Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2211/10.1TJSB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ENERGIA ELÉCTRICA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
FORÇA MAIOR
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - TRIBUNAL JUDICIAL - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 493, 509 CC
Sumário: 1- Sendo a condução e entrega de energia eléctrica uma actividade perigosa, o art. 509º nº1 do C.C, impõe que quem beneficia dessa actividade suporte, objectivamente, os respectivos riscos, reparando os danos ou prejuízos causados em consequência do exercício dessa actividade.

2. Só não obrigam a tal reparação, nos termos do nº2 do mesmo preceito legal, os danos que forem devidos a causa de força maior.

3. As trovoadas e os raios, porque fenómenos naturais comuns e correntes, não podem ser independentes do funcionamento e utilização da rede de distribuição, pelo que a empresa que explora a produção, o transporte e a distribuição de energia eléctrica tem forçosamente que contar com eles.

4. Os raios não preenchem o conceito de causa de força maior, conforme é definido no nº2 do citado Art. 559º e como tal não exclui a responsabilidade objectiva da ré EDP, nos termos do disposto no nº1 do mesmo artigo.

Decisão Texto Integral:          Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I- RELATÓRIO

         1. A  A....Companhia de Seguros, S.P.A, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a R. EDP – Distribuição Energia, SA, alegando, em síntese, ter celebrado com “B... Ldª” um contrato de seguro, nos termos do qual se comprometeu a garantir a responsabilidade por danos ocorridos nas máquinas fixas da segurada; na sequência de uma trovoada, ficaram danificados diversos equipamentos eléctricos da sua segurada; tal evento, na perspectiva da autora, deveu-se a facto imputável à ré, que violou a obrigação de promover o fornecimento de energia de forma permanente e contínua, não tendo dotado a rede eléctrica por si fornecida de meios que evitassem a ocorrência de variações na sequência de descargas eléctricas, e também não promovendo a manutenção da conduta de abastecimento e distribuição de electricidade que abastece o local onde se verificou o sinistro; assim, invocando a autora que o comportamento da ré provocou à sua segurada prejuízos no valor de € 13.131,26, dos quais € 12.831,26 respeitam aos equipamentos danificados e € 300 correspondem ao montante liquidado a sociedade que apurou as causas do sinistro, os quais foram por si liquidados, solicitou por via de sub-rogação a condenação da ré no pagamento dessa quantia, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

         Em requerimento apresentado posteriormente à P.I. a autora veio solicitar, a fls. 62, que a alegação por si efectuada quanto ao local do sinistro fosse corrigida, por forma a considerar-se que o evento lesivo ocorreu em Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira, Seia, e não em Fragosela de Cima, Viseu, como consta da petição inicial.

         2. Regularmente citada, a R. contestou, defendendo-se por impugnação, negando que no dia em questão tenha ocorrido qualquer interrupção da energia eléctrica, não lhe sendo imputável qualquer acção ou omissão susceptível de produzir danos, considerando que a acção deveria ser julgada liminarmente improcedente, por não provada.

         3. A A. respondeu, aduzindo no articulado de resposta que os danos por si invocados se subsumem ao contrato de seguro celebrado, apesar de existir uma divergência na apólice quanto ao local do sinistro, que foi oportunamente rectificada, reiterando que deveria considerar-se corrigido o lapso por si cometido na indicação do local do sinistro na petição inicial.

         4. Foi proferido despacho em que se excepcionou a incompetência territorial dos juízos cíveis do Tribunal da comarca de Lisboa, no qual a acção foi instaurada, e se determinou a sua remessa para o Tribunal Judicial da comarca de Viseu.

         5. Deferido o requerimento relativo à rectificação do local do sinistro, foi concedido novo prazo à ré para apresentar contestação, por forma a que organizasse a sua defesa relativamente a esse novo elemento.

         6. Na sequência do convite mencionado no artigo anterior, apresentou a ré nova contestação, em que se defendeu por impugnação, considerando não lhe ser imputável qualquer dano, e ainda que o local do sinistro não correspondia ao que consta da apólice, concluindo que a acção deveria ser julgada improcedente.

