Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
254/15.8PCCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO
REGRAS DE CONDUTA
VIOLAÇÃO
Data do Acordão: 09/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J C CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 55.º DO CP
Sumário: I - O condenado infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, os inobserva, assim revelando uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da sentença e/ou do plano de reinserção social.

II - O atraso e a falta de comparência [às convocatórias da DGRSP], não justificada pelo recorrente, conjuntamente considerados, traduzem um comportamento culposo mas, o grau de culpa não atinge, em nosso entender, uma intensidade tal que imponha concluir que comprometeu irremediavelmente o juízo de prognose favorável e a aposta na reinserção em liberdade do recorrente, que estão na base do decretamento da pena de substituição.

III - A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena sendo, portanto, cláusula de ultima ratio.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

Por acórdão de 7 de Janeiro de 2016, já transitado, proferido no processo comum colectivo nº 254/15.8PCCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 1, além de outros, foi o arguido A... , com os demais sinais nos autos, condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, com plano de reinserção social.

Por despacho de 12 de Janeiro de 2017 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o cumprimento desta.


*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. O Arguido foi condenado nestes autos, erre 07.01. 2016, pela prática de um crime de roubo, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante condição de se sujeitar a regime de prova.

2. A pena de prisão suspensa na execução assentou num juízo de prognose favorável.

3. A 4 de março de 2016, veio a DGRS informar que haviam convocado com A/R e correio normal para a morada indicada pelo tribunal, a carta com A/R veio devolvida com indicação de que não atendeu e não foi levantada no correio (cf. 501).

4. Em 24 de Março de 2016, ao Arguido foi-lhe enviada comunicação por correio registado com A/R, e estranha-se como poderia ter sido convocado para o dia 23 de março, sendo referido que a convocatória registada veio devolvida, fls.507

5. Sobre tais factos, foi o Arguido ouvido na diligência de 18 de maio de 2016, pelo que foi tomada em consideração o facto invocado pelo arguido de que a não comparência na DGRS se ficou a dever ao facto de se ter esquecido de comunicar a mudança de morada ao tribunal, tendo-se comprometido na audiência a comparecer na DGRS na data que lhe fosse designada para elaboração do respectivo plano, no qual ficou determinada a comunicação da nova morada do Arguido, à data indicada à DGRS e a sua notificação para aí comparecer, Cfr. Fls. 580 dos presentes autos.

6. Ora sobre tais factos, já o tribunal na diligência realizada em 18.05.2016, se pronunciou anteriormente e considerou válida a justificação do Arguido, decidindo pela manutenção da suspensão da pena de prisão, pelo que o Tribunal a quo não poderia valorar tais factos em desfavor do Arguido, pelo que viola o Art.56° nº 1 al. a) do C. Penal.

7. Acresce que o Arguido apenas foi convocado por carta registada para a sua morada a 14 de Julho e compareceu nessa data.

8. Sucede que, atentos a informação constante dos autos, verifica-se que a DGRS não efectuou comunicações de forma pessoal, nem de forma a considerar o Arguido regularmente notificado, tendo em consideração a informação da DRGS.

9. Constata-se que o Arguido compareceu no dia 23 de Maio de 2016, para elaboração do PRS, apesar de referir que ficado marcada para o dia 1 Junho, e que tentaram marcar no dia 2 de Junho, mas não atendeu, e que recorreram ao contacto telefónico da mãe, tendo-lhe pedido para vir no dia 3 de Junho, mas este não compareceu, nem ficou marcada para dia posterior, Cfr. fls. 597 dos presentes autos.

10. O Arguido telefonou a 09.08.2016 à DGRS, referindo que estava a trabalhar fora de Coimbra, pelo que pretendia marcar para a semana seguinte, o que não foi tomado em consideração pela DGRS.

11. Assim, nos presentes verificou-se uma falha de comunicação e de contactos pouco eficazes por parte da DGRS, do qual não resulta a leviandade ou total alheamento do Arguido.

12. Constatando-se que atento o Relatório da DGRS o Arguido foi convocado para entrevista para o dia 14 de Julho, em correio azul e com AR e compareceu, altura em que lhe foi novamente explicada a sua situação jurídica e dado conhecimento do PRS, Cfr. consta a fls. 647 do Relatório da DGRS.

13. Ouvido o Arguido no dia 13 de Outubro de 2016 o mesmo referiu que compareceu sempre que foi notificado por cartas registadas com AR, sendo certo que faltou no dia 8 de Agosto, mas no dia 9 telefonou para a DGRS a comunicar que faltou porque não estava fora de Coimbra, e não estava na sua residência,

14. Tais factos foram confirmados pela audição da Técnica da DRG responsável pelo acompanhamento, que perante o seu depoimento a mesma confirmou que o arguido telefonou no dia 9 de Agosto de 2016, tendo-lhe dito que se encontrava fora de Coimbra, bem como referiu que o mesmo queria marcar para a semana seguinte, uma vez que não se encontrava em Coimbra, justificando a sua falta do dia 8 de Agosto de 2016.

15. Atento o depoimento da Técnica da DGRS, Dra. B..., o mesmo na sua generalidade mostrou-se confuso e pouco claro, referindo não se recordar de datas, embora referiu expressamente que o Arguido não poderia comparecer no dia 10 de Agosto, e que ora se transcreve, cfr. depoimento gravado no sistema audio: Minutos 2:03 a 2:36

Juiz - "E já agora recorda-se o que o Arguido disse para ter faltado à entrevista no dia 8?

Dra. B... : - Disse que não tinha podido, não chegou a explicar bem, marquei-lhe para o dia seguinte, e ele disse que não podia, depois acho que marcamos para o dia 10 e depois eu não podia por questões de agenda, porque ele queria para a outra semana a seguir e depois eu por questões de agenda não podia."

