Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
385/15.4GCVIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JC CRIMINAL-J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 6.º, 16.º E 44.º, DA LEI Nº 34/2004, DE 29-07
Sumário: I – Tendo o pedido de apoio judiciário sido formulado depois da publicação da sentença, mas antes do seu trânsito, está o mesmo em tempo.

II – O deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1ª instância, produz os respectivos efeitos em todo o processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


1) No âmbito do processo acima identificado, foi o agora recorrente … condenado por sentença de 24 de Maio de 2017, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a., do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
2) Em 31 de Maio de 2017 requereu à Segurança Social a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, bem como do pagamento da compensação do defensor oficioso, o qual foi concedido por decisão de 10 de Julho de 2017.
3) O arguido não interpôs recurso da sentença, tendo a mesma transitado
4) A decisão da Segurança Social foi comunicada ao tribunal em 14 de Julho de 2017
5) Em 8 de Novembro de 2017, subsequentemente à promoção do Ministério Público, o tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Pese embora o teor da decisão de fls. 858[[1]], na sequência das razões aduzidas pela Ex.ma Procuradora, as quais damos por reproduzidas, concordando com a posição assumida, no sentido de que o art. 44°, nº l, parte final, da Lei do Apoio Judiciário, deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que o apoio judiciário requerido após a prolação da sentença ou acórdão final, como foi o caso, apenas poderá abranger a fase do recurso, não tendo o arguido … interposto recurso, não poderá o mesmo ficar dispensado de proceder ao pagamento das custas já liquidadas ou em curso de liquidação.”
6) Inconformado, o arguido recorreu motivando o recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O Recorrente não se conforma com a decisão do presente despacho, referente ao pedido do apoio judiciário solicitado.
2. Nos presentes autos foi o arguido detido para 1.º interrogatório a 06-06-2015 (sábado), e, ainda detido foi-lhe comunicado que, provisoriamente, tinha direito a apoio judiciário, e foi-lhe nomeado a Ilustre Defensora Oficiosa, Dr.ª …, com carácter provisório e dependente da concessão de apoio judiciário pelos serviços da S. Social.
3. O arguido foi condenado por acórdão proferido(depositada) a 24-05-2017 (14h30m), decisão já transitada em julgado.
4. A 31-05-2017, o arguido requereu a concessão de apoio judiciário junto dos serviços da S. Social, o qual lhe foi deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação a defensor oficioso.
5. Sobre a concessão do apoio judiciário ao arguido pronunciou-se o Ministério Público nos termos da vista de fls. com a ref.ª 80941405 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) pugnando pela interpretação de que em processo penal a protecção jurídica só pode ser requerida até ao trânsito em julgado da decisão final desde que o requerente pretenda aceder ao direito e aos tribunais. Requer o Ministério Público que se desatenda a produção de quaisquer efeitos do deferido apoio judiciário.
Foi dado despacho, pugnando nesse mesmo sentido, na Conclusão de 08.11.20 com a ref.ª 80952576, (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
6. Em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a posição aqui defendida pelo Ministério Público e pela doutrina e jurisprudência citadas não é a que melhor se ajusta às finalidades do art. 20.º da C.R.P. e do art. 1°, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, em conjugação com o art. 15.º, al. e), do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.).
Com efeito, julgamos mais consentâneas com os objectivos das “supra” referidas normas as seguintes decisões:
- Acórdão do T.R.Coimbra de 23/11/2010 (em www.dgsi.pt - Processo n.º 43/10.6GDAND- A.C.1) em cujo sumário se lê que:
“Prevendo a lei a possibilidade de o apoio judiciário ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final e sendo esse benefício concedido pelos serviços competentes para o efeito, não pode o tribunal opor-se com base num diferente entendimento sobre as circunstâncias em que tal benefício poderia ser requerido”.