         7. Foi apresentada também nova resposta à contestação, na qual a autora reiterou que os danos por si invocados decorreram de sobretensão eléctrica imputável à ré, e ainda que a divergência detectada na apólice quanto ao local do sinistro não constituía circunstância com relevância significativa para a apreciação do risco que tivesse obstado à celebração do contrato ou tivesse excluído a situação da garantia do seguro.

        

         8. Foi então proferido despacho saneador no qual se concluiu pela verificação da excepção dilatória de ilegitimidade activa, e, em consequência, se absolveu a R. da instância.

         9. Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra a A., na procedência do qual veio a ser revogada aquela decisão e a declarar-se que a A. e a R. gozam de legitimidade e a ordenar-se o prosseguimento dos autos.

         10. No cumprimento do decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi seleccionada a matéria de facto assente e controvertida, que foi objecto de reclamação que veio a ser atendida.

         11. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância do legal formalismo.

         12. Decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida sentença na qual se decidiu pela procedência da acção e pela condenação da a R. EDP Distribuição – Energia, S.A. no pagamento à A. A...– Companhia de Seguros, S.P.A. do montante indemnizatório global de € 13.131,26 (treze mil, cento e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos), acrescido dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos desde o dia 23-11-2010 e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% ao ano.

         13. Inconformada com tal sentença veio a R. interpor recurso da mesma, rematando as alegações de tal recurso com as seguintes conclusões sintetizadas, em obediência ao convite que para tanto lhe foi endereçado:

         (…)

            14. Contra-alegou a A. A...– Companhia de Seguros, S.P.A. rematando as contra-alegações que apresentou, e que manteve  depois da síntese das conclusões apresentadas pela recorrente, da seguinte forma:

 (…)

         - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:

         I- saber se foi incorrectamente julgada a matéria de facto; e

         II- saber se a Ré poderá ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela segurada da Autora ainda que a matéria de facto não seja alterada.



         III- Questão prévia

         Antes de entrar propriamente na apreciação das questões suscitadas pela recorrente no seu discurso recursivo e supra elencadas, há que tomar posição sobre os documentos que a apelante junta com as alegações do presente recurso.

         Com efeito, com as suas alegações de recurso, a recorrente EDP, S.A. requer a junção aos autos das facturas referentes ao período compreendido entre Junho e Dezembro de 2009 por forma a delas extrair que não consta das mesmas qualquer débito referente à deslocação do piquete às instalações da B...s, e, dessa forma, infirmar o depoimento prestado na audiência de julgamento pela testemunha (…), depoimento esse em que o tribunal recorrido se estribou para considerar não provada a factualidade vertida no quesito 36º da base instrutória, a qual, entre outra, a recorrente entende ter sido mal julgada pelo tribunal recorrido, razão pela qual impugna no presente recurso a decisão da matéria de facto no tocante à mesma e também a outra.

         Sobre a junção de documentos em sede de recursos regem os normativos legais contidos no Art. 524º e 693ºB ambos do CPC.

         Preceitua o Artigo 524.º do CPC que:

         « 1 - Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

         2 - Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo. 

Junção de documentos ».

         Por seu turno, dispõe o Art. 693ºB do CPC que:  

         « As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º». 

         Da conjugação dos citados preceitos legais e tendo presente, ainda, o art. 523º do CPC, nos termos do qual os documentos poderão ser juntos até ao encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância, decorre que, findo este momento, apenas poderão ser juntos documentos com as alegações de recurso:

         a) quando a apresentação não tenha sido possível até ao referido encerramento, impossibilidade essa que pode ser objectiva (inexistência do documento em momento anterior) ou subjectiva (ignorância sobre a existência ou impossibilidade de a ele aceder), havendo o apresentante que alegar e demonstrar essa impossibilidade;

         b) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos   articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior;

         c) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento, o que apenas ocorre se a decisão da 1ª instância se tiver fundado em meio probatório não oferecido pelas partes ou se se tiver baseado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam.

         d) nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artigo 691º, que respeitam a situações que não se prendem com a decisão que conheça do mérito.

         E se, ainda assim, se concluir que o documento foi atempadamente apresentado, sempre haverá que apreciar, com vista à admissibilidade ou não da sua junção, a necessidade ou pertinência do mesmo.