Juiz: - E alguma vez o arguido lhe disse que não estava cá que estava a trabalhar fora?

Dra. B... : - Ele disse numa altura, que estaria a trabalhar fora.

Juíz: -Não, nesse telefonema, nesse telefonema.

Dra. B... : - Eu já não sei se foi nesse telefonema ou se foi noutro, mas que estaria fora sim."

16. Pelo que, atento o depoimento da Técnica da DGRS de que o Arguido no dia seguinte terá dito que não podia, a alegada marcação para o dia 10 de Agosto de 2016, não se mostra razoável, nem faz qualquer sentido, uma vez que a mesma sabia que o Arguido não podia, e que o mesmo estava fora de Coimbra.

17. Acresce ainda que, a DGRS não enviou a convocatória para o Arguido se apresentar no dia 2 de Setembro de 2016 por carta simples, nem registada, nem sequer com A/R, não tendo o Arguido recebido qualquer comunicação para o dia 2 de Setembro.

18. Do Relatório da DRGS não consta qualquer elemento de prova como tivesse sido enviada comunicação ao Arguido para se apresentar no dia 2 de Setembro de 2016, pelo que o mesmo não se mostra notificado, nem sequer regularmente notificado para as convocatórias da DGRS, pelo que não existe um incumprimento culposo do Arguido.

19. A postura do Arguido nunca foi de inviabilizar a elaboração do Plano da Reinserção, uma vez que, numa primeira fase justificou-se em 18 de maio de 2016, e tendo sido convocado para o dia 14 de julho de 2016, o mesmo compareceu.

20. Após a elaboração daquele contactou os Serviços da DGRS telefonicamente no dia 9 de Agosto de 2016, justificando o facto de estar em trabalho fora de Coimbra, nessa semana, justificando a falta do dia 8 de Agosto, e mostrando-se interessado em cumprir o plano, urna vez que referiu à Técnica de DGRS que pretendia que fosse marcada nova data, a marcar na semana seguinte à do dia 9 de Agosto de 2016, mostrando-se interessado em cumprir com as obrigações e com os deveres impostos.

21. Tendo em consideração que o Arguido telefonou para a DGRS no dia 09.08.2016 comunicando à Técnica da DGRS que se encontrava a trabalhar fora de Coimbra, e que pretendia que fosse marcada nova data para a semana seguinte não se verificando falta de colaboração por parte do Arguido, com os serviços da DGRS, nem existindo urna colocação intencional do mesmo para incumprir os deveres.

22. Assim, não se verifica um incumprimento reiterado e grosseiro das obrigações impostas por parte do Arguido, nem uma postura de manifesto menosprezo, nem indiferença pela decisão do Tribunal, inexistindo, pelo que não se mostram verificados os requisitos do Art. 56º nº 1 al. a) do C. Penal, a decisão vertida no despacho padece do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no Art. 410º nº 2 al. c) do C. P. Penal, nulidade que se invoca com as demais consequências legais.

23. Sucede que, desde que o Arguido foi ouvido, a partir de 18.05.2016, o Arguido apenas foi convocado uma única vez através de carta registada e compareceu, em 14 de Julho de 2016, verificando-se que as outras convocatórias não seguiram via carta registada, nem via postal simples, não se verificando que o Arguido se encontra regularmente notificado, nem sequer foi notificado,

24. Ora qualquer cidadão comum que não esteja regularmente notificado, ou notificado não poderá comparecer, pelo que não se verifica uma actuação indesculpável e intolerável por parte do Arguido, pelo que a Decisão de Revogação padece do vício previsto no Art. 410 nº 2 al. c) C. P. Penal, pelo que a Decisão de Revogação da Suspensão deverá ser revogada e o presente Recurso ser julgado procedente por provado.

25. Acresce ainda que, a fundamentação apresentada não se mostra em conformidade com a decisão, uma vez que refere que a DGRS não tem de fazer as convocatórias por carta registada, não se concorda com a mesma, uma vez que as notificações por parte da DGRS nem sequer forma efectuadas por via simples, e

26. coloca-se a questão se a convocatória seguir via postal simples que prova é que existe que o destinatário terá recepcionado a mesma? Como é que se salvaguarda a situação de extravio?

27. Para além de que na diligência de 18.05.2016 ficou determinado que o Arguido seria notificado pela DGRS para a nova morada fornecida pelo mesmo, o que apenas sucedeu em 14 de julho de 2016.

28. Pelo que a DGRS, deveria ter diligenciado mediante forma eficaz de comunicação com o Arguido, no sentido da notificação pessoal ou postal registada, o que não sucedeu no presente caso.

29. Para além de que, não resulta dos autos qualquer elemento de prova com referência a qualquer data para que o Arguido tivesse sido notificado para comparecer no dia 2 de Setembro, desconhecendo-se de que forma é que teria sido notificado, quando o mesmo não recebeu qualquer comunicação.

30. Destarte parece-nos salvo melhor opinião, que o Tribunal a quo não podia fazer tábua rasa do facto do Arguido ter telefonado no dia 9.08.2016 para DGRS, no qual informou de que estava fora de Coimbra.

31. A Decisão é um acto decisório que contende com a Liberdade do Arguido, que o atinge na sua esfera jurídica e que implica o reconhecimento legal do mesmo, pelo que deverá ser revogado o Despacho que revogou a Suspensão da pena de prisão do Arguido.

32. O Tribunal não tomou todas as diligências possíveis para evitar a aplicação de curtas penas de prisão, e não ponderou de forma correcta as circunstâncias e a sua culpa, pelo que nem sequer aplicou o disposto no Art. 55º do C. Penal, o que por mera hipótese se admite.