- Acórdão do T.R.Coimbra de 09/04/2008 (em www.dgsi.pt - Processo n.º 134/06.8GASRE- AC.1) em cujo sumário se lê que:
“1. A lei é muito clara nesse aspecto - o apoio judiciário deve ser requerido até ao trânsito em julgado da decisão final (artº 44°, nº 1 da Lei n. 0 34/04) -, não havendo qualquer restrição no caso deste ser formulado após a sentença. 2. Assim sendo, tendo tal apoio sido requerido antes do trânsito da sentença proferida e tendo o mesmo sido deferido, não pode o tribunal vedar o acesso a esse benefício só porque tem um diferente entendimento sobre as circunstâncias em que aquele podia ser requerido, ignorando que a competência para essa concessão é agora dos serviços de segurança social”. (sublinhado nosso). - Acórdão do T.R.Guimarães de 1010312011 (em www.dgsi.pt - Processo n.º 39/09.0PABRG.AGl), ou mesmo o Acórdão do T.R.Guimarães de 16/3/2009 em www.dgsi.pt - Processo n.º 205/07.3GAPTL- A.Gl) (subscreve e mantêm o entendimento do acórdão do T.R.Guimarães de 31/10/2005 “supra” referido) em cujo sumário se lê que:
“I - Actualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. II - Se deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento”.
7. Até porque, o ponto 4.2.1, na página 3 do requerimento de pedido de apoio judiciário, quando é solicitado pelo arguido, o mesmo, nem precisa de preencher a oportunidade do pedido.
8. A interpretação restritiva que o Ministério Público defende levaria, em nosso entender, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a que, na prática, os arguidos detidos em flagrante delito, por ex., (artigo 256.º do C.P.Penal), apresentados de imediato ao Ministério Público e por este a julgamento em processo sumário (artigos 381°, 382.º e 387.º do C.P.Penal) nunca pudessem aceder ao apoio judiciário, pois nunca tiveram oportunidade, antes da audiência de julgamento, e em rigor (artigo 389º, n.º 6. do C.P.Penal), antes da condenação) de se deslocar aos serviços da S.Social e requerer o apoio judiciário. Seria a total e completa denegação do acesso ao apoio judiciário por estes arguidos desde o princípio até ao fim do processo.
9. Por outro lado ainda, a interpretação da Lei n.º 34/2004, de 29/07, na redacção da Lei nº 47/2007, de 28/8 no sentido de que a concessão do benefício de apoio judiciário só se justifica nos casos em que o arguido necessite de despender determinadas quantias para defender os seus direitos [neste sentido, a título de exemplo, o acórdão do T.R.Coimbra de 18-11-2009 (em www.dgsi.pt - Processo n.º 207/07.0GCPBL.C1) e o acórdão do T.R.Coimbra de 28-01-2010 proferido no processo n.º 491/08.lGBAND.Cl deste Juízo de Instância Criminal), em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, esbarra frontalmente com o art. 15º, al. e), do R.C.P. A ser deste modo, desde a entrada em vigor do R.C.P., nunca seria admissível a concessão do apoio judiciário ao arguido, por desnecessário.
10. Com efeito, à luz do R.C.P. os arguidos estão sempre dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, pelo que não têm que despender previamente qualquer quantia para defender e exercer os seus direitos, logo, de acordo com esta interpretação, nunca se verifica em processo penal a necessidade de conceder aos arguidos o benefício do apoio judiciário.
11. Em síntese, face ao R.C.P., a concessão do apoio judiciário visa efectivamente e apenas o não pagamento de custas pelo arguido que não reúne condições económico-financeiras para o efeito, seja qual for a fase processual em que o mesmo é requerido junto dos serviços da S.Social (até ao trânsito em julgado), pois ao longo de todo o processo nunca é exigido ao arguido o prévio pagamento de qualquer quantia para o exercício dos seus direitos de defesa.
12.Pelo que em nosso entender:
1) Actualmente, o apoio judiciário pode ser requerido pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância;
2) Se deferido pelos serviços da S.Social, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.
3) No nosso caso concreto:
O arguido requereu o apoio judiciário antes do termo do prazo de recurso da sentença condenatória pelo que dentro do prazo legal, devendo, portanto, o Tribunal observar o que foi decidido no âmbito do procedimento administrativo que correu termos nos serviços da S.Social.