         No caso em vertente, todos os documentos que a recorrente junta com as alegações de recurso mais não são do que as facturas emitidas pela EDP à cliente (…) Lda. que comportam todos os valores facturados pela primeira à segunda no período compreendido entre 2009.06.07 a 2010.01.05, cujas datas de débito se contam entre a primeira de 2009.08.10. e a última de2010.02.07.

         Tendo em conta que a audiência de julgamento onde decorreu a produção da prova testemunhal arrolada por ambas as partes teve lugar numa única sessão, ocorrida no dia 13 de Dezembro de 2012, e foi encerrada para continuar no dia 10 de Janeiro de 2013 para produção de alegações, vindo tal continuação a ser dada sem efeito por despacho proferido em 2013.01.09 em virtude de ambos os mandatários das partes terem prescindido de comum acordo da produção de alegações - através de requerimento para o efeito apresentado nos autos pela R. em 2013.01.07 ao qual aderiu a A. por declaração electrónica nesse sentido apresentada na mesma data de 2013.01.07 – resultando, assim, manifesto que os as aludidas facturas se apresentam como documentos que se destinam a provar factos ocorridos em data anterior ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância.

         Pretende a recorrente, para justificar a junção de tais facturas com as alegações do presente recurso, que só em julgamento é que foi invocado o facto relacionado com o pagamento da deslocação do piquete – referido pela testemunha C... – e que foi necessário requerer ao comercializador tais facturas de Junho a Dezembro.

         Não cremos, porém, que possa colher tal argumentação.

         Isto porque.

         Em primeiro lugar, foi a própria Ré que alegou na contestação ( Art. 12º da mesma ) o facto que veio a ser levado à base instrutória, sob o ponto 36º desta, relacionado com o piquete na ré não ter sido chamado a intervir na rede em questão, nem ter sido solicitado pela “ B...s “, donde se extrai, à saciedade, que o facto para prova do qual a recorrente pretende agora juntar a referida documentação não se trata de um facto posterior aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

         Por outro lado, o depoimento da mencionada testemunha C... foi produzido, conforme já referido, na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia no dia 13 de Dezembro de 2012, tendo ficado agendada a continuação da mesma para o dia 2013.01.10, donde resulta ter sido perfeitamente possível à R. e ora recorrente, querendo infirmar o mesmo com base no teor na dita facturação, seja diligenciando pela obtenção das referidas facturas dentro do aludido período ou, na impossibilidade de assim ser - que não se antevê visto já que a entidade processadora das mesmas se trata de uma empresa necessariamente do Grupo EDP – lançando  mão do disposto nos Arts. 531º e 535º do CPC para conseguir, através do tribunal, lograr a junção aos autos das mesmas.

         Não o tendo feito, não assiste agora à R. recorrente o direito de juntar tais documentos com as alegações do recurso que apresentou, uma vez que essa junção não se enquadra em nenhuma das mencionadas situações que a permitem.

            Pelo exposto, não se admite a junção dos documentos de fls. 431-449191-218, os quais, oportunamente, deverão ser desentranhados e devolvidos à parte que os apresentou.     

IV- FUNDAMENTAÇÃO

A) De Facto

         Foram os seguintes os factos considerados provados pelo tribunal de 1ª instância:

         1 - A autora “ A...Companhia de Seguros S.P.A” exerce a actividade seguradora;

         2 - Consta de fls 14 e 15 dos presentes autos documento emitido pela “ A...Companhia de Seguros S.P.A” denominado “Condições Particulares”, constando da menção relativa a “Produto” o seguinte “Leasing Equipamentos”, no mesmo se referindo que a apólice é o nº 8144 10000001 000 0005856, que o segurado é “ B..., Ldª”, o objecto seguro “máquina fixas” e o local de risco “Fragosela de Cima 3500-465 Fragosela Viseu;

         3 - A ré é titular de uma licença de distribuição de energia em média e alta tensão e concessionária da distribuição em baixa tensão;

         4 - A ré é responsável pelo abastecimento e distribuição de energia eléctrica em Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira, Seia;