33. No presente caso não resulta dos autos, que existe uma total falta de vontade em cumprir com as medidas impostas.

34. É entendimento seguido na Jurisprudência que "antes da revogação ou da imposição de novos deveres ou regras, há que apurar se o não cumprimento resulta de violação grosseira ou culposa dos deveres ou condição imposta, se é indesculpável ou se pelo contrário merece ser tolerada e desculpada.", Cfr. Acórdão do TRCoimbra de 07/05/2003, disponível in www.dgsi.pt

35. Segundo entendimento seguido na Jurisprudência não basta concluir que as finalidades que determinaram a suspensão da pena de prisão se mostram frustradas, é necessário que o Arguido "culposamente" deixe de cumprir os deveres ou condições impostos, o que não se verifica in casu.

36. Também é considerado pelo STJ que "III – Por outro lado, como resulta do art. 50 da versão originária do CP, o mero incumprimento dos deveres impostos com a suspensão, não conduz logo irremediavelmente à revogação da suspensão, que surge antes como a última das hipóteses que exige, aliás culpa do condenado." Cfr. Acórdão do STJ.

37. Torna-se relevante que estamos face a uma decisão que põe em causa um direito fundamental do arguido, isto é a sua liberdade, ou seja a decisão de revogação da suspensão da medida de prisão pelo tribunal a quo é excessiva para a conduta do Arguido, uma vez que dos autos não resulta uma conduta grosseira e intolerável por parte do Arguido.

38. O Arguido considera que não se colocou intencionalmente em condições de não querer cumprir as medidas que lhe forma impostas, mas pelo contrário pretende cumprir o Plano estabelecido pela DGRS.

39. Com o devido respeito considera-se a Douta decisão recorrida que revoga a pena de prisão, uma decisão excessiva e desproporcionada, violando o princípio prático subjacente e constante no Art. 70º do C. Penal,

40. Assim, a Decisão de Revogação da Suspensão da Pena proferida nos termos do Art.56º nº 1 al. a) do C.Penal, verifica-se que dos autos não resultam um comportamento grosseiro e intolerável por parte do Arguido, mostrando-se a decisão excessiva, pelo que a mesma viola os Princípios da Legalidade, da Proporcionalidade, bem como viola o Princípio da Liberdade do Arguido.

41. Face ao exposto, o Arguido está disposto a cumprir o plano da DGRS imposto, pelo que requer a manutenção da suspensão da execução da pena, bem outras medidas que sejam consideradas necessárias destinadas a acautelar a finalidade de reintegração do Arguido na sociedade, bem como as que estiveram na base da aplicação da suspensão.

42. Pelo que o Despacho com a decisão de revogação da suspensão faz uma interpretação inconstitucional ao não ter em consideração a preocupação de o Arguido telefonar para a DGRS no dia 09.08.2016 e considerar que existe um comportamento grosseiro e culposo, revogando a suspensão da pena de prisão, sem observar o disposto no Art. 55º a) ou c) do C. Penal, o que padece de Inconstitucionalidade violando os Arts. Nº 2, 18º nº 2, 28º nº 2 e 32º nº 2 todos da CRP.

43. Face ao exposto, verifica-se que a Decisão da qual se recorre, não respeitou os Princípios e as regras que devem estar subjacentes na ponderação e na análise da suspensão da pena de prisão do Arguido, designadamente, os Princípios da Legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade, o que torna a Decisão ilegal e violadora do Arts.53º, 54º, 56º nº 1 al. a) todos do C. Penal, bem como dos Arts. 2º, 3º nº 2, 18º nº 2, 28º nº 2 e 32º nº 2 todos da CRP.

44. Assim, fica aqui arguida a INCONSTITUCIONALIDADE da interpretação que o Tribunal a quo considera que o facto fez na interpretação contraditória acima referida vertida na Decisão de Revogação supra referido e na violação dos Princípios e normas Constitucionais e Penais Supra referidos.

NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO, E EM CONSEQUÊNCIA REVOGAR-SE A DECISÃO/ DESPACHO RECORRIDA(O), SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DECIDA PELA SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO, CONTEMPLANDO A LIBERDADE DO ARGUIDO COM REGIME DE PROVA IMPOSTO.


*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – Por acórdão datado de 07.01.2016, transitado em julgado, foi o arguido A... condenado pela autoria de um crime de roubo na pena de 2 anos de prisão, pena esta suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante a condição de ser sujeito a regime de prova, cumprindo o plano de reinserção, plano este que deveria incluir a obrigação do arguido responder a todas as convocatórias que lhe viessem a ser feitas pelo tribunal ou pela técnica da reinserção social.

2 – Comunicada a decisão à DGRS, veio esta informar que apesar das convocatórias para tanto enviadas ao arguido este não compareceu nem nada justificou, pelo que foi determinada a sua audição sobre as razões que tal determinaram.

3 – Designada data para tanto, aquele não compareceu nem justificou a falta, pelo que foi determinada a sua presença sob detenção, o que se veio a verificar no dia 18.05.2016.

4 – Em justificação da sua conduta evidenciou ter mudado de morada e ter-se esquecido de informar da mesma, tendo-se comprometido a comparecer na DGRS na data que lhe fosse designada.

5 – Nessa sequência a DGRS remeteu aos autos a proposta do plano de reinserção, no qual expressamente fez consignar as obrigações de comparência impostas, todavia no mesmo evidenciou que apesar de ter notificado pessoalmente o arguido para comparecer no dia 1 imediato para tomar conhecimento do plano, aquele não o fez, bem como não compareceu no dia 3, nem nunca justificou as faltas, data esta última para qual providenciaram a notificação do arguido através da mãe do mesmo já que os prévios contactos telefónicos para tanto tentados redundaram como inconsequentes, não tendo o arguido atendido as chamadas.

6 – Homologado o plano, foi o arguido notificado do mesmo, todavia em 06.09.2016 fez a DGRS juntar um relatório de incumprimento, evidenciando que o arguido foi convocado para uma entrevista no dia 14 de Julho à qual faltou e nada justificou, novamente convocado para o dia 14 daquele mês veio a comparecer e, nessa sequência, foi designada nova entrevista para 8 de Agosto, á qual faltou novamente, bem como faltou nos dias 10 daquele mês e 2 de Setembro, datas estas entretanto designadas, sem ter justificado as faltas.

7 – Ouvido de novo o arguido sobre as razões do incumprimento, veio o mesmo a referir que compareceu sempre que foi notificado por cartas registadas com AR, sendo certo que faltou no dia 8 de Agosto mas no dia 9 telefonou para a DGRS a comunicar que faltara porque não estava na sua residência pois se ausentara em trabalho.

8 – Todavia, ouvida a técnica do IRS responsável pelo acompanhamento do plano, refere esta que foi com ela com quem o arguido esteve em contacto e que nesse dia 9 o notificou pessoalmente para comparecer no dia imediato, o que ele não fez, assim como não compareceu em posterior data para a qual foi convocado.

9 – Do exposto, resulta uma ação do arguido de, numa primeira fase, inviabilizar a elaboração do plano de reinserção e, após a elaboração deste, de não cumprimento das obrigações impostas, revelando uma postura de manifesto menosprezo e indiferença pela decisão do Tribunal, inviabilizando totalmente a aplicação do regime de prova.

10 – Pelo que bem se concluiu na decisão recorrida quando se consignou ter o arguido de modo culposo infringido grosseira e repetidamente o plano de readaptação social.

11 – E nessa sequência bem se decidiu ao determinar-se a revogação da suspensão da execução da pena, nos termos do disposto no art.º 56.º, n.º 1, al.ª a) do CP.

Termos em que deve improceder o recurso, mantendo-se incólume a decisão recorrida.

No entanto em alto critério V.ªs Ex.ªs decidirão. Justiça.


*

            A Mma. Juíza a quo sustentou o despacho recorrido.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo os fundamentos da resposta do Ministério Público e concluiu pela improcedência do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

            Respondeu o recorrente, reafirmando os argumentos da motivação.


*

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente – que de tão, injustificadamente, extensas, dificilmente cumprem o papel que a norma supra referida lhes assinala – a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.


*

            Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “ (…).

O arguido A... foi condenado nestes autos, em 07.01.2016, pela prática de um crime de roubo, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante a condição de se sujeitar a regime de prova.

Transitada em julgado esta decisão, solicitou-se à DGRSP a elaboração de relatório para posterior homologação do plano de reinserção social.

A 4 de março de 2016, veio a DGRSP informar que haviam convocado o arguido por correio registado com AR e correio normal para a morada indicada pelo tribunal, mas o arguido não compareceu, o que já tinha acontecido em anteriores convocatórias para elaboração de relatório social. A carta com AR veio devolvida com indicação de que não atendeu e não foi levantada no correio (cf. 501).

Fornecida nova morada do arguido à DGRSP, esta veio, de novo, informar, a 24 de março de 2016, que convocaram o arguido (por correio azul e carta registada com AR) para o dia 23 de março mas este não compareceu nem justificou a sua falta. A convocatória registada veio devolvida mas a de correio azul não (cf. fls. 507).

Foi designado dia para audição do arguido e da técnica de reinserção social. O arguido foi notificado por carta registada simples com prova de depósito mas faltou à diligência e a sua falta foi considera injustificada (cf. fls. 528 e 545).

Emitidos mandados de detenção para a realização da diligência, a mesma foi efetuada a 18.05.2016, tendo o tribunal considerado que as faltas do arguido se deviam a facto de se ter esquecido de comunicar a mudança de residência, tendo-se comunicado à DGRSP a nova morada do arguido, solicitando-se a elaboração do relatório em falta (cf. fls. 580).

Finalmente, foi elaborado o plano de reinserção social, tendo sido homologado a 17.06.2016 (cf. fls. 596 e 619).

Todavia, a 06.09.2016, a DGRSP enviou novo relatório informando que o arguido faltou à entrevista agendada para o dia 6 de julho. Foi novamente convocado para o dia 14 de julho (por correio azul e AR) e compareceu. Ficou marcada nova entrevista para o dia 8 de agosto mas o arguido faltou. Telefonou no dia 9 e foi-lhe remarcada entrevista para o dia 10 mas o arguido não compareceu. Foi enviada nova convocatória para o dia 2 de setembro e o arguido voltou a faltar (cf. fls. 647).

Foi designada nova data para audição do arguido, tendo este referido que, no dia 9 de agosto, telefonou para a DGRSP a informar que faltou porque estava a trabalhar mas que não se apercebeu que marcaram nova entrevista para o dia 10 de agosto, tendo ficado com a ideia que ainda ia receber uma convocatória com nova data. Mais referiu que não recebeu a convocatória para comparecer em setembro.

A Técnica de Reinserção Social também foi ouvida, explicando que apenas esteve com o arguido duas vezes e que este faltou às outras entrevistas, confirmando, assim, o teor do relatório enviado. Confirmou que o arguido lhe telefonou, explicando o motivo que o levou a faltar à convocatória, mas, que neste mesmo ato, aceitou comparecer no dia 10 de agosto mas faltou novamente. Voltaram a enviar convocatória para setembro mas o arguido voltou a faltar. Explicou, ainda, que até com a mãe do arguido falou para este comparecer mas sem sucesso, pois o arguido continuou a faltar às convocatórias que lhe eram dirigidas (fls. 689).

O Ministério Público promoveu que se revogue a suspensão da pena, por o arguido não ter cumprido as obrigações impostas (cf. fls. 693).

Conferido o contraditório, o arguido veio responder dizendo os factos não demonstram um incumprimento grosseiro e reiterado do arguido (cf. fls. 716), pelo que não deve ser revogada a suspensão da pena imposta ao arguido.


*

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 56º do Código Penal “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social”.

De acordo com o Ac. da RC de 09.09.2015, disponível em www.dgsi.pt, “A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção.

Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.

A infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou ao plano individual de reinserção, durante o período de suspensão, determinará a revogação da suspensão enquanto circunstâncias que põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe.”.

Da análise do processo e dos factos acima descritos resulta que, tendo sido homologado o plano de reinserção social constante de fls. 596 a 599, o arguido estava obrigado, entre o demais, a responder a todas as convocatórias do tribunal e dos Técnicos de Reinserção Social.

Ora, o arguido aceitou o plano de reinserção social, tomou conhecimento do mesmo e, ainda, assim, faltou às convocatórias para o dia 6 de julho e 8 de agosto. No dia 9 teve o cuidado de telefonar a justificar a sua falta mas voltou a faltar à entrevisto do dia 10 de agosto e à de 2 de setembro.

A este passo importa dizer que as notificações para comparência podem ser efetuadas por qualquer meio, não sendo exigível que a DGRSP convoque os arguidos por carta registada, como parece defender o arguido. Não é minimamente credível que o arguido apenas receba as notificações efetuadas por este meio (como tentou dizer o arguido em julgamento), como também não é credível que o arguido não tenha compreendido que tinha de comparecer no dia 10 de agosto, pois a técnica de reinserção social foi bastante clara ao afirmar que falou com o arguido e este compreendeu o que lhe foi dito.

O plano de reinserção social homologado era muito simples, bastava ao arguido comparecer quando fosse convocado na DGRSP e este, sem justificação, faltou três vezes (à semelhança do que antes já havia feito, mudando de residência sem comunicar a nova morada ao processo ou à DGRSP, apesar de saber que havia sido condenado numa pena suspensa com regime de prova, o que implicava a sua colaboração).

Acresce que o acórdão dos autos foi proferido há sensivelmente um ano sem que o arguido tenha cumprido o regime de prova, sendo certo que tal só ocorreu devido à falta de colaboração do arguido, tanto em relação à elaboração do relatório (não comunicou a mudança de residência, como estava obrigado, como não compareceu na DGRSP quando convocado).

Em suma, o arguido voluntariamente furtou-se aos contactos com a DGRS e não se preocupou com as consequências da sua conduta, inviabilizando totalmente a aplicação do regime de prova. O arguido de modo culposo infringiu grosseira e repetidamente o plano de readaptação social, pois faltou ir às entrevistas na DGRSP, sem qualquer motivo válido.

Uma última palavra para dizer que não se vislumbra que tenha sido praticada qualquer inconstitucionalidade, nem o arguido alega qualquer situação concreta que haja sido praticada pelo tribunal e que viole direitos constitucionais, pelo que nada mais temos a dizer a este propósito.

Assim, concluímos que o arguido infringiu grosseira e repetidamente o plano individual de readaptação social que lhe tinham sido impostos no Acórdão, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, revogo a suspensão da pena e determino que o arguido A... cumpra a pena de dois anos de prisão que lhe tinha sido imposta nos autos.

Após trânsito:

- Informe o processo no qual foi aplicada ao arguido a medida de coação de OPH que interessa a prisão do arguido e passe mandados de detenção e condução ao Estabelecimento Prisional.

- Remeta Boletins ao registo criminal.

(…).


*

            Com relevo para a questão, colhem-se ainda dos autos os seguintes elementos:

            i) Não tendo o recorrente comparecido DGRSP, apesar de repetidamente convocado, pelo envio de correio normal e correio registado, a fim de possibilitar a elaboração do plano de reinserção social necessário ao decretado regime de prova, em 18 de Maio de 2016, após prévia emissão e cumprimento de mandado de detenção para comparência, foi ouvido pela Mma. Juíza, tendo justificado a sua não comparência na DGRSP com o esquecimento na comunicação da mudança da sua residência e manifestado o propósito de cumprir o plano, o que determinou a prolação de despacho que, aceitando a justificação, ordenou a comunicação da nova residência do recorrente à DGRSP e a notificação deste para comparecer na referida direcção-geral a fim de ser elaborado o mencionado plano.

ii) O recorrente compareceu na DGRSP, para a primeira entrevista, no dia 23 de Maio de 2016.

iii) O plano de reinserção social foi homologado em 17 de Junho de 2016.

iv) O recorrente foi convocado para entrevista em 6 de Julho de 2016 e não compareceu.

v) Foi novamente convocado, por correio normal e registado, para 14 de Julho de 2016 e compareceu, tendo-lhe sido dado então conhecimento do plano de reinserção social, explicada a sua situação jurídico-penal e marcada nova entrevista para 8 de Agosto de 2016.

vi) O recorrente não compareceu em 8 de Agosto de 2016.

vii) No dia 9 de Agosto de 2016 o recorrente entrou em contacto telefónico com a técnica da DGRSP, dando como justificação para a falta de comparência no dia anterior a circunstância de se encontrar fora e pretendeu remarcar a entrevista para a semana seguinte.

viii) Por falta de agenda da técnica, não foi possível satisfazer o pedido do recorrente, tendo aquela remarcado a entrevista para o dia seguinte, 10 de Agosto de 2016, sem que o recorrente tivesse, na ocasião, discordado e manifestado a sua impossibilidade de comparência.

ix) O recorrente não compareceu em 10 de Agosto de 2016 nem justificou a falta.

x) A técnica da DGRSP enviou carta convocando o recorrente para 2 de Setembro de 2016 e este não compareceu, nem justificou a falta.

xi) Em 6 de Setembro de 2016 a DGRSP elaborou Relatório de Incumprimento, dando conta das incidências supra referidas.

xii) Por despacho de 14 de Setembro de 2016 foi determinada a audição do recorrente.

xiii) Em 16 de Novembro de 2016 o condenado e a técnica da DGRSP prestaram declarações perante a Mma. Juíza.

xiv) Em 18 de Novembro de 2016 o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão, o recorrente pronunciou-se pela manutenção da pena de substituição e em 12 de Janeiro de 2017 foi proferido o despacho recorrido.


*

Da não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão

1. A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição – da pena de prisão – em sentido próprio, e como todas as penas de substituição, tem na sua origem a necessidade de obviar aos efeitos das penas curtas de prisão.

Assim, para que não seja facilmente frustrado este propósito político-criminal, a lei fixou limites apertados à revogação desta pena de substituição. Vejamos.

Dispõe o art. 56º do C. Penal:

1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades de que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.  

São, portanto, dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação. 

A decisão recorrida apoia-se apenas no primeiro, sendo portanto, o único, cuja verificação ou não, importa analisar.

O condenado infringe grosseiramente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, culposamente, os não observa. Porém, a culpa aqui requerida – contrariamente á pressuposta no art. 55º do C. Penal – exige um grau qualificado. Não é, no entanto, necessário um incumprimento doloso, bastando para a revogação que da conduta provada resulte um modo de agir do condenado especialmente reprovável e portanto, uma conduta onde a falta de cuidado, a imprevidência assume uma intensidade particularmente elevada. Trata-se, no fundo, de um conceito próximo da culpa grave portanto, aquela que só é susceptível de ser actuada por uma pessoa particularmente descuidada ou negligente.

O condenado infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, os inobserva, assim revelando uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da sentença e/ou do plano de reinserção social.     

Num caso como noutros, estamos perante situações limite, onde o condenado, através da intensidade da culpa da sua conduta, inutilizou o capital de confiança na sua reinserção em liberdade que a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão significou.

Dito isto.

2. Alega o recorrente – conclusões 3 a 6 – que os factos anteriores à sua audição pelo tribunal em 18 de Maio de 2016 não podiam ser novamente valorados no despacho recorrido porque, no despacho ali proferido – em 18 de Maio de 2016 – ter sido decidida a manutenção da suspensão da pena de prisão.  

Com ressalva do respeito devido, não tem razão.

No despacho proferido em 18 de Maio de 2016 não foi propriamente decidido manter a suspensão da execução da pena de prisão mas apenas, perante as ‘razões’ apresentadas pelo recorrente, ordenar a comunicação à DGRSP da nova residência do recorrente, bem como a notificação deste para comparecer na referida direcção-geral a fim de ser elaborado o plano de reinserção social. O que o despacho tem implícito é a consideração pela 1ª instância de não existirem, então, motivos que pudessem determinar o ‘agravamento’ das condições da suspensão ou, mesmo, a sua revogação.

Depois, se é certo que no despacho recorrido foi relevada tal factualidade, para efeitos da decretada revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não cremos que a tanto exista impedimento legal. Explicando.

Como vimos, um dos fundamentos da revogação da suspensão é o incumprimento repetido dos deveres e condições impostos. Sendo manifesto que em 18 de Maio de 2016 já se verificada incumprimento e que este era culposo – o recorrente justificou o não comparecimento às convocatórias com o esquecimento na comunicação da mudança de residência – o tribunal recorrido, ao menos de forma implícita, considerou que o incumprimento não seria grosseiro, e que, até ao momento, a reiteração da conduta não atingira ainda um grau suficientemente grave para determinar a revogação, e por isso, nada decidiu, quanto a qualquer modificação do regime decidido na sentença condenatória.  

Precisamente por isto e porque a repetição do incumprimento dos deveres e regras de conduta pressupõe a sua reiteração, a sua verificação plúrima ao longo do tempo, é que, na apreciação global da conduta do recorrente, tendo em vista a densificação deste pressuposto, nada impedia que fosse considerada aquela factualidade.

3. Alega o recorrente – entre outras, conclusões 7, 13, 17, 18, 25 e 26 – que compareceu sempre que foi convocado por carta registada, que nunca foi convocado de forma pessoal, e que não constam dos autos elementos suficientes para concluir, quanto às outras convocatórias, que delas foi regularmente notificado.

No corpo da motivação o recorrente concretiza a alegação, dizendo, além do mais, que não consta dos autos a forma como foi feita a convocatória para o dia 2 de Setembro de 2016 pelo que, o entendimento do despacho recorrido, de que a DGRSP não tem que fazer as convocatórias por correio registado, não previne a possibilidade de extravio do correio normal, defendendo, ao que parece, que as convocatórias devem sempre revestir aquela forma mais solene e eficaz. 

É verdade que dos autos não resultam elementos bastantes para, com a necessária certeza, se concluir pela efectiva notificação ao recorrente da convocatória para 2 de Setembro de 2016, mas esta é questão diversa, que mais adiante, trataremos.

Quanto ao mais, não existe norma que imponha que as convocatórias da DGRSP, quando feitas por via postal, o tenham que ser na forma registada.

A resposta variará então, conforme o caso concreto. Digamos que, em questões de suspensão da execução da pena de prisão e outras similares, onde pode estar em causa, a final, a liberdade do cidadão, tudo depende dos traços de personalidade do condenado, do grau de interiorização do desvalor da conduta, revelado pela sua maior ou menor colaboração da tarefa da sua ressocialização em liberdade. Queremos com isto significar que, se para um condenado normalmente colaborante pode não justificar-se uma cautela acrescida, já não assim para os que revelam, umas vezes por imaturidade, outras vezes, por deficiência de carácter, indiferença perante a sanção aplicada e as obrigações que dela, para si, resultam.     

In casu, pelo historial verificado, teria sido de toda a conveniência a utilização de correio registado. E ele foi efectivamente usado [sem prejuízo da reserva supra feita quanto à forma que revestiu a convocatória para 2 de Setembro de 2016] ainda que, como dissemos, a lei tal não imponha.

É claro que o correio pode extraviar-se, mas aqui, já estaremos perante uma questão distinta, uma questão de prova do extravio e portanto, de prova da notificação ou da falta dela. E existindo dúvida razoável sobre ela, a decisão terá que ser pro reo.

4. Alega o recorrente – entre outras, conclusões 19 a 24 – que o despacho recorrido enferma do vício previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal porque nunca tentou inviabilizar a elaboração do plano, tendo comparecido na DGRSP em 14 de Julho de 2016, tendo contactado a mesma direcção-geral em 9 de Agosto de 2016, justificando a falta dada no dia anterior, e tendo solicitado a marcação de nova entrevista para a semana seguinte, e não tendo sido convocado de forma regular mais nenhuma vez, não se pode considerar que houve incumprimento reiterado e grosseiro, com manifestação de desprezo e indiferença pela decisão judicial, não se verificando uma actuação indesculpável e intolerável pelo que, não se verificando os pressupostos do art. 56º, nº l, a) do C. Penal, existe erro notório na apreciação da prova.

Com ressalva do respeito devido, não tem razão.

Os vícios decisórios, previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, são defeitos da estrutura da própria decisão penal e por isso, tal como resulta da norma citada, a lei impõe que a sua evidenciação se faça apenas através do respectivo texto, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, não sendo lícito, para este efeito, lançar mão de elementos alheios à decisão, ainda que constem do respectivo processo.

Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valora contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, 2000, Editorial Verbo, pág. 341). Dizendo de outro modo, trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).

Não descortinamos na decisão recorrida qualquer atropelo a critério probatório legalmente fixado, isto é, violação de prova tarifada. Aliás, nem o recorrente o aponta.

Quanto ao mais, o que verdadeiramente sucede é que, perante factos probatoriamente estabilizados, o recorrente discorda do tratamento jurídico-penal que lhes foi dado designadamente, quanto à regularidade das convocatórias, por não terem sido realizadas pessoalmente nem por correio registado, e quanto à desvalorização dada ao contacto telefónico por si estabelecido com a DGRSP em 9 de Agosto de 2016.

Esta discordância, nada tem a ver com o vício da decisão invocado. Com efeito, tal como foi apresentada, não se trata de erro de facto e, muito menos, erro notório na apreciação da prova, mas antes, na perspectiva do recorrente, de erro na aplicação do direito aos factos.

            5. Aqui chegados, tratemos do fundo da questão.

            Que o recorrente não tem vindo a cumprir o comando decretado na sentença condenatória é uma evidência, não carecida, por isso, de demonstração. É que, mesmo ultrapassando as condutas que precederam o despacho de 18 de Maio de 2016, precisamente pelo que, neste se decidiu, é manifesta a falta de colaboração do recorrente com a DGRSP, com reflexo directo na execução do plano de reinserção social integrante da pena de substituição que lhe foi imposta na sentença. Vejamos.

O plano de reinserção social foi judicialmente homologado em 17 de Junho de 2016 e na sua execução, o recorrente foi convocado pela DGRSP para entrevista em 6 de Julho de 2016 e não compareceu. Acontece que não se encontra apurada nos autos a forma que a convocatória revestiu mas, não obstante, como já dissemos, nada impor que ela tivesse que ser feita por correio registado, são aqui integralmente aplicáveis as considerações feitas infra, a propósito de uma outra [a de 2 de Setembro de 2016].

O recorrente foi de novo convocado, agora por correio normal e por correio registado, para 14 de Julho de 2016, compareceu e nesta ocasião foi-lhe dado conhecimento do teor do plano de reinserção social, explicada a sua situação jurídico-penal e marcada nova entrevista para 8 de Agosto de 2016.

Inegavelmente conhecedor, portanto, de que deveria comparecer na DGRSP no dia 8 de Agosto de 2016, o recorrente pura e simplesmente, não o fez. E só no dia seguinte, 9 de Agosto do ano em questão, entrou em contacto com aquela direcção-geral, para ‘justificar’ a falta.

Nas declarações que prestou à Mma. Juíza a quo em 16 de Novembro de 2016 [consigna-se que Relação ouviu, integralmente, o registo gravado de tais declarações, bem como do depoimento da técnica da DGRSP, B... ], o recorrente assumiu uma postura ziguezagueante, adaptando a versão do que disse ter sucedido, às necessidades do momento, em razão das objecções que os seus interlocutores lhe foram colocando. Começou por dizer que não teve conhecimento de algumas marcações mas sempre que foi notificado por carta registada, compareceu. Relativamente à falta do dia 8 de Agosto de 2016, disse que recebeu uma carta e que no dia a seguir telefonou a dizer que não podia estar, porque estava fora, a trabalhar, disse que não conseguiu falar com a técnica e que falou com a secretária a quem informou que não estava em Coimbra, e deve ter percebido mal quanto a terem remarcado a entrevista para dia 10 de Agosto, pensou que ia receber uma carta ou qualquer coisa. Mais adiante, esclareceu que só no dia 9 de Agosto de 2016 telefonou e não no dia anterior, porque só no dia 8 de Agosto a mãe o avisou de que tinha a convocatória.

