida eram feitos negócios de compra direta à C... e negócios com clientes de Moçambique, tendo tido conhecimento que o arguido ficou por receber da firma ofendida comissões, explicando que chegou a reunir cerca de cinco ou seis vezes com o representante da firma ofendida para tratar de assuntos de negócios com clientes de Moçambique, precisando o nome dos mesmos, desconhecendo embora quais os montantes das comissões auferidas pelo arguido por tais negócios.

Considerou-se, ainda, conjugadamente, o teor da queixa de fls. 1 a 6, o teor do “auto de extinção imediata” de fls. 7 e 8, o teor da procuração de fls. 9 e 10, o teor dos elementos referentes à instauração de injunção de fls. 12 a 15, 179 a 182, 310 a 338, o teor da certidão permanente da sociedade E... de fls. 24 a 31 (e fls. 122 a 126), o teor da factura e do certificado de exportação de fls. 82 a 89, 169 a 177, o teor do extrato de conta corrente da sociedade E... de fls. 134, o teor do inventário de bens desta sociedade de fls. 140-1, e o teor dos CRC´s dos arguidos de fls. 357 e 359 quanto à ausência de antecedentes criminais.

Da prova produzida considerada no seu conjunto, não resultou de forma inequívoca e consistente que a arguida gerisse a empresa E... , sendo certo que não outorgou na procuração em causa nos autos e, apesar de o arguido estar munido de poderes para dissolver a empresa em causa, os mesmos não o autorizaram a prestar falsas declarações perante conservador em nome da arguida, sendo ainda certo que a mesma não estava presente aquando da produção da declaração que conduziu à extinção da empresa, razão por que se entende que a mesma não pode ser responsabilizada pelos factos imputados, os quais, quanto a si, na parte acima destacada, foram julgados como não provados; quanto ao arguido, a prova produzida não foi concludente: se é certo que se apurou que o mesmo declarou perante conservador do registo comercial que na data acima indicada a sociedade E... não era devedora a terceiros, o certo é que embora resultem indícios de que devesse à ofendida C... S.A. a quantia de €11.926,50, a demais prova produzida não permitiu alcançar um grau de certeza que o arguido, aquando da declaração ajuizada, o tivesse feito sabendo que devia; com efeito, existiam negócios entre o arguido e a empresa C... , S.A. como referiu a testemunha J... , tendo ficado por regularizar comissões alegadamente devidas ao arguido, desconhecendo-se se as mesmas eram ou não efetivamente devidas, sendo certo que, a serem, em montante que se desconhece, colocam em crise a conclusão imediata e apodíctica de que tenha proferido uma declaração maliciosa, visando prejudicar a ofendida (e, nesta sequência, permite inferir que possa haver “encontro de contas” a realizar, “atirando” a dívida dos autos para a área de discussão meramente civil, sem qualquer conexão com um ilícito típico jurídico-penal); por outro lado, houve pagamentos parciais por conta da dívida inicial que não se mostram clara e convenientemente vertidos nos autos, porque não especificados; e sendo ainda certo que apesar de a instauração da injunção ter sido feito em momento anterior à dissolução da sociedade, a notificação ao arguido dessa injunção tendente à cobrança coerciva do crédito reclamado pela ofendida foi em momento posterior à declaração de dissolução (vd. fls. 310), o que não nos informa, com segurança e certeza, sobre se o arguido ao fazer a declaração junto do conservador estava efetivamente animado pelo intuito de fazer falsas declarações ou se, por outro lado, estava convencido de que nada devia à mesma ou a qualquer outro terceiro credor, tanto mais que inexiste talão de aviso de recepção assinado referente à notificação para proceder ao pagamento, constante dos autos (fls. 178), razão por que os factos acima indicados foram julgados como não provados, por funcionamento do princípio do in dubio pro reo, por verificação de dúvida séria e objetiva sobre a verificação dos factos tal como descritos na acusação.


***

IV. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).

Como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).

Vistas as conclusões do recurso interposto a questão de que importa conhecer é a seguinte:

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo a mesma ser alterada nos termos indicados pela recorrente com a consequente condenação do demandado no pagamento da indemnização peticionada.
           
            Apreciando:
             O recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre matéria de facto pretendendo que sejam considerado provado o facto não provado constante da decisão recorrida:

“Não se apurou que os arguidos tenham agido livre, voluntária e conscientemente, sabendo que estavam a declarar factos que não correspondiam à verdade, com intenção de afastar a sociedade da responsabilidade pelo pagamento de dívidas, nomeadamente à ofendida C... , S.A..”

            Limita, porém, o objecto da impugnação ao arguido A... posto que a final apenas pede a condenação deste no peticionado civilmente.