         5 - No dia 28 de Junho de 2009, em Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira, Seia, verificou-se uma trovoada;

         6 - Na sequência do evento descrito na alínea anterior ficaram avariados equipamentos da “(…), Ldª”:

         7 - Consta de fls 48 e 49 dos presentes autos cópia de documento, denominado “Incêndio/Diversos Participação de Sinistro” do mesmo constando que o mesmo foi subscrito pelo segurado da autora “(…)Ldª” e que no dia 28/6/2009 ocorreu um sinistro, aí descrito nos seguintes termos: “Uma trovoada forte provocou descarga eléctrica danificando os equipamentos (tudo ligado à corrente eléctrica ficou danificado)”;

         8 - Na ocasião aludida em 5. verificou-se a queda de um raio;

         9 - A ré enviou à autora a carta cuja cópia consta de fls 52;

         10 - A ré “EDP – Distribuição de Energia, SA” é concessionária e operadora da Rede Nacional de Distribuição de energia eléctrica na zona onde se situam as instalações identificadas na petição inicial (rectificada), e tem a direcção efectiva da rede que abastece as instalações da segurada da autora;

         11 - Em Maio de 2010, a autora apresentou à ré a comunicação cuja cópia consta de fls. 135;

         12 - Do documento nº 2 junto com a petição inicial, denominado “Relatório de Peritagem”, elaborado por “(…), SA” no segmento constante de fls 36 consta, além do mais o seguinte:

         “O local de risco identificado nas condições particulares da presente apólice correspondem à sede do segurado em Fragosela, sendo que a ocorrência ocorreu nas instalações fabris do segurado em Seia.

         Assim sendo apresentaremos de forma condicional o respectivo cálculo de indemnização para superior decisão da Seguradora”

            13 - A firma “(…)Ldª” desenvolve a sua actividade em Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira, Seia;

         14 - No interior das suas instalações encontrava-se diverso equipamento e material eléctrico;

         15 – Em consequência da trovoada referida em 5. ocorreram alterações na corrente eléctrica, tendo inclusive ocorrido um súbito corte no fornecimento de energia eléctrica;

         16 – A queda do raio aludida em 8 provocou uma sobretensão eléctrica na rede da EDP de abastecimento de energia eléctrica às instalações do segurado da autora, caracterizando-se tal sobretensão por um aumento súbito da tensão eficaz da rede eléctrica, originando que a sua amplitude se situasse, à data do sinistro, acima do seu valor nominal, sendo que foi tal sobretensão que originou danos nos equipamentos do segurado da autora, que por se encontrarem ligados à corrente eléctrica, ficaram queimados;

         17 - Na sequência do referido em 5., vários equipamentos eléctricos da firma “ B..., Ldª”, que se encontravam no interior do quadro de controlo de automatismos deixaram de funcionar;

         18 - O que ocorreu na sequência de uma avaria no quadro de controlo dos automatismos;

         19- Deixaram de funcionar, tendo ficado queimados, quatro ventiladores HCFT 6- 630, um CPU 313C-Simatic S7-300, um CPU 226DC-Simatic S7-200, um CPU Simatic S7- 200, um CPU Simatic S7-300 analogic input, um CPU Simatic S7-300 digital outpou, um CPU Simatic S7-300 analogic input, dois CPU Simatic S7-300 digital module, quatro micromaster 420, um Sitop 15A DC UPS, Módulo UPS, um conversor;

         20 - E a firma “ B...” diligenciou pela reparação do equipamento pela empresa “Tecsisel-Tecnologia e Sistemas, Ldª”;

         21 - Tal reparação foi orçamentada em € 15.224,59;

         22 - Dos quais € 12.794,59 respeitavam a substituição do equipamento;

         23 - E € 2.430,00 respeitavam a mão de obra e deslocações;

         24 - A “ B...” apresentou à autora a participação mencionada em 6.;

         25 - A autora pagou à “ B...” o montante de € 12.831,26;

         26 - O que fez em cumprimento do acordo a que se refere a apólice mencionada em 2.;

         27 - Na sequência do sinistro, a autora efectuou um acordo com a “(…), SA” para apurar as causas que estiveram na sua origem;