 Porém, com excepção de ter o recorrente efectivamente entrado em contacto telefónico com a DGRSP no dia 9 de Agosto de 2016, nada mais do afirmado é consistente.

Desde logo porque a convocatória para o dia 8 de Agosto de 2016 foi feita pessoalmente ao recorrente, na DGRSP, quando aí compareceu no dia 14 de Julho do mesmo ano, não fazendo sentido a afirmação de que recebeu a carta a convocá-lo, véspera. Aliás, ainda que só na véspera tenha sido avisado pela mãe, como acabou por dizer, certo é que o recorrente está obrigado a manter contacto regular com a residência que indicou no processo pelo que, se disso não cuida, só de si se pode queixar.

Depois, porque, como claramente foi afirmado pela testemunha B... , técnica da referida direcção-geral, o recorrente falou consigo, via telefone [e não com a secretária], no dia 9 de Agosto, justificando a falta dada no dia anterior, dizendo não se encontrar em Coimbra.

Finalmente porque, tendo em conta o depoimento da testemunha, o recorrente não pode ter feito qualquer confusão com a convocatória, pelo telefone, para o dia seguinte, 10 de Agosto, uma vez que, embora tivesse pretendido que a entrevista ocorresse na semana seguinte, tal não foi possível, por indisponibilidade de agenda da testemunha, e foi marcada o dito dia 10, sem que o recorrente tivesse manifestado a sua impossibilidade de comparecer, não se entendendo sequer como, marcada a entrevista para o dia seguinte, podia ter ficado convencido de que ainda iria receber uma carta a convocá-lo.

Assim, uma vez mais conhecedor de que deveria apresentar-se na DGRSP, agora no dia 10 de Agosto deão só não o fez, como não ensaiou sequer qualquer tentativa de justificação da falta dada. Tão-pouco, aliás, tentou novo contacto com aquela direcção-geral, a fim de viabilizar a execução do plano de reinserção social.  

A DGRSP, numa derradeira tentativa, convocou o recorrente para uma entrevista a ter lugar no dia 2 de Setembro de 2016. O recorrente, nas declarações prestadas, afirmou não ter tido conhecimento da convocatória. A testemunha B... , no seu depoimento, afirmou que a convocatória foi feita por carta, não podendo afirmar, se por correio normal, se por correio registado, e não ter acesso ao processo, por o mesmo ter sido enviado para Aveiro, onde o recorrente se encontra, sujeito a prisão preventiva.

Nos autos não existe qualquer referência à forma desta convocatória pelo que, no limite, não podendo afastar-se a possibilidade de extravio do correio normal, inexistem elementos bastantes para que se possa concluir que o recorrente dela teve ou podia ter tido conhecimento. Com efeito, sendo, obviamente, de estranhar que o recorrente só tenha conhecimento das convocatórias quando estas são feitas por correio registado, a verdade é que, só esta forma comprova que, pelo menos, podia delas ter tido conhecimento, pois é esta a conclusão a que nos conduza, eventual, devolução do correio registado. Se este foi enviado para a morada indicada pelo recorrente e vem devolvido, é legítimo concluir que não foi levantado porque o destinatário, intencionalmente, o que não quis ou porque, negligentemente, não mantém um contacto próximo com o domicílio escolhido.        

De tudo isto resulta ser patente que o recorrente não tem observado linearmente as obrigações para si decorrentes da execução do plano de reinserção, como resulta do cumprimento intermitente das convocatórias que lhe são enviadas pelos serviços de reinserção social, assumindo, neste âmbito, uma atitude de alheamento de grau variável. Mas, bem vistas as coisas, o que temos é que, depois de um primeiro ‘episódio’ de incumprimento culposo [esquecimento do recorrente em comunicar ao processo a alteração de residência, e consequente atraso na elaboração do plano de reinserção], se seguiu um período de relativa colaboração [comparência à entrevista em 14 de Julho de 2016] e depois, novo ‘episódio’ de incumprimento culposo, onde o recorrente faltou à entrevista de 8 de Agosto de 2016, apresentou uma justificação, atrasada, para a ausência, e faltou a nova entrevista a 10 de Agosto de 2016, sem apresentar qualquer justificação e sem tentativa de contacto posterior com a DGRSP.

Não tendo sido averiguada a validade da justificação dada [ausência de Coimbra em trabalho], não pode a mesma ser afastada, sem mais. Resta, portanto, o atraso na justificação da falta.

Este atraso e a subsequente falta de comparência, não justificada pelo recorrente, conjuntamente considerados, traduzem um comportamento culposo mas, mesmo sem perder de vista o incumprimento ocorrido antes de 18 de Maio de 2016, o grau de culpa não atinge, em nosso entender, uma intensidade tal que imponha concluir que comprometeu irremediavelmente o juízo de prognose favorável e a aposta na reinserção em liberdade do recorrente, que estão na base do decretamento da pena de substituição.

A revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena sendo, portanto, cláusula de ultima ratio. Não vemos que a concreta situação desenhada nos autos não tivesse, já, outras alternativas de resolução que não, a decidida revogação.

Em suma, consideramos que não está verificado o pressuposto da revogação da suspensão da execução da pena de prisão previsto na alínea a) do nº 1 do art. 56º do C. Penal pelo que, porque nele fundada, não pode manter-se a decisão recorrida.  


*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Em consequência, revogam o despacho recorrido.


*

Recurso sem tributação, atenta a sua procedência (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal).

*

Coimbra, 13 de Setembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)