13. Ao se decidir, como se decidiu, violou-se o n.º 1 do art. 1.0 (finalidades) da Lei n.? 34/2004, na redoeção da Lei 47 /2007, de 28.08 onde diz que: “O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.”
14. Constatando-se que o pedido de apoio judiciário foi deferido por quem tinha competência para o fazer, afigura-se-nos que não poderá, nem deverá o Tribunal pronunciar-se sobre o seu deferimento e sobre as consequências desse deferimento, limitando o seu alcance, por carecer de legitimidade e competência para o fazer.
15. O apoio judiciário requerido em processo Comum (colectivo), após a prolação da sentença, mas antes do respectivo trânsito em julgado - ou seja, durante o prazo de recurso da decisão de 1ª instância, abrange as custas anteriores.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha o pedido de apoio judiciário requerido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso.”
Respondeu o Ministério Público concluindo (transcrição):
“1ª - Como por todos reconhecido e previsto no art.º 1, n.º1 da Lei 34/2004 de 29/7, em consonância com o prescrito no artigo 20 da CRP, de que é concretização, o apoio judiciário destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
2ª - Já não relevará, assim, para efeitos de, após o julgamento da causa e a condenação em custas, se obter a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa.
3ª - Tal entendimento, apesar de actualmente minoritário na jurisprudência é, salvo o devido respeito, o único que se compatibiliza com o prescrito no art. 9 do CC. e a génese e finalidade do instituto do apoio judiciário.
4ª - Alega o recorrente (tal como a jurisprudência em que se fundamenta) que, à luz do R.C.P. os arguidos estão sempre dispensados do pagamento prévio de taxa de justiça, não tendo que despender previamente qualquer quantia para defender e exercer os seus direitos, pelo que, seguindo a interpretação do Tribunal recorrido, nunca se verificaria, em processo penal, a necessidade de conceder aos arguidos o benefício do apoio judiciário.
5ª - Acontece que, na defesa dos direitos não está apenas em causa o pagamento prévio, mas também o pagamento a final pelo exercício do direito, pretendendo-se possibilitar ao arguido a sua não retracção, relativamente ao exercício de determinadas defesas, em virtude das custas que tenha de vir a pagar pelo seu exercício, caindo, assim, por terra o referido argumento formal.
6ª - Nem se diga que, com a interpretação restritiva que se sufraga na douta decisão recorrida, fica negada a possibilidade de ser requerido o apoio judiciária no caso dos arguidos detidos para julgamento em processo sumário, aos quais pode não ser concedido tempo para requererem o apoio judiciário antes do julgamento e da sentença, sendo certo essa é uma situação especial (que não é a dos autos!) e que pode bem demandar tratamento especial e, de todo o modo, nada impede que o arguido faça constar em acta no início da audiência de julgamento a sua vontade de requerer apoio judiciário junto da autoridade administrativa.
7ª - Nem se diga também que não tem o Tribunal competência material para decidir sobre tal matéria, porquanto o que está em causa não é qualquer decisão de concessão/indeferimento ou revogação do apoio judiciário, da competência material da autoridade administrativa, o que está em causa é pura e simplesmente a aplicação da decisão que concedeu o apoio judiciário nos autos, cabendo ao julgador fazer tal aplicação.
8ª - Ao afirmar que o apoio judiciário concedido ao requerente não tem a virtualidade de o dispensar do pagamento das custas em que já foi anteriormente condenado, valendo apenas para o futuro, o Juiz não está a revogar o apoio judiciário concedido ao requerente, mas, apenas, a proceder á aplicação da decisão no processo.
9ª - Aliás, a decisão de apoio judiciário, não servindo para dispensar de pagamento de custas em que já se foi condenado, não deixa de ter relevância no processo, podendo ser determinante para a liquidação (em maior ou menor montante) dos honorários devidos pelo arguido, nos termos do artigo 4 a 9 do artigo 39 da Lei Apoio Judiciário.