         28 - Com a qual dependeu a quantia de € 300,00;

         29 - A “(…)” em Paranhos da Beira é abastecida em baixa tensão através da linha aérea a 15 kv para o Posto de Transformação (PT) PT124/SEI;

         30 - Posto de Transformação esse que em 28 de Junho de 2009 alimentava 79 consumidores de energia eléctrica;

         31 - À data dos acontecimentos todos os componentes da linha de média tensão e PT se encontravam em condições de segurança adequadas;

         32- As redes da ré tinham sido inspeccionadas sem que tivesse sido detectada qualquer anomalia;

         33 – A apólice supra mencionada foi rectificada quanto ao local do risco de tal menção, tendo passado a constar “Carvalhal Louça 6270-131 Paranhos Seia”.

        

         I- Sendo esta a matéria de facto considerada provada pelo tribunal recorrido, vejamos, pois, se a mesma será de manter, tendo em conta a  impugnação que da mesma vem equacionada no presente recurso.

         (…)

         B) De Direito

         Vejamos, então agora, se, mesmo sem alteração da matéria de facto, poderá a R. e ora recorrente ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela segurada da A. e ora recorrida.

         Antes de mais cumpre delinear o enquadramento da eventual responsabilidade da Ré pela condução e entrega da energia eléctrica que lhe foi concessionada.

         A decisão recorrida balizou a obrigação de indemnizar por parte da R. EDP - Distribuição Energia, S.A. com base na responsabilidade contratual e extra-contratual, concluindo na sentença recorrida que impendendo sobre aquela as presunções legais de culpa previstas nos Arts. 799º Nº1 e 493º do CC, tais presunções de culpa não foram pela mesma elididas.

         Apesar de na sentença recorrida se ter trilhado a análise da responsabilização da R. e ora recorrente, quer à luz da responsabilidade contratual, quer extracontratual, quer, ainda, à luz da responsabilidade objectiva ou pelo risco, e de nela ter sido ponderada a verificação dos pressupostos para a responsabilização da R. à luz de todas elas - referindo expressamente ser convocável no caso em vertente o normativo contido no Art. 509º Nº 1 do CC no qual se estabelece uma situação de responsabilidade objectiva ou pelo risco, independente da culpa do agente, e também que não se verificou nesta situação qualquer causa de força maior, pelo facto da trovoada não constituir facto de intensidade excepcional, nem factor estranho à própria instalação, uma vez que a rede eléctrica gerida pela ré se encontra sujeita aos condicionalismos das intempéries e do estado do tempo – a verdade é que, por razões que não se alcançam, se rematou na sentença concluindo, apenas no ponto 6.12 da mesma que “ a ré “EDP Distribuição – Energia, S.A.” deve ser responsabilizada civilmente, quer por via da responsabilidade civil contratual, quer por via da responsabilidade civil extracontratual, pelos danos sofridos pela segurada da aqui autora “, deixando de fazer-se qualquer menção à responsabilidade objectiva ou pelo risco, a qual, como já se referiu, se trata de uma responsabilidade independente de culpa, seja esta efectiva ou presumida.           

         Ao intentar a presente acção com o propósito de obter a condenação da R. no pagamento da indemnização que desembolsou enquanto seguradora da lesada em consequência do sinistro em discussão nos autos ao abrigo do contrato de seguro entre ambas celebrado, estriba-se a A. e ora recorrida, ao mesmo tempo, em dois tipos de responsabilidade: a objectiva, que decorreria do disposto no Art. 509º do CC; e a subjectiva, que adviria tanto do preceito do Art. 493º, nº 2, como da norma do Art. 799º do mesmo Código, apesar de se ter limitado a indicar na petição inicial, em sede de exposição das razões de direito que servem de fundamento à acção e a respeito da obrigação de indemnizar por banda da R., ao disposto no citado Art. 509º do CC.

         E, a concluir-se pela responsabilidade objectiva da R., deixa de se colocar a questão da respectiva culpa, seja ela efectiva ou presumida, resultando, por isso, prejudicada a apreciação das presunções de culpa estabelecidas nos referidos preceitos legais ( Arts. 799 Nº1 e 493º Nº2 do CC ) em que a sentença recorrida se focalizou para concluir, com base nelas, pela responsabilização da R. com base na responsabilidade contratual e extra-contratual.