            No seu entender, em face dos depoimentos das testemunhas L... e J... , funcionários da demandante e do teor vago do depoimento da testemunha J... referindo a existência de comissões que nunca foram invocadas perante aqueles, devia o Tribunal ter considerado como provado o facto não provado.
            Vejamos.
            Importa começar por precisar que em processo penal, mesmo relativamente a matéria civil, em grande parte coincidente com a matéria penal, valem os princípios probatórios do processo penal. A prova documental e oral produzida está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova contido no artigo 127º do CPP, liberdade que se não confunde com arbitrariedade ou convencimento puramente subjectivo porque adstrita à análise dos conteúdos probatórios segundo as regras da experiência com o limite imposto pelo princípio constitucional da presunção de inocência que, ao nível probatório, tem expressão no princípio in  dubio pro reo.
            Por outro lado, em processo penal nunca existe qualquer ónus da prova por parte do arguido, mesmo em relação a factos excludentes da ilicitude ou da culpa, o que é decorrência directa do princípio in dubio pro reo que, no limite e perante dúvida, impõe até que se considere provada a tese favorável ao arguido se tal for necessário para excluir a sua responsabilidade penal (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 4ª ed., págs. 81 a 85).
            Acresce que o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, apenas se podendo indagar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável no teor da prova produzida e sempre que o tenha deve ser mantida, não podendo ser  susbtítuida pela convicção não imediada do tribunal de recurso sem uma patente desconformidade entre o teor da prova e a convicção expressa na decisão recorrida, quer porque esse teor contraria directamente a convicção, quer porque foi analisada em flagrante ofensa das regras da experiência quando se trate de prova sujeita ao princípio de livre apreciação previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
             Está em causa saber se o arguido agiu com intenção de prejudicar a demandante ou teve a percepção de que a podia prejudicar quando declarou perante conservador do registo comercial que a sociedade que representava não era devedora a terceiros.
            Foi considerado como provado que na data de  tal declaração a sociedade representada pelo arguido devia à sociedade demandante 11.926,50 euros e juros de mora.
            A convicção negativa do Tribunal recorrida que é questionada no recurso assentou essencialmente na existência de depoimento da referida testemunha J... no sentido de que existiam comissões por regularizar de que seria credor o arguido com possível encontro de conta a realizar, sendo que a instauração de injunção para cobrança da dívida é posterior à declaração em causa. Realça o Tribunal que perante o exposto a demais prova produzida não permitiu alcançar grau de certeza sobre a realidade dos factos que consignou como não provados.
            Sendo certo que a prova de um facto em processo penal exige a certeza da sua ocorrência, não consentindo qualquer dúvida, por menor que seja, resolvida contra o arguido, cabe questionar se o depoimento em causa justifica a existência de dúvida ou se perante os restantes depoimentos e prova documental não existe espaço para juízo dubitativo.
            A testemunha J... efectivamente referiu no seu depoimento que o arguido em determinada altura angariou vários clientes para a sociedade demandante e que o fazia mediante comissão acordada de valor não inferior a 20% do valor dos negócios, tendo existido vários e um deles de valor entre 50 e 60 mil euros. Como referiu que mais tarde e a propósito deste processo o arguido lhe referiu que as comissões nunca lhe foram pagas e deviam ser consideradas em acerto de contas, não tendo a testemunha sabido precisar se essas comissões eram devidas ao arguido ou à sociedade que representava. O alegado conhecimento derivou de ter trabalhado como freelancer para a sociedade do arguido e ter intervindo em negócios da E... , estando frequentemente em contacto com o arguido e também com a sociedade demandante.
            Compulsados os depoimentos das testemunhas P... e L... , não encontramos conteúdos que decisivamente possam desmentir o depoimento anterior, podendo perfeitamente a eventual dívida de comissões existir sem o seu conhecimento, sendo certo que a última a propósito da dívida dos autos sempre contactou com a arguida que não estaria a par dos negócios como a própria referia dizendo que teria que contactar o responsável; o arguido, não podendo ser decisivo que nesses contactos nunca a arguida se tenha referido à necessidade de acerto de contas.
            Também na documentação junta aos autos se não pode divisar qualquer contributo decisivo para desmentir a existência de um eventual crédito por parte da sociedade representada pelo arguido.
            Pelo que se conclui que a prova produzida é susceptível de gerar a dúvida que fundamentou a convicção negativa do Tribunal recorrida sobre o facto que considerou não provado, dúvida que é tanto é fundada em relação à intenção de prejudicar, como em relação à consciência da possibilidade de prejudicar a demandante com a declaração da não existência de dívidas.
            Por consequência não reconhecemos o apontado erro de julgamento da matéria de facto, havendo que manter a decisão recorrida nos seus precisos termos, improcedendo o recurso. 

***
            IV. Decisão 
            Nestes termos acordam negar provimento ao recurso interposto pela demandante civil, mantendo a sentença recorrida.
            Pelo seu decaimento em recurso condenam a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro UC.
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Coimbra, 15 de Março de 2017
(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunta)