Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/09.9GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
PENA ACESSÓRIA
NÃO TITULAR DE LICENÇA DE CONDUÇÃO
Data do Acordão: 02/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 291.º, N.º1, AL. B) E ARTº 69.º, N.º1, AL. A), DO CÓDIGO PENAL
Sumário: A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução.
Decisão Texto Integral:       Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Tábua, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum e com intervenção do Tribunal Singular, o arguido,

H..., solteiro, serralheiro, residente na Rua … ...,

imputando-se-lhe factos que integram, em autoria material, na forma consumada e em concurso real efectivo, um crime de condução sem habilitação legal p. e p. nos termos do disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98 de 03.01 e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal e 69.º, n.º1 al. a), ambos do Código de penal por referência uma contra-ordenação ao disposto no art. 24.º e 25.º, .º 1 als. c) e) e f) e 145.º, n.º1, al. e) do Código da Estrada.

            Realizada a audiência de julgamento o Tribunal singular, por sentença proferida a 28 de Junho de 2010, decidiu julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente e, consequentemente, condenar o arguido H...,

- pela prática, em 01.02.2009, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. nos termos do disposto no art. 3.º, n.ºs 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98 de 03.01 todos do Código da Estrada, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa;

- pela prática, em 01.02.2009 de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal na pena de 200 (duzentos) dias de multa, não se condenando em pena acessória; e

- em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 260  (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €1.430,00 (mil quatrocentos e trinta euros).

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A) A não aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69°, n. ° 1, al. a) do Código Penal só encontrava justificação legal se o arguido tivesse sido apenas condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal questão pacífica na doutrina e jurisprudência desde a alteração introduzida na norma pela Lei nº 77/2001, de 13 de Julho.

B) Tendo o arguido sido condenado pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3°, n. ° 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3/1 e do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo art. 291°, nº 1, al. a) do Código Penal, deveria o mesmo ter sido igualmente condenado na pena acessória de proibição de conduzir, também indicada em sede de acusação, por força da imputação deste último tipo de ilícito.

C) Com efeito, o legislador, ao estabelecer esta punição a título de pena acessória, não distingue as situações em que o condutor está habilitado para conduzir daquelas em que não está, não podendo o intérprete, sem o mínimo de correspondência no texto da lei, proceder a tal distinção, sob pena de violação do disposto no art. 9° do Código Civil (ex vi do art. 4° do Código de Processo Penal) criando uma injustificada e incoerente desigualdade.

D) Tal entendimento beneficiaria aqueles que, em vez de um, praticam dois ilícitos criminais, constituindo o cometimento do crime previsto no art. 3° do Decreto-Lei nº 2/98 um mecanismo de afastamento da condenação na pena acessória prevista para a condenação por outros ilícitos, com frustração dos objectivos de prevenção geral e especial ínsitos nessa pena.

E) Assim é pois as penas acessórias, embora possam actuar também ao nível da prevenção da perigosidade, constituem verdadeiras penas, com a particularidade de estarem formalmente dependentes da pena principal e de serem material ou substancialmente condicionadas à existência de um particular conteúdo de ilícito que justifica a censura adicional ínsita na sua aplicação.

F) De facto, embora esta pena vise também prevenir a perigosidade do agente não é essa a sua finalidade principal, sob pena de se confundir com a medida de segurança do art. 101 ° do Código Penal, para a aplicação e determinação concreta da qual estão em causa apenas exigência relacionadas com a perigosidade do agente.

G) Excluir a protecção especial que se visa conferir com a pena acessória pelo facto de o arguido, além dos crimes previstos no art. 69°, n. ° 1, al. a) ter cometido também o crime de condução ilegal, não faz, pois, qualquer sentido.

H) Acresce que o art. 126°, nº 1, al. d) do Código da Estrada, ao impedir que se atribua título de condução a quem se encontrar a cumprir proibição ou inibição de conduzir, só se compreende quando se aplica a mencionada pena acessória a quem não é titular de tal título.

I) O mesmo sucedendo com o registo de infracções de não condutores que, nos termos do art. 4°, nº 1, al. e) do Decreto-Lei n° 98/2006, de 6 de Junho contempla as situações de "condenação por crime praticado em território nacional, no exercício da condução, por pessoa não habilitada para a condução".

J) No mais, também o art. 101° do Código Penal, relativo à cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, como medida de segurança faz referência, no seu nº 4, ao agente condenado por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, que não seja titular de título de condução.

K) Ou seja, também razões de interpretação sistemática e coerência normativa impõem a condenação na pena acessória de proibição de conduzir em situações como a dos autos.

L) E a tal não obstam as questões atinentes à execução da pena, que se cumprirá com a comunicação ao IMTT e o decurso do prazo de inibição a partir do trânsito em julgado da decisão. Nem o argumento de que a comunicação da extinção da pena acessória configura como que um "convite" à prática do ilícito, pois bem sabe o arguido, até porque por isso foi também condenado, que a ausência de habilitação, enquanto subsistir, o impede de conduzir, sob pena de cometimento de um novo ilícito criminal.

M) Nem o argumento de que a comunicação da extinção da pena acessória configura como que um “convite” à prática do ilícito, pois bem sabe o arguido, até porque por isso foi também condenado, que a ausência de habilitação, enquanto subsistir, o impede de conduzir, sob pena de cometimento de um novo ilícito criminal.

N) E nenhuma incoerência existe face às situações suspensão da execução de penas de prisão com a condição de tirar a carta pois tais hipóteses apenas terão cabimento quando o único crime em que o arguido é condenado é precisamente o de condução sem habilitação legal e, nesta hipótese, qualquer que seja a pena principal, nunca se aplicará a pena acessória em referência.

O) Impunha-se, assim, condenar o arguido na pena acessória contemplada no art. 69° do Código Penal, atendendo às exigências de prevenção geral e especial existentes no caso como critérios para a fixação da sua medida concreta (cfr. arts. 40° e 71 ° do Código Penal).

P) Pelo exposto, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito pela decisão recorrida, decidindo como decidiu, a Mmª Juiz do Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei, violando o disposto no art. 69°, n. ° 1 do Código Penal. “.

Nestes termos e nos demais de Direito, que doutamente se suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple o teor das alegações expendidas e conclusões apresentadas, nessa medida condenando o arguido, para além das penas de multa aplicadas, também na pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, assim se fazendo inteira Justiça.

            O arguido não respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público.    

            O Ex.mo Procurador-geral-adjunto neste Tribunal da Relação de Coimbra emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

 

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

   Fundamentação

            Os factos dados como provados na sentença recorrida são os seguintes:

1. No dia 1 de Fevereiro de 2009, pelas 18 horas e 15 minutos, o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros da marca e modelo Peugeot 206 e matrícula …, de sua propriedade, na Estrada nacional n.º 17, ao Km 58, no sentido de marcha Coimbra – Guarda.

2. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar circulava, em sentido inverso, uma viatura da GNR de ..., com os soldados V… e L…, que compunham a patrulha, os quais inverteram a marcha e seguiram no seu encalço com vista à fiscalização, pois suspeitavam que o arguido não era titular de carta de condução.

3. Na sua retaguarda, ligaram os dispositivos sonoros e luminosos especiais, com vista à imobilização do veículo, o que o arguido ignorou, tendo prosseguido a sua marcha e mudando de direcção para a direita, ao Km 56,900, entrando num caminho florestal, que liga a estrada nacional n.º 17 à localidade da Devaqueira.

4. No início desta localidade e com o mesmo propósito de fuga e de se eximir à fiscalização das autoridades, o arguido imprimiu uma velocidade superior àquela que lhe era permitida no local, por se tratar de via estreita, no máximo com 3 ou 4 metros de largura, com dois sentidos de trânsito, duas valetas fundas a ladear, em curva à direita e descida de inclinação acentuada.

5. De tal forma assim sucedeu que, quando no local se cruzou com uma viatura da GNR – EPF, cuja patrulha era composta pelo Mestre Principal JÁ…, Mestre Florestal FM… e pelo Guarda Florestal ML…, só não embateu na mesma devido à perícia do condutor deste veículo FM…, que se desviou rapidamente para a direita, utilizando a valeta desse lado.

6. Prosseguindo a sua marcha, o arguido só imobilizou a viatura que conduzia na localidade de Fundo do Casal, Espariz.

7. O arguido conduziu no local e nas condições supra descritas sem que para tal estivesse habilitado com a respectiva carta de condução ou qualquer outro título válido para tanto, bem sabendo dessa necessidade e de que sem a mesma a condução de veículos a motor na via pública lhe estava vedada.

8. Conduziu igualmente bem sabendo que não estava a cumprir com as regras estradais, que bem conhecia, designadamente a que impõe a obrigação de adequar a velocidade do veículo às condições da via e do local e que dessa forma punha em causa a segurança dos restantes utentes da via pública, criando perigo para as suas vidas e veículos, como efectivamente criou,

designadamente para os militares que compunham a patrulha da GNR - EPF acima identificados e para a viatura em que se faziam transportar.

9. O arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como ilícito criminal.

10. O arguido encontra-se recentemente desempregado (tendo regressado de França no dia 04 deste mês de Junho onde este a trabalhar durante cerca de um mês e pelo qual auferiu €1.000,00 (mil euros); Vai tendo trabalhos ocasionais;

11. O arguido vive em casa dos pais;

12. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade;

13. O arguido está inscrito em escola de condução em Arganil, desde Novembro mas, atenta a referida deslocação a França, ainda não concluiu a parte teórica;

14. O arguido tem conhecimento de um processo penal pendente além do presente, referente a crime de condução sem habilitação legal;

15. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que vinham imputados;

16. Em 01.06.2010 o arguido não tinha averbada qualquer condenação ao seu registo criminal;

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do Ministério Público a  questão a decidir é a seguinte:

- se o condutor não habilitado com licença de condução, que incorre na prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal, deve ser condenado na pena de proibição de conduzir, pelo que o Tribunal a quo ao não condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir pela prática deste crime violou o disposto no art. 69°, n. ° 1 do Código Penal, devendo consequentemente ser revogada a decisão recorrida e o arguido condenado em pena acessória.

A propósito da aplicação da pena de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, ao condutor não habilitado com carta ou licença de condução, já o relator se pronunciou no acórdão proferido neste Tribunal da Relação, de 24 de Maio de 20006 ( proc. n.º 919/06, in www.dgsi.pt e na C.J, ano XXI, tomo 3, pág. 49), embora aí estivesse em causa um crime de condução de veículo em estado de embriagues.
Porquanto as razões de aplicação ou não da pena de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, são similares, quando o arguido praticou o crime de condução de veículo em estado de embriagues, p. e p. pelo art.292.º do Código Penal  ou praticou o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal, seguiremos aqui no geral o que então ali escrevemos, pois não surgiram entretanto argumentos que nos levem a alterar a posição ali tomada.

O art.69.º, n.º1, al. a) do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 48/98 , de 15 de Março , estatuía que era condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem fosse punido “por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito  rodoviário”.

Enquanto vigorou esta redacção do Código Penal a jurisprudência, nomeadamente do Tribunal de Coimbra , esteve dividida sobre se o crime de condução sem habilitação legal , p. e p. pelo art.2/98 , se podia considerar um  crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras do trânsito  rodoviário, para efeito de aplicação da proibição de conduzir a que alude o art.69.º, n.º1 , al. a) do Código Penal. 

A Lei n.º 77/2001 , de 13 de Julho , veio entretanto introduzir nova redacção ao art.69.º , n.º1 , alínea a) do Código Penal , agravando os limites da pena de proibição de conduzir veículos com motor para um período a fixar entre três meses e três anos e especificando que a sanção deve ser aplicada a , “ quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º” .

Em face desta alteração legislativa, o Tribunal da Relação de Coimbra vem considerado que  o crime de  condução de veículos com motor sem habilitação legal não se enquadra em qualquer das alíneas do n.º1 do art.69.º do Código Penal , pelo que não poderá o arguido condenado por aquele crime ser objecto da sanção de inibição aqui prevista. – cfr. acórdão da Relação de Coimbra , de 23 de Janeiro de 2002 , C.J. , ano , 1º, pág. 43.XXVII.

No presente caso é pacifico que o arguido H... com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, em autoria material , um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto‑Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro , e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal,  na redacção da Lei n.º77/2001, de 13 de Julho.
Se face à posição que deixámos exposta o arguido não pode ser proibido de conduzir em face da prática do crime de condução sem habilitação legal, o mesmo não sucede já relativamente ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal.
O art.69.º, n.º1, al. a) do Código Pena impõe a aplicação da inibição de conduzir ao condutor condenado por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal.

A sanção inibitória de proibição de conduzir veículos com motor tem natureza de pena acessória, como resulta claramente do texto do art.69.º , da sua inserção sistemática e do elemento histórico ( Actas da Comissão de Revisão do Código Penal  , n.ºs 5, 8, 10 e 41 ) , traduzindo-se numa censura adicional pelo crime praticado.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias esta pena acessória tem por pressuposto material “ a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente , o exercício da condução se revelar especialmente censurável.” (...) “Por isso , à proibição de conduzir deve também assinalar-se ( e pedir-se ) um efeito de prevenção geral de intimidação , que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim , mas não por último , deve esperar-se desta pena acessória que contribua , em medida significativa , para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.” - “Direito Penal Português , As consequências jurídicas do crime” , Notícias Editorial , § 205.

Aquando da revisão do Código Penal  de 1982 , que deu lugar às alterações do DL n.º 48/95 , de 15 de Março , perante uma  redacção idêntica à que ora existe no n.º 3 do art.69.º do Código Penal  - pese embora a alínea a) do art.68.º-A do projecto de revisão do Código Penal  fosse mais abrangente cominando com a proibição de conduzir quem “tiver cometido , com grave violação das regras do trânsito rodoviário , um crime no exercício daquela condução” , como veio a constar do C.P. após a Revisão de 1995 -  a questão da aplicação da inibição de conduzir a quem não tinha licença de condução foi abordada e sobre ela foi tomada posição.

Refere-se na acta n.º 8 da Comissão de Revisão que o Ex.mo Procurador Geral da República anteviu uma dificuldade lógica no n.º 3 para os não titulares de licença de condução , tendo então perguntado se vai proibir-se com pena acessória quem não tem licença de condução.

A necessidade de tal pena acessória, mesmo para os não titulares de licença de condução foi justificada pelo Prof. Figueiredo Dias , “ para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição.”. O que foi aceite pela Comissão. - Cfr. “ Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, Ministério da Justiça, 1993, páginas 75 e 76. 

Também o Prof. Germano Marques da Silva considera que “ A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha a licença.” – in “ Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança”, pág. 32.

Assim, sob pena de se tratamento desigual, os condutores que conduzem sob estado de embriaguez , estejam ou não habilitados com título legal de condução , devem ser inibidos da faculdade de conduzir.

Se é verdade que quem não é possuidor de carta ou licença de condução não a pode entregar , e poderá não ser viável fazer a anotação, a que aludem os n.ºs 3 e 5 do art.69.º do Código Penal , ainda assim a sanção acessória de proibição de conduzir ao abrigo deste preceito penal não deve deixar de ser aplicada, tal como aos condutores habilitados com título de condução. 

A aplicação da inibição de conduzir veículos com motor, que deve ser comunicada à Direcção-Geral de Viação ( art.69.º, n.º 4 do Código Penal ) - actualmente ao IMTT -, não é inútil pelo facto de ser aplicada a quem não possui título de condução.

O art.126.º, n.º1 , al. d) , do Código da Estrada , estatui  que um dos requisitos exigíveis para  a obtenção de título de condução é que o condutor “ Não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução”.

Daqui resulta , por um lado , que quem não é titular de carta condução pode ter sido proibido ou inibido de conduzir ou ter sido sujeito a medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução; por outro, que quem foi sujeito a uma daquelas sanções não poderá conduzir no período de inibição uma vez que não poderá durante ele obter título de condução.

Também o art.101.º, n.º 4 do Código Penal , que prevê a medida de segurança de interdição da concessão de título de condução de veículo com motor , estatui que esta  pode ter lugar relativamente a um agente condenado por crimes de condução em estado de embriaguez que “… não for titular de título de condução…”, sendo então  a sentença comunicada à Direcção-Geral de Viação- actualmente ao IMTT.

A proibição ou inibição de conduzir e a medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução , não  exigem , deste modo, a prévia habilitação do condenado.
Importa ainda referir  que o condenado por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal, poderá não ter carta ou licença de condução para o veículo que conduzia aquando da prática da infracção, mas poderá tê-la para outra espécie de veículos com motor , exigindo-se assim a aplicação da sanção acessória a que alude o art.69.º do Código Penal .

Depois, é possível que entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença o arguido que foi condenado por crime de condução em estado de embriaguez possa vir a obter carta ou licença de condução para  veículos com motor. E, no presente caso, o arguido encontra-se inscrito em escola de condução.
Tal como qualquer outro condutor com título de condução que foi condenado por crime de condução perigosa de veículo rodoviário, deve ele cumprir o período de inibição da faculdade de conduzir, entregando o respectivo título nos termos do art.69.º, n.º3 do Código Penal ,  porquanto se verificam também quanto a ele as finalidades de prevenção que estão na base desta pena acessória.

No sentido de que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução , pronunciaram-se , entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra , de 11/10/2006 ( in CJ. ano XXI, tomo 4, pág. 43), e o de 22/09/2010 (proc. n.º 291/08.9GATBU.C1, Desmb. Esteves Marques , in www.dgsi.pt ).

Defendendo a aplicação de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor ao condutor que praticar o crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução, pronunciaram-se , entre outros , os acórdãos da Relação de Coimbra , de 22 de Maio de 2002 ( in C.J. ano XXVII, 3º , pág.45) e de 11/11/2009 ( proc. n.º 112/08.2GAPNC.C1, Desemb. José Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt ), e o acórdão da Relação de Lisboa , de 29 de Junho de 2005 ( proc. n.º 4549/2005-3, Desemb. Carlos Almeida,  in www.dgsi.pt).
Decidido que em face da condenação do arguido  H... pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. e b) do Código Penal, deve ser-lhe aplicada a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, importa agora determinar a sua medida concreta.
O bem jurídico protegido no crime de condução perigosa de veículo rodoviário é a segurança da circulação rodoviária e a tutela de bens jurídicos que se prendem com essa segurança como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais de valor elevado.

Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Na graduação da pena principal e da pena acessória, deve atender-se à culpa do agente, às exigências de prevenção ( geral e especial ) e a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido ( art.71.º do Código Penal ).

Como se menciona na douta sentença recorrida, o grau de ilicitude na actuação do arguido é relativamente elevado. Para fugir à fiscalização das autoridades policiais, circulou com um veículo automóvel na EN n.º 17 e dentro de localidade, em hora de algum trânsito, adveniente do final da tarde e de final de jornada laboral de muitos cidadãos, com velocidade superior à permitida para o local e sem adequação às condições da via e do local, criando perigo para as vidas e veículos de pessoas, designadamente para os militares da GNR – EPF com quem se cruzou.  

Agiu com dolo directo e intenso.

Acresce que conduzia um veículo automóvel na via pública sem que fosse possuidor de título que o habilitasse a conduzir.

Confessou os factos integralmente e sem reservas e não tem antecedentes criminais. Tem um processo pendente relativo ao crime de condução sem habilitação lega.

Tinha 21 anos de idade à data da prática dos factos.

É de modesta condição social e económica, encontrando-se inserido na família e realiza trabalhos ocasionais.

Considerando por um lado o grau de perigosidade do arguido que resulta dos factos provados e , por outro, a ausência de antecedentes criminais, concluímos que as razões de prevenção especial são médias.

Já as razões de prevenção são elevadas considerando a forte influência de condutas como a do arguido na sinistralidade rodoviária, com os inerentes dramas diariamente relatados no nosso País.

Conjugando todo o exposto o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no art.69.º, n.º1 do Código Penal, entende condenar o arguido na pena acessória de 9 meses de proibição de conduzir  veículos com motor de qualquer categoria .

Procede, deste modo, o recurso interposto pelo Ministério Público.

Decisão

           Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, alterando a sentença recorrida quanto à sanção acessória, condena-se o arguido H..., nos termos conjugados dos artigos 291.º, n.º1, al. b) e  art.69.º, n.º1, al. a), do Código Penal, na inibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria, pelo período de 9 ( nove ) meses.

A secretaria do Tribunal de 1ª instância comunicará oportunamente a decisão (art.69.º, n.º 4 do C.P.).

            Sem custas.

                                                                         *
ORLANDO GONÇALVES (RELATOR)
ALICE SANTOS


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.