         Em face da panóplia fáctica apurada, mormente da elencada nos pontos 3., 4. e 10. da mesma, é indiscutível que a R. e ora apelante  EDP - Distribuição Energia, S.A. B. detinha a direcção efectiva e a utilização no próprio interesse o sistema da instalação, condução e entrega da energia eléctrica destinado a abastecer as instalações da segurada da A. ora recorrida,

         Com efeito, estabelece-se no Art. 509º do C. Civil:

         “1. Aquele que tiver a direcção efectiva da instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega do gás, como do dano resultante da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

         2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

         3. Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição”.

         Inspirado na legislação alemã, que seguiu de muito perto, o preceituado em tal normativo legal, impõe que quem beneficia dessas actividades, suporte – objectivamente - os respectivos riscos, por entender que estas « como auferem o principal proveito da sua utilização é justo que suportem os respectivos riscos » - vide neste sentido Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3ª edição, pág.586.

            Mas como acrescenta o mesmo autor, e em resultado do preceituado no Nº2 do Art. 509º do C.C., não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considerando-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

         Assente, pois, que a R. e ora apelante se mostra abrangida pela previsão deste normativo, cumpre, então, averiguar se se mostrará excluído o   risco por causa independente do funcionamento da instalação de quem conduz e entrega a energia que vem definida no Nº 2 do mesmo, no qual se alude a causa de força maior.

         Como bem se defende no recente Ac. da Rel. de Coimbra, de 10-09-2013, disponível in www.dgsi.pt, “ a responsabilidade pelo risco tem sempre implícita a extrema dificuldade ou mesmo a impossibilidade para o lesado em provar o nexo de causalidade contra o lesante, quando este desenvolve uma actividade potencialmente danosa ou perigosa no plano pessoal ou meramente patrimonial que tem que ver com a especificidade e natureza dos bens fornecidos. O que causa de força maior verdadeiramente significa é uma excepção ao nexo de causalidade adequada, que se traduz na imputação objectiva do dano ao risco da actividade pressuposto na lei. Claro que poderá integrar esta causa um facto ilícito do consumidor ou um acto de terceiro que não seja imputável à entidade detentora da direcção efectiva. “

            No caso em apreço apenas será de ponderar a existência de causa de força maior, já que a verificação de um facto ilícito do consumidor ou de um acto de terceiro que não seja imputável à entidade detentora da direcção efectiva se mostram fora de cogitação, por nenhuma matéria a respeito destas situações ter sido trazida aos autos.

         Com relevo para a apreciação da existência ou não de causa de foça maior resultou provado que em consequência da trovoada que se verificou no dia 28 de Junho de 2009, em Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira, Seia, ocorreram alterações na corrente eléctrica, tendo inclusive ocorrido um súbito corte no fornecimento de energia eléctrica, e que a queda do raio que se verificou por ocasião dessa trovoada provocou uma sobretensão eléctrica na rede da EDP de abastecimento de energia eléctrica às instalações do segurado da autora, caracterizando-se tal sobretensão por um aumento súbito da tensão eficaz da rede eléctrica, originando que a sua amplitude se situasse, à data do sinistro, acima do seu valor nominal, sendo que foi tal sobretensão que originou danos nos equipamentos do segurado da autora, que por se encontrarem ligados à corrente eléctrica, ficaram queimados.

         Perante tal acervo fáctico pugnou-se na sentença recorrida pela não verificação de qualquer causa de força maior, pelo facto da trovoada não constituir facto de intensidade excepcional, nem factor estranho à própria instalação, uma vez que a rede eléctrica gerida pela ré se encontra sujeita aos condicionalismos das intempéries e do estado do tempo.

         Insurge-se a apelante contra tal entendimento dizendo que se a sobretensão foi gerada pelo raio, e induzida na rede de distribuição, que se encontrava em perfeitas condições de exploração, dotada de todos os componentes em bom estado, então tratou-se de uma causa de carácter exógeno e alheia ao funcionamento e utilização da rede eléctrica que a ré presta, consubstanciando um causa de força maior por tratar-se de um acontecimento que podia ser previsto mas é insusceptível de ser dominado pelo homem.

         Não concordamos, porém, com tal entendimento

         Na verdade, perfilhando o entendimento sufragado no Ac. do STJ, de 08.11.2007 e no Ac. da Rel. de Guimarães de 09.04.2013, este secundando aquele, entendemos, como se escreve neste último, que “ se é certo, como se afirma no Acórdão do STJ, de 08.11.2007 que um simples raio não é susceptível de ser dominado por um homem, se esse homem for o simples consumidor de energia eléctrica, já não pode aceitar-se que esse mesmo raio não seja dominável por uma empresa, como a ré, cujo objecto negocial médio é a produção, o transporte e a distribuição de energia. “A menos que o raio fosse um «especial » raio fora de toda e qualquer previsão de uma empresa como a ré, em pleno seculo XXI”.

         Quer isto dizer, ainda nas palavras do mesmo acórdão, que as trovoadas e os raios, porque fenómenos naturais comuns e correntes, não podem ser independentes do funcionamento e utilização da rede de distribuição, pelo que a empresa que explora a produção, o transporte, a distribuição de energia eléctrica tem forçosamente que contar com eles.

            E sendo assim, impõe-se concluir, na esteira do decidido no referido acórdão, que os raios não preenchem o conceito de causa de força maior, conforme é definido no Nº2 do citado Art. 509º e como tal não exclui a responsabilidade objectiva da ré EDP, nos termos do disposto no Nº1 do mesmo artigo. “

         Assim sendo, e ao contrário do pretendido pela apelante, a A. provou apenas o que tinha de provar, como elementos constitutivos do seu direito e da correspectiva obrigação da Ré: a detenção efectiva da instalação de condução e entrega da energia por esta, com utilização no respectivo interesse, o contrato de seguro, o pagamento como génese da sua posição de sub-rogada, os danos e a relação de causalidade entre estes e o risco associado à entrega da energia ( relação que se satisfaz com o facto de os danos reclamados terem provindo de alterações que ocorreram na corrente eléctrica, tendo inclusive ocorrido um súbito corte no fornecimento de energia eléctrica, provocando uma sobretensão eléctrica na rede da EDP de abastecimento de energia eléctrica às instalações do segurado da autora, sendo que foi tal sobretensão, anómala e não permitida, que originou danos nos equipamentos do segurado da autora, que por se encontrarem ligados à corrente eléctrica, ficaram queimados.

            Já a R. não logrou fazer prova, como lhe incumbia nos termos do disposto no Art. 342º Nº1, de qualquer causa de força maior ou sequer do específico circunstancialismo aludido no Nº 3 do Art.º 509 do CC, uma e outro excludentes da responsabilidade prevista no Nº1 deste mesmo preceito legal.

         Na verdade, apesar de resultar provado, como resulta, que as instalações da segurada da A., “(…)” em Paranhos da Beira, é abastecida em baixa tensão e que à data dos acontecimentos todos os componentes da linha de média tensão e PT ( sem concretamente se especificarem quais ) se encontravam em condições de segurança adequadas e, ainda, que as redes da ré tinham sido inspeccionadas sem que tivesse sido detectada qualquer anomalia, a verdade é que, como se decidiu no Ac. da Rel. de Coimbra, de 15.01.1991, in BMJ 403, 494, não afasta a responsabilidade objectiva resultante da condução e entrega de emergia eléctrica o facto de terem sido cumpridas, na rede, as regras técnicas em vigor e tudo estar em perfeito estado de conservação, pois, como decorre do Art. 509º Nº1 do CC, a isenção dessa responsabilidade apenas se verifica no caso de os danos serem originados na instalação da energia e não já na sua condução e entrega.

         Por outro lado, também não pode a apelante pretender a sua desresponsabilização pelos danos ocorridos nas instalações da B... poderiam ter sido evitados se esta tivesse as suas instalações devidamente protegidas como legal e regulamentarmente aconselhado, pois se assim fosse, a ter ocorrido a dita trovoada e raio, sobre as instalações da segurada, os seus efeitos poderiam ter sido descarregados à terra através do pára-raios do próprio edifício evitando a repercussão sobre a referida instalação ( cfr. Regulamento de Segurança para instalações de utilização de energia eléctrica, aprovado pelo D.L. nº 740/74, de 26 de Dezembro, e as regras técnicas das instalações eléctricas de baixa tensão, constantes da Portaria nº 949-A/2006, de 11 de Setembro, aprovada por determinação do D.L. 226/2005, de 28 de Dezembro, ponto 131.6.1/2 conjugado com o ponto 11.1 ), sendo, por isso, manifesta a contribuição da segurada da A. para a ocorrência dos danos tal como descritos nos autos, a qual, por isso, sempre deverá ser responsabilizada pela ocorrência desses danos aqui peticionados pela A. sob pena de violação do disposto nas supra citadas Regras Técnicas para instalações de Baixa Tensão conjugadas com o Art. 6º do Regulamento da Qualidade de Serviço e Art.  570º do C.C.

         Com efeito, sendo obrigação da R. e ora apelante assegurar a distribuição da electricidade, não pode exigir aos seus clientes, com vista a desonerar-se das consequências danosas da sua actuação ou omissão, por via das normas supra referidas, a adopção de mecanismos de protecções das suas instalações, tendente a que os efeitos da queda de raios e trovoadas fossem descarregados à terra através do pára-raios do próprio edifício evitando a repercussão sobre a referida instalação.

         Nesse sentido vai, aliás o expendido no Ac. do STJ, de 13.07.2010, disponível in www.dgsi.pt, no qual se escreve que “ sendo obrigação contratual da ré a prestação de um serviço que consiste no fornecimento de um bem, que é a electricidade, a troco da contraprestação pecuniária do utente, não pode exigir deste, com vista a desonerar-se das consequências danosas do seu eventual incumprimento, quer a adopção de um sistema alternativo de produção de energia, quer a adaptação física das suas instalações, por forma a criar um sistema de abertura automática das janelas, quer, finalmente, e sem tal ter sido alegado, mas que se refere como argumentação adversa, por exemplo, a instituição de um sistema de segurança privada ou de um seguro de responsabilidade civil por danos próprios “.

         Não pode, pois, a R. e ora recorrente deixar de ser responsabilizada pelos danos ocasionados nos equipamentos seguros, cujo pagamento vem peticionado pela A., a qual, como se decidiu na sentença, está sub-rogada no direito de crédito que competia ao respectivo segurado, em função do pagamento efectuado, o que lhe é directamente consentido pelo art.º 136, nº 1, do DL nº 72/2008 de 16 de Abril, diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, sendo que nesta parte a apelante não se insurge contra a sentença recorrida, a qual por fazer uma correcta subsunção dos factos ao direito, se mantém nos exactos termos.

Em face do exposto, ainda que por fundamentos não inteiramente coincidentes, confirma-se a decisão recorrida.

         V- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

1- Sendo a condução e entrega de energia eléctrica uma actividade perigosa, o Art. 509º Nº1 do C.C, impõe que quem beneficia dessa actividade suporte, objectivamente, os respectivos riscos, reparando os danos ou prejuízos causados em consequência do exercício dessa actividade.

         2. Só não obrigam a tal reparação, nos termos do Nº2 do mesmo preceito legal, os danos que forem devidos a causa de força maior.

         3. As trovoadas e os raios, porque fenómenos naturais comuns e correntes, não podem ser independentes do funcionamento e utilização da rede de distribuição, pelo que a empresa que explora a produção, o transporte e a distribuição de energia eléctrica tem forçosamente que contar com eles.

         4. Os raios não preenchem o conceito de causa de força maior, conforme é definido no Nº2 do citado Art. 559º e como tal não exclui a responsabilidade objectiva da ré EDP, nos termos do disposto no Nº1 do mesmo artigo.

 

 VI- Decisão:

Nos termos que se deixam expostos, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

                                      Coimbra, 22 de Outubro de 2013

                                      Maria José Guerra (relatora)

                                      Carvalho Martins

                                               Carlos Moreira