10ª - De sublinhar também que os arguidos não têm que fornecerá autoridade administrativa, para a concessão do apoio judiciário, qualquer informação que não tivessem que ter já fornecido ao Tribunal, conforme previsto no artigo 39 da Lei Apoio Judiciário, o que se alega por mera cautela, porquanto já se viu defender a inconstitucionalidade da interpretação restritiva do artigo 44 da citada Lei, com fundamento na necessidade de apresentação de tais elementos á autoridade administrativa num momento em que o arguido não é obrigado a «prestar declarações», o que para nós não faz qualquer sentido, até pela razão que se indicou.
11ª - Aliás, como se escreve no Ac. TC Acórdão 215/2012, de 25 de Maio 2012 publicado no DIARIO DA REPUBLICA - 2.ª SERIE, Nº 102, de 25.05.2012, Pág. 18907, embora a propósito de questão diversa, mas tendo, nessa parte aqui integral cabimento: «no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa.»
12ª - Alega-se também por vezes (embora o recorrente não o faça) que, em termos práticos, a interpretação restritiva do artigo 44 da Lei do Apoio Judiciário subscrita pelo Tribunal recorrido, acarreta enorme desperdício para o país, delapidando gratuitamente os recursos do estado nos casos em que os arguidos fossem absolvidos, por cautela, quanto a esta argumentação, sempre se dirá que nos parece fora de dúvida razoável que maior delapidação resultará da concessão de apoio judiciário a quem o pretende apenas para não pagar aquilo que deve, sendo, ademais, certo, que ninguém é executado a não ser que tenha bens ou rendimentos suficientes para pagamento da divida (artigo 35 n°4 do RCP).
Termos em que, deve o recurso ser julgado improcedente.”
Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que passamos a transcrever na parte de maior relevância:
“1. O arguido … foi condenado, por acórdão de 24/05/2017, pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25.º, alínea a) do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução por igual período, bem assim foi condenado ao pagamento da taxa de justiça, que foi fixada em 5 UCs, e nos demais encargos.
Antes de transitar em julgado esta decisão, a 31/05/2017 o arguido apresentou na Segurança Social o requerimento que consta de fls. 21 a 23 dos autos, pedindo apoio judiciário neste processo com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e com dispensa do pagamento da compensação de defensor oficioso
Por decisão da Segurança Social de Aveiro, datado de 10/07/2017, que consta de fls. 19 v, foi deferido ao arguido o apoio judiciário nas modalidades por ele requeridas.
Verifica-se, assim, que o requerimento deu entrada dentro do prazo fixado no art.º 44.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão, e foi deferido pela Segurança Social, entidade administrativa para o fazer, que delimitou o seu alcance.
Parece-me, pois, que não tendo sido impugnada judicialmente esta decisão, como foi o caso, não pode depois o Tribunal revogar, alterar ou modificar a decisão de apoio judiciário proferida pela entidade administrativa competente, por não ter já o Tribunal competência nem legitimidade para o fazer, nem para restringir o alcance desta decisão, decidindo, como foi o caso, que o apoio judiciário não abrange as custas anteriores ao pedido de apoio judiciário já liquidadas ou em curso de liquidação
Na verdade, isso seria restringir o que a lei não restringe e seria fazer uma interpretação restritiva do art.º 44.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/07, que me parece que não é ajustada às finalidades do art.? 20.º da CRP e do art.º 1.º da Lei n.º 34/2004.
(…)
No entanto, somos de parecer, tal como refere o recorrente, que a concessão do apoio judiciário visa efectivamente e apenas o não pagamento de custas por quem não reúne condições económico - financeiras para o efeito, seja qual for a fase do processo em que o mesmo se encontre no momento em que é requerido o apoio judiciário, desde que seja requerido antes do trânsito em julgado da decisão final proferida na 1.ª instância.
Este entendimento é reforçado, também, pelo art.º 514.º n.º 1 do CPP, com a redacção introduzida pelo DL 34/2008, de 26/02, que passou a dispor que “Salvo quando haja apoio judiciário, o arguido condenado é responsável pelo pagamento, a final, dos encargos a que a sua actividade houver dado lugar”, não limitando o seu efeito apenas a partir do pedido de apoio judiciário, considerando-se, por isso, que desde que haja concessão do pedido de apoio judiciário o arguido não é responsável pelo pagamento, a final, dos encargos de toda a actividade processual que tenha tido no processo.
2. Nesta conformidade, sou de parecer que deve ser dado provimento ao recurso do arguido, revogando-se, consequentemente, a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine que o arguido não é responsável pelas custas e demais encargos em que foi condenado, por, depois do acórdão condenatório, e antes de transitar em julgado, ter pedido e lhe ter sido concedido apoio judiciário com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e com dispensa de pagamento da compensação ao defensor oficioso.”
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.
Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
Cumpre conhecer do recurso
Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[2]].
Questão a decidir: saber se o apoio judiciário concedido pela Segurança Social que fora requerido pelo arguido depois a publicação da sentença, mas antes do seu trânsito, perde eficácia quanto à condenação tributária imposta na referida decisão final
Vejamos:
Diz-nos o artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, ou seja, a nossa Lei Fundamental estatui que a justiça não pode ser denegada por razões de carências económicas do destinatário e consequentemente impõe que lhe sejam garantidos os meios necessários à viabilização da tutela dos seus direitos.
Em concretização deste princípio constitucional, institui o artigo 6º, nº 1 da Lei nº º 34/2004, de 29 de Julho[[3]], para além do mais e no que ao caso interessa, que o apoio judiciário o qual compreende, entre outras modalidades, a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o pagamento da compensação de patrono ou de defensor oficioso (artigo 16.º, n.º 1, alíneas a., b. e c.).
O pedido de apoio judiciário deve ter em conta o determinado no artigo 44º, nº 1 que nos diz que “em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente capítulo relativamente à concessão de protecção jurídica ao arguido em processo penal aplicam-se, com as necessárias adaptações, as disposições do capítulo anterior, com excepção do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, devendo o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância».
O alcance deste último segmento da norma tem ocasionado divergências na jurisprudência quanto á eficácia da decisão da Segurança Social quando o apoio judiciário é requerido entre prolação da sentença e o trânsito em julgado da mesma, sendo que tais divergências têm reflexo na solução do caso em apreço.
Com efeito, em tal caso, para uma parte da jurisprudência, o pedido só é legalmente admissível se for interposto recurso da mesma, para outra, a concessão do apoio judiciário tem eficácia apenas a partir do momento em que é formulado o pedido e para outra, abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.
Como exemplo
A) da primeira corrente, podemos citar os acórdãos
- da Relação de Coimbra de 18 de Novembro de 2009 (Sumário: “Depois da prolação da decisão final, o apoio judiciário só pode ser concedido para a fase de recurso e se for requerido antes da respectiva interposição”) e
- da Relação do Porto de 8 de Julho de 2009 (Sumário: “Em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. Contudo, se tal pedido for requerido depois de proferida a sentença, mas antes do seu trânsito, só é legalmente admissível se for interposto recurso da mesma.”),
B) da segunda, os acórdãos
- da Relação do Porto de 7 de Dezembro de 2011 (Sumário: “A decisão que concede o apoio judiciário só produzirá efeitos em relação a taxa de justiça, demais encargos e custas que sejam devidas após a formulação do respectivo requerimento de protecção jurídica”),
- da Relação do Porto de 21 de Setembro de 2011 (Sumário: “A concessão do apoio judiciário ao arguido tem plena eficácia desde a altura em que o mesmo formulou a respectiva pretensão”) e
- da Relação de Guimarães de 7 de Setembro de 2015 (Sumário: “A “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, concedida na sequência de um requerimento apresentado após a decisão final que conhece do objecto do processo, não abrange as custas devidas e contadas até à condenação penal transitada em julgado.”)
C) e da última, os acórdãos
- da Relação do Porto de 6 de Julho de 2011 (“Acordamos em dar provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, reconhecendo ao recorrente o direito a que seja observado relativamente a todo o processo o Apoio Judiciário que lhe foi concedido pela Assistência Social, na modalidade em que o foi”),
- da Relação do Porto de 24 de Maio de 2006 (Sumário: “O apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da decisão final abrange as custas anteriores.”),
- da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015 (Sumário: “Em processo penal, perante a disposição normativa do art. 44.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004 (redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28-08), o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. O referido benefício abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após a apresentação do respectivo requerimento.”),
- da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (Sumário: “O apoio judiciário requerido em processo sumário, após a prolação da sentença, mas durante o prazo de recurso dessa decisão de 1ª instância, abrange as custas anteriores.”),
- da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (Sumário: “Em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância (cfr. art.º 44º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29/07, com a redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08). E, tendo o respectivo requerimento sido apresentado em consonância com a previsão deste normativo, sendo o mesmo deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após a apresentação do requerimento, ainda que esta só tenha ocorrido após a sentença condenatória e da mesma não tenha sido interposto recurso.”),
- da Relação de Coimbra de 18 de Abril de 2012 (Sumário: “No caso dos autos, tendo o apoio judiciário sido requerido antes do termo do prazo de recurso da sentença proferida em primeira instância e tendo sido deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não há lugar ao pagamento da taxa de justiça e demais custas de todo o processo.”),
- da Relação de Coimbra de 28 de Março de 2012 (Sumário: “Fixando a lei um prazo final para a formulação do pedido de concessão do apoio judiciário (cfr. art.º 44º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), se tal prazo for respeitado, a decisão de deferimento deste pedido, pela entidade administrativa, abrangerá todo o processo, não podendo o tribunal retirar efeito àquela decisão.”),
- da Relação de Guimarães de 10 de Março de 2011 (Sumário: “Em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. Se deferido, o apoio judiciário requerido antes do trânsito em julgado da sentença condenatória da qual não foi interposto recurso abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.”) e
- da Relação de Guimarães de 16 de Março de 2009 (Sumário: “Actualmente, em processo penal, o pedido de apoio judiciário pode ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância. Se deferido, o apoio judiciário abrange as custas de todo o processo e não apenas as devidas após o requerimento.”)
Consideramos esta última posição como a correcta.
Com efeito, tendo o pedido de apoio judiciário sido formulado depois da publicação da sentença, mas antes do seu trânsito, está o mesmo em tempo mas não existindo qualquer norma a estabelecer o momento da sua eficácia, ou seja, se produz efeitos “ex tunc” ou “ex nunc”, temos de considerar que o efeito do seu deferimento se estende a todo o processo visto que se a causa em que os direitos do arguido se discutem ainda se encontra pendente no momento em que é formulado o pedido, o efeito da sua concessão deve-se repercutir na totalidade do processo e não só para o futuro, uma vez que a lei não faz qualquer distinção entre situações anteriores e posteriores ao pedido (neste sentido, ver acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Julho de 2015).
Aliás, limitando-se a lei a fixar como prazo limite para o pedido de apoio judiciário o “termo do prazo de recurso da decisão em 1ª instância”, momento que necessariamente ocorrerá depois da prolação da decisão final, sem que imponha que o pedido formulado entre ambos os momentos vise apenas a fase de recurso e deixando em aberto a possibilidade do pedido incidir sobre todas as modalidades do artigo 16º, nº 1, alíneas a. a f., temos de concluir que sendo estas passíveis de ocorrer a partir do início do processo, se torna evidente que o legislador teve claramente a intenção de não restringir a um determinado momento processual o direito deferido.
Em suma: o deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelo arguido até ao termo do prazo de recurso da decisão em 1ª instância, produz os respectivos efeitos em todo o processo.
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Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, revogando o despacho recorrido, decide-se que o apoio judiciário concedido ao arguido se estende a todo o processo.
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Não são devidas custas.
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Coimbra, 5 de Dezembro de 2018


Luís Ramos (relator)


Paulo Valério (adjunto)




[[1]] Decisão da Segurança Social concedendo o apoio judiciário
[2] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[[3]